Escrevo a pouco mais de 24h de meu aniversário de 38 anos (escrevi 38 anos e ecoou, atrás de mim, a gargalhada estrepitosa do Prata, menino de 87).
Se você é velho como eu há de se lembrar da mulher loura, um fantasma. A mulher loura, com algodões nas narinas, que assombrava os alunos dentro dos banheiros das escolas. Sua imagem surgia no espelho e ficava a repetir “Belmel, Belmel, Belmel…”. Caso você não saiba do que falo, leia mais aqui.
Falei da mulher loura apenas para falar do espelho do meu banheiro.
Breve pausa para uma explicação necessária: Dani, minha Sorriso Maracanã, está viajando a trabalho. O que significa dizer, por óbvio, que estou sozinho em casa com o Pepperoni. E eu, que sou um poltrão olímpico, ando para lá e para cá, dentro de casa, convocando sempre a companhia do meu personal vira-latas. Estar sozinho em casa, e saber, de antemão, que acordarei sozinho no dia de meus anos, que é amanhã – não custa repetir -, é, para mim, um troço rigorosamente deprimente. Deprimente e desanimador, eis que a primeira coisa que farei amanhã, ao levantar, será escovar os dentes. E por que desanimador?, vocês me perguntam. E eu responderei.
Fui, hoje, escovar meus dentes.
A mulher loura não estava lá, evidentemente. A mulher loura só aparece em banheiros de colégios, escolas, cursinhos. Quem estava lá era meu próprio fantasma, como já lhes adiantei ontem, leiam aqui.
E me submeti ao ritual humilhante de, com a boca cheia de espuma, ficar ouvindo, em silêncio quebrado apenas pelo atrito das cerdas da escova com meus dentes, palavras que me machucam:
– Velho! Múmia! Caduco! Arruinado! Senil!
Em som surround, como se meu banheiro fosse equipado com o mais moderno sistema de home theater, no mais alto volume, a gargalhada do Prata.
Falei em Prata e quero lhes contar uma coisa. Bateu-me o telefone, ontem à tarde, o meu caçula. Foi brevíssimo:
– Quantos anos você faz depois de amanhã?
– Trinta e oito.
Esperei uns quarenta, quarenta e cinco segundos de ruidosa risada.
– A Luísa faz 19.
E desligou.
Notem que sofro às vésperas de meu aniversário. Amanhã, aliás – desculpo-me desde já -, nada escreverei aqui. Antevejo que acordarei amaríssimo.
Minha coluna range, meu osso-do-pai-joão (que na zona sul neguinho chama de cóccix) dói de forma aguda, sofro de ptose parcial na pálpebra direita, estou pesado feito um paquiderme, tusso com uma regularidade de sino beneditino, tenho doída saudade dos meus que já partiram, e ajudando a piorar tudo, Fernando Szegeri, o maior ser humano de nossa época, a quem devoto amizade, dedica-se a me humilhar com requintes crudelíssimos.
Eu disse ajudando a piorar porque nada pode ser pior do que acordar, e justo no dia 27 de abril, sem a minha garota a meu lado.
Até.