Arquivo do mês: maio 2011

MINHA MÃE É UMA MULHER DE PEITO

Vocês que têm me acompanhado por aqui bem sabem que sou um homem de fazer confissões. Sabem, mais que isso, que tenho me dedicado, nos últimos dias, a fazer confissões arrancadas da gaveta da memória, fruto de intensos e violentos arremessos em direção ao passado que não me trai. Aqui e aqui, mais recentemente, tratei de um tema importante trazido à tona pelo historiador Luiz Antonio Simas em seu blog Histórias Brasileiras: a importância do uso do medo como instrumento pedagógico na formação do caráter do homem. Hoje, se vocês me permitem, vou fugir um pouco do medo mantendo-me fiel ao tema pedagogia. Antes, porém, permitam-me um não tão breve intróito.

Estava eu em casa, ontem, quando convoquei minha menina e minha sogra para o jantar. Sentei-me à mesa de pijamas (uso pijama) e deu-se em mim, antes mesmo da primeira garfada, um guincho que me lançou para 1985 (impossível esquecer o ano, estávamos a poucos dias do primeiro Rock in Rio). Morávamos na Professor Gabizo, quase esquina com a General Canabarro. E me veio à mente uma cena dessas que, contadas por alguém sem crédito, gera a reação da assistência:

– Mentira…

Disquei pra mamãe. Perguntei:

– Mamãe, posso contar no blog aquela história assim, assim, assado? – se eu lhes contar agora o que é, a graça vai embora.

Ouvi mamãe gargalhando do outro lado da linha. Ela, muito sábia, respondeu depois de uns segundos:

– Claro que pode! Rir ainda é um fantástico remédio!

Desligamos. De lá pra cá recebi telefonemas de meu pai (que não atendi de propósito imaginando o pedido de veto), e-mails, sinais de fumaça, mas acordei determinado a lhes contar sobre uma sensacional passagem envolvendo mamãe e seus métodos eficazes para educar os três filhos (sou o mais velho).

Hoje cedo, eu ainda tomava meu café preto no bar do Marreco, estrilou meu celular. Era meu dileto amigo e conselheiro, Aldir Blanc. Contei-lhe tudo, timtim por timtim. Só ouvi os guinchos e as gargalhadas do outro lado. Até que, ainda há pouco, chegou-me por e-mail um manifesto assinado pelo bardo:

“MANIFESTO que o direito do advogado, ativista político, compositor e cantor Eduardo Goldenberg escrever em seu blog sobre os seios da senhora mãe dele, minha querida amiga Mariazinha, é inalienável. Afinal, eles o amamentaram!”

Chorei, confesso, diante de tamanha manifestação de solidariedade.

Pouco depois do referido e-mail, foi Mariana Blanc, sua filha, minha querida comadre, quem escreveu em seu mural no Facebook:

“Eu não sei no Twitter, mas, nos telefonemas do meu pai durante todo o dia (sim, são sempre vários), no topo dos tópicos estão… peitos. P-E-I-T-O-S. E a culpa parece ser do Eduardo Goldenberg, como sói acontecer! Hahahahaha”

Feito o intróito, vamos ao que quero lhes contar.

Mamãe, que recentemente completou 43 anos de casada com meu pai – um homem que carrega frases feitas nos bolsos como maços de dinheiro – teve três filhos. Eu, o mais velho, nascido em 1969, Fernando, o do meio, de 1971, e Cristiano, o caçula, de 1975. Entre mim e Fernando e entre Fernando e Cristiano mamãe ainda perdeu dois bebês, dois homens, o que comprova que mamãe veio ao mundo para criar meninos. Sintam o drama da filha única da dona Mathilde. Pois bem.

Desde que me entendo por gente mamãe tem uma queixa: homens que sentam-se à mesa para as refeições sem camisa. Papai, então, sempre foi um radical. Mamãe podia receber um rajá em casa; lá estaria meu pai sem camisa e descalço expondo os pelos e os pés enormes que lhe renderam, em tenra idade, o apelido de Abominável Homem das Neves. Pois sabem como é… Três meninos que têm na figura paterna a figura do ídolo… Sentávamos todos à mesa, para as refeições, nus da cintura pra cima. Café da manhã, almoço nos finais de semana, jantares, todos sem camisa. E mamãe, com a paciência de uma espírita resignada, comendo entre muxoxos:

– Vocês sem camisa… tremenda falta de respeito…

Sobre isso, breve pausa. Mamãe sempre diz isso:

– Não admito que chamem meus filhos de mal-educados. Eles podem, isso sim, não ter absorvido a educação que dei!

Corria o mês de janeiro de 1985. Havíamos acabado de mudar para o edifício Míriam, no número 359 da Professor Gabizo, recém-construído. Fazia um calor dos diabos, verão carioca…

Estávamos na sala, eu, meus irmãos e meu pai. Mentira. Estávamos todos na varanda, era nosso primeiro apartamento com varanda, e isso era um luxo que vou lhes contar… Ouvimos o grito da cozinha:

– Meninos! Tá na mesa!

Papai disse:

– Já vou! Meninos, vão indo… vou aproveitar mais 2 minutos da fresca… – e meteu metade do corpo pra fora da varanda.

Fomos em fila indiana. Eu, na frente, estaquei diante da porta. Virei a cabeça como um boneco e penso que tinha os olhos saltados pra fora do rosto (notem que eu tinha 15 anos de idade, Fernando tinha 13 e Cristiano, 9). Gritei:

– Pai?

E ele:

– Hã!?

– Vem aqui…

Papai – um dos homens mais apaixonados que conheço – fez tremer o edifício a passos largos:

– O que houve?

Apontei pra cozinha, ainda de pé diante da porta. Papai pôs a cabeça por cima de nós, mirou em direção à mamãe e soltou:

– Prrrrrrrrrr!

Explico o “prrrrrrrrrr”.

Papai sempre nos ensinou:

– Não se fala palavrão na frente da sua mãe! Palavrão é pra falar na rua, no Maracanã, entre os amigos. Na frente da sua mãe, nunca! Entenderam!

Vai daí que, em casos extremos, o máximo que ele se permitia era um “porra”, o mais doce dos palavrões. Mas nem assim, nem sendo o mais delicado, ele se permitia um “porra”, que virava “prrrrrrrrrr”. Entenderam? Vou seguir.

Mamãe estava sentada à mesa com a mesa posta: salada verde com tomate, arroz, feijão, bife acebolado e batata frita. E estava nua da cintura pra cima (estávamos todos, como de costume, sem camisa). Mexendo o gelo dentro de um copo longo de Martini, disse como se nada estivesse acontecendo:

– Vai esfriar! Vocês não vêm?

Papai, coitado:

– Pixuxa, minha filha, o que houve? – ele estava de joelhos diante dela.

– Dudu, Nando, Cris, venham, meus filhos, sentem-se! – os olhos de mamãe brilhavam.

Papai virou-se e tentou interromper nossa marcha:

– Não olhem, não olhem! Sua mãe está nua! Prrrrrrrrrr!

Ela ficou de pé e foi enfática:

– Nua? Estou sem camisa, como vocês. Sentem-se! – e sentou-se de volta.

Papai, em visível estado de choque, disse em nossa direção:

– Vão vestir uma camisa, já! Prrrrrrrrrr!

Mamãe foi dura:

– Não! Hoje, não! Vai esfriar a comida. Vamos todos comer sem camisa hoje!

Foi o mais estranho jantar de meus 42 anos. Papai, assim que sentou-se, deu início ao transe. Baixou Tupinambá na cozinha mas mamãe não deu refresco:

– Ô, caboclo, dá licença. O senhor cuida do espiritual que da etiqueta e da educação dos meus filhos cuido eu. Canta pra subir! Saravá!

O caboclo cantou pra subir, de fato.

Papai cortava o bife e mastigava aos prantos. Cristiano, o mais novo, ajeitava os óculos a cada minuto. Fernando me chutava por baixo da mesa e eu, já exibindo meu talento polemista, dizia para desespero de meu velho:

– Pô, mãe, tudo em cima aí, hein!

Mamãe recolheu os pratos, serviu a sobremesa – era gelatina e eu percebi, ali, na escolha do doce, um sentido estético sensacional – e depois disse afagando as mãos de meu pai, que fungava sem pudor:

– Gostou, meu filho?

E ele:

– Da comida?

E ela, exibindo os seios:

– Não, meu filho! De sentar-se diante de mim e dos meninos assim, sem camisa! – e deu de rir, feito Exu-Caveira (apud Aldir Blanc).

Papai:

– Nunca mais, Pixuxa, nunca mais… – e assoou o nariz com o guardanapo de papel.

Ela, de pé, servindo-se de mais Martini:

– Acho que vocês entenderam, certo, meninos?

De lá pra cá – e lá se vão mais de 25 anos – nunca mais comemos nem de camiseta. Faça sol, chova, seja verão ou seja inverno, nunca mais ousamos desrespeitar esse desejo, tão simples, de mamãe.

Até.

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MAIS MEDOS, ALICERCES DO CARÁTER

Eu escrevi dia desses, na semana passada, inspirado em inspirado texto do mestre Luiz Antonio Simas, um pequeno tratado sobre a importância do medo imposto às crianças como formador de sólidos alicerces do caráter de um homem, aqui. Falei, ali, sobre diversos medos que me foram jogados no colo ao longo da infância, fiz a confissão no sentido de que foram todos fundamentais para minha formação, mas deixei de comentar sobre os medos que, mesmo depois de burro velho, papai – o principal arremessador de pânicos em nossa direção, minha e de meus irmãos – continuou fazendo questão de nos apresentar. Até já falei de um deles aqui, em 17 de abril de 2008. Mas hoje quero ser mais detalhista, mais preciso, mais verdadeiro.

Nesse texto, de abril de 2008, e notem como o tema já me preocupava, conto que papai tinha um casal de amigos que sofrera um pesado viés por tabela: o filho de um casal muito amigo desse tal casal amigo de papai (no texto dou os nomes, devasso tudo!), que dera carona a um amigo, fora preso por conta de uma blitz policial que encontrara, no porta-luvas de seu carro, uma quantidade considerável de maconha. Aquele enredo era um dos motes que meu velho pai usava para me manter longe das drogas, as ilícitas, seja feita a ressalva. As lícitas papai curtia. Em 1978, eu tinha 9 anos de idade, a poucos minutos da estréia do Brasil na Copa do Mundo papai arremessou uma lata de Brahma no meu colo e urrou, como um huno:

– Beba, porra! Beba!

Mamãe ensaiou um muxoxo mas papai foi enfático:

– É a primeira Copa do Mundo que o moleque vê. Não te mete nesse departamento!

Bebi felicíssimo aquele líquido amargo e até hoje, quando dou o primeiro gole de cerveja, sinto-me com 9 anos de idade recebendo o tesouro das mãos de meu pai. Dito isso, vamos em frente.

Bem lembrou-me o Simas, que voltou ao tema ontem, do caso do menino Carlinhos, seqüestrado em 02 de agosto de 1973 na rua Alice e jamais encontrado (leiam aqui). O menino Carlinhos foi muito utilizado na minha criação, como vou lhes contar. Antes, porém, faço breve digressão.

O menino Carlinhos nunca mais apareceu, mas rendeu foi matéria. Implacavelmente a imprensa falada, escrita e televisada dava notícias de que o pobre menino havia sido encontrado: em Caxambu, em Cambuquira, em São Gonçalo, em Florianópolis, no interior de São Paulo, até uma ossada encontrada na Baía de Guanabara inventaram que era do garoto, e daí ouviam a família, faziam perícias, dava-se um rebu que resultava sempre no mesmo… Não, não era o Carlinhos.

É que a imprensa tem seus modos, podem reparar: há uma mortandade de peixes na Lagoa Rodrigo de Freitas? Lá vão, aos atropelos, entrevistar o biólogo Mario Moscatelli. Houve um assalto na Fonte da Saudade? Teremos Ana Simas, presidente da associação de moradores, sapateando em todas as manchetes. Uma capivara pariu? Entrevista coletiva com Cora Rónai, e por aí. Repórteres (cada vez mais fracos) e estagiárias das redações (apud Nelson Rodrigues) têm no bolso os nomes de sempre para os fatos de sempre. Vai daí que foi assim durante muitos anos. Um louro qualquer era pescado pela imprensa, como um tesouro pronto pra virar manchete: encontramos o Carlinhos!

Na casa de meus avós sempre que a TV ou o rádio noticiavam o troço dava-se uma bulha tremenda. Minha bisavó ajoelhava e erguia as mãos em prece em direção ao céu, minha tia Idinha corria as contas do terço, minha avó fazia uma prece contida para que o espírito de Emmanuel conduzisse os trabalhos dos investigadores, e meu avô Milton, mexendo as pedrinha de gelo dentro de seu copo de Teacher´s, dizia sempre a mesma frase:

– Que palhaçada, o Carlinhos morreu!

Pois então, vamos ao que quero lhes contar.

Saía da vila em direção ao Monte Sinai, clube ao lado de nossa casa, e meu pai dizia me segurando pelos ombros:

– Atenção, viu? Olhe para os lados, não fale com estranhos, podem ser os seqüestradores do Carlinhos…

Quando comecei a voltar sozinho da escola, de ônibus, e eu pegava o 638, minha bisavó foi sempre implacável:

– Nada de conversar com quem você não conhece. Lembre-se do pobre Carlinhos…

Eis que hoje percebo com clareza que o pobre-diabo raptado mora em mim, enterrado como um sapo de macumba (apud Nelson Rodrigues, sempre).

Até hoje sou um túmulo na rua. Nego cigarro a quem me pede. Não empresto o isqueiro nem à fórceps. Gente que vem forçar intimidade em fila de padaria, fila de banco, qualquer fila, não tem nada de mim além do mais absoluto desprezo. Ando, até hoje, como uma piorra no meio da rua. Rastreio meu trajeto. Viro pra trás em busca de meus algozes. Olho para os lados com a intermitência de um farol. Cada estranho, cada um que se aproxima é, potencialmente, meu seqüestrador.

E o que é mais bonito: acho tudo isso normalíssimo.

Era o que eu queria lhes contar.

Até.

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LIÇÕES DE PEDAGOGIA

Luiz Antonio Simas, brasileiro máximo, meu irmão de fé, respeitado professor de História, é pai de primeira viagem do carioquíssimo Benjamin, que completa amanhã, 21 de maio, dois meses de vida. Garoto de sorte, o Benjamin. A mãe é uma doçura que começa pelo nome – Cândida. E o pai, um caboclo sabido demais, conhecedor dos mistérios do invisível, que carrega nos olhos verdes toda a sabedoria ancestral que nos remete à mata brasileira e sua imensidão encantadora. Pois o Simas, que anda numa alegria comovente por conta do moleque recém-chegado, escreveu um tratado anteontem em seu imprescindível blog, o Histórias Brasileiras. No texto, afirma que “o medo é um instrumento pedagógico da maior eficácia na educação de uma criança”. Só por conta dessa curtíssima transcrição ouço daqui os sapateados histéricos de educadores, pedagogos, psicólogos, quadros do PSOL e quejandos. Mas o que quero lhes dizer hoje é o seguinte: concordo inteiramente com o bardo tijucano, morador da aldeia Maracanã, cuja oca dista pouco mais de 1km da minha. Mas vamos às minhas razões.

Lendo o texto a que fiz referência, e que pode ser lido na íntegra aqui, percebo que os medos que geraram reações pânicas no menino Luiz Antonio foram os mesmos que me foram plantados, enterrados em mim como sapo de macumba (apud Nelson Rodrigues).

Eu era um menino. Uma de minhas tias, casada com um irmão de minha avó, a tia Noêmia, tinha uma casa em Campo Grande, zona oeste da cidade, num condomínio chamado Clube 34, tratado como sítio por toda a parentalha. Pois havia, no tal Clube 34, uma piscina enorme, redonda, funda, e não houve um só dia em que eu não ouvisse de meu pai a frase que gerava uma concordância unânime entre as tias:

– Cuidado na piscina! Olha o garoto que morreu sugado pelo ralo! Morreu, ouviu? Morreu!

E sempre fui, na piscina em Campo Grande, um menino de olhos esbugalhados diante da possibilidade da sucção fatal.

Eu era um menino. Papai me dava semanada, nunca me deu mesada (vá entender). E dizia, todos os dias, ao me deixar no portão da escola:

– Compre sua merenda na cantina, viu? Apenas na cantina! Esse moço da carrocinha coloca cocaína nas balas que vende. Sabe o que é cocaína?

Eu, trêmulo, com a pequena mochila no colo no banco de trás do carro, dizia que não. E papai, soturno pelo retrovisor:

– É um pó, meu filho, uma droga. Vicia. Vicia e mata. Como o ralo das piscinas, entendeu?

E na hora do recreio eu comprava meu Mirabel na cantina e olhava, com intensa piedade, para os colegas que atravessavam o portão em direção à carrocinha, como se fossem pré-cadáveres à beira da morte.

Eu era um menino. E exatamente como o mestre Luiz Antonio, evitava ir ao banheiro sozinho durante as aulas. Lá estava, é claro, a Belmel, a loura defunta, de algodões ensangüentados nas narinas, disposta a vingar o filho que morrera antes dela.

Eu era um menino, e assistia sempre, estarrecido, um diálogo recorrente entre minha bisavó, Mathilde, e minha tia (sua irmã), tia Idinha. Leque fremindo numa das mãos, dizia minha bisavó:

– Idinha, espia. Não vá esquecer do espelhinho quando eu morrer.

Tia Idinha fazia o sinal da cruz:

– Pidôca, isso se você morrer antes. Se eu morrer antes, veja lá, não vá esquecer do espelhinho!

Dava-se o seguinte: o ator Sérgio Cardoso, cujo corpo havia sido exumado, fora encontrado de bruços dentro do caixão. A tampa do dito cujo estava marcada, por dentro, pelas unhadas vigorosas que o pobre-diabo dera depois de acordado a sete palmos do chão, fruto do desespero diante da situação. Vai daí que espalhou-se pela cidade, pelo país, o pânico. Ser enterrado vivo era o medo súbito de toda uma geração. E minha bisavó tinha a tática infalível:

– Idinha… Você não se importe com a reação da assistência na capelinha. Aproxime-se de meu corpo e deixe durante um bom tempo o espelhinho diante de minhas narinas. Se embaçar é batata. Estou viva. Não pemita que fechem o caixão, entendeu?

Eu, molecote, tinha pesadelos horripilantes.

Numa só noite eu estava nadando no Clube 34 e era sugado pelo ralo. Dado como morto. Velado por uma família inconformada. E acordava aos berros quando me percebia vivo no caixãozinho já fechado. Noutra noite, atravessava o portão do colégio e comprava uma bala Soft na carrocinha. Era um zumbi, minutos depois, flechado pelo vício da cocaína e fadado a viver por aí perambulando em busca de mais pó. Noutra noite, ainda, eu era acometido por uma diarréia violenta durante a aula de Estudos Sociais e sentado no vaso do banheiro do colégio Palas via agigantar-se diante de mim o vulto impressionante da loura assassina.

Uma infância tranqüila, como se vê.

Hoje, percebo tristíssimo que são pueris os medos da garotada. Medo de que se quebrem os controles do Wii. Medo de que caia a conexão da banda-larga. Medo de que sejam hackeados os perfis do Orkut ou do Facebook. Medo de que acabe a bateria do celular no meio da rua… Uma falta absoluta de encantamento, uma ausência completa de um pânico-humanizado capaz de mostrar à molecada a finitude do homem, sua falibilidade e seus limites.

Entro, pois, de cabeça, na campanha lançada por Luiz Antonio Simas. Meus afilhados que se cuidem. Os filhos e filhas de meus amigos, de meus vizinhos, todos que se preparem!

Até.

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CARTA ABERTA AOS MEUS

Eis-me aqui, às 16h35min desta quarta-feira chuvosa, diante do monitor e chovendo mais que a chuva que cai lá fora de tanto que choro. Jamais toquei nesse assunto publicamente, não ao menos de forma direta, porque eu entendo – até mesmo porque aprendi demais nesses anos de profundo enfrentamento – que a dor de cada um é absolutamente particular, íntima, indivisível e instransferível. Mais que isso, dá-me engulhos a simples idéia de imaginar que alguém, quem quer que seja, diante de uma exposição mais clara, ponha-me na conta do piegas ou do sensacionalista. Aprendi, também, que é preciso ter, sempre, em meio à situação que vivo, ânimo, dignidade e coragem. Agradeço aos deuses, diariamente, por enfrentar, como enfrento há mais de 3 anos, a situação que a vida pôs no meu colo. Melhor dizendo: no colo da mulher que me ensinou a sorrir e que desde 1999 dá-me o colo que me sustenta.

Não é mole – e ninguém faz idéia do quanto, aprendi isso também… – ver a pessoa que escolhemos por amor e afinidade para ser companheira de vida, sofrendo diante de um revés de saúde. Eu já havia vivido situações similares com gente próxima. Sempre fui daqueles de bater no ombro e dizer “conte comigo, eu sei o que você está passando…”. Elas sempre puderam contar comigo – mesmo! – mas eu nunca soube o que elas estavam passando (como ainda não sei… a dor é sempre particular, íntima, indivisível e instransferível). Feito esse breve intróito, vamos ao que quero lhes dizer, que eu não vou escorregar e dar de fazer chorumela sobre isso!

Sou filho de Ogum, é no lombo do meu cavalo que eu guerreio, e vocês não têm nada que ficar ouvindo arengas pouco produtivas!

Hoje, por recomendação médica, minha menina, dona do mais bonito e luminoso sorriso que pode haver, precisou fazer uma transfusão de sangue. Pediu-me, pouco antes de eu sair de casa – profissional autônomo tem dessas coisas… – que eu tentasse conseguir doadores pra ela, sangue O+. Mais que isso, por conta das exigências da clínica, que eu conseguisse doadores de qualquer tipo sanguíneo…

Pois fui ao twitter… e quantas vezes, durante as últimas eleições falei sobre o poder impressionante dessa ferramenta…

Deu-se o seguinte: em questão de poucos minutos meu apelo foi ganhando espaço (através do conhecido RT, que repica as informações passadas pelos usuários) e eu fui, diante de todo esse movimento, um homem em estado de graça diante das manifestações de carinho e de solidariedade, sobretudo de solidariedade.

Leio muito por aí frases – eu mesmo, vira-e-mexe, mando uma dessas… – dando conta de que o mundo acabou, de que a humanidade fracassou, de que não há mais jeito, por aí. Não é verdade.

São quase cinco da tarde, o nome da minha menina – Danielli Pureza – está nos trending topics do twitter, muita gente foi doar sangue, muita gente prometeu que doará amanhã, muita gente, impossibilitada de fazê-lo, espalhou meu apelo e eu não posso atribuir tudo isso a nada que não seja a desgastadíssima palavra “amor”.

Somos gente, somos de carne, osso, sangue e alma (sou um crente absoluto quanto a isso), e ainda que não coloquemos a alma nesse cadinho (respeito, profundamente, os céticos) somos capazes de gestos como esse que hoje, foi por um triz!, quase me derrubou de tanta emoção.

Vai, por isso, esse texto. Na intenção de cada um de vocês, que me lêem, gente que me conhece, gente que não me conhece, gente que me quer bem, gente que nem tanto, gente que – sabe-se lá o por quê! – abraça uma idéia, um pedido, que se fia na fiança de um mais próximo, que acredita e que faz acontecer.

Seria impossível, por óbvio, agradecer a cada um dos milhares que nos ajudaram, a mim e à minha menina, nessa batalha de hoje. Batalha que – tomem nota! – continua até sábado, ao menos para nosso específico caso. Até sábado, das 08h às 16h, doações de qualquer tipo de sangue são mais que bem-vindas no Hematologistas Associados, na rua Conde de Irajá 183, em Botafogo, fone (21) 2537-7440, em nome de Danielli Pureza.

Vai por isso, esse texto, esse agradecimento, esse manifesto de absoluta gratidão. O que vocês fizeram comigo hoje, e eu choro de esguichar, como uma vaca – pra manter o nível Tijuca da confissão! – , foi um tremendo cafuné, um carinho no rosto de barba branca que teima em sorrir e agradecer por tudo. Muito obrigado, do fundo do meu mais-que-baqueado coração tijucano.

Até.

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CARNE-SECA NA ABÓBORA, A RECEITA

Fiz na segunda-feira uma carne-seca com abóbora dentro da abóbora, e usei uma abóbora japonesa, também conhecida como cabotiá, de casca escura, que comprei no domingo, na feira da Vicente Licínio, na Tijuca, na barraca do boa-praça Gérson, que trata de prepará-la para mim. Pode ser feita também com a abóbora moranga, mas eu gosto mais de fazer com a cabotiá. Vamos aos ingredientes: além da abóbora, com a tampa cortada e limpa por dentro (vocês verão nas imagens abaixo), comprei 1,5kg de carne-seca salgada (lagarto), 3 cebolas, um maço de cebolinha, azeite, manteiga sem sal, uma caixa de Catupiry, e um tanto de queijo parmesão pra ralar na hora.

Da carne-seca, assim como da abóbora (que fica na geladeira, envolvida num saco plástico pra não ressecar), eu começo a tratar na véspera. Limpo muito bem a carne-seca, tiro o excesso da gordura que fica por fora, corto em nacos retangulares e ponho numa panela, na geladeira, cheia dágua, água essa que será trocada de 6 em 6 horas, a fim de dessalgá-la. O que significa dizer que se na noite de domingo tratei de preparar a carne-seca, na segunda-feira, por volta das oito da noite, 24h depois, dei início ao preparo do prato.

Pus os nacos de carne-seca numa panela de pressão e contei uns 20/25 minutos depois do primeiro apito. Tirei a pressão, abri a panela, escorri a carne-seca (nunca se deve pôr direto na água fria para evitar que ela encolha e esfarele…), e deixei esfriando sobre uma tábua.

Fui, então, cuidar da abóbora. Evidentemente que com o inseparável Red Label por perto.

Tirei-a da geladeira, e ela tem esse aspecto, com a tampa, já cortada.

Eis aí o trabalho do Gérson: o corte perfeito da tampa, a abóbora limpa, sem os caroços e tudo o que você deve fazer, já com o forno pré-aquecido, é passar com os dedos, tomando cuidado para não raspar demais as paredes da abóbora, sal em toda a extensão da abóbora, na parte de dentro – é evidente. Nas paredes e no fundo.

Você vai perceber que imediatamente a bichinha começa a soltar líquido, que é tudo o que é preciso que aconteça. É importante também, antes de levá-la ao forno, besuntar a casca com um pouco de azeite, a tampa inclusive, que fica ao lado da abóbora dentro do forno, dentro de um tabuleiro e sobre um papel alumínio com o lado espelhado para cima (nada de envolver a abóbora no laminado!).

Com a abóbora já no forno (médio para alto) – sem jamais esquecer o uísque – é hora de cortar as cebolas em rodelas bem finas e desfiar (ou desfolhar… se bem dessalgada e cozida é isso que vai acontecer) a carne-seca.

Importante notar a direção das fibras da carne-seca para que ela não esfarele. O ideal é que você consiga transformar a carne-seca (que encolherá, é claro, depois de cozida e fria) em lascas bem grandes, como na foto. Nesse momento é possível também (e desejável) retirar o excesso da gordura entranhada na carne que não foi possível retirar antes do cozimento.

Pique o molho de cebolinha em rodelas, como na foto abaixo.

Uns 30 minutos depois, hora de tratar da abóbora no forno (há que se cuidar para que não asse a ponto de descolar o fundo da abóbora). Regar a casca com um pouco mais de azeite, regar as bordas de cima da abóbora e a parte interna da tampa. Deixar o forno em fogo baixo e mandar a bichinha lá pra dentro de novo. É, então, hora de cuidar do refogado.

Numa panela de fundo grosso, azeite e manteiga sem sal. Jogue toda a cebola picada e trate de ir mexendo pra fazê-la perder a cor, cuidando para não fritar a ponto de ficar crocante.

Perdeu a cor? Mande a carne-seca, já desfiada, pra dentro do refogado (caso haja necessidade, ponha mais azeite e manteiga sem sal) para que não fique totalmente seca.

Quando já bem incorporada a carne-seca ao refogado, hora de pôr a cebolinha picada.

Quando já bem misturado, ponha o Catupiry, fogo bem baixo, e vá mexendo com cuidado, devagar, bebericando o uísque…

Com o Catupiry já todo derretido e bem incorporado à massa, desligue o forno, retire o tabuleiro com a abóbora para recheá-la e ligue o gratinador (caso seu forno não tenha o gratinador, aumente o fogo do forno para o máximo).

Cuide de rechear com extremo cuidado, colher a colher, para não desmanchar a abóbora (fiz umas 2 vezes antes de atinar pro ponto certo da abóbora…).

Ela estará com esse aspecto.

Rale um pouco do parmesão e cubra o recheio com ele, ficando com esse aspecto.

No meu forno, usando o gratinador já bem quente, são mais 10 ou 15 minutos para que o queijo fique bem gratinado, bonito, fazendo papel de tampa da abóbora…

Sirva com a tampa da abóbora que fará, mesmo, apenas o papel de fazer graça. Mas convenhamos… fica bem bacana. Essa receita, se não tiver nenhum huno à mesa, serve 6 pessoas com fartura.

Até.

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ALDIR BLANC E O ECAD

Eu não sou – ainda – profundo conhecedor do chamado Direito Autoral, embora seja advogado. Não tenho, pois, conhecimento técnico para dizer isso ou aquilo sobre a LDA (Lei dos Direitos Autorais), nem a que está em vigor nem a que está para ser submetida (ou não, vá entender o Ministério da Cultura) ao Congresso Nacional. Tampouco entendo dos meandros administrativos e legais que envolvem o ECAD, órgão que arrecada e distribui valores referentes justamente ao direito autoral. Mas eu entendo de Justiça, com maiúscula mesmo, e não por outra razão escolhi ser advogado. Nunca quis – faço questão de fazer a ressalva enfática – ao contrário de tantos e tantos colegas de faculdade, prestar concurso para ser Juiz, Defensor Público, Promotor de Justiça, Procurador do Município, do Estado, da União, nunca. Sempre quis fazer o que faço, e sou por isso um homem em permanente estado de realização profissional. Sou advogado e digo, sem medo do erro, que ninguém é mais advogado do que eu, com respeito a todos aqueles que, como eu, abraçaram e abraçam o exercício da advocacia. Optei, desde que me formei, em 1992, por não ter secretária, por não ter estagiário, por não ter ninguém trabalhando comigo. Isso, é claro, me dá limitações na mesma medida em que me dá uma liberdade da qual não abro mão. Escolho as causas que vou defender a dedo, até porque não tenho condições de fazer o que chamo de advocacia industrial, com centenas e centenas de clientes que muitas vezes, dentro dessa modalidade, não têm o atendimento que, penso, deve ser dispensado a um homem que precisa de um advogado – falta-me uma máquina para atender a demanda. Mas aqueles que me têm como procurador – e eu digo sempre que faço uma advocacia artesanal – têm em mim um soldado em estado de alerta as 24h do dia, faça chuva ou faça sol. Feito este intróito – com cara de jabá, confesso! – vamos ao que quero lhes dizer.

Defendo, ainda que me falte conhecimento para discutir a fundo a questão, uma profunda e radical revisão nos métodos de arrecadação e distribuição dos chamados direitos autorais. E por quê?

Sou amigo, há muitos anos, daquele a quem considero o maior letrista da música brasileira: Aldir Blanc. Avô de uma de minhas afilhadas, amigo fraterno de todas as horas, o Aldir é uma unanimidade, o “ourives do palavreado” na insuspeitada opinião do saudoso mestre Dorival Caymmi, e mesmo aqueles que, em acaloradas discussões de bar, defendem o nome de Paulo César Pinheiro ou de Chico Buarque no alto do pódio dos letristas brasileiros (cito os dois, sempre os mais citados), têm pelo bardo da Tijuca, da Muda mais precisamente, profundo respeito, adoração, até.

Em busca de informações mais precisas sobre a portentosa obra do Aldir, recorri ao site do Instituto Cravo Albin, fonte segura de minha pesquisa, e vamos a ela.

Pois o Aldir, que em 68, começou a compor com Sílvio da Silva Júnior, cravou em 1970 seu primeiro estrondoso sucesso, “Amigo é pra essas coisas”, na voz do MPB-4 (aqui).

Nesse mesmo período, foi integrante do MAU (Movimento Artístico Universitário), do qual também faziam parte César Costa Filho, Ivan Lins, Paulo Emílio, Sílvio da Silva Júnior, Gonzaguinha, entre outros.

Ainda no começo da década de 70 conheceu João Bosco, com quem formou (e forma, na minha modesta opinião) a mais genial dupla de compositores do Brasil em todos os tempos. Antes, porém, em 71, foi gravado pela primeira vez pela maior cantora do Brasil, Elis Regina, com a canção “Ela”, em parceria com César Costa Filho, no LP que ganhou o mesmo nome.

Em 1972, João Bosco registrou a primeira composição da dupla, “Agnus sei”, que saiu num compacto encartado no jornal “O Pasquim”, posteriormente gravada por Elis Regina (aqui). No lado A do compacto, Tom Jobim interpretando “Águas de março”.

Em 72, Elis Regina gravou “Bala com bala”, de sua parceria com João Bosco, aqui num sensacional filme feito para uma TV alemã (aqui).

Já em 73, no disco “Elis”, a cantora gaúcha incluiu várias composições da dupla João Bosco e Aldir Blanc, como “Cabaré” (aqui), “Comadre” (aqui), “Agnus sei” e “Caçador de esmeralda”. Nesse mesmo ano, João Bosco também gravou várias parcerias da dupla.

Em 74, participou da fundação da SOMBRAS, sociedade responsável pela defesa de direitos autorais. Nesse mesmo ano, Elis Regina lançou novo LP incluindo novas composições da dupla Bosco e Blanc: “O mestre-sala dos mares” (aqui com Elis Regina e aqui com Ivete Sangalo), “Dois pra lá, dois pra cá” (aqui) e “Caça à raposa” (aqui, com o próprio João Bosco, em filmagem amadora de 2011).

Em 1975, Simone incluiu “Latin lover” no LP “Gota d’água” (aqui, em gravação da própria, feita em 2006). João Bosco lançou, nesse mesmo ano, o LP “Caça à raposa”, interpretando vários sucessos da dupla, como “De frente pro crime” (aqui ao vivo em show do MPB-4, de 2008) e “Kid Cavaquinho” (aqui com João Bosco e Dudu Nobre, ao vivo), entre outros. Ainda incluiu na trilha da novela “Gabriela” (TV Globo) outra parceria de ambos, “Doces olheiras”, gravada por João Bosco. Ainda em 1975, o grupo MPB-4 gravou “De frente pro crime”.

No ano seguinte, Elizeth Cardoso interpretou de sua autoria “De partida” (com João Bosco) e o grupo MPB-4 gravou “O ronco da cuíca”, também com João Bosco (aqui, interpretada pelo próprio João).

Em 1977, Elis Regina gravou “Um por todos”, “Jardins de infância” e “O cavaleiro e os moinhos” (aqui, com Elis Regina), todas parcerias de João Bosco e Aldir Blanc. Nesse mesmo ano, compôs com João Bosco a música “Visconde de Sabugosa” para o seriado “Sítio do pica-pau amarelo” (TV Globo) (aqui com João Bosco). Ainda em 1977, Elis Regina gravou “Transversal do tempo”, parceria com João Bosco (aqui, ao vivo, logo depois de “Sinal Fechado”, de Paulinho da Viola, com Elis Regina).

Em 1978, “Transversal do tempo” foi regravada por Elis Regina e deu título ao disco da cantora, que incluiu também “O rancho da goiabada” (aqui com Elis Regina). Nesse mesmo ano, Sueli Costa registrou a canção “Mãos”, parceria de ambos. Elizeth Cardoso incluiu, no LP “A cantadeira do amor”, a canção “Me dá a penúltima”, parceria com João Bosco (aqui em monumental registro de Aldir Blanc cantando com João Bosco).

Em 1979, fundou, ao lado de Maurício Tapajós, entre outros, a SACI (Sociedade de Artistas e Compositores Independentes). Nesse mesmo ano, foi lançado o disco “Elis especial”, no qual a cantora interpretou “Violeta de Belford Roxo”, “Ou bola ou búlica” e “Bodas de prata” (aqui com Elis Regina), todas de sua parceria com João Bosco. Também em 1979, Elis Regina interpretou um dos maiores sucessos, tanto do compositor quanto da cantora, “O bêbado e a equilibrista” (com João Bosco) no disco “Elis, essa mulher”, que mais tarde seria consagrada como uma espécie de Hino Nacional da Anistia (aqui, para o especial “Arquivo N”). Elis gravou, nesse mesmo ano, “Beguine dodói” (João Bosco, Aldir Blanc e Cláudio Tolomei) (aqui para TV argentina, legendada), “Altos e baixos” (com Sueli Costa) (aqui com Elis Regina) e “Bolero de Satã”, música de Guinga, em gravação inesquecível com Cauby Peixoto (aqui).

No início da década de 1980, participou, juntamente com Maurício Tapajós, Nei Lopes, Marcus Vinicius e Paulo César Pinheiro, entre outros, da fundação da AMAR (Associação dos Músicos, Arranjadores e Regentes), entidade responsável pela arrecadação de direitos autorais. Também em 1980, Djavan incluiu no disco “Alumbramento” duas parcerias de ambos: “Aquele um” (aqui com Djavan) e “Tem boi na linha” (aqui com Djavan), esta última também com Paulo Emílio.

Em 1981, Djavan registrou, no disco “Seduzir”, outra parceria dos dois, “Êxtase” (aqui). Ainda nesse ano, participou do disco de Márcio Proença, interpretando com o músico “Fêmea de Atlântida”, parceria de ambos.

Sua canção “Nação” (com João Bosco e Paulo Emílio) foi gravada em 1982 no disco de mesmo nome, enorme sucesso na voz de Clara Nunes (aqui, com Clara).

Muitos intérpretes fizeram sucesso com as composições da dupla Bosco e Blanc: Maria Alcina (“Kid Cavaquinho” em 1974, aqui), Ângela Maria (“Miss suéter”, aqui), Elis Regina (“O cavaleiro e os moinhos”, “Dois pra lá, dois pra cá”, “Gol anulado” – aqui – e “Transversal do tempo”), Cláudia (“Bala com bala”), Clementina de Jesus (“Incompatibilidade de gênios”, aqui), Solange Kafuri (“Trilha sonora”), entre outros.

Elis Regina também fez sucesso com composições suas com outros parceiros, como “Querelas do Brasil”, com Maurício Tapajós, aqui ao vivo com Elis Regina.

Em 1984, o próprio Aldir lançou dois discos autorais ao lado do parceiro Maurício Tapajós: “Aldir Blanc e Maurício Tapajós” (mais tarde reeditado em CD) e “Rio, ruas e risos”, ambos exclusivamente de composições da dupla.

Em 1988, Moacyr Luz registrou parcerias de ambos no disco “Só Moacyr Luz”.

Em 1999, Fafá de Belém interpretou “Coração agreste”, parceria com Moacyr Luz (aqui gravada ao vivo por Fafá de Belém para seu primeiro DVD), contemplada com o Prêmio Sharp, na categoria Melhor Música. A canção foi incluída na trilha sonora da novela “Tieta”, da Rede Globo. Outra composição de sua parceria com Moacyr Luz, “Mico preto”, foi tema de novela da Rede Globo, na interpretação de Gilberto Gil (aqui, com o ex-ministro da Cultura). Ainda em 1989, o grupo Fundo de Quintal registrou “Ciranda do povo”, de sua parceria com Cléber Augusto, um dos integrantes do conjunto. A música deu título ao disco lançado pela gravadora RGE.

No ano seguinte, seu parceiro mais constante, Guinga, gravou o CD “Simples e absurdo”, no qual as composições da dupla foram interpretadas por Leny Andrade, Chico Buarque, Claudio Nucci, Leila Pinheiro, Ivan Lins, Beth Bruno, Zé Renato e o conjunto Be Happy.

Em 1993, Edu Lobo gravou, no disco “Corrupião”, duas músicas de autoria dos dois: “Sem pecado” e “Ave rara” (aqui com a Banda Sabará). Nesse mesmo ano, o grupo Batacotô gravou várias composições de sua parceria com Ivan Lins e Vítor Martins: “Quitambô”, “Nega Daúde”, “Tá que tá”, “Camaleão”, esta interpretada por Dionne Warwick e Ivan Lins, e o grande sucesso do grupo, “Confins”, que se tornou tema da novela “Renascer” da Rede Globo (aqui, com Ivan Lins). Ainda nesse ano, Fátima Guedes gravou suas canções “Vô Alfredo”, “Diluvianas”, “Destino Bocaiúva” e “Sete estrelas”, todas com Guinga, “Restos de um naufrágio”, com Moacyr Luz (aqui com a cantora Viviane dos Guimarães).

Em 1995, a canção “Ave rara” (com Edu Lobo) foi registrada no songbook do parceiro na interpretação de Zélia Duncan, Cristóvão Bastos e Marco Pereira. Nesse mesmo ano, Moacyr Luz, comemorando 10 anos de parceria com Aldir Blanc, lançou o disco “Vitória da ilusão”, no qual gravou várias músicas de ambos.

Em 1996, Leila Pinheiro lançou o CD “Catavento e girassol” (EMI Music), registrando exclusivamente canções de sua parceria com Guinga (aqui, com Guinga, ao vivo). O disco atingiu rapidamente a vendagem de 100 mil cópias. O ano registrou também seu 50º aniversário de nascimento, com a gravação do disco comemorativo lançado pela gravadora Alma Produções, fundada pelo letrista e amigo Marco Aurélio. Na abertura do CD, o registro na voz de Dorival Caymmi: “Aldir Blanc é compositor carioca. É poeta da vida, do amor, da cidade. É aquele que sabe como ninguém retratar o fato e o sonho. Traduz a malícia, a graça e a malandragem. Se sabe de ginga, sabe de samba no pé. Estamos falando do Ourives do Palavreado. Estamos falando de poesia verdadeira. Todo mundo é carioca, mas Aldir Blanc é carioca mesmo.”. O disco contou com a participação de vários cantores, como Carol Saboya (“Carta de pedra”, com Guinga); Edu Lobo (“Pianinho”, parceria de ambos); Nana e Danilo Caymmi (“Siameses”, com João Bosco); Rolando (“Na orelha do pandeiro”, com Bororó e Lúcia Helena); Arranco de Varsóvia (“Vim sambar”, com João Bosco e Cacaso); Wilson Moreira, Walter Alfaiate e Nei Lopes (“Mastruço e catuaba”, com Cláudio Cartier); Emílio Santiago (“Nação”, “Querelas do Brasil” e “Saudades da Guanabara”, esta com Moacyr Luz e Paulo César Pinheiro); Ed Motta (“Crescente fértil”, parceria de ambos); Leila Pinheiro (“Cegos de luz”, com Ivan Lins), Clarisse Grova (“Reencontro”, com Moacyr Luz), Cris Delano (“Sonho de válvula”, com Gilson Peranzzetta), Paulinho da Viola (“50 anos”, com Cristóvão Bastos) e o próprio letrista interpretando “Anel de ouro” (com Raphael Rabello), “Canário-da-terra” (com João de Aquino), “Negão nas paradas” (com Guinga), “Lua sobre sangue” (com Cláudio Jorge), “Retrato cantado” (com Márcio Proença) e “Pequeno circo íntimo” (com Ivan Lins e Paulo Emílio), esta com Ivan Lins. O disco traz também a faixa “O bêbado e a equilibrista”, com Betinho, MPB-4 e Coral da Vida, formado exclusivamente para a gravação desta música, que incluiu quase uma centena de artistas da MPB. Ainda em 1996, igualmente fazendo parte das comemorações do cinqüentenário do compositor, foi lançado o livro “Um cara bacana na 19ª”, que contou com o seguinte texto de Chico Buarque: “Aldir Blanc é uma glória das letras cariocas. Bom de se ler e de se ouvir, bom de se esbaldar de rir, bom de se Aldir.”. O livro e o disco foram lançados em show comemorativo no Canecão (RJ). Nesse mesmo ano, foi convidado por Marcelo Vianna, neto de Pixinguinha, para letrar quatro músicas do avô, em comemoração ao centenário de nascimento do músico. Ainda em 1996, Renato Braz gravou “7×7”, de sua parceria com Guinga.

No ano seguinte, Clarisse Grova lançou o CD “Novos traços” (Alma Produções), no qual interpretou 13 canções de parceria do letrista com Cristóvão Bastos, entre as quais “Enseada”, “Dores Dolores”, “Não tava pra peixe” e o sucesso “50 anos”, além de “Cravo e ferradura”, também assinada pela cantora.

Em 1998, Nana Caymmi fez sucesso com sua canção “Resposta ao tempo” (com Cristóvão Bastos), música-tema da minissérie “Hilda Furacão” (Rede Globo), vencedora do Prêmio Sharp daquele ano, na categoria Melhor Música (espetacular gravação de Nana aqui). Também em 1998, Moacyr Luz gravou o CD “Mandingueiro”, no qual incluiu diversas parcerias dos dois, entre as quais “Encontros cariocas”, “Gotas de samba”, “Chupa cabra com ketchup” e a faixa-título. Nesse mesmo ano Walter Alfaiate incluiu no CD “Olha aí!” a canção “Botafogo, chão de estrelas”, parceria de Aldir com Paulinho da Viola.

Em 1999, Nana Caymmi voltaria a fazer sucesso com “Suave veneno”, outra composição da dupla Cristóvão Bastos e Aldir Blanc, tema da novela homônima da Rede Globo (aqui). Nesse mesmo ano, Cláudio Tovar escreveu e encenou o musical “Aldir Blanc – um cara bacana” ao lado de Lucinha Lins.

Em 2000, Dudu Nobre gravou a primeira parceria de ambos, “Blitz funk”, no disco “Moleque Dudu”, produzido por Rildo Hora. Também em 2000, compôs, juntamente com Cristóvão Bastos, a trilha sonora do musical “Tia Zulmira e nós”, adaptação do jornalista João Máximo para os textos de Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto), com direção de Aderbal Freire Júnior. Ainda em 2000, João Bosco e Dudu Nobre interpretaram “Kid Cavaquinho” no disco “Casa de samba 4”, produzido por Rildo Hora, e Kiko Furtado incluiu, no disco “Janela”, a canção “Súplica de pai”, parceria de ambos.

Na sexta-feira de carnaval do ano 2000, sua música “O mestre-sala dos mares” foi tema do desfile do bloco do Museu da Imagem e do Som (MIS), que homenageou a Revolta da Chibata, liderada pelo marinheiro João Cândido, cujo depoimento secreto prestado a Ricardo Cravo Albin no MIS, em 1968, acabara de ser editado em livro.

Em 2001 compôs com Marco Pereira, “Teatro da natureza”, música-tema da trilha sonora da peça Teatro Popular Brasileiro.

No ano seguinte, Lucinha Lins regravou, no CD “Canção brasileira”, a canção “Altos e baixos”, parceria do letrista com Sueli Costa, a compositora homenageada no disco. Também em 2002, participou do songbook de João Bosco, disco no qual interpretaram juntos “O bêbado e a equilibrista”. Em setembro desse mesmo ano, foi lançado, no Sesc da Tijuca (RJ), o livro “A poesia de Aldir Blanc” (Editora Irmãos Vitale), songbook organizado pelo crítico musical Roberto M. Moura. Apresentou-se na Lona Cultural João Bosco, ao lado de Moacyr Luz. Ainda em 2002, foi lançado o livro “Velhas histórias, memórias futuras” (Editora Uerj), de Eduardo Granja Coutinho, no qual o autor faz várias referências ao letrista. Também nesse ano, foi lançado o livro “Driblando a censura – De como o cutelo vil incidiu na cultura”, de Ricardo Cravo Albin, no qual consta o relato de uma composição de sua autoria proibida pela censura e liberada pelo Conselho Superior de Censura, a música “Êxtase” (com Djavan), sendo devidamente liberada e incluída no LP “Deslumbramento”, lançado pelo parceiro. O Conselho Superior de Censura tinha a função de provocar a transição de um Estado de Exceção para um Estado de Direito, atuando incisivamente, entre os anos de 1979/1989, na liberação de músicas, livros, peças, novelas, caso especial, filmes e outras obras intelectuais proibidas pelo regime militar.

Em 2003, Walter Alfaiate lançou o CD “Samba na medida”, no qual incluiu a canção “Mastruço e catuaba”, parceria do letrista com Cláudio Cartier. Nesse mesmo ano, compôs com Mú Carvalho a canção “Chocolate com pimenta”, tema de abertura da novela homônima da Rede Globo (aqui). Também em 2003, sua composição Nação” (com João Bosco e Paulo Emílio) foi registrada por Renato Braz no CD “Um ser de luz – Saudação a Clara Nunes”.

Em 2004, Simone mais uma vez gravou Aldir Blanc, em parceria com Ivan Lins, “Por Favor”, aqui.

Em 2005, lançou o CD “Vida noturna”, cantando suas parcerias com João Bosco, Guinga, Moacyr Luz, Maurício Tapajós, Hélio Delmiro e outros.

Publicou, em 2006, o livro “Rua dos Artistas e transversais” (Editora Agir), que reúne seus livros de crônicas “Rua dos Artistas e arredores” (1978) e “Porta de tinturaria” (1981), e ainda traz outras 14 crônicas escritas para a revista “Bundas” e para o “Jornal do Brasil”.

Em 2007, Mariana Baltar cantou “Bala com bala”, parceria com João Bosco, aqui o registro.

Em 2009, registro de “Linha de passe”, parceria com João Bosco e Paulo Emílio, aqui com João Bosco e Yamandu Costa, ao vivo.

Publicou vários livros, entre os quais “Rua dos Artistas e Arredores” (Ed. Codecri, 1979); “Brasil passado a sujo” (Ed. Geração, 1993); “Porta de tinturaria”; “Vila Isabel – Inventário de infância” (Ed. Relume-Dumará, 1996), e “Um cara bacana na 19ª” (Ed. Record, 1996), com crônicas, contos e desenhos. Escreveu crônicas para os jornais “O Dia” (RJ) e “O Estado de S.Paulo”.

Compôs, em parceria com Carlos Lyra, a trilha sonora do espetáculo “Era no tempo do Rei”, baseado no livro homônimo de Ruy Castro, que estreou em março de 2010 no Teatro João Caetano (RJ) com direção geral de João Fonseca, direção musical de Délia Fischer e roteiro assinado por Heloisa Seixas e Julia Romeu. Constam da trilha as seguintes canções: “Abertura”, “Carnaval tropical”, “Ária do Calvoso”, “Sois Rei?”, “Bárbara onça”, “Amor e ódio”, “Amor ordinário”, “Senta, João”, “Fado de Maria a Louca”, “Carta e profecia de Espanca”, “Solilóquio do Vidigal”, “Lundú do Vidigal”, “Maxixe das criadas”, “O Rei das Ruas”, “Verso e reverso”, “A galinha e a broa”, “Soneto de Bárbara morta”, “Borboleta de asa negra” e “Rancho de encerramento”. Nesse mesmo ano, a trilha de “Era no tempo do Rei” foi lançada em CD.

Isso sem contar que você quando ouve a vinheta do futebol da TV Globo não deve saber que é de Aldir a letra. Sabia? Ouça aqui.

É também autor da letra de Popó, de Chico Pinheiro, gravada por Maria Rita e aqui, ao vivo, cantada por Tati Parra.

E dia desses, vejam vocês – e a cena se repete com freqüência – estava eu cantando “O Bêbado e a equilibrista”, talvez o maior sucesso da dupla Bosco & Blanc, e uma moça, diante de mim, moça mesmo, não mais que 20 anos de idade, não sabia de quem era a música (que ela cantara do início ao fim). Essa injustiça, esse erro, precisa acabar. Mas vamos mesmo ao que eu queria lhes dizer.

Um homem como Aldir Blanc, um criador como Aldir Blanc, um compositor de seu porte, com sua obra, um homem com mais de 10 aberturas de novela emplacadas, mais de 60 temas de personagens, pode viver, como se diz por aí, com uma lata de goiabada na mão sem o reconhecimento devido pelo fruto de seu trabalho? Como pode o ECAD – e daí a necessidade imperiosa de uma CPI e de um sério trabalho de auditoria feito pelo Estado – não remunerar de forma compatível um homem como ele?

Pois na segunda-feira eu bebia com o ator José de Abreu na rua do Rosário quando ligou-me, justamente, o bardo tijucano. Por uma dessas coincidências, o Zé estava concedendo entrevista para a revista Época sobre o tema – direito autoral. Pus Aldir para falar com ele. E vi, durante o telefonema, aquele homem à minha frente chorando de raiva – “ira santa”, como ele mesmo disse – por saber da situação do Aldir. É a mesma ira que me move e que deveria mover o Estado brasileiro em defesa de um de seus mais brilhantes filhos.

Até.

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CASA NOVA

Assombradíssimo – sou um homem de reações pânicas impressionantes – com a manutenção prolongada do serviço Blogger, inauguro hoje este novo endereço embora todos os meus milhares de texto ainda estejam no antigo endereço do blog. Desde ontem à tarde, quando o serviço Blogger saiu do ar, meus amigos (muito amigos, vejam vocês…) começaram as ameaças dando conta de que tudo estaria perdido (e eu sofro só de pensar que minhas confissões, desde 2004, podem estar em risco).

Fico, pois, por ora, por aqui.

Quero voltar à tarde para ter mais novidades para lhes contar.

Até.

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40 ANOS NÃO SÃO 40 DIAS

Eu sou um sujeito emocionado por natureza. Choro à toa mas esse choro que choro não é, em absoluto, desprezível ou corriqueiro por ser constante. Muito pelo contrário, é um choro capaz de me sustentar na medida em que representa uma espécie de catarse imprescindível para que eu me mantenha vivo, de pé. Dito isso, vamos ao que quero lhes contar hoje.

Fiz, em 2009, 40 anos de idade. E no tal dia, 27 de abril, senti o que chamam por aí de “peso da idade”. Sempre me senti uma múmia, é verdade. Um velho, um antigo, um ultrapassado. Mas o redondo da marca, os 40 anos (todos dizem “40 anos” com a boca cheia), foram um marco. Recebi, na ocasião, na Tijuca, minha aldeia, uma penca de amigos com quem fiz questão de comemorar a passagem dos meus 40 anos, e fui, naquele dia, a despeito do tal “peso da idade”, um homem em estado de graça.

Vai daí que ontem me dei conta de que estava eu às vésperas dos 40 anos de dois grandes sujeitos, nascidos, ambos, é claro, no longínquo 09 de maio de 1971. E aí eu retomo o fio do primeiro parágrafo: estava eu emocionado com a perspectiva de abraçar, hoje, Fernando Goldenberg e Leonardo Boechat. Dei-me conta disso quando estávamos, justamente eu e Leo Boechat, curtindo a domingueira no quintal do Aconchego Carioca, jóia encravada entre a Praça da Bandeira e a Tijuca, ele de violão em punho, garrafas de Heineken sobre a mesa, e a companhia – que não tardou a chegar – do bardo tijucano, Felipe Quintans, nosso Felipinho Cereal.

Repito hoje, pois, a homenagem que prestei a meu irmão, o Fefê, em 2006 – leiam aqui – ele que veio ao mundo, como o Leo, num domingo que era dia das mães, como ontem foi.

Ontem, logo depois da domingueira no Aconchego, parti em direção à casa de mamãe para o tradicionalíssimo almoço que comemora a data. Lá cheguei já devidamente calibrado, muito de leve, e senti uma saudade agudíssima de minha avó, mãe de mamãe, pela primeira vez ausente do furdunço, ela que partiu pro Orum em dezembro do ano passado. Tratei de tratar da saudade à base de malte escocês e segurei-me o quanto pude – tive êxito! – para não chorar diante daquele homem que vi nascer, há 40 anos.

Não tive a mesma competência quando falei com ele hoje cedo, pelo telefone, e tratei de constranger o motorista de táxi que me levava pro trabalho de tanto que funguei (fungo intensamente quando choro) assoando o nariz no lenço que tenho sempre no bolso.

Ele, a seu modo, dá-me lições constantes que eu, incorrigível, teimo em não aprender. Mas é bonito pacas ver o desenho de sua vida, a sabedoria que ele imprime a cada gesto, a boniteza de suas posturas, e é por isso que eu encho a boca pra dizer pros outros… é meu irmão.

Leo Boechat, que chega também aos 40, tem sido, já há tempos, meu parceiro mais constante quando dou de pousar o cotovelo nos balcões dos bares da cidade. Foi num desses balcões, no Vilarino, no centro da cidade, que há coisa de uns 2 anos ele me disse, a garrafa de Jack Daniel´s já pela metade, que eu era o padrinho, ao lado do padrinho original, de sua filhota, a Helena, que completará 3 anos em dezembro.

Foi ele que, num desses sábados, ao me ver chegar com minha menina no Casual, também no Centro, depois de atravessarmos uma tremenda turbulência juntos, desatou de chorar, desavergonhadamente, fazendo com que eu, naquele instante, reconhecesse nele um dos meus.

Vai daí que temos derrubado juntos garrafas e mais garrafas diante dos balcões dos pés-sujos nos quais ancoramos e eu tenho feito dele, ainda que à sua revelia, porto-seguro para que eu siga enfrentando os revezes da vida com dignidade e ânimo constante, muito por conta das confissões que faço, transformando-o numa espécie de fiel depositário do que trago em mim. Pra quem me conhece, não é coisa pouca.

Ergo, por isso, comovidíssimo, o copo cheio de cerveja com espessa espuma na intenção desses dois grandes sujeitos, amigos meus, irmãos-de-fé, unidos pelo 09 de maio de 1971.

Era o que eu queria lhes dizer.

Até.

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BETH CARVALHO, 65 ANOS

Eu nem consigo me lembrar de quando, exatamente, conheci a Beth pessoalmente. E faço questão de frisar o “pessoalmente” porque a Beth eu conheço (e ouço) desde muito pequeno. Meu pai, um homem de gosto restritíssimo, sempre foi absolutamente apaixonado por ela. Pra vocês terem uma idéia, papai é assim: cantor? Só Tim Maia, Dick Farney, Frank Sinatra e Lucho Gatica. Cantora? Leny Andrade, Claudete Soares e Beth Carvalho. Pois desde pequeno, bem me lembro, via o velho chegando em casa, uma ou duas vezes por ano, trazendo debaixo de braço, com um sorriso de criança no rosto, o mais recente LP da Beth Carvalho. Certa vez, em 1997, quando fiz 28 anos, armei uma festa de arromba no apartamento de meus pais, no Alto da Boa Vista (Aldir Blanc escreveu, dias depois, hilariante crônica sobre a efeméride, aqui) – foi a primeira e a última. Duas situações engraçadas naquele dia, fora a retratada por Aldir na crônica: eram mais ou menos 18h e tocou o telefone. Papai atendeu. Deu-se o diálogo:

– Alô? – temos, eu e papai, a voz parecidíssima.

– Oi, Edu! Estou no salão fazendo o cabelo. Me dá de novo o endereço de seus pais…

– É o pai dele que está falando… Quem quer falar com ele?

– Oi! Não precisa chamá-lo, não. Só quero o endereço daí… é a Beth Carvalho.

Papai, que não sabia que ela ia (escondi de propósito para lhe fazer uma surpresa), passou-me o telefone mais branco que sorvete de creme (que quando derrete, vira sopa, como lhes contei aqui).

A outra: no mesmo dia da tal festa estava havendo uma comemoração na quadra da Mangueira por conta do aniversário da verde-e-rosa. Beth já havia me avisado que chegaria tarde e assim foi. Por volta das onze e meia da noite, quando Moacyr Luz (vejam vocês…) já comandava a noitada com seu violão, chegou a aniversariante de hoje com alguns amigos ritmistas, dentre eles o Bira da Mangueira, filho do Padeirinho. Papai, ao vê-la, correu pro quarto e de lá voltou com todos os LPs pra que ela os autografasse, um por um.

Feito o longo intróito, vamos ao que interessa.

Hoje, nesse 05 de maio de 2011, minha querida amiga completa 65 anos de vida muito bem vividos. Mais que isso, vividos em prol da música brasileira, do samba, do Brasil e de seu povo. Eu disse lá no começo do texto que não me lembro de quando nos conhecemos, mas lembro de quando nos apaixonamos um pelo outro (estou, hoje, ligeiramente imodesto): nos primeiros quinze minutos de papo. A nos unir, o amor pelo Brasil, pelo samba, a admiração inextingüível por personagens como Che Guevara, Fidel Castro, Darcy Ribeiro e Leonel Brizola.

A Beth, que no ano passado concedeu-me, e a Luiz Antonio Simas, uma senhora entrevista (leiam aqui), que passou por maus bocados por conta de problemas de saúde, tem mais é que comemorar, com pompa e circunstância, seus 65 anos. Já em 2006, por ocasião de seus 60 anos, prestei-lhe homenagem através desse texto aqui. Em 08 de maio daquele ano, deixou lá seu comentário meu irmão querido, Fernando Szegeri:

“Faço coro, assino embaixo letra por letra, bato o copo em pé e, mão no peito, canto em alto som em homenagem a ela e ao meu mano, em ritmo de samba:

Brava gente brasileira
Longe vá temor servil
Ou ficar a Pátria livre
Ou morrer pelo Brasil…

E mais não se precisa dizer, como sempre. A não ser, para bem dos fatos, o que vai omitido pela compreensível modéstia: que essa gigante gravou – sim, senhores! – uma bela canção de autoria do dono deste Buteco, em parceria com Edmundo Souto.”

Deixei, pois, a modéstia de lado quando publiquei o texto Sinfonia Sacopenapã, em janeiro do ano passado, disponibilizando a gravação, feita ao vivo, da canção de Edmundo Souto para a qual fiz a letra, aqui. Uma grande alegria – mais uma! – que me foi proporcionada por ela.

Como também foi motivo de alegria ter sido a mim confiada a missão de fazer correr sua declaração de voto em Dilma Rousseff em outubro de 2010, aqui.

A Beth é isso, meus poucos mas fiéis leitores: generosa e grandiosa, glória brasileira.

Deixo aqui minha homenagem, minhas flores em vida (sempre!), meus votos de muitos, muitos anos de vida e minha alegria exposta no balcão imaginário do buteco, que eu sou um sujeito que vibra demais no dia do aniversário dos meus mais-queridos. 

Até.

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MAIONESE E COMIDA DI BUTECO, PARCERIA JABALÂNDIA

Acabo de receber de um amigo jornalista o seguinte release (pausa para o vômito) enviado a ele pela Imagem Corporativa, “o parceiro brasileiro da Public Relations Organization International (PROI), maior e mais tradicional rede global de agências independentes de comunicação corporativa, com atuação em 26 países das Américas, Europa e Ásia”.

Trata-se do anúncio da premiação oferecida pela maionese Hellmann´s, ingrediente que não existe em nenhum buteco que se preze, para os bares participantes do festival da Jabalândia em Campinas (entenda as regras do festival lendo isso aqui). Eis o texto do e-mail (em itálico) com meus singelos comentários.

“Os bares participantes desta edição do Comida di Buteco terão um motivo a mais para caprichar no seu petisco este ano. Hellmann’s distribuirá cerca de R$ 100 mil em prêmios para as melhores receitas preparadas com a verdadeira maionese.

“Este é o segundo ano de participação de Hellmann’s no Comida di Buteco, evento que é um sucesso e tem tudo a ver com a marca – é feito para pessoas que apreciam comida saborosa e sem complicação, como Hellmann’s”, explica a gerente de marketing da marca, Bianca Shen.”

Segundo a gerente de marketing, idônea para tratar do assunto, o festival tem tudo a ver com a marca. Em apertada síntese, nada tem a ver com botequim de verdade.

“Os prêmios serão distribuídos entre os bares das 15 cidades participantes do festival. Além da premiação oficial do Comida di Buteco, os dez bares com melhor classificação no evento, e que tiverem maionese na receita do petisco, receberão as quantias de R$ 3 mil, R$ 2 mil e R$ 1 mil – primeiro, segundo e terceiro lugares, respectivamente.

Este ano, dos 320 botecos de todas as cidade participantes, 65% terão a presença de maionese em suas receitas – um crescimento significativo em relação aos 48% do ano anterior. “As pessoas estão descobrindo o potencial gastronômico de Hellmann’s. Ao contrário do que muita gente pensa, o produto não talha nem perde o paladar e também não inibe o sabor da receita quando vai ao fogo. Pelo contrário, um toque de maionese pode dar um sabor a mais aos pratos ou petiscos mais variados”, completa Bianca.”

Chega a ser patética a dica da gerente de marketing, aventurando-se a falar sobre comida. O crescimento do número de bares que se rendem ao jabá apenas prova, de forma inequívoca, que esse festival (pernicioso, perigoso, abjeto!) é a morte da verdadeira tradição da comida de botequim! Desde quando, meus poucos mas fiéis leitores, maionese Hellmann´s tem potencional gastronômico?! Vamos em frente:

“Na cidade de Campinas, os botecos Bar do André o Rei do Mé, Bar do Carioca e Rei do Joelho são alguns do que vão oferecer petiscos com o delicioso ingrediente, em criações como carioquinha esperto, moela de macabu e lanche do rei.

Sobre o Comida di Buteco

Com a missão de resgatar e valorizar a culinária de raiz brasilieira, o concurso gastrômico Comida di Buteco – realizado desde 2000, chega em 2011 a 15 cidades do país, simultaneamente. São 329 botecos concorrendo ao prêmio de melhor boteco da cidade. Os resultados do Comida di Buteco são tão saborosos quanto os tira-gostos concorrentes. Apenas em 2010, foram vendidos 197.900 petiscos nas 11 cidades onde foi realizado. Além disso, o concurso vem contribuindo de forma relevante para a consolidação do “boteco” como um dos mais expressivos locais de prática da sociabilidade nacional e demarcando novos roteiros urbanos através da boa culinária de raiz. É um projeto que enaltece a cultura  nacional sob a rica matriz da gastronomia.”

Pesquem a mentira e a sordidez da coisa: se a missão do festival é “resgatar e valorizar a culinária de raiz brasileira” (e o termo “de raiz” me causa engulhos) por que é que a maionese Hellmann´s entra no jogo?!

“Sobre Hellmann’s

Hellmann’s oferece diversos sabores de maioneses e molhos para salada, além de ketchup e mostarda. O objetivo da marca é oferecer produtos simples e descomplicados, feitos de ingredientes naturais, agregando sabor, textura diferenciada e prazer às refeições. As maioneses e molhos para salada Hellmann’s não contêm gorduras trans, são fonte natural de gorduras boas, contêm ácidos graxos essenciais que não são produzidos naturalmente pelo organismo – ômega 3 e 6 -, além de vitaminas importantes. O portfólio de Hellmann’s também traz produtos light e com baixo teor de colesterol.”

“Agregando sabor, textura diferenciada e prazer às refeições”? Parei por hoje.

Até.

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