Arquivo do mês: julho 2005

>VIDAL, UM BOM

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Eis que estamos na sexta-feira e quero fechar o que chamei de “Semana Vidal” falando, obviamente, desse meu irmão, chamado de “A Lenda” pelo Szegeri – que continua nos devendo desvendar a origem do epíteto – apesar de ter interrompido, ontem, o ritmo, graças a interferências do Zé Sérgio, o que não fuma mais.

E quero lhes fazer pequenas confissões a fim de que fique claro, para todos, quem é, como age, como pensa, como é, no fundo, um bom, esse Vidal.

O conheci, já lhes disse, há pouco mais de 20 anos. E o Vidal era, já naquele tempo, um irresistível, e como disse isso quero lhes contar mais sobre meu convívio com alguns tipos considerados irrestíveis pelas moças, para que eu possa tecer brevíssimas considerações sobre como isso foi fundamental para que eu me tornasse um craque (já posso deixar a modéstia de lado) no ato da sedução pelo verbo.

O Vidal era, no Palas, onde estudávamos, uma unanimidade. As moças, em plena flor da adolescência, eram “ohs”, “ahs”, suspiros e surtos de umidade quando o Vidal passava. Eu, que sempre fui um feio conformado, a tudo assistia aturdido. O Vidal não dizia um “bom dia”, um “olá”, um “oba”, nada. Mudo, ele era capaz de conquistar a Tijuca inteira. E a Tijuca, quero repetir o que já disse aqui, eis que testemunhei o depoimento do Lan, autor da observação, tem as pernas, e as coxas, e a elegância do andar mais impressionantes do país.

Éramos, em poucos meses de convívio, irmãos. E irmãos siameses. E saíamos juntos e eu testemunhei conquistas vidalescas impressionantes. Ele olhava para uma moça, acompanhada ou não, vejam vocês os dois pires verdes que o malandro tem, e seus bolsos eram uma festa de bilhetes, telefones, torpedos, convites avassaladores. E isso, justamente isso, essa facilidade absurda na conquista, me fez apurar o dom da palavra, da conversa envolvente, da sedução verborrágica, minha única possibilidade de êxito com as mulheres, ainda mais diante dele, que me atropelava nesse quesito. Foi ele, seguramente foi ele, quem me fez desenvolver essa, digamos, técnica, que me rendeu, é verdade, boas histórias pessoais.

Fui humilhado algumas vezes, é verdade também, mas fazia suas vontades em nome da amizade que nos unia e nos une até hoje, e para todo o sempre, eis uma de minhas certezas inapeláveis. Vou lhes contar um caso. Eu disse “um caso” mas foram vários.

Diversas vezes, o bom Vidal chamava-me para sair – ele já dirigia, eu não – e dizia, sem cerimônia alguma, “Vamos sair hoje… preciso de um feio do meu lado para que eu me destaque absolutamente, vamos?”, e eu ia, e testemunhava o Vidal, como um cossaco, derrubando exércitos de mulheres. Falei em exército de mulheres e um episódio me vem à cabeça.

Quando cursava odontologia, na UERJ, o bom Vidal, em determinada altura do curso, foi fazer residência na pacata cidade de Itaocara, no norte fluminense. Eu disse pacata mas deveria dizer pacatíssima. Itaocara é um nada. Mas eu estive lá, algumas vezes, apenas para que bebêssemos juntos nos finais de semana, e num desses finais de semana eu testemunhei um troço impressionante.

O Vidal estava, como direi para ser delicado?, fazendo um tremendo bem à mulher de diversos vereadores, à mulher do Prefeito, do pipoqueiro, do lanterninha do único cinema da cidade, e eu me recordo bem desse dia… Estava eu bebendo com ele numa birosca diante do chafariz da única praça da cidade, num domingo, véspera de sua partida de volta ao Rio, depois de seis meses de residência. E aproximou-se um homem, e o Vidal teve tempo de me dizer, baixinho, “É o Prefeito.”.

E o Prefeito sentou-se e chorou de esguichos, mais vigorosos do que o do chafariz diante de nós. Vidal, como um bom, deu um tapinha no ombro do sujeito, que era do PMDB, pediu um vinho quinado pro garçom, e disse, “O que é que há Pref?”, e vejam que o Vidal chamava a maior autoridade da cidade de “Pref”, numa intimidade aguda. E disse o Prefeito, soluçando, “Fique. Fique. A Prefeitura lhe contrata. Fique. Meu casamento não se sustenta sem você.”.

Aquilo foi, pra mim, uma delícia visual e auditiva. O Prefeito, cornudaço, chorando diante do meu amigo, prometendo emprego, casa, gasolina paga, para salvar seu casamento. Tivesse eu, antes do Szegeri, pensando no apelido, e ali teria nascido o nome “A Lenda”. Eu sei que vocês dirão, “Mais uma mentira do Edu”, mas o próprio Vidal já atestou que sou preciso do princípio ao fim.

Ocorre que isso foi no passado. Vidal hoje, casadíssimo, é um pacato. Eu diria que um “São Francisco”, tão quieto que é, tão bom, tão disponível pra atender as agruras dos amigos, incapaz de uma rudeza ou de um humor torto.

Lembro que dia desses, quando o encontrei, saquei da bolsa o livro “Meu Querido Canalha”, de Carlos Heitor Cony, Ruy Castro, Aldir Blanc, Geraldo Carneiro e Marcelo Madureira. Ali eu fui um sujeito emocionado agradecendo as lições que recebi de meu irmão. E ele, meu irmão, abraçou-me, chorou um bocadinho, e disse-me ao pé do ouvido, “obrigado, meu pupilo.”.

Vejam isso. “Meu pupilo”.

Para minha honra e glória.

Até.

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>ABSTINÊNCIA TABÁGICA

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(pra José Sérgio Rocha)

Por mais que eu recuse o nome blog para o Buteco, que prefiro chamar de revista eletrônica, um blog – que no fundo é o que o Buteco é – vive muito em função da interação entre quem escreve e quem lê e comenta. Feito o intróito, vamos aos fatos.

Não, eu não parei de fumar de novo. O título nada tem a ver com isso. E vou explicar.

Tem a ver com o seguinte: leiam vocês os comentários ao texto de ontem, “Vidal, um gentil”. Após lê-los, ficará claro, ao menos, o por quê da bandeira do Estado de Sergipe ilustrando o dia de hoje. E eu esclarecerei, agora, o por quê do título.

Vejam vocês que o Zé Sérgio teceu seis dos doze comentários. E saibam vocês que, há semanas, bateu-me o telefone, o Zé, para dizer como uma criança, “parei de fumar!”. No que eu emendei de voleio, “não se anime, já, já, você volta”. Parece confuso tudo isso, mas vou tentar ser mais claro.

Dos seis comentários do Zé, três se referem ao Estado de Sergipe. Daí a bandeira. Agora, convenhamos, somente a abstinência tabágica, somente a confusão mental que sofre meu amigo de Niterói em razão da ausência de nicotina e tabaco nas veias, pode explicar os tais comentários sobre Sergipe. Eu estava a falar sobre o Vidal. Sobre a gentileza do Vidal. Sobre a doçura que é o Vidal. Sobre a amizade canina que me une ao Vidal. E o Zé tasca, no texto, três comentários sobre Sergipe, sendo necessário dizer que eu não conheço Sergipe, o Vidal não conhece Sergipe, o que faz da menção do Zé um troço non sense ao extremo.

Pequena pausa para uma explicação sobre o Zé. Já lhes contei, aqui, que quando o conheci fomos de uma intimidade de amigos de infância. E lhes contei, também, que foi a Dani quem me chamou a atenção pra uma coincidência cifrada comovente: O SZEGERI e ZE SERGIO têm as mesmas letras, embaralhadas, atestando a legitimidade do sentimento mútuo que nutrimos, de cara, um pelo outro.

E é em nome desse sentimento que interrompo a semana dedicada ao Vidal. Dói, sobremaneira, assistir à derrocada de um amigo. É preciso que, de público, eu me valha de instrumentos capazes de enxovalhar a atitude do Zé para lhe dizer, “volte a fumar, companheiro!”. A falta do cigarro está lhe tirando o norte, isso é evidente. O norte, o sul, o leste e o oeste, eu diria mais. O Nordeste, não. O Nordeste está lá, cravado dentro dele. Vejam que ele mesmo escreveu, “Edu, você conhece a letra do hino de Sergipe? Nem eu, que nasci lá por acaso, a conhecia. Peguei ontem num site qualquer e a transcreverei em seguida, não sei por que motivo.”.

Esse trecho, “não sei por que motivo”, evidencia o estado lamentável pelo qual passa o bom Zé. Não a conheço, mas tenho peninha da Dora (lê-se Dôra), sua companheira. Por quais experiências, meu Deus, deve estar passando Dorinha? Se o Zé dá-se ao trabalho de acessar o Buteco, clicar com o mouse no espaço dos comentários, fazer seu login, escrever uma mensagem descabida dessas, o que estará fazendo durante as outras horas do dia? Confesso-lhes que desde o momento em que me deparei com a letra – horrorosa, por sinal – do hino de Sergipe transcrita na íntegra no dia de ontem, sou um homem em estado agudo de piedade.

Depois, reparem nos comentários que se seguem à letra do hino, o Zé fica rindo, e fica rindo valendo-se desses subterfúgios que a internet criou: “ha ha ha” e depois “quaquaqua”. É triste. É muito triste.

Eu, que já parei de fumar algumas tantas vezes, sei, lamentavelmente sei, do que somos capazes quando assacados pela abstinência do tabaco. Para não deixar de falar do Vidal, e para valer-me desse lance do Vidal, que vou contar apenas para dar um conselho ao bom Zé, vamos a um momento de 1999.

Estava sem fumar há uns 20 dias. Daí mandei um email para o Vidal com a letra do hino do Amazonas, e eu também não soube por que razão fiz aquilo. Bateu-me o telefone o Vidal, sabedor de meu sofrimento naqueles dias de abstinência, e marcamos um chope no Bar do Pavão. Quando chegou, a Lenda abraçou-me como um tamanduá, pediu dois chopes e arremessou à minha frente um maço de Carlton e um isqueiro Bic, vermelho. Disse apenas, “Fuma, porra, que isso passa!”.

Hoje, Zé, estaremos eu, Dani, Guerreira, Augusto, Betinha, Flavinho, Fefê, Dedeco e mais alguns abnegados no Estephanio´s para assistirmos Flamengo e Palmeiras, às 20h30min.

Vá lá, malandro. Quero repetir o gesto do Vidal para lhe ver, de novo, são, na medida do possível. E quero que cantes pra mim o hino de Sergipe, a fim de saber se a melodia, ao menos a melodia, vale a pena conhecer. A letra é de um horror indescritível.

Até.

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>VIDAL, UM GENTIL

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Conforme o prometido, eis que além de preciso até o fim eu sou um cumpridor ferrenho das palavras que empenho, volto hoje ao Vidal. Mas antes quero lhes contar delicioso episódio a fim de lhes demonstrar, mais uma vez, minha precisão tão pouco reconhecida pela assistência que me lê.

Segunda-feira, papai e mamãe receberam, em sua casa, os pais do Vidal, a Lenda. E um orgulhoso papai saca do bolso, no meio da noite, a crônica “Vidal, a Lenda” para mostrá-la a Valmir e Heloísa. Primeiro o Valmir lê. Ri contido, que o Valmir é um lord que não gargalha como hienas como o Dedeco, por exemplo, e estende o texto pra Heloísa. Ela comenta: “Vidal nunca falou assim comigo”. Referia-se, ela, ao trecho no qual eu conto que, durante a Copa do Mundo de 1994, quando assistíamos aos jogos na salinha de TV da cobertura onde o Vidal morava, mal ela punha um pezinho na escada, como que iniciando a escalada rumo à salinha, e um Vidal com uma ferocidade leonina, urrava “sai! desce!”. E o Valmir de voleio respondeu, “O Edu foi preciso do início ao fim”. Vejam que aos poucos eu vou me redimindo e ganhando credibilidade. Eu falei que lhes contaria, antes, esse delicioso episódio, mas agora quero contar-lhes um ainda mais delicioso. Vamos a ele.

Corria o ano de 1999. Eu estava, digamos, num ano meio barro, meio tijolo, e vacas tentavam, a todo custo, destruir meu pasto (eu sei que já recorri diversas vezes a essa imagem, mas ela é de uma precisão cirúrgica). Eis que, numa tarde de setembro, no bairro de Vila Isabel, surge a Dani diante de mim. Pausa rápida para uma explicação rápida, que o tema exige digressões que não cabem aqui. A Dani estava em Londres há anos, morando lá, e vamos dizer que vê-la, naquele momento, era tudo o que eu mais queria.

Estávamos no Clube Maxwell, no aniversário do Alfredinho, do Bip-Bip, dali partimos, depois de umas investidas bem sucedidas da minha parte (hoje posso me conceder essa ausência absoluta de modéstia) pra quadra do Salgueiro e de lá pra Praia de Ipanema, onde vimos o sol nascer dançando no calçadão “Canção da Manhã Feliz” na voz da Maria Bethania. Um curta-metragem perfeito e preciso. Eu juro que dançamos nus. A Dani nega. Detalhes. Em frente.

Em questão de semanas, eu estava de quatro. Eu diria, sem medo de errar, que há muitos anos eu estava de quatro farejando o chão a sua procura, mas isso são detalhes, de novo. E eis que eu achei que era chegada a hora de apresentar a Dani ao Vidal. É importante a expressão “era chegada a hora”, porque quando eu disse à Dani, “Vou ligar pro Vidal, quero que ele te conheça agora” a Dani soltou um “Mas agora?” capaz de me fazer frear o carro de susto. Era uma da manhã de uma quinta-feira. Voltávamos, os dois, de um jantar no Capela. E eu disse, passando a primeira e tomando a direção de sua casa, “Agora”.

Bati o telefone pro Vidal, que atendeu-me bocejando. Eu lhe contei de minhas intenções. Nesse momento, penso no Szegeri, um capaz de gritar lá de São Paulo, “O Edu está sendo preciso!”, já que ele é alvo de ligações minhas nas mais estapafúrdias horas, e pelos motivos mais banais.

Ele disse que estava dormindo, que tinha paciente marcado às 7h da manhã mas, claro, me receberia. O que esperar de um irmão?

Eis a cena.

Chegamos à sua casa. Um Vidal de pijama nos recebeu na porta. Cerveja na mão, mesinha posta na varanda, amendoim, castanhas, uma Dani constrangidíssima e eu, numa alegria absurda diante daquele irmão gentil, fazendo sinais de aprovação com os dedos por trás de uma Dani atônita. Ali ficamos por umas três horas. E nasceu ali uma gratidão eterna, que devolvi na mesma moeda.

Anos depois, o Vidal num ano meio barro, meio tijolo, enfrentava, vejam vocês, caras, bocas e veneno diante de uma decisão que tomou, e não vou dar detalhes, que isso em nada importa ao deslinde da questão.

Eu passei uns bons meses fazendo discursos por onde passava, sempre de pé, e a Dani a tudo assistia novamente constrangida e atônita, defendendo sua decisão, sua opção e fazendo, de viva-voz, os mesmos sinais de aprovação que ele fez com os dedos naquela noite.

Isso é fruto e prova, como diz o samba, da importância da velha amizade.

Até.

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LANÇADO, DE NOVO, AO PASSADO

Percebam que ontem lhes contei sobre um email de mamãe. Ralhando comigo e passando-me um pito olímpico, mamãe tecia críticas vorazes ao tom do Buteco. Só que isso foi no sábado, e o final de semana serviu para que, refletindo sobre o pito, eu prosseguisse na mesma trilha no dia de ontem. E mamãe, que é de uma elegância e de um grã-finismo comoventes, rendeu-se, provavelmente depois de também refletir, novamente por email. Disse-me apenas, numa mensagem bem curta, “Meu querido, adorei o pito. Você tem memória de elefante. Mil beijos.”.

E vejam vocês que o “adorei o pito, você tem memória de elefante” dito pela mamãe foi responsável por uma guinchada minha em direção ao Passado. Mais uma, que eu vou ao Passado como quem vai à padaria.

Quando ela associou “pito” à “memória de elefante” quis dizer que, além de boa memória, sou velho, antigo, ultrapassado, desbotado e bolorento, já que “pito” é um verbete em extinção. E isso, ao contrário da previsível depressão, me traz, sempre, um orgulho intenso e uma vontade incontrolável de dividir minhas memórias. Vamos a elas.

A foto que ilustra minha confissão de hoje tem apenas uma serventia: impedir o carimbo de “mentiroso” em minha testa, que isso é, como tenho dito, uma rotina. Dissesse eu, sem a prova material estampada no alto da coluna, que cansei de ir assistir com papai a partidas de autobol, onde carros corriam atrás de uma bola gigantesca, de 1,20m e 12kg, em busca do gol, e o côro seria ouvido por toda a parte: “Lá vem o Edu, delirante!”, “Olha o mentiroso outra vez…”, “Como delira, o Edu!” e outras frases do mesmo naipe.

Mas já estou de calças curtas, sandálias Ortopé e camisa de malha listrada, ao lado do papai, no campo do América, na Rua Campo Salles, na Tijuca, assistindo Vasco x Fluminense, Vasco x Flamengo, e o campo é uma lama só, e a assistência delira diante daquela impossibilidade real diante de nós. Sejam francos, vocês todos. Ninguém, rigorosamente ninguém acreditaria em mim, se eu não encontrasse, no Google, a fotografia, e dissesse assim, blasé, que cansei de assistir partidas de autobol. Mas é como o Vidal decretou no sábado, no Aconchego Carioca: eu sou preciso do início ao fim. Quero fazer uma retificação. Talvez o Zé Sérgio acreditasse em mim, e gritasse, lá de Niterói, “é verdade, é verdade, é verdade, eu também fui a partidas de autobol”, que o Zé Sérgio é uma espécie de Borba Gato, antiqüíssimo como eu e caçador de tesouros que a patuléia desconhece. Aliás, lembrei-me que um dia perguntei ao Dedeco, “você algum dia chegou a ir assistir a uma partida de autobol?”, e o André Menezes está rindo até hoje, acusando-me de mentiroso, como se não fosse ele, o André, o mentiroso-mor.

E como estou no Passado, arremessado pelo email da mamãe, preciso lhes dizer que depois das partidas de autobol papai me levava, e ao Fefê, pra comer cachorro-quente da Geneal na Rua Barão de Itapagipe, também na Tijuca, e até hoje está fixada em mim a imagem daqueles azulejos azuis claros, do chão ao teto, as mesinhas de madeira e seus banquinhos giratórios e os sanduíches da Geneal, com ketchup e Coca-Cola. Era uma espécie de ritual, cumprido à risca, domingo após domingo.

Morávamos na Rua São Francisco Xavier 90, apartamento 203, no Edifício Jureva, em frente à Escola Orsina da Fonseca, prédio colado à vila onde morava minha bisavó, na São Francisco Xavier 84, casa 4, a tal do banheiro de azulejos amarelos onde pequei pela primeira vez. Estou dizendo isso e internamente me pergunto, “que fixação é essa pela cor dos azulejos?”.

Daí estou pensando nas cores, e lembro que papai tinha, nessa época, uma Variant verde, verde-escuro, como são verdes os olhos do Vidal.

Só falei isso – verde – porque amanhã volto a ele, a Lenda, para mais histórias impressionantes da vida desse meu irmão. E o Buteco vai assim ganhando um novo ritmo. Já tivemos a “Semana Batista”, a “Semana Dedeco” (essa, recordista de audiência), a “Semana Szegeri”, e vamos fechando, na sexta-feira, a “Semana Vidal”.

Até.

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VIDAL, A LENDA

Quando abri meus emails no sábado pela manhã, dei de cara com o dedo indicador de mamãe furando o monitor cravando a unha no meu nariz. Ralhando comigo de forma intensa (percebam como inicio a semana velho, antigo, ultrapassado, já que desde que minha bisavó partiu jamais ouvi ser conjugado o verbo ralhar), passando-me um pito olímpico (e pito? e pito? Quem ainda usa isso além de mim?), mamãe esculhambava o Buteco reduzindo-o ao que ela chamou de uma espécie de Caras, uma revista de fofoca baixa, desinteressante, e meu sábado foi intrigante por causa disso. Ocorre que o sábado passou, veio o domingo, hoje é segunda-feira e temo decepcionar minha doce mãe. Rejeito a pecha com que ela me carimbou. Não faço fofoca aqui, ao contrário do que ela diz. Conto-lhes histórias, todas, rigorosamente todas verdadeiras, e vou lhes provar.

No sábado, como lhes contei na sexta-feira, comemoramos os 3 anos da Confraria S.E.M.P.R.E.. E lá estavam, no Aconchego Carioca, eu e Dani, Fefê e Brinco, Flavinho e Betinha, Dalton e Guerreira, Zé Colméia, Vidal e Gláucia. E a chegada do Vidal foi saudada, por todos, efusivamente. E os comentários sobre uma de suas ex-namoradas, protagonista da crônica de sexta-feira, foram inevitáveis. Vejam vocês que todos se valiam da presença do Vidal para tirar a limpo o que contei. “Fala, Vidal, tudo mentira do Edu, né?”, “Conta aí o que é verdade ali…”, e um Vidal íntegro, sincero, de caráter verde como o verde de suas duas poças-esmeralda, socando a mesa, após um pigarro reflexivo e um vigoroso gole de cerveja disse, “O Edu foi preciso do início ao fim”.

Percebam que isso é uma rotina. Triste rotina, quero completar.

Não é só mamãe quem me acusa de fofoqueiro e intrigueiro. Uns dizem que minto, outros que invento demais, outros ainda que faço uso de poderosas doses de ácido antes de escrever, e quando o Vidal, a Lenda, disse “O Edu foi preciso do início ao fim” eu me senti absolvido diante daquele júri que me apontava os dedos diminuindo minhas verdades e reduzindo-as a puro delírio. E já que estou falando do Vidal, e já que falei do Vidal na sexta-feira, é do Vidal que falarei hoje. A ilustração acima é uma forma de homenageá-lo. O Vidal, a vida do Vidal (amei o som disso, a vida do Vidal), os lances protagonizados ou apenas testemunhados pelo Vidal, dariam uma enciclopédia, um compêndio fundamental para que pudéssemos conhecer a magnitude dessa alma alva (amei o som de alma alva também).

Mas como o Vidal é meu irmão, e como somos confidentes mútuos, vocês hão de compreender que os mais quentes detalhes de sua vida permanecerão guardados e em segredo. Vamos, pois, às futilidades passíveis de publicidade capazes de revelar a dimensão dele, o que justificaria a enciclopédia imaginária. Não se esqueçam, por exemplo, do que lhes contei sobre seu método anestésico, outra de minhas verdades inapeláveis. O Vidal dispensa a anestesia em razão de que apenas seus olhos, diante das clientes embevecidas, são capazes de permitir o tratamento do canal, a cirurgia de uma gengiva, a extração de um siso, sem um “ai”, sem uma dor, sem um gemido que não o de prazer. Vamos em frente.

Vamos em frente mas vamos encerrar já, já. Quero fechar com um lance genial do Vidal.

Corria o ano de 1994. Copa do Mundo. E assistíamos os jogos na casa do Vidal, quando o Vidal ainda era solteiro. Eu, ele, Lélio, Fefê, Mauro e Valmir, o pai da Lenda. Notem bem que eu não falei da mãe do Vidal. E não falei por uma simples razão. Por razões superticiosas, o Vidal não permitia à mãe o ingresso na salinha de TV no segundo andar da cobertura. Ela punha um pezinho na escada, como que iniciando a escalada rumo à salinha, e um Vidal com uma ferocidade leonina, urrava “sai! desce!” e assim foi durante toda a Copa.

Mas então. Jogavam Brasil e Holanda. E um 2 a 2 sufocante tornava o ar pesado naquela cobertura. Até que o Branco, lembrem-se, sofreu uma falta na entrada da área. Enquanto o próprio Branco ajeitava a bola para efetuar a cobrança, um Vidal vazado de fé, imita o gesto do bom Branco e posiciona-se diante de uma porta de vidro bisotado, caríssimo, e anuncia, “vou cobrar junto com ele”, e o Valmir disse um “ai meu Deus” baixinho que somente eu ouvi.

A bola era imaginária. Não havia nada entre o Vidal e a porta.

E o Branco cobra, e o Romário se afasta dando passagem à bola que foi morrer dentro do gol, e um Vidal em transe destrói, num chute similar, a porta de vidro bisotado e a atravessa para comemorar ao ar-livre, com cacos por todo o corpo, o gol que deu a vitória à Seleção Brasileira.

Quando eu digo “com cacos por todo o corpo” é preciso que vocês me compreendam bem e visualizem a cena. O Vidal não tinha pele à mostra. O Vidal era todo vidro, seus cabelos brilhavam com aquele pó moído, e o Vidal abraçou cada um dos presentes, e ninguém, nenhum de nós, se cortou. Ninguém.

Terminado o jogo, sobe à sala a mãe do Vidal para certificar-se da tragédia sonora, pra ela era apenas sonora, não vira nada, só ouvira o som do vidro rachado, destruído, como se centenas de cristaleiras estivessem vindo abaixo. E mal pôs os pés na salinha, cortou-se. Cortou os pés e depois as mãos, quando começou a catar o que sobrara da porta.

Nós ali, havíamos testemunhado um milagre, não havia dúvida. Não havia um arranhão, uma gota de sangue que não o dela, tadinha, excluída que fora da aura santa e superticiosa do Vidal. Ali, ele já era a Lenda. Foi preciso que o Szegeri, anos depois, tendo conhecido o Vidal, tornasse público o epíteto eterno, pra todo o sempre, amém.

Até.

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>VIDAL, UM MOTE PARA RECORDAÇÕES

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Bati ontem o telefone pro Vidal, a Lenda, alcunha carimbada pelo Szegeri, meu Otto absoluto, para combinarmos nosso encontro de sábado, amanhã, quando a Confraria S.E.M.P.R.E. (Sociedade Edificante Multicultural dos Prazeres e Rituais Etílicos) comemora 3 anos de vida. O Vidal, pra quem ainda não o conhece, deu origem, vamos dizer assim, à saga que mantém o Buteco de pé, nessa crônica (cliquem com o botão direito do mouse e abram o texto em nova janela) que eu chamo de gênese. E é dessa crônica, através dela e a partir dela, que brotam os personagens que desfilam diante de vocês no monitor: seu Osório, Bule, Fefê, Márcio Branco, Flavinho, Betinha etc etc etc

Conheço o Vidal há uns 20 anos, um pouco mais. Colega de colégio, tornou-se meu irmão, meu dentista, um de meus personagens favoritos. Vou explicar, num lance, o por quê do apelido “A Lenda”. Odontólogo, o Vidal, dono de olhos verdes mais bonitos que os azuis do Márcio Branco, dispensa a anestesia quando vai tratar o canal de suas pacientes. Eu mesmo já vi. As moças ficam ali, diante dele, na cadeira horizontal, com os olhos fixados nas duas poças cor de esmeralda, babando horrores (daí seu gasto astronômico com os sugadores descartáveis), tendo os canais perfurados pelas agulhas manejadas por ele, sem dor alguma, absortas que ficam diante daquela beleza toda. Vamos em frente.

Falei do Vidal e por isso lembrei-me de dois episódios que quero dividir com vocês. O Vidal namorava, a certa altura, uma moça cujo nome, por razões óbvias, omitirei. Pausa rápida para dizer que o Vidal, hoje, está casadíssimo com a Gláucia, morando num portentoso apartamento na Tijuca. A moça, vamos ver se eu consigo ser delicado, era de uma burrice olímpica, daquelas que fazem da Magda, a personagem do “Sai de baixo” parecer uma Tarsila do Amaral. Uma anta bípede, um troço constrangedor pro meu amigo que, logo após apresentá-la, dizia “desculpas antecipadas pelo que vem por aí”, porque o que vinha de barbaridade não caberia em 100 crônicas.

Mas vamos aos dois lances, os dois no mesmo dia, na mesma ocasião. Éramos ainda bem jovens, e estávamos reunidos na casa de alguém, cujo nome não lembro, jogando “Master”, um jogo antiqüíssimo. Umas dez pessoas participavam do jogo (o Fefê estava conosco e poderá testemunhar a veracidade de tudo).

A namorada do Vidal saca de um cartão do bolinho à frente – não me peçam pra explicar as regras do jogo – e pergunta a alguém: “Quem assumiu o poder em Cuba após a derrocada de Fulgencio Batista?”.

O alvo da pergunta não sabia. Incrível, mas não sabia, o que fazia da namorada do meu amigo o par perfeito, em matéria de ignorância, pro alvo da pergunta. Aí a namoradinha da Lenda diz sorrindo (e vou escrever da forma que ela falou, lendo a resposta em seu cartão): “Faidel Castro”. O Vidal pôs-se a chorar, a assistência dava soquinhos no chão de tanto rir e prosseguiu o jogo.

À certa altura, coube a mim fazer a pergunta pra ela.

“O que é que sobe como um foguete e desce como um avião?”

A resposta certa seria “a nave espacial Columbia”.

A menina revirava os olhinhos e dizia ruborizada, “ai, ai, eu sei… posso falar, gente?”, e a patuléia em côro antevendo a tragédia batia palminhas dizendo “pode, pode, pode!”. E o Vidal com o rosto entre as mãos prevendo a hecatombe.

Eis a cena.

Ela faz um “ai…” bem lânguido, suspira, apóia a mão direita no joelho esquerdo do constrangido Vidal, e ainda repete, “ai, gente, tô com vergonha… posso falar?”, e a alcatéia em delírio urra “claro, claro, desembucha!”. A mãozinha fica em círculos na rótula esquerda do Vidal, e vermelha, o rostinho em brasa, os olhos cravados dentro dos olhos verdes do meu amigo, ela solta… “O pênis!”.

Vejam vocês que o jogo terminou ali, diante da incapacidade dos jogadores de prosseguirem respirando e falando, já que a sala tranformou-se num riso coletivo, que tornou-se mais forte quando a burralda ainda perguntou, “Errei?”. Quando percebeu, só depois de 10 minutos, que tinha errado, (vejam que gênia!) ainda disse, “Pô, desculpa, mô”.

Pobre Vidal.

Até.

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PAPAI ARREMESSADO AO PASSADO

No sábado passado, depois de meses de recesso, Fefê e Zé Colméia resolveram abrir a cobertura do duplex na Rua Dona Maria, mais conhecido como StefiHouse, para um churrasco daqueles, de dia inteiro. Os presentes, além de mim e da Dani, Fefê e Brinco, Zé Colméia, Márcio Branco, Duda, Betinha e Flavinho, Índio, Rogerinho, Mestre Tubarão, Marquinho, Mestre e Marlene, Isaac e Mariazinha, respectivamente papai e mamãe.

Vejam vocês que isso já é espetacular. Um bando de garotos e dois sessentões enxutos no meio da turba. Isso poderá lhes soar bobo, mas me é extremamente prazeroso ter meus velhos comigo, e num churrasco, e na StefiHouse, e num sábado de sol, isso é ainda mais espetacular, vou tentar explicar o por quê. Os pais são, no mais das vezes, personae non gratta quando a filharada se reúne. Por inúmeras razões, nem vou decliná-las. Isso vai desde a tenra idade até todo o sempre. Eu disse no mais das vezes porque há exceções. E os filhos que são as exceções têm, desde sempre eu declarei isso, minha admiração. Um filho que não tem o pai, a mãe, como quase-ídolos, como companheiros imprescindíveis, é um bastardo. Mas lá estavam os dois, eis que papai e mamãe são personagens que, quando não estão comigo em carne e osso, tenho sempre no bolso imaginário. Aliás, a título de ilustração, assim também são a Dani com o Comandante e o Szegeri, meu Otto na íntegra, com o Zé, de quem tenho tido saudades intensas.

Churrasqueira acesa, carnes nobres assando, cerveja no gelo, Índio na percussão, Fefê na voz e no violão, Rogerinho no violão solo, e as horas passando, e as pessoas, obviamente, se embriagando sem compromisso com o porvir. Pausa para um parênteses. A Betinha e o Flavinho tinham, sim, um compromisso às seis da tarde. Mas às quatro o bom Xerife sacou da pistola, deu três tiros pro alto e decretou, democrata que é, diante de uma Betinha atônita, com salão marcado e manicure agendada, “cancela a porra toda, vamos ficar aqui”. Restou à Betinha beber mais, o que, seguramente, não foi de todo ruim.

Outro parênteses para descrever o Márcio Branco. Sabedor de sua beleza acachapante, o Branco faz (e fez, naquele dia) de propósito: estava virado da noite anterior, com uma calça jeans azul escura encardida, uma camisa, de botões e manga comprida, cor-de-rosa e azul-bebê, amarrotadíssima, uma jaquetinha também jeans, mas azul clara, meias brancas à mostra (a calça pescava siris à mancheia) e um Vulcabrás que não via graxa há anos, como quem diz “Visto-me mal para que minha beleza sobressaia. Quem precisa de roupinha bonita são os feios”. E humilhados, todos, verificávamos a verdade estética do Branco. A Duda, que esperou pacientemente o Dedeco até às cinco, que não apareceu, oferecia-se para “dar uma ajambrada” no Branco em sua própria casa. As vizinhas da frente, acintosamente, apontavam binóculos em direção ao bonito, e as mulheres presentes, dentre as quais a minha se inclui, soltavam frases como “como é cool, o Branco”, “que charme, mesmo vestido de espantalho”, “lindo, lindo, lindo” e mais e mais e mais. Apenas a Brinco, a certa altura, disse “Prefiro meu Nando. O Branco é apenas um par de olhos lindos cercado de mau gosto por todos os lados”. Fina, a Brinco.

Mas vamos ao arremesso de papai.

Já lhes contei que o Isaac, no início da década de 60, deu de cara com a mamãe numa festa em que ele era o penetra (uma rotina pra ele. Papai, Mauro, Pato e Babolina não passavam um único final de semana sem uma festa, sem uma penetrada clássica). Numa casa suntuosa na Rua Mariz e Barros, copo de Cuba Libre na mão, cigarro no canto da boca, papai não suportou ver o par de coxas morenas de mamãe deslizando degraus abaixo numa escada de mogno em caracol. Estacou ali, diante dela, os olhos dando voltas como um carrinho de montanha-russa, e ao som de “Georgia On My Mind”, na voz do Ray Charles, disse-lhe ao pé do ouvido, “caso com você um dia!”. E assim foi feito.

Pois em determinado momento da noite, já era noite, papai, carregado na cerveja, pediu silêncio ao Fefê e a todos. Cambaleando, foi até o minisystem e catou um CD. E pôs pra tocar, justamente, Ray Charles cantando “Georgia On My Mind”. E a cena foi de uma beleza tocante.

Sem que nenhum de nós entendesse nada, papai foi até os fundos do terraço e voltou com uma escada de carpinteiro, de madeira mesmo, e a escorou na caixa d´água. Com as mãos, fez um gesto pra que mamãe subisse os degraus (e mamãe o obedeceu, com certa dificuldade, carregadíssima na cerveja também). Daí fez outro sinal pra que ela descesse a escada. E quando mamãe pousou no chão, um papai com olhos marejados disse-lhe algo ao pé do ouvido e ficaram ali, os dois, dançando como se estivessem naquela casa da Mariz e Barros.

As vizinhas aplaudiram, a Duda gritou chorando “o Dedeco não vem mesmo?”, Flavinho dava tiros pro alto comemorando a cena, o Branco chorava enxugando as lágrimas nas mangas de sua jaquetinha surrada, e depois da dança papai e mamãe partiram, de táxi, não sem antes lançarem beijos em direção à vizinhança e em cada um de nós, que a tudo assistíamos embevecidos.

Era o papai lançado ao passado. Um romântico.

No dia seguinte, ele foi ao nosso encontro, no Estephanio´s, sozinho, assistir a derrota do Vasco para o Flamengo, no pior Vasco e Flamengo que já assisti na vida. Fim do jogo, papai se levanta, xinga o Eurico, amaldiçoa o Romário, joga o resto de chope de seu copo na tela da 29 polegadas e me diz, baixinho, “vou à sua mãe que lá sou mais feliz”.

Até.

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E QUE PROSSIGA O SONHO…

(pra Sônia)
Quando essa foto foi tirada, há 25 anos, durante a fundação do Partido dos Trabalhadores, quando o Lula ainda ostentava barba cerrada e negra, era vivo o marido da Sônia, querida amiga, mãe da Manguaça, com quem a Dani falou hoje cedo pelo telefone. E lhe disse a Sônia: “Dani, estou muito triste… nem quero falar sobre isso…”, e desligou. Dani, preocupada, bateu o telefone pra Manguaça que confessou: “Mamãe está muito triste com tudo isso que está acontecendo com o PT…”.

E quero daqui, do Buteco, dizer à Sônia que quero ser convidado, ontem, de preferência, pra uma comidinha em sua casa, para que brindemos à preservação do sonho que ela, Sônia, e seu marido, que já partiu num rabo de foguete, dividiram há 25 anos. Para que eu diga a ela que a tristeza não deve prosperar. Para que eu diga a ela que essa cortina de fumaça não deve nos deixar esquecer que o mensalão no governo Sarney foi pago através da concessão de rádios pelo Brasil afora. Que o mensalão no governo FHC, um mentiroso-vaidoso, foi pago através de dinheiro vivo para que ele fosse mantido no poder, com propinas comprovadas de até 200 mil reais. Que a Vale do Rio Doce foi dada de presente por pouco mais de 3 bilhões de reais (recentemente avaliada em pouco mais de 40 bilhões de reais). Que o escândalo do SIVAM jamais foi esclarecido, que a farra do PROER jamais foi justificada, que o sistema TELEBRÁS foi entregue como a Vale do Rio Doce. Que o escândalo dos bancos Marka/FonteCindam, socorridos com quase 2 bilhões de reais pelo Governo Federal não deu em nada, e Cacciola vive tranqüilo, na Itália, até hoje. Que a base de Alcântara, no Maranhão, foi entregue aos EUA num acordo extremamente lesivo ao Brasil. Que centenas de trabalhadores sem-terra foram assassinados diante de um passivo Governo.

E quero dizer à Sônia, mais, que eventuais calhordas que mancham, hoje, a trajetória do PT, não merecem uma única lágrima sua, salgada, misturada com o suor de quem sonhou o sonho de um Brasil mais justo misturada, ainda, com as lágrimas que marcaram a despedida de seu companheiro.

Como a Sônia não é muderna a ponto de navegar por mares cibernéticos, que seja a Manguaça a portadora do meu recado. E esse meu recado acaba sendo a retribuição ao telefonema que recebi, da Sônia, quando da morte de Leonel Brizola. Foi, naquele momento, o telefonema, carinhosíssimo, de uma importância suprema pra mim, que sofria naquela noite os revezes que, talvez, ela sofra hoje.

Eu não quero fazer qualquer espécie de julgamento diante do que se vê hoje, naquele picadeiro em que se transformou a CPMI dos Correios. Mas quero dizer que me enoja ver bandidos como ACM e seu neto, Roberto Jefferson e outros comparsas, agindo como bastiões de uma lisura que jamais tiveram.

Lisura que ela, Sônia, tem aliada à doçura de seu sorriso, à franqueza de seu abraço e à delícia de sua cozinha. O convite, Sônia, não esqueça do convite! Vamos brindar ao sonho, que não deve morrer.

Até.

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>A VIAGEM DO BATISTA E O TERNO DO DEDECO

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Conforme o combinado, Batista ligou-me por volta das quatro da tarde de ontem e foi o mesmo monocórdio quando disse “Te vejo às sete no Roquinha”. E o Batista, que é de uma previsibilidade implacável, já estava à mesa quando apontei na esquina da General Roca e gritou meu nome como se não me visse há meses, os dois braços ao alto balançando qual um boneco inflável desses de posto de gasolina. Abraçou-me como se não me visse há anos e num ímpeto de gentileza, que denotou um nervosismo extremado, afastou a cadeira pra que eu me sentasse. “Marcou?”, perguntei. “Não. Vou viajar amanhã, às nove da manhã, e você vai me levar ao aeroporto, direto daqui.”, disse o Batista cravando a mão em meu bolso, pegando o maço de Carlton e o isqueiro. “Viajar?”, e eu não conseguia esconder o desapontamento. “Buenos Aires.”.

E o Batista contou-me seus planos. Estressado, triste com a separação e pressionado por Dirce, a viagem pra Buenos Aires lhe pareceu uma saída e tanto. Um amigo seu, de infância, estava morando na Argentina há uns cinco anos, separado também há coisa de um mês, e bastou um telefonema na noite anterior para que o convite fosse feito e imediatamente aceito.

O Batista pediu uma porção de lingüiça e dois chopes. E outro cigarro. E me disse que estava com as malas prontas, os clientes do consultório desmarcados pelos próximos três meses, e que contava comigo para a carona até o Galeão. E disse mais, que Dirce sabia de tudo e concordara com tudo. Disse-me que deixara com sua secretária uma procuração me nomeando seu advogado para que tratasse dos papéis da separação. Eu ouvia tudo, atônito, sabendo que meu papel, naquele momento, era apenas o de ouvinte. E fiquei ali, até às oito da noite, quando partimos em direção à pensão na Rua do Matoso a fim de pegarmos suas malas do couro, duas apenas, forradas com pano forte e brim cáqui. Batista acertou as diárias na recepção, fétida como o quarto, e partimos pro Capela por volta das dez da noite.

No trajeto até o Capela, Batista pediu-me o celular emprestado e fez uma ligação. “Dirce? Oi… você pode vir de carro até o Capela? (…) Estou com o Edu. (…) Tá bom… espero… você me leva cedo ao Galeão? (…) Beijo. (…) Eu também.”.

Lá chegando, atendeu-nos o Cícero. Dois chopes, uma porção de salaminho, e eu me despedi antes mesmo da chegada da Dirce. Desejei-lhe sorte e lhe pedi que mantivesse contato por email. E parti rumo ao Estephanio´s.

No Estephanio´s, mesa de cinco na varanda, já quase onze da noite: Fefê, Márcio Branco, Barroca (lê-se Barróca), um Juiz Federal e o Dedeco. Vou lhes descrever o Dedeco para depois explicar o por quê desse “Juiz Federal” sem nome.

O Dedeco vestia um sapato preto luminoso, “da Motex”, disse-me o Dedeco de pé. Terno preto, gravata cinza com listras diagonais pretas, uma camisa branca, “da Casa Alberto”, e um pulôver de lã, cinza, com gigantescos botões de madrepérola. Vejam que pompa.

E dando mais pompa à mesa, um Juiz Federal. Ou melhor, quase-um-Juiz-Federal, já que o amigo acaba de passar no concurso mas ainda não tomou posse. E ver o Dedeco diante de um Juiz Federal foi espetacular. Primeiro é preciso dizer que basta alguém passar num concurso para Juiz Federal (para Juiz, apenas, o Federal é meramente apêndice nesse caso) para que tudo mude. O chope vira uísque. As porções de salaminho, antes devastadas pelo candidato, viram porções de vieiras. Os “obas” e “olás” efusivos com que nos cumprimentavam o candidato, transformam-se num cerimonioso “como vais?” com a mão estendida. E o Dedeco, ali, esculhambava a liturgia do cargo.

“Vai trabalhar em que vara?”, e coçava o saco e guinchava de rir, o Dedeco.

Eu, sentado ali diante daqueles cinco, com a cabeça ainda voltada pro drama do Batista, divertia-me com a conversa non sense deles. Pedi chope ao Erasmo e um maço de Carlton, que o meu ficou com o Batista no Capela. E o Dedeco, tirando sarro com a cara do Juiz Federal, fez a proposição.

“Excelência… (e ria de cuspir o chope)… Ajude-me nessa tormentosa questão… A Polu, desde ontem, não mora mais lá em casa. Estou a precisar, urgentemente, de uma empregada. Mas penso que, depois de anos de luxúria, preciso mesmo é de uma mulher, e quando eu penso em mulher, penso imediatamente na mãe ideal para meus filhos. Penso que deve ser uma mulher culta, dessas que vão à FLIP ano após ano. Uma mulher que seja sommelier, que entenda de vinhos, de uvas, de safras, de bagos (e coçava acintosamente o saco de novo), que seja organizada, austera com as contas da casa… Vossa Excelência pode me ajudar?”.

O Fefê tinha a cabeça entre os joelhos de tanto rir. O Márcio Branco, aquela beleza humilhante, só dizia “você não presta, André”, o Barroca chorava de tanto que gargalhava, e o Juiz Federal bateu o martelinho imaginário e pediu silêncio.

“A Duda, meu caro, a Duda.”.

Fiquei ali, por uns cinco minutos tentando dizer alguma coisa. Como os cinco eram uma só gargalhada, e até mesmo o Erasmo e o Léo rolavam na calçada molhada de tanto que riam, fui embora.

Até.

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>O BATISTA NO SIRI

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Domingo às oito e meia da manhã acordei com o telefone gritando. Atendi num sem-pulo e era o Batista. Como bocejei antes mesmo do alô, o Batista desculpou-se como pôde e convocou-me, sem direito à réplica, pra um almoço no Siri, na Rua dos Artistas. Preciso confessar que não tinha a menor disposição de aceitar o convite, mas um assunto é um assunto, e então eu combinei ao meio-dia com o meu doce amigo.

Apontei na esquina meio-dia em ponto, e só vi as mãos do Batista, que o Batista, lembrem-se, saúda um amigo que chega como um náufrago em mar bravio, já sentando diante de meia dúzia de bolachas da Brahma. Olheiras profundas, cor de chumbo, as mãos trêmulas e aquele balbuciar lento e pesaroso, “sente-se, Edu…”. Sentei-me, e sentei-me excitadíssimo. “O que foi dessa vez?”, disse enquanto estalava os dedos chamando o garçom à mesa para pedir dois chopes e uma porção de camarão ao alho e óleo.

“Separei-me”, disse o Batista para então cair num chôro convulsivo. O chôro convulsivo do Batista é um espetáculo de sons e gestos. Guincha altíssimo, assôa o nariz sem cerimônia, a mão que recebe o muco nasal esfrega os olhos, despenteia os cabelos, e ali, enojado, esperei o amigo acalmar-se não sem antes sugerir uma ida ao banheiro para lavar as mãos. E obedeceu-me, o Batista, e eu já era, àquela altura, um curioso olímpico pelo novelo da história. Volta o Batista à mesa e senta-se à minha frente dizendo apenas, “vaca”.

“Vaca, quem?”, eu disse com os olhos cravados na espuma do meu chope. “A Dirce, Edu…”. Contou-me o desolado Batista que seu segundo casamento terminara depois de um telefonema da Dirce para sua mulher. Um telefonema daqueles. Com requintes de detalhes, todos confirmados pelo próprio Batista durante seu último jantar em casa. Confessou-me não ter o menor talento para mentiras, ardis, nada disso. Daí ouviu as queixas da mulher, comeu seu bife de fígado com purê de batatas de olhos baixos, assentindo com a cabeça as verdades que a resignada repetia, e foi ao quarto apenas para buscar as duas malas já feitas.

Está morando numa pensãozinha na Rua do Matoso.

Ocorre que a “vaca” não lhe sai da cabeça. Ocorre que a “vaca” tem feito visitas diárias ao fedido quarto onde está morando e mais, contou-me com um sorriso, o primeiro desde minha chegada, a “vaca” tem sido uma ninfomaníaca de lhe tirar o fôlego. Tem feito o Batista de joguete, a expressão é dele mesmo. E isso tem feito meu amigo feliz.

O consultório vai bem, não tem do que se queixar. O que lhe tem tirado o sono é justamente a fúria uterina da Dirce, sempre com uma nova idéia, quase-revolucionária, que inclui algemas, chicotes, botas com esporas no cano alto, mordaças, velas e cêra quente, um rol de deixar qualquer um abilolado.

Mas o pior, soube em seguida, estava mesmo por vir.

Batista me convocara com um único objetivo, além da novidade da separação.

Dirce estava a exigir um terceiro disposto a filmá-los.

“E pensei em você, Edu… Não confio em mais ninguém pra isso… Você topa?”.

Quando ele disse “você topa?” eu bati com as duas mãos na mesa derubando os dois chopes num “mas é claro!” que o deixou felicíssimo. E eu disse “quando? quando? quando vai ser isso?”.

Quando ele respondeu “ainda não sei, mas em breve”, meus olhos brilharam e ele notou. “Amanhã, você pode?”. E eu gritei de novo “mas é claro!” e pedimos a conta.

Batista ficou de me ligar hoje à tarde para um chope no Roquinha, o segundo lar do meu doce amigo, no final do dia.

Amanhã, obviamente, contarei tudo, com detalhes.

Até.

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