Quem me lê sabe o quanto gosto, e o quanto o freqüento, do portentoso Bar do Chico, na esquina das ruas Afonso Pena com Pardal Mallet, comandando, é claro, pelo Chico, cearense e tremendo boa -praça sobre quem pairam as mais diversas lendas. Uma delas dá conta de que o Chico é um grosso, um mal-educado, um ríspido no trato com a clientela. Repilo com veemência. Chico é um cracaço no atendimento, a mim e aos meus que lá chegam. Outra, diz que o Chico não revela a ninguém, nem a fórceps, a receita de sua monumenal caipivodka de maracujá. Também repilo. Aprendi o passo-a-passo com o próprio cabra.
Há uma, entretanto, séria.
Ninguém, ninguém!, sabe (sabia, vocês verão) o time pelo qual torce o arretado cearense. Já vi muito pau quebrando nas mesas, nas manhãs de domingo (meu dia e horário preferidos), sobre o palpitante tema.
– O Chico é Vasco, pô! Tá na cara!
– O Chico? Rubro-negro doente. Basta ver como ele muda de humor a cada vitória do Flamengo.
– Americano com certeza absoluta.
– É tricolor desde criancinha.
– Botafoguense, dos mais fanáticos!
Instado a se manifestar, Chico assumia ares de estátua. No máximo, um sorriso de canto de boca. Jamais soltou um “a” capaz de denunciar o time do seu coração. Cheguei a consultar um especialista naquele pedaço da Tijuca, o Cesinha Tartaglia, freqüentador há muitos anos, muitos anos, mais antigo que eu. E ele foi seco:
– O time do Chico? Acho que nem o Chico sabe.
Era mesmo um mistério.
Até que deu-se o seguinte: no dia 22 de maio próximo passado, um domingo, baixei na área vestido com a camisa do Corinthians. À mesa, comigo, muitos amigos – e desde cedo. Chegamos lá por volta das dez da manhã. Aquele desfile de garrafas casco-escuro, doses industriais de caipivodka, muita carne-de-sol, muito aipim, até que mais ou menos às cinco da tarde ouço o chamado do balcão:
– Edu? Chega aqui – era o Chico.
Cheguei-me. E ele:
– Bebe um chope comigo?
– Claro.
E o Chico tirou, com a perfeição dos grandes, duas caldeiretas com espessa espuma. Ele próprio sugeriu o brinde:
– À nossa!
Repetiu a operação uma, duas, três, quatro vezes. E eu achando aquilo meio estranho, que o Chico é gentil pacas… mas não é dado a esse tipo de, digamos, cortesia. Depois do quinto chope, disse:
– Encara uma cachacinha comigo?
Eu, cabreiro, fiz que sim com a cabeça.
Ele voltou com as duas doses e virou a dele num só gole.
Marejou os olhos. Pôs a mão direita sobre o escudo da minha camisa e disse, baixinho:
– Eu sou Corinthians, porra!
E deu de cantar o hino do Timão, de beijar o escudo, e disse:
– Hoje tu não paga nada! Não paga nada! Nadica de nada! – daí já gritava como um possesso.
Voltei no dia 12 de junho, um domingo também, pouco antes de Corinthians e Fluminense (foto acima). Saquem a gargalhada do Chico, que é quase possível ouvi-la diante desse instantâneo feito pelo Tartaglia, de quem lhes falei mais acima. Disse eu, ao cabra:
– Agora só venho aqui assim, de Corinthians, pra não pagar nada!
Foi desfeito um dos maiores segredos do Bar do Chico.
Até.