Hoje, finalmente, cumpro a palavra que empenhei ao Raphael Vidal, o Maluco Fundamental, figura imprescindível para a minha mui amada e leal Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Escrevi, em 07 de março, aqui, que não há nada mais inviável do que um coletivo. Foi publicar isso e ouvir, daqui, as gargalhadas que vieram rolando do Morro da Conceição, atravessaram a Rio Branco nos trilhos do VLT e vieram até o Castelo: era o Vidal, a confissão é dele, gargalhando às escâncaras diante da minha humílima declaração. Hoje, portanto, debruço-me o palpitante tema dos coletivos.
Os coletivos são, nada mais, nada menos, do que grupelhos dedicados a um tema de interesse comum a todos os seus membros. Explico: Aderbal e Adelaide adoram gastronomia. Gastam seus tempos pesquisando sobre ingredientes, sobre a culinária regional, receitas, essas bossas. Até que um deles – digamos que o Aderbal – diz:
– Vamos montar um coletivo?
E há, nos olhos, na boca e na expressão corporal da Adelaide, uma excitação de primeira noite.
– Vamos! – diz lânguida, a Adelaide, tendo quase um surto de umidade.
Daí Aderbal e Adelaide percebem que estão diante de uma olada e criam, assim, num só diálogo curtíssimo, um coletivo de gastronomia. Passam, dali em diante, a assumir nova postura. Encontram o Setúbal, amigo comum. Diz, o Setúbal:
– Opa! Tudo bom?
– Criamos um coletivo! – como cegos e surdos, não ouvem mais nada, não respondem nada, estão integralmente voltados para o projeto (todo coletivo é, também, um projeto).
Eis que o Setúbal saliva, não esconde a inveja e a cobiça e, ele também excitadíssimo, pergunta como fazer para fazer parte do coletivo. E esse movimento, que não cessa, faz com que em – o quê? – 10, 15 dias, esteja criado (e grande, e cheio de adeptos, seguidores e membros) o coletivo que nasceu do desejo comum de Aderbal e Adelaide.
Vai daí que temos, hoje, coletivos de gastronomia, de artes cênicas (teatro, sobretudo), de fotografia, de cinema, de tudo. E há, em todos os coletivos, um enfado criativo que dá dó. E de mãos dadas com o enfado, uma ira incontida contra tudo o que está, digamos, estabelecido há 10, 20, 50, 100, 1.000 anos. A idéia central dos coletivos é repensar o mundo (todos os coletivos, sem exceção, repensam o mundo sem que se mova uma palha no entorno deles). E repensar o mundo para os membros de um coletivo é, obrigatoriamente, contestar tudo, de tudo discordar, vociferar contra tudo e contra todos. Eu seria capaz, sem medo do erro, de dizer que todos os coletivos juntos formariam uma espécie de país imaginário: têm, os membros de um coletivo, essa intenção (sem que ninguém tenha lhes pedido rigorosamente nada) de destruir as estruturas estabelecidas para reerguê-las sobre pilares mais sólidos (pilares mais sólidos é como pigarro para os velhos na boca desses jovens). Há, nos membros de um coletivo, uma arrogância disfarçada de candura; uma fúria disfarçada de pacifismo; lampejos de genialidade que não são nada além de nada.
Notem que os coletivos promovem debates, reuniões, ciclos, mesas, seminários, congressos, ocupações, atos, manifestos, e toda a assistência desses debates, dessas reuniões, desses ciclos, dessas mesas, desses seminários, desses congressos, dessas ocupações, desses atos e desses manifestos são eles mesmos, que se revezam, esquizofrenicamente, no papel de expositor e de público, de debatedor e de mediador, de artista e de platéia, num movimento inviável e incapaz de produzir qualquer coisa que tenha eficácia ou utilidade para além de suas fronteiras (embora sejam, os coletivos, também contra as fronteiras).
Não sei se fui exatamente claro, Raphael Vidal (é para ele e apenas para ele que estou escrevendo). Prometo voltar ao tema em brevíssimo.
Até.