Ontem minha caixa de email espocou feito milho em pipoqueira, que eu odeio forno de microondas e, conseqüentemente, a pipoca prática que tem gosto de isopor. O relógio marcava seis e meia da manhã quando chegou o primeiro, assinado por um Tabelião (senti-me notificado):
“Meu velho, nem uma palavra sobre o atual furdunço envolvendo os pé-sujos e sua higiene, e o comentário do Juarez Becoza sobre serem lugares feitos por gente do povão para gente do povão? Já foi melhor nisso, hein? Beijos.”
Notem que a marcação de meus poucos mas fiéis leitores é, ao contrário da marcação exercida pelos zagueiros do Flamengo, infelizmente…, implacável. Mas vamos ao palpitante assunto que tantos emails provocou.
O GLOBO, ontem, através de uma de suas empregadas, Selma Schmidt (recuso-me a chamar de jornalista quem se presta a certos papéis), deu início – não tenho dúvidas disso – a uma sórdida campanha contra os butecos cariocas (ainda são dez mil, apesar da ação predatória de meia-dúzia de empresários e de milhares de babacas que caem no conto desses imbecis).

A matéria intitulada PÉS BEM MAIS DO QUE SUJOS, que ocupa uma página inteira do caderno RIO, tem um tom denuncista covarde e propõe-se aparentemente a cobrir a vistoria (chamada de blitz, na matéria) feita em oito butecos pelo presidente da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores. Vistoria essa acompanhada pelo jornal O GLOBO. Eis aí meus primeiros estranhamentos.
Quando houve, recentemente, um operação feita pela Delegacia do Consumidor com acompanhamento de técnicos da Vigilância Sanitária, e quando descobriram algo como cem quilos de carne vencida no Belmonte do Jardim Botânico, não havia UM mísero fotógrafo ou UM mísero jornalista de O GLOBO “acompanhando” a operação?
Por que esta notícia saiu num canto de página, tímida, sem qualquer destaque? Vejam aqui.
Vejam bem… É EVIDENTE (com a ênfase szegeriana) que, em geral, as cozinhas dos butecos pé-sujos não são, de fato, um primor de higiene e assepsia. Mas também não o são as cozinhas de QUALQUER restaurante, simples ou requintado, ou de QUALQUER bar-de-merda dessas redes perniciosas de franquia.
E não tem mais o que fazer o presidente da Comissão de Saúde da Câmara de Vereadores?
A certa altura da matéria, o tal presidente da malfadada comissão alerta:
“- Quem consome alimentos preparados nesses bares está sujeito a contrair doenças infecto-contagiosas.”
E quem não está sujeito a contrair doenças infecto-contagiosas comendo em QUALQUER lugar na rua? Quem?
Mas o presidente dessa ocupadíssima comissão prefere apontar o dedo na direção, justamente, dos butecos. Sugestão rápida: por que não faz uma vistoria apurada nas contas pessoais de seus colegas vereadores? Por que não checa os contratos escusos entre a Prefeitura e algumas construtoras, que tiveram o PAN como objeto, e que enriqueceram, da noite pro dia, uma pá de gente? Por que? Por que bater no lado mais fraco, sempre? Digo lado mais fraco porque, um dia depois da publicação da tímida matéria denunciando a apreensão de carne vencida no Belmonte, deu-se ampla publicidade a uma nota oficial (é de rir) divulgada pela assessoria de imprensa (é de rir) da cadeia do bar-de-merda. Quem irá meter o indicador na fuça do vereador e defender os butecos?
Outro troço, esse engraçado. A Sra. Selma Schmidt (eu gostaria de saber como) chegou até a Sra. Rita de Cássia Goulart, manicure, 38 anos, sumidade quando o assunto é buteco. E escreveu a seguinte pérola, peça fundamental na história do jornalismo investigativo:
“Há duas semanas, a manicure Rita de Cássia Goulart, 38 anos, passou mal com a lingüiça que comeu em um pé-sujo em Laranjeiras:
– Botequim, nunca mais.”
Ontem, enquanto almoçava um PF num pé-sujo no Largo do Machado, neguinho no balcão, apontando pra tal matéria, dizia com a boca cheia de farofa, rindo violentamente:
– PQP! A Rita bebeu cerveja, bebeu cachaça, pediu rabo de galo, limão da casa, comeu meia porção de lingüiça e mete a culpa na coitada?!
O que exsurge da matéria covarde e meramente denuncista é o que acompanha a história desse jornal, desde sua fundação (sobre posturas do jornal O GLOBO, recomendo a leitura de elucidativo texto de meu mano Simas, aqui): ódio às coisas do povo e às coisas da gente mais simples, nojo à escâncara de tudo o que é popular e que sobrevive independente da submissão aos poderosos e às engrenagens sujas do maquinário que sustenta a canalha.
Não passarão!
Até.