A foto que ilustra o texto – “Meu pai” – é significativa: à esquerda, de verde, Marcelo Vidal – meu irmão. A seu lado, de branco, Fernando Szegeri, outro irmão meu, pai de duas de minhas afilhadas, Iara e Rosa. De preto, óculos pendurados no pescoço, o velho Isaac, meu pai. A seu lado, Felipinho, que chama meu pai de pai. E de costas, uma de minhas referências, outro irmão que a vida me deu, meu compadre, meu sacerdote, pai de meu afilhado-de-rua – o moleque Benjamin, elezinho filho de Exu -, filho de um filho de Ogum como eu, nosso pai: Luiz Antônio Simas.
E eu digo que a foto é significativa porque estão ali, à mesa, quatro homens que têm, cada um deles, fundamental participação na minha formação, na minha construção, na minha manutenção, na minha forma maior de emoção como homem. Todos em torno daquele que, em 1969, recebeu o aviso de que eu nasceria no vigésimo-sétimo dia de abril daquele ano – contrariando previsões médicas, as estatísticas das mulheres da família, as contas da tabelinha de minha mãe. Ele, meu pai.
Ele, meu pai, que agora aos 70 anos tem apenas 25 anos a menos do que eu. Isso, em 1969, esses mesmos 25 anos, era um oceano, um abismo, um tempo inatingível, um hiato que fazia de mim o dependente diante do único ídolo – o filho e o pai. O primogênito e o pai. O filho único e o pai. Os anos passaram – e passaram tanto… – e eu deixei de ser o filho único, e eu deixei de ser dependente, e ele deixou de ser meu único ídolo na medida em que fui colecionando ídolos conforme os anos se passavam.
Hoje, do alto dos meus 45 anos, sou cada vez mais um homem assombrado pelos arrancos e arremessos em direção ao passado. E sinto falta das conversas que nunca tivemos (e que nunca teremos, ora bolas!), sinto falta dos gols que nunca comemoramos (ele Vasco e eu Flamengo), sinto falta das confissões que nunca fiz, sinto falta de uma porrada de coisas que não são nada, rigorosamente nada, absolutamente nada diante das certezas que tenho de que sou, hoje e ainda hoje (e para sempre), fruto do sujeito alto, magro, de pernas finas, meio desajeitado, que em 1969, com menos de um ano de casado, recebeu o anúncio de que eu estava pra chegar.
Eu cheguei.
E nunca vou-me embora.
Nem ele.
Porque os nossos liames são frutos de mistérios jamais desvendados e que serão, sempre, celebrados como celebrados foram na tarde que passamos sentados à mesma mesa na Quitanda Abronhense: em silêncio quebrado apenas pelo espocar dos copos americanos, cheios de cerveja, que se batem para dar forma e vida ao que nunca soubemos dizer um pro outro. Nem com os olhos – porque os meus eu fechei, desde o primeiro dia, diante do sopro de seu assovio, na direção dos meus olhos, para que eu dormisse o mais rápido possível.
Feliz dia dos pais, meu pai.
Até.