Vamos deixar um pouco de lado as histórias do Batista – que são muitas, muitas!, vocês não fazem idéia – para que eu possa lhe contar lances de um casamento. Lances reais, realíssimos, eu estava lá e posso lhes atestar que tudo o que lhes contar é rigorosamente verdadeiro, não cabendo em mim a pecha de exagerado, usualmente merecida, mas não dessa vez. Foi na semana passada.
Cerimônia civil, apenas. No playground de um edifício grã-fino em Copacabana. Não vou lhes dizer o nome dos noivos para evitar constrangimentos. Foi numa sexta-feira. Às sete da noite. Construam, a partir daqui, o cenário.
Estão construindo? Edifício grã-fino. Copacabana. Sete da noite. Um calor senegalês.
Pois bem. Mantendo a tradição da Tijuca, chegamos eu e Dani às sete da noite em ponto. Estávamos com fome e a promessa de um bufet de primeiríssima nos fez não atrasar um mísero segundo, é sempre assim para quem é da Tijuca. Devo dizer que a Dani não é da Tijuca, mas de Volta Redonda. Ocorre que o que diferencia Volta Redonda da Tijuca é apenas o ar siderúrgico, no todo somos rigorosamente iguais.
Vamos ao cenário que encontramos. Ah, ia me esquecendo de lhes contar que a Dani é a madrinha. E fundamental esclarecer que eu não sou o padrinho. Sou apenas um fotógrafo, cargo que aceitei após um pleito do noivo formulado por email. Não, não foi por email. O noivo bateu o telefone pra mim e eu disse sim, aceito.
No playground, apenas o noivo, o DJ, os garçons e a responsável pelo bufet presentes às sete da noite. Recebeu-nos o noivo com um efusivo “eu sabia que vocês seriam os primeiros!”, atestando a força das tradições tijucanas. E fui ao banheiro. Fiz meu primeiro xixi da noite, dei descarga, pus-me diante da pia, ejetei sabão líquido nas mãos e abri a torneira. E nada de água. Senti-me o próprio Peter Sellers. Limpei o sabão com toalha de papel, mas dali em diante eu tive uma certeza bíblica: a festa seria um furdunço sem igual.
E foi. Vejamos.
Quando saí do banheiro (eu levei uns 15 minutos tentando encontrar, de quatro, o registro da água) o salão estava lotado. O noivo pra mim: “A Dra. Vitória está atrasada.”. Pronto. Não sei se vocês conhecem a Dra. Vitória. Juíza de Paz, casou o Borba Gato, celebrou o casamento de Pero Vaz de Caminha, foi madrinha de batismo do Chacrinha e é de uma antigüidade visual espantosa. E tem como característica atrasar-se ferozmente para seus compromissos. Eu previa uma tragédia alcoólica, vocês hão de entender.
Proseco e uísque brotavam das bandejas como água da fonte numa estância hidromineral. Eu, fotografando, ia devagar com o BlackLabel, e percebia as pessoas bebendo como se estivessem com uma sede de dias.
Passo pela noiva: “Edu, vá servir-se… os convidados estão meio tímidos…, me dê esse help.”. Eu preciso dizer que ainda não havia visto a mesa. Se a tivesse visto, estaria já, àquela altura, afrontado, já que perco o controle nessas ocasiões. Fui à mesa. E a cena.
Como javalis na savana, os convidados correram em fúria etíope em diração à mesa. Toda a elegância se esfumava. O relógio já marcava oito horas. E nem sinal da Dra. Vitória.
Volto à noiva, já descalça e coçando um calo nítido e resplandecente: “Meus pés estão doendo… obrigado pelo help… viu como era timidez?”.
Dani, Guerreira, Maria Paula e Giulia, já nitidamente alteradas, dançavam ciranda em torno da gangorra do playground, e minha previsão estava se realizando.
Nove horas.
Entra um sujeito mais suado que o Idi Amim Dadá num verão de Uganda.
O noivo: “Chegou o secretário da Dra. Vitória. Ela vai se atrasar um pouco.”.
A rodinha de ciranda agora acontecia em volta dos balanços, e num dos balanços, a noiva, descalça e com as solas dos pés negras como a pele do secretário da Juíza. Disse-me a noiva: “Edu, dá um help aqui pra mim e empurra o balanço?”.
Voltei os olhos para a mesa do bufet. Eu só via garfos, facas, mãos, braços e cotovelos num movimento frenético, como se escavassem a mesa (os canapés estavam sendo repostos mas nada dava conta da fome coletiva). A responsável pelo bufet suava como égua na reta final atropelando a barbada.
O noivo: “Edu, dez horas.”. Disse isso e riu. Riu por que estava bêbado de forma olímpica. Aproxima-se o secretário da Dra. Vitória: “Senhor, com licença… neste estado a Juíza não lhe casará…”. O noivo virou o proseco num só gole, arrotou e disse apenas “Foda-se”.
Dez e meia. E eis que surge a Dra. Vitória. Um convidado, com os botões da camisa abertos e a gravata enlaçada na testa, gritou: “Porra, a Hebe foi convidada?”. Houve um guincho coletivo, madrinhas e padrinhos esgarçavam a pele de tanto rir, a noiva calçou-se, o noivo cambaleante tomou-lhe pelas mãos e a cerimônia vai começar.
Um silêncio de São João Batista no dois de novembro pesou no recinto.
A Juíza, já com a toga azul-turquesa: “Por favor, senhores, vamos pôr os copos e as taças sobre a mesa… estamos iniciando um ato jurídico perfeito.”.
O sujeito com a camisa aberta e a gravata na cabeça, de voleio: “Ato jurídico perfeito é a puta que te pariu… perfeito seria se fosse às oito horas.”.
A Juíza pigarreou, assistiu atônita uma série de tim-tins pela felicidade do noivos – os garçons prosseguiam servindo bebida aos convidados -, fez que não ouviu o gracejo e começou: “Hoje estamos assistindo a uma união…”.
O mesmo cara: “Cala a boca, vaca! Eles já moram juntos há muito tempo…”.
Mais guinchos. A mãe do noivo e o pai da noiva choravam abraçados (eu acho que de desespero).
Maria Paula e Dani, madrinhas, lado a lado, jogavam cama-de-gato com uma fita de presente e os respectivos padrinhos, purrinha. A Juíza: “… estamos assistindo a uma união entre dois seres humanos que…”.
O malandro: “Puta merda, meritríssima… é óóóóóóóbvio que são seres humanos, animal!!!!! Onde é que tu se formou?”.
A Guerreira galopava em volta da mesinha que fazia o papel de altar gritando “burra, tãtãtã, burra, tãtãtã, burra…” com uma taça de proseco em cada mão…
A Juíza fechou a cara. Seu secretário tomou a pastinha de veludo vinho sobre a mesa com a certidão e ameaçaram sair. Um outro padrinho, cujo sugestivo apelido é AR-15, dando uma de Flavinho, sacou de uma pistola e forçou Dra. Vitória a celebrar o casamento, o que ela fez em segundos, tomando a assinatura dos noivos e dos padrinhos (eu li, eu li! uma assinatura onde se via Pato Donald escrito). Antes de partir pela porta dos fundos, a Juíza foi atacada pelo pai da noiva, num pescoção, que pedia, sem êxito, para que ela celebrasse o casamento de seu filho com uma das madrinhas, “uma morena de encher os olhos”, como repetiu-me durante toda a noite.
Um detalhe: os amigos do noivo, por engano, pintaram, penduram latas, puseram barbantes coloridos, espuma de barbear e purpurina no carro.
Da Juíza, não do noivo.
A essa altura da festa, os condôminos, incitados pela síndica, vaiavam a festa das janelas, numa delícia sonora impressionante.
Guerreira, louquinha por doces, comeu por engano os bonequinhos de massa comestível que enfeitavam o bolo, e vomitou, pouco depois, sobre a mesa de som do DJ que, revoltado, sentou o pau no funk o resto da noite. Guerreira aprontou outra: um dos convidados usava um colar ortopédico. Pensando tratar-se de um enfeite, Guerreira atracou-se com o sujeito em determinada altura e tentou, e o pior que com êxito, arrancar o aparelho do pescoço do coitado. E galopou em fúria eqüina com aquilo pendurado em seu pescoço gritando, “Gente, olhem minhas rédeas, olhem minhas rédeas!”.
A festa foi até às sete da manhã, quando noivo e noiva partiram para excitante lua-de-mel no Caribe.
Até.