Arquivo do mês: dezembro 2014

CARTA ABERTA PRO MOLEQUE BENJAMIN

Benjamin, meu Elegbarinha, meu afilhado-de-rua, meu saci-louro, meu anjo-torto, dono das esquinas que dobro em busca das alegrias que dão graça à vida… deixe-me lhe dizer meia-dúzia de palavras nesse penúltimo dia do ano de 2014 para, através delas, falar com todo mundo que me lê, meus poucos mas fiéis leitores que desde março de 2004 – há mais de 10 anos portanto! – acompanham por aqui minhas confissões, meus desvarios, minhas dores e meus passos no decorrer dos dias…

No Natal de 2011, moleque, como contei aqui, seus pais – Candinha e Simas, irmãos a quem amo com a devoção de um fiel fanático – me deram você de presente quando me disseram que você seria meu afilhado-de-rua. No texto a que me refiro, Benjamin, escrevi que você “há de ser, como são seus pais, um brasileiro máximo. E cresceremos muito, e cresceremos juntos, e seremos, também, irmãos de fé.”.

Um pouco mais adiante, garoto, depois de um dia inteiro juntos – eu, você, seus pais e minha Morena – seu pai me disse de cotovelo ancorado num balcão:

– A Flávia é a madrinha-de-rua do Benjamin, pode dizer isso a ela!

Ela, Benjamin, que você – filho de Exu! – transformou em duas nas suas fantasias: ora é Flávia, ora é Morena, ah, as tuas sabedorias de pedra miúda.

E nós, Exufemy, eu e a Morena, amamos você de um jeito que só com o tempo você vai entender…

Você, saci-louro, que é filho de Exu, o camarada que me sopra nos ouvidos, apesar de eu ser filho de Ogum, como seu pai. Foi Iya Sandra, hoje no Orum, quem me cantou essa pedra há pouco confirmada por seu próprio pai, que com as mãos que te protegem tirou meu odu de vida e confirmou: seu pai gosta demais de mim! Laroiê!

Pois hoje, Benjamin, te vi vestido de Vasco da Gama – uniforme que te foi dado por meu pai – e levei um susto, um arranco, um arremesso violento em direção ao passado… Isso porque em junho de 2011, seis meses antes de eu ganhar você, eu vesti a camisa do Vasco da Gama pela primeira vez, e por amor, como contei aqui. Porque meu pai, moleque, não conseguiu fazer de mim um vascaíno, como também já contei aqui, e talvez você esteja sendo a ponte capaz de reconstruir um afeto que não se concretizou quando nasci, em 69, já que tomei outro rumo (sempre preferi o vermelho e preto, o vermelho e o preto de teu pai!).

benjamin de vasco

Eu, incorrigível, há mais de 10 anos – 10 anos! -, tentando, vá lá, pavimentar de mais-afeto essas tantas pontes que vamos encontrando pelo caminho, escrevi um poema de amor pra um sujeito que hoje me renega (coisas da vida, meu nêgo…), aqui. Azar o dele, Benjamin! Há – hás de saber disso n´alguma altura – quem prefira a dor e a purgação ao gozo e ao prazer.

Ergo, daqui de casa, chorando de esguichar, um copo cheio de uísque e de gelo na tua intenção, meu menino!

E escrevo, pra que fique registrado, o que escrevi outrora pra outro destinatário: por você, Benjamin D´Angelo, por você, Exufemy, sou vascaíno!

E que em 2015, Benjamin, ano que se aproxima, possamos – eu, a Morena, o Pepperoni, o Toquinho, Candinha e Luiz Antonio Simas – brindar muitas vezes à vida e aos rodopios da vida (e aos redemoinhos da vida!) de mãos dadas e com a peneira sempre por perto!

Até.

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EU PENSEI QUE TODO MUNDO FOSSE FILHO DE PAPAI NOEL

Durante muito tempo – faço a confissão, nunca tardia – eu pensei que todo mundo fosse filho de Papai Noel. Contam as lendas de família – que é enorme!, aqui há muitas histórias da família – que eu sempre tive, entretanto, medo do Bom Velhinho. Nasci em 1969 e evidentemente não me recordo da minha primeira noite de Natal, tampouco me recordo da primeira lembrança que tenho da primeira noite de Natal que a memória algum dia guardou. Lembro-me, entretanto, de muitas noites de Natal até 1981, último Natal da minha bisavó (sobre quem escrevi aqui, em maio de 2004). Minha bisavó, jeito e porte de matriarca, mãe de seis filhos (quatro homens e duas mulheres), sempre manteve a família unida nas chamadas grandes datas: na Páscoa, no Natal, nos aniversários de cada um. O Natal (é do Natal que quero lhes falar) era para mim, sobretudo, a festa máxima que ela, minha bisavó, proporcionava à família. As noites de Natal eram passadas na casa de meus pais (primeiro na São Francisco Xavier 90 – no 6º e depois no 2º andar – e depois na Professor Gabizo). Mamãe mantinha uma tradição, bem me lembro, de montar um presépio bem simples e à meia-noite, pouco antes da ceia, a criança mais nova da casa punha o Menino Jesus na manjedoura. Mamãe rezava, fazíamos a troca de presentes, e até a fantasia manter-se viva em mim, eu ia dormir à espera do presente da manhã seguinte – o presente era, já lhes disse isso aqui, o menos importante.

Seguramente, um Natal semelhante ao de milhões de famílias – mas era o meu Natal, era a minha família. E como todas as famílias do mundo, uma família com conflitos, uma família com diferenças abissais entre seus membros, uma família que, apesar dos pesares, reunia-se na noite de 24 de dezembro, no almoço de 25 de dezembro, em torno daquela que era a mais-velha, era a mãe, era a avó, era a bisavó, sem que ninguém visse, naquela reunião, naquela festa!, qualquer sinal de hipocrisia ou fingimento. Lembro-me de minha bisavó, de sua irmã, de meus quatro avós, de meus tios, de meus primos, uma família, como disse acima, enorme… e que nunca mais reuniu-se no Natal na noite de 24 de dezembro depois de dezembro de 1982 quando, a sete dias do Natal, minha bisavó dormiu pra nunca mais acordar.

A família, enorme – repito de propósito -, partiu-se em sei lá quantos ramos: já não havia mais a âncora, já não havia mais minha bisavó. E minhas noites de Natal nunca mais tiveram a mesma graça – já não havia mais minha bisavó, a mulher-símbolo da família que me originou do lado materno. Eram, entretanto, noites de Natal. E eu as passava com minha família: meus pais, meus irmãos, meus avós (até que vovó, por último, morreu em 2010, ela também pouco antes do Natal), e se não estava com eles no dia 24, por incontáveis razões, no dia 25 lá estava eu para celebrar, ao lado deles, a data que sempre me foi tão marcante.

A foto abaixo, de 1969, tirada na Vista Chinesa poucos meses depois do meu nascimento, mostra papai de olhos em mim, mamãe de olhos em meu pai e eu, ainda filho único, dormindo o sono dos justos. De lá pra cá, 45 anos se passaram.

D (8)

A família encolheu, meus propósitos não.

E como lhes disse em 2009:

“Sem qualquer intenção de fazer proselitismo, evidentemente, desejo a vocês todos, meus poucos mas fiéis leitores, uma noite de Natal profundamente significativa. Desejo, mais, que todos se sintam dispostos, ao menos nesses dias, ao exercício de estender o olhar à sua volta. Esse olhar estendido mostrará a vocês, seguramente, alguém precisando de muito pouco para ter um dia ou uma noite melhor. Esse olhar estendido fará com que você vivencie, ainda que seja apenas com os olhos, a experiência do outro, quem sabe capaz de transformar sua própria vida. Esse olhar estendido possivelmente dará a você a dimensão exata da fraternidade, se você tiver olhos de ver e ouvidos de ouvir.

Que tenham todos uma noite de paz, com a família, com os amigos, com gente querida, que haja muita saúde, que haja muita esperança, que haja sobretudo muita coragem para os enfrentamentos diários que a vida exige.

Sejam vocês cristãos ou não, creiam ou não em Deus, tenham todos um Feliz Natal. Eu, brasileiríssimo no que diz respeito à escolha da religião (é tudo na cumbuca e sou feliz desse jeito!), desejo que a noite de hoje seja tranqüila, seja simples, seja renovadora, significando verdadeira comunhão de propósitos capazes de dignificar sua vida.”

Hoje mesmo, marcando a ceia de Natal com mamãe para a noite de 19 de dezembro (viajamos, eu e a Morena, no dia 20 para só voltarmos dia 28 à noite), ela me disse antes de desligar (e algo me diz que depois de um arranco em direção ao passado):

– Que nosso Natal dure o ano inteiro!

Eu, que há muitos anos não creio mais que somos todos filhos de Papai Noel, que não tenho mais sequer essa ilusão – a de ter um Natal durando o ano inteiro -, quero apenas poder viver e conviver com gente que se satisfaça, e que não se incomode, com a harmonia, e que não veja a destruição da imagem do Bom Velhinho como objetivo de vida, lato sensu. A vida, meus poucos mas fiéis leitores, já é farta demais em desilusões.

Até.

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