Não bastassem as confusões que faço com nomes, pessoas, que me põem, corriqueiramente, em situações embaraçosas, protagonizei, no dia do meu aniversário, no Estephanio´s, outra confusão hedionda detectada apenas quando tudo já fora espalhado pelo ventilador, cujas hélices eram eu.
Recebi, na tarde daquele dia, extenso e comovente email do meu Otto na íntegra, meu Otto particular, meu personal-gênio, o bom Szegeri. Dirão vocês, mas que saco, lá vem ele falar do Szegeri de novo!, e eu responderei, de pé num banquinho, falarei sempre, falarei sempre! O email trazia inequívoca prova de que ele fizera uma reserva na GOL para, de surpresa, despencar no Estephanio´s às 22h. Contava, mais, que na noite do dia 26 de abril uma forte dor no peito o empurrara para um hospital com suspeita – madeira! toc toc toc! madeira! – de infarto. Exames, eletros, um padre convocado às pressas, e nada: era apenas a hérnia rugindo impiedosamente. Vai daí que com as restrições, os remédios, o melhor mesmo seria suspender a viagem, infelizmente etc etc etc
Já no Estephanio´s eu cantava pra dentro enquanto percebia os amigos chegando, “naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim” e os mais chegados notavam algo de errado (além da falta da lentilha, eles notavam que faltava uma alegria em mim).
Daí chamei o Vidal num canto. “Vidalzinho… pô… que bosta…”, e ele, “o que foi?”. Marejando os olhos eu disse… “o Szegeri… suspeita de infarto ontem…”, Vidal agarra-me pelos braços e eu emendo, “… só suspeita… os exames apontaram pra crise de hérnia…”, e ele soltou um “ufa” e saí pro banheiro.
Quando voltei, disse baixinho no ouvido da Lenda, “de disco, de disco!”. Ele baixou os olhos, virou o chope num só gole e disse num berro, “ao Szegeri!”.
Fefê ouviu e me chamou. “O que houve com o Szegeri? Por que você está chorando?”. Abracei meu alterego e disse, “era pra ele estar aqui, mas está com hérnia, veja você… com hérnia!”. Fefê, que entende tanto de medicina quanto a Pimenta, minha cocker-spaniel, urrou… “hérnia? de quê? de quê?”. Pausa para explicar que esse “de quê?” denota uma não-total-ignorância do assunto. E eu… “de disco, Fê… de disco!”. E voltei ao banheiro para molhar mais a pia.
Vejam vocês que a cada vez que eu dizia “de disco” uma nostalgia profunda me abatia. Numa associação estúpida eu lembrava dos LP´s, da vitrola, das agulhas que papai comprava como se fosse ouro na Veiga-Som na Rua Barão de Mesquita (vejam como estou velho). E eu associava, boçalmente de novo, o Szegeri a um LP, e pensava como o Szegeri é antigo, como é capaz de me arremessar pra década de 40, 50, 60, quando nem Eduardo eu era ainda.
Na volta do banheiro, é o Dalton que me puxa num canto. “Ouvi você falar do Szegeri… ele vem?”, e eu, “não, não… infelizmente não… ele vinha… mas uma hérnia de disco o derrubou ontem à noite”. O Dalton, que entende de medicina muito menos que a Pimenta, minha cachorra, soluçava em guinchos e disse-me à boca pequena, “hérnia? quantas?”. Esse “quantas?” me deu calafrios. O Szegeri não mencionara nada sobre quantidades, mas eu chutei, “uma, cara, mas… de disco!”. Pra quê fui dizer isso? O Dalton agachou-se, dava socos no chão e repetia… “de disco não! de disco não!”, e aí eu apavorei-me, “é grave?”, e ele, “cara… se é de disco é…”. Fui engatinhando pro banheiro já que àquela altura eu estava agachado como ele fremindo de dor.
Notem vocês que eram os Confrades da S.E.M.P.R.E. que notavam tudo, e o Flavinho foi o quarto a me interrogar na saída do banheiro encharcado de lágrimas. “Edu… você e Dalton estavam ali, chorando… ouvi o nome do Szegeri… alguma coisa?”, e eu diante daquele policial exemplar disse “cara… o Szegeri está com hérnia de disco!”. O Flavinho, que entende menos de medicina que toda a ninhada da Pimenta unida, sacou da arma na cintura e deu 2 tiros pro alto, apavorando os presentes aos gritos de “hérnia vá lá, mas de disco não, porra!, de disco, não!”. Foi a Betinha quem o controlou.
E o Zé Colméia vinha chegando com seu porte de submarino nuclear, atropelou o Leôncio, derrubou o Erasmo, abriu caminho entre o Gaúcho e o Maurício e disse “que porra é essa, Edu?”. Como eu soluçava, Zé deu-me um direto no queixo e disse “desembucha! o que houve?”. “Zé… é o Szegeri… está com uma (eu havia incorporado o conhecimento numérico do Dalton sobre hérnias) hérnia, mas é de disco”.
A cena foi digna dos auto-flagelos mais intensos. Zé suspendeu-me do chão pela gola da camisa e chorando dizia “fala que é mentira… fala que é hérnia, mas que não é de disco… de disco não, de disco não!”. E caímos os dois aos prantos no chão chamuscado de pólvora.
A coisa foi acalmando, as moças nos fazendo carinho em busca do consolo impossível, e não havia um médico, um veterinário na área para nos esclarecer mais a fundo.
Onze da noite, angustiado, bati o celular pro Szegeri. Contei-lhe tudo. Disse-lhe da minha saudade, da falta que ele fazia, e mandei-lhe a pergunta, “irmão… a hérnia de disco… melhorou?”.
Doces figuras, a gargalhada do Szegeri, que relinchava de rir, calou-me no fundo.
“Edu… não é hérnia de disco, cara. É de hiato”.
Desliguei sem nem me despedir. Corri de volta pra dentro do bar e juntei-me aos Confrades que aguardavam atônitos uma notícia.
Pedi cachaça pra todos. Tornei o momento solene, erguemos todos os copinhos e baixou-me uma amnésia (hérnia de quê mesmo?). “Confrades… um brinde ao Szegeri… eu fiz uma pequena confusão… é hérnia mesmo… mas é de… ditongo!”. Demostrando o conhecimento coletivo da Confraria no assunto “medicina”, a efusão foi generalizada, e o Zé Colméia fechou com chave de ouro o festejo… “porra, Edu… que susto… foda mesmo seria se fosse de hiato, pior, muito pior que a de disco!”. Aplausos, chôros, e prosseguiu a festa.
Até.