Arquivo do mês: setembro 2020

PANDEMIA NA PANDEMIA

Vim ao balcão virtual do buteco apenas duas vezes nesse tenebroso 2020: uma para saudar Aldir Blanc – A morte e as mortes com Blanc, aqui – e outra para lhes contar do São João aqui em casa, São João na pandemia, aqui. Nada fácil, esse 2020 da Era de Átila. Disse Era de Átila e explico. Desde sua primeira aparição, eu disse de mim para mim, sem medo do erro: lá vai um vaidoso, sobretudo um vaidoso, abrindo sua caixa de conhecimento para espalhar o pânico e o terror, para ganhar notoriedade. E eu não estava errado. O sujeito, que no Twitter usa o artigo definido “o” antes do próprio nome (é ou não aguda vaidade?), já foi convidado para dar palestras no TSE, para assinar coluna em jornal, dá entrevista a torto e a direito sobre todos os assuntos, enfim, atingiu seu objetivo (eu sabia disso, quero dizer, desde o primeiro momento). E ele está de parabéns por isso. Admiro, no fundo admiro, aqueles que traçam objetivos e os alcançam, ainda que por questionáveis razões.

Vamos, pois, ao terceiro texto do ano (planejei, logo depois do Carnaval, retomar o blog, deixado de lado por inúmeros motivos que não vêm ao caso – e espero que agora eu consiga manter alguma regularidade já que eu senti falta desse movimento, o blog remonta a 2004, são mais de 16 anos, e isso não é coisa pouca). Quero lhes falar, como o título indica (oh!), sobre a pandemia em meio à pandemia.

Estou em regime de isolamento desde a segunda quinzena de março, lá se vão quase 6 meses, acompanhando a vida, o mundo, as ruas, a cidade, o desmonte da vida, do mundo, das ruas e da cidade como eu a conheci. Há muita gente morrendo, nenhuma perda foi tão dura pra mim quanto a de Aldir Blanc (meu pai, meu irmão, meu filho, meu amigo, meu confidente, meu orixá), há muitos bares morrendo, e nenhuma perda foi tão dura pra mim quanto a de Andrajópolis, o apelido que demos ao Café e Bar Almara, pé-sujo na Praça da Bandeira, nas imediações da rua do Matoso, visitado por mim e por meu fiel escudeiro, Leo Boechat, num dos episódios da série Butecos do Edu (aqui, o episódio na Praça da Bandeira).

O Brasil está derretendo diante do mundo. Há milhões de desempregados, e eu sequer vou seguir nessa toada sob pena de deprimir um cadico mais (ia fazer extensa exposição sobre a situação atual, desisti).

Quero terminar falando de outra perda incomensurável (pandemia em meio à pandemia). Não há razão que explique o quanto me bateu mal a notícia do fechamento da Bitaca da Leste, em Belo Horizonte. Quando li a notícia, no Instagram do Luiz Paulo, dono do buteco, senti – mesmo – um baque.

Lá estive em apenas duas ocasiões, ambas muito especiais. Escolhi passar meus 50 anos em Minas Gerais, aportando em Caxambu uns dias antes e chegando a BH na véspera do dia 27 de abril (fui a Caxambu exclusivamente para beber, depois de muitos anos, no Bar do Paulão, um dos melhores botequins de todo o Brasil). No dia do meu cinqüentenário, em Belo Horizonte, lancei De hoje não passa, livro que escrevi a quatro mãos com Julio Bernardo (se você ainda não o leu, compre-o aqui, no site da editora Mórula). E na noite do dia 26, véspera do lançamento do livro, foi na Bitaca da Leste que, ao lado da mulher amada e dois amigos muito queridos, atravessei a linha da meia-noite, fazendo naquela esquina o primeiro brinde da idade nova.

Meses depois, voltei a Belo Horizonte a convite do Humberto Hermeto, responsável pela capa do livro, ele que tornou-se um grande amigo depois que nos reconhecemos na Folha Seca, a livraria do meu coração e responsável por tantos encontros bacanas ao longo dos meus já mais de 51 anos vividos. Fui até BH pra filmar alguns episódios pra série Botecos do Edu e, claro, filmamos na Bitaca.

Quer bar, senhoras e senhores. Que ambiente, que comida, que cuidado com as bebidas, que esquina, e que papo, e que boa-praça é o Luiz. Não vai ter terceira vez e minha memória estará mantida por conta dessas minhas duas idas à rua Salinas, no Santa Tereza (notem como sou local, aqui no Rio falamos em Santa Tereza, em BH, não). Devo a indicação da Bitaca justamente ao Julinho (o Julio Bernardo, explico para os neófitos), responsável, aliás, pelas indicações mais certeiras que já recebi na matéria comida/bebida. Sem a afetação dos ~influencers~ e ~instagramers~ (um “m” ou dois?) que orbitam em volta da temática, o Julinho é cirúrgico.

Vai avançando, assim, o tempo na pandemia. Levando gente embora pra sempre, levando bares, enterrando histórias, soterrando memórias, empobrecendo ainda mais o mundo. Ergo, de pé diante do balcão imaginário, o copo cheio de espessa espuma em homenagem ao Luiz que, tenho certeza, não faz idéia do quanto me fez feliz nas horas que lá passei. E na seqüência, um brinde pro Paulo (dono de Andrajópolis), vítima da COVID-19 que também derrubou meu irmão e meu herói imortal, Aldir Blanc.

Só bebendo pra agüentar o tranco.

Até.

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