Arquivo do mês: abril 2005

A HÉRNIA DO SZEGERI

Não bastassem as confusões que faço com nomes, pessoas, que me põem, corriqueiramente, em situações embaraçosas, protagonizei, no dia do meu aniversário, no Estephanio´s, outra confusão hedionda detectada apenas quando tudo já fora espalhado pelo ventilador, cujas hélices eram eu.

Recebi, na tarde daquele dia, extenso e comovente email do meu Otto na íntegra, meu Otto particular, meu personal-gênio, o bom Szegeri. Dirão vocês, mas que saco, lá vem ele falar do Szegeri de novo!, e eu responderei, de pé num banquinho, falarei sempre, falarei sempre! O email trazia inequívoca prova de que ele fizera uma reserva na GOL para, de surpresa, despencar no Estephanio´s às 22h. Contava, mais, que na noite do dia 26 de abril uma forte dor no peito o empurrara para um hospital com suspeita – madeira! toc toc toc! madeira! – de infarto. Exames, eletros, um padre convocado às pressas, e nada: era apenas a hérnia rugindo impiedosamente. Vai daí que com as restrições, os remédios, o melhor mesmo seria suspender a viagem, infelizmente etc etc etc

Já no Estephanio´s eu cantava pra dentro enquanto percebia os amigos chegando, “naquela mesa tá faltando ele e a saudade dele tá doendo em mim” e os mais chegados notavam algo de errado (além da falta da lentilha, eles notavam que faltava uma alegria em mim).

Daí chamei o Vidal num canto. “Vidalzinho… pô… que bosta…”, e ele, “o que foi?”. Marejando os olhos eu disse… “o Szegeri… suspeita de infarto ontem…”, Vidal agarra-me pelos braços e eu emendo, “… só suspeita… os exames apontaram pra crise de hérnia…”, e ele soltou um “ufa” e saí pro banheiro.

Quando voltei, disse baixinho no ouvido da Lenda, “de disco, de disco!”. Ele baixou os olhos, virou o chope num só gole e disse num berro, “ao Szegeri!”.

Fefê ouviu e me chamou. “O que houve com o Szegeri? Por que você está chorando?”. Abracei meu alterego e disse, “era pra ele estar aqui, mas está com hérnia, veja você… com hérnia!”. Fefê, que entende tanto de medicina quanto a Pimenta, minha cocker-spaniel, urrou… “hérnia? de quê? de quê?”. Pausa para explicar que esse “de quê?” denota uma não-total-ignorância do assunto. E eu… “de disco, Fê… de disco!”. E voltei ao banheiro para molhar mais a pia.

Vejam vocês que a cada vez que eu dizia “de disco” uma nostalgia profunda me abatia. Numa associação estúpida eu lembrava dos LP´s, da vitrola, das agulhas que papai comprava como se fosse ouro na Veiga-Som na Rua Barão de Mesquita (vejam como estou velho). E eu associava, boçalmente de novo, o Szegeri a um LP, e pensava como o Szegeri é antigo, como é capaz de me arremessar pra década de 40, 50, 60, quando nem Eduardo eu era ainda.

Na volta do banheiro, é o Dalton que me puxa num canto. “Ouvi você falar do Szegeri… ele vem?”, e eu, “não, não… infelizmente não… ele vinha… mas uma hérnia de disco o derrubou ontem à noite”. O Dalton, que entende de medicina muito menos que a Pimenta, minha cachorra, soluçava em guinchos e disse-me à boca pequena, “hérnia? quantas?”. Esse “quantas?” me deu calafrios. O Szegeri não mencionara nada sobre quantidades, mas eu chutei, “uma, cara, mas… de disco!”. Pra quê fui dizer isso? O Dalton agachou-se, dava socos no chão e repetia… “de disco não! de disco não!”, e aí eu apavorei-me, “é grave?”, e ele, “cara… se é de disco é…”. Fui engatinhando pro banheiro já que àquela altura eu estava agachado como ele fremindo de dor.

Notem vocês que eram os Confrades da S.E.M.P.R.E. que notavam tudo, e o Flavinho foi o quarto a me interrogar na saída do banheiro encharcado de lágrimas. “Edu… você e Dalton estavam ali, chorando… ouvi o nome do Szegeri… alguma coisa?”, e eu diante daquele policial exemplar disse “cara… o Szegeri está com hérnia de disco!”. O Flavinho, que entende menos de medicina que toda a ninhada da Pimenta unida, sacou da arma na cintura e deu 2 tiros pro alto, apavorando os presentes aos gritos de “hérnia vá lá, mas de disco não, porra!, de disco, não!”. Foi a Betinha quem o controlou.

E o Zé Colméia vinha chegando com seu porte de submarino nuclear, atropelou o Leôncio, derrubou o Erasmo, abriu caminho entre o Gaúcho e o Maurício e disse “que porra é essa, Edu?”. Como eu soluçava, Zé deu-me um direto no queixo e disse “desembucha! o que houve?”. “Zé… é o Szegeri… está com uma (eu havia incorporado o conhecimento numérico do Dalton sobre hérnias) hérnia, mas é de disco”.

A cena foi digna dos auto-flagelos mais intensos. Zé suspendeu-me do chão pela gola da camisa e chorando dizia “fala que é mentira… fala que é hérnia, mas que não é de disco… de disco não, de disco não!”. E caímos os dois aos prantos no chão chamuscado de pólvora.

A coisa foi acalmando, as moças nos fazendo carinho em busca do consolo impossível, e não havia um médico, um veterinário na área para nos esclarecer mais a fundo.

Onze da noite, angustiado, bati o celular pro Szegeri. Contei-lhe tudo. Disse-lhe da minha saudade, da falta que ele fazia, e mandei-lhe a pergunta, “irmão… a hérnia de disco… melhorou?”.

Doces figuras, a gargalhada do Szegeri, que relinchava de rir, calou-me no fundo.

“Edu… não é hérnia de disco, cara. É de hiato”.

Desliguei sem nem me despedir. Corri de volta pra dentro do bar e juntei-me aos Confrades que aguardavam atônitos uma notícia.

Pedi cachaça pra todos. Tornei o momento solene, erguemos todos os copinhos e baixou-me uma amnésia (hérnia de quê mesmo?). “Confrades… um brinde ao Szegeri… eu fiz uma pequena confusão… é hérnia mesmo… mas é de… ditongo!”. Demostrando o conhecimento coletivo da Confraria no assunto “medicina”, a efusão foi generalizada, e o Zé Colméia fechou com chave de ouro o festejo… “porra, Edu… que susto… foda mesmo seria se fosse de hiato, pior, muito pior que a de disco!”. Aplausos, chôros, e prosseguiu a festa.

Até.

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>O PESO DE UMA TRADIÇÃO

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Um dia decidi que ofereceria uma feijoada no dia do meu aniversário. E preparei, de fato, sozinho, feijoada para 150 pessoas no Estephanio´s, que se regalaram com muita carne, couve, arroz, laranjas, farofa. Isso foi em 2000. Acho que em 2001, 2002, 2003 e 2004, ofereci lentilha aos meus convidados. Isso, foi lentilha. Uma lentilha diferente, que eu criei. Preparada com o mesmo carinho que dispenso a tudo o que faço diante do fogão, chamo o prato de “lentilha carneada”, já que fica o caldo bastante engrossado, com muita lingüiça, paio, carne-seca, costelinha e mais que tais. Ontem, meu aniversário, pela primeira vez não consegui me dar o dia de trabalho de presente. Atarefadíssimo, ocupei-me a ponto de não poder pensar em oferecer sequer Sopa Instantânea Knorr aos que iriam me abraçar. Tratei de marcar um descompromissado chope no Estephanio´s e pronto. Pensei que seria bom ver os queridos, abraçá-los, erguer o copo ao humor, brindar à saúde etc etc etc

Pronto, que nada.

O que vi foi um quadro de horror, chocante como “O Grito” de Edward Munch.

As pessoas vinham chegando e eu percebia os olhos vasculhando o ambiente. Os abraços que eu recebi foram velozes, os mais afoitos farejavam ruidosamente em busca do odor da lentilha e das folhas de louro. Recebi uns poucos presentes, mas nada superou um que chegou com um embrulho e estendeu-me o que parecia ser um livro. Antes, disse, “cadê aquela lentilha clássica?”. Comecei a explicar e o sujeito puxou para si o pacote e disse “vim só pra te dar um beijo” e partiu.

Tudo era pânico. Os que tinham olhos de fome pediram caldinhos de feijão e eu os via comendo tristíssimos, muxoxando, reclamando, ameaçando não pagar. O que prendia as pessoas ali era o jogo Brasil x Guatemala. Eu era o canalha, o pulha que quebrava uma tradição de muitos anos.

A pilha de presentes, antes uma pequena torre, era, em determinado momento um morrote, as pessoas estavam recolhendo o que haviam me dado, não pela data, não pela data!, mas como paga pela lentilha que não aconteceu.

Noutra hora, juntei-me a uns cinco ou seis, ergui o copo e disse sozinho “saúde!”, e o côro foi implacável, “à lentilha!”.

Estava ficando exasperado e a Dani chegou a sugerir que eu fosse no Extra comprar “Sopa de Ervilha Meu Instante Maggi”, o que considerei impraticável.

Os que se despediam – houve os que saíram à francesa – diziam entre tapinhas “ano que vem avise que não vai ter nada”, “tchau, vou pra casa jantar”, “que merda, heim!?”, e tive a certeza, quando fiquei sozinho com a Dani numa mesa, do peso que tem uma tradição descumprida.

Até.

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EU, NOSTÁLGICO

Ontem, 26 de abril, véspera do meu aniversário, Dona Glória bateu, de Natal, o telefone pra mim, a fim de me desejar os etc de praxe, temendo, disse-me ela, não conseguir falar comigo hoje em razão dos festejos etílicos também de praxe. Falei com ela, com Delson, seu marido, e com Tico, seu filho mais novo (nunca é demais repetir que o Tico é responsável pelas maiores guinchadas no tempo dentro de mim, já que o conheci bebê, engatinhando, e chamá-lo ainda hoje de Tico, um Felipe com quase 2 metros de altura, também deve causar nele as mesmas guinchadas, suponho). Era meio-dia e meia e falamos por pouco mais de 10 minutos. E eis que, bastou desligar, abateu-se sobre mim um terror de Stephen King. Não dá azar – dizem – receber parabéns de véspera? Pois dali em diante fui um soturno, um triste, um abatido, e controlei-me sobremaneira para não discar de volta e gritar, já contrito, “retirem os parabéns!, digam que não me desejam nada hoje, nada!”. Diante da sensação de que eu seria ridículo, desisti.

Desisti mas o abatimento não me largou. Tenho, desde que fiz 5 anos (bem me lembro), choques de nostalgia quando vem chegando o dia do aniversário. E ontem, somado à tsnumani nostálgica, havia também o abatimento semelhante ao que calou mais de 200 mil pessoas no Maracanã em 1950. Eu chegaria ao dia de hoje? Por que, eu me perguntava incessantemente, pela primeira vez na vida eu recebia parabéns de véspera? Um sinal? Um aviso? Mau presságio? Fui ao Google e deparei-me com verdades inapeláveis apontando para a tragédia que representou o telefonema antecipado. Não tive fome – eu esqueci de dizer que estava indo almoçar quando Dona Glória ligou; estava, acabei não almoçando -, não tive sede, dormi mal. Dormi mal, mas dormi. Pouco, mas dormi.

E no sonho, sei que já lhes contei isso milhares de vezes, lá estava eu no banheiro de azulejos amarelos na casa de minha bisavó, na vila da São Francisco Xavier 84, pecando pela primeira vez diante do corpo reluzente da Adele Fátima num minúsculo biquini amarelo sem o sutiã, numa foto da revista “Amiga” (percebam como estou velho, não há nada mais antigo que a revista “Amiga”).

Isso eu não sei se já contei, mas se já contei, conto de novo, que é cabível. Depois de pecar e conhecer a sensação indizível, escondi a revista debaixo das almofadas de um sofazão azul que ficava no quarto dos fundos da casa de minha bisavó. E não há a expressão “ir com sede ao pote”?. Há. Pois eu ia, sempre, à revista, e com a revista ao banheiro, com uma sede de beduíno. E escondia a revista de novo, e isso se repetiu sei lá por quantos anos, e corrói-me por dentro a não-lembrança de quando deixei de cumprir esse ritual absurdo que me transformou, definitivamente, num obsessivo. Nasceu ali, não tenho dúvidas disso, minha obsessão, minha compulsão, o molde do que sou, a forma como ajo, a maneira como persigo meus desejos.

E já que falei em desejos, o que quero, realmente, já que cheguei aqui e aparentemente não teve o efeito temido o telefonema da Dona Glória, é seguir do jeito que eu sigo, com os amigos que eu tenho, com a mulher que eu tenho, com a saúde que eu (ainda) tenho, com os desafetos que tenho (em breve discorro sobre minha tese que defende o quão bom é ter desafetos), a fim de que eu possa, quando chegar-me a hora, ser mágico e enfeitiçado para encontrar, em algum canto, aquela velha revista que há de me perpetuar o gôzo que conheci no banheiro amarelo para todo o sempre.

Até.

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NO BUTECO CABEM SÓ DOIS

Quem conhece minha casa sabe que tenho, mesmo, um buteco particular de verdade, com mesinha de tampo de mármore, pés de ferro, espaço criado pela Dani num rompante genial de arquitetura pondo os pernósticos da CasaCor no chinelo de arminho (oh, Nelson…). E no meu buteco cabem apenas dois sentados.

Como tem sido aqui. Percebam que apenas o bom Szegeri comenta, incansável, texto após texto, derramando toda sua sabedoria para o coletivo, transformando o Buteco do Edu numa extensão na íntegra do meu buteco caseiro. Há mais leitores, há mais leitores, mas são todos uns tímidos, uns acanhados, outros medrosos como já me confessaram alguns tementes de minha ira, que não existe, implacável. Outros ainda preguiçosos, incapazes de enfrentar a burocracia do mecanismo de comentários.

Mas que assim seja. Se beber com o Szegeri, o meu Otto íntimo, é um prazer inenarrável, trocar figurinhas com ele, por aqui, também o é.

Até.

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>FATALIDADES

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Às vésperas de completar 36 anos, dentre tantos questionamentos, um voltou-me, recorrente que é: por que escolhi o Direito como profissão? Mais: por que, com concursos e mais concursos oferecendo bons salários e estabilidade, abracei a advocacia, solitária e angustiante? Por paixão, ecoa a resposta dentro de mim. Uma paixão que já me fez protagonizar cenas de cinema nos corredores forenses. A gravata molhada pelas lágrimas que esguichavam diante de uma sentença favorável – mais de uma, mais de uma -, um Oficial de Justiça estendendo-me água com açucar ao me ver trêmulo diante de um despacho contra o interesse de meu cliente, Desembargadores atônitos assistindo-me imitar o Brizola durante uma sustentação oral – francamente pra lá, na verdade pra cá, eu que venho de longe uma hora, perdas internacionais n´outra (expressão, aliás, usada completamente fora de contexto), enfim, tudo motivado por uma paixão que não tem preço. Não me valeram os conselhos de mamãe que sempre achou que eu daria bom Juiz (erro crasso, eu que sou passionalíssimo e rigorosamente nada imparcial), as sugestões de papai que recortava anúncios de concursos sobre minha mesa, nada. Sou um advogado realizado.

Vem daí que, domingo, voltando de Paraty-Mirim, eu e Dani atrás no carro conduzido brilhantemente pela Guerreira com a Fumaça como carona imediata, perguntei à Fumaça, também advogada, o por quê de sua escolha.

Faço uma pequena pausa para tecer elogios olímpicos ao desempenho da Guerreira ao volante. Elegante, como brada papai, chique, como gritam em côro os bárbaros do Estephanio´s pouco acostumados às coisas, digamos, mais finas, Guerreira veio dirigindo por 250km numa segurança digna de um berço com mosquiteiro. Noite alta, lua cheia, Guerreira fazia o carro deslizar como leite condensado em colher de sopa, permitindo-me o sono durante grande parte do trajeto. Para mim, que sou um fóbico incorrigível, o sono em trânsito é sinal da mais alta e implacável segurança, não há outro nome que não esse. Feito o elogio e a homenagem, vamos à questão da Fumaça.

O relato é praticamente esse, na íntegra: “Sabe, Edu, eu passei pra Economia, Comunicação e Direito. Economia na UFF, Comunicação na UFRJ e Direito na UERJ. Cursei 8 períodos de Economia, mas achava muito difícil, muito hermético, pouco interessante. Daí fiquei cursando Direito, e Comunicação eu tranquei logo no primeiro período. Na metade do curso de Direito, mais ou menos, decidi que destrancaria minha matrícula na UFRJ, trancaria Direito e tentaria Comunicação, sempre tive paixão por Comunicação (e riu, a Fumaça, que a Fumaça ri até dos algodões nas narinas do morto em velório, de forma incontrolável e sistêmica, branindo braços, pernas, os olhos fechadinhos e a gargalhada soltíssima). Daí consegui destrancar a matrícula da Comunicação. Comprei cadernos novos, os livros, preparei-me para o início do curso, numa segunda-feira. A aula começaria às 20h. Às 19h30min, mais ou menos, estava parada no sinal pertinho da UFRJ, com os vidros abertos, ali na altura da Urca, perto daquele hospital municipal em frente ao Pinel. Um pivete veio e me roubou, com um caco de vidro. Fiquei tão nervosa, tão nervosa, que chorando arranquei com o carro em direção ao Aterro do Flamengo e nunca mais voltei pra lá, daí terminei Direito. Foi isso. (e rolou de rir novamente no banco da frente).

Vejam como as fatalidades agem a nosso favor, no mais das vezes, sem que nos demos conta disso. Perdemos uma jornalista e temos hoje uma advogada muitíssimo bem sucedida.

Até.

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OS METÓDICOS

Recentemente lancei luzes sobre os piadistas de elevador, um tipo que se multiplica assombrosamente, que se repete cansativamente e com o qual esbarramos, invariavelmente, no dia-a-dia. Pois Vidal, a Lenda, dia desses, chamou-me a atenção para outro tipão que também invadiu as cidades como os ratos e as baratas: o consumidor dos hortifutis. Um chato bolorento. Um solitário, tal qual o piadista de elevador. Puxa conversa desbragadamente, distribui “obas” e “olás” a granel e dá palpites, e faz comentários, e cutuca o alheio sem nenhuma cerimônia. Um metódico que beira o insuportável.

E já que falei em métodos insuportáveis, antes mesmo de adentrar nesse universo peculiar dos consumidores de hortifrutis, quero falar sobre uns metódicos sem lhes dar nome e sobrenome.

Tenho três amigos que decidiram viajar nesse último feriadão, 21 de abril (Tiradentes), quinta-feira, que emendou com a sexta-feira, com o sábado e com o domingo. Foram pra Araçatiba, na Ilha Grande, numa espécie de excursão que começou a ser organizada por duas moças em meados de 2003, e que contou com 25 cabeças. As duas moças, que para efeitos práticos chamarei de Vovó, uma, e de Stella, a outra, deliram quando conseguem formar o que chamam de um “Grupo”. E o “Grupo” estava fechado desde janeiro desse ano. E de janeiro pra cá, até às vésperas da viagem, foram realizadas dezenas de assembléias, ordinárias e extraordinárias, para que se decidisse tudo, nos mínimos detalhes, mediante votação nominal por maioria simples. Decidiu-se que o “Grupo” ficaria numa casa alugada com 10 quartos. Decidiu-se a forma de distribuição dos quartos. Decidiu-se as cores dos lençóis que seriam levados, das toalhas, a marca do papel higiênico, a marca do carvão para os churrascos (que seriam apenas dois, um na sexta-feira e outro no domingo), esse detalhes fundamentais para o êxito do passeio do “Grupo” (elas quase gozam quando enchem a boca para dizer “O Grupo”…, uma coisa). Pois bem. Um de meus amigos ficou responsável por levar o kit-anti-mosquito, composto por espirais verdes daqueles de acender e 5 vidros de “Off” spray. O outro, por levar o kit-churrasco A (12 peças de picanha e lingüiças “Seara” de carne suína) – o kit-churrasco B era composto de carvão vegetal e fósforos “Olho” tamanho gigante – e outro por levar 5 baralhos “Copag” para jogos variados (uma das assembléias vetou o pôquer). E vejam que barbaridade…

No dia do embarque, quinta-feira, cuja partida estava marcada para o cais número 19 do Pier de Angra dos Reis às 11h, às 7h da manhã as duas moças já estavam a postos, na entrada do Pier, munidas de pranchetas, canetas e uma espécie de mesinha improvisada com caixotes de madeira para a verificação das bagagens e câmeras digitais para fotos que serviriam como prova do cumprimento de todos os itens por parte dos membros do “Grupo”. Pois bem. Um de meus amigos levou “Autan” em vez de “Off”; o outro, como achou a picanha meio cara, optou por levar peças de maminha, cupim, alcatra e lingüiças de carne suína da marca “Perdigão”; e o terceiro levou 5 baralhos importados, plásticos, da marca “Ken”. Foram impiedosamente barrados, tiveram suas compras confiscadas como castigo (essa cláusula constava de uma das atas de uma das assembléias) e passaram o feriadão em Mangaratiba. É verdade e há testemunhas.

Esse agir implacável, esse detalhismo insuportável, também acomete o consumidor de hortifruti. Vidal contou-me dois episódios.

Episódio A) Vidal está, 6h da manhã, de bermudão, chinelo e camiseta, no Hortifruti da rua Uruguai para comprar tomate, cebola e manjericão. Estaca diante da gôndola de tomates. Mal chega a se aproximar, um senhor crava os dedos em seu punho e grita: “Isso é tomate que se apresente?” Vidal sorri, dá-lhe um “bom dia” e põe o primeiro tomate no saquinho plástico azul. O velho arranca o saquinho das mãos do Vidal: “O senhor ouviu o que eu disse? – e espreme o tomate sujando a branca camiseta da Lenda – “Veja. Esse tomate está uma porcaria!”. Vidal disfarça e vai ao manjericão. Diante dos maços da erva, agora é uma senhora, dessas de cabelo azul: “Murcho! Todos murchos! Não vá comprar isso!”. Vidalzinho desiste e faz as compras num supermercado.

Episódio B) Vidal já está na fila com os saquinhos de tomate, banana-prata, berinjela, cebola e morangos silvestres. Chega sua vez e ele pousa os morangos na balança. Uma mão surge por trás e arranca o saquinho: “Deixa eu ver esses morangos… (ele sente que alguém funga forte o saquinho da fruta)… passados! Eu sabia! Estão passados!”. Pacientemente Vidal vira-se e faz que vai pegá-los. “Meu filho… você não tem experiência… veja a cor desses morangos (come um)… e estão azedos!”. Vidal nunca mais entrou num hortifruti.

Vai daí que eu, atento observador do ser humano, passei a entrar em hortifrutis para checar-lhe a tese. Impressionante como é verdadeira. Aposentados, desocupados, velhinhos e velhinhas, perambulam entre as gôndolas dos hortifrutis apalpando, apertando, cheirando, mordiscando as frutas, as ervas, os legumes e as verduras, tecendo comentários sobre as safras, sobre a meteorologia, sobre os preços, sobre a qualidade e o sabor dos produtos, palpitando sobre as compras alheias, recomendando coisas jamais solicitadas, fornecendo receitas que não são pedidas, um troço rigorosamente insuportável.

Até.

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O PIADISTA DE ELEVADOR

O mau humor mora em mim, ora tímido e humilde, como um morador numa palhoça, ora arrogante e pernóstico como um nababesco proprietário de um palacete. Dão as caras alternadamente, e quero explicar melhor.

Quando é o morador da palhoça, o mau humor manifesta-se apenas internamente, quando meus pensamentos são cáusticos mas incapazes de virarem verbo.

Quando é o dono do palacete, jorra em torrentes derrubando tudo à frente.

E há um tipo que, invariavelmente, cutuca o meu hóspede: o piadista de elevador. Nada mais irritante, nada mais desagradável, nada mais repulsivo que o piadista de elevador. Tenho para mim que é um solitário. Um desprezado pela família – se é que a tem, um enxotado pelos amigos, um posto a escanteio pelos vizinhos, companheiros de bar, pelas amigas da igreja e mais que tais.

Tomo elevador, diariamente, pencas de vezes. Trabalho no décimo-segundo e último andar de um prédio no Largo do Machado. Subo quando chego, desço quando almoço, subo quando volto do almoço, desço para ir ao Centro da cidade, subo quando volto, desço quando vou embora. E em todas as viagens está lá, inexoravelmente, o piadista de elevador, que pode ser um homem ou pode ser uma mulher, não importa, mas é a encarnação desse tipinho, dessa espécie de “lennon do coletivo”, o piadista. Que tem, como têm todos os idiotas, seus seguidores, igualmente idiotas e que ajudam a compôr o quadro de horror da viagem.

Acompanhem. Eu aposto minhas fichas que cada um de vocês, leitores, já esbarrou dúzias, centenas, milhares de vezes com tipos como esses, com situações similares senão idênticas, já que os idiotas seguem uma espécie de cartilha-que-não-existe à risca.

Situação 01) o elevador está subindo ao décimo-segundo andar com cinco passageiros. Pára no quarto andar e ninguém de dentro se move. A figura “A” aparece no corredor em frente à porta e pergunta, “descendo?” (detalhe mecânico: só parou subindo porque a besta apertou o botão de subir no corredor). Quatro ocupantes (um deles serei sempre eu, mudo como uma escultura) em uníssono, “subindo!”. Aí a besta da figura “A” entra e diz sorrindo um sorriso que bate pino, tipo latido de cão faminto, “ah, deixa… não custa dar um passeiozinho”, e as outras figuras alternam, “é mesmo…”, “eu também sempre subo nessas situações…”, “não custa dar um passeiozinho”, “é bom mesmo dar uma voltinha de vez em quando” e todos relincham em côro.

Situação 02) essa eu vivi no edifício onde Vidal, a Lenda, tem consultório, décimo-terceiro andar. Entram 10 elementos, dentre eles, não é demais lembrar, eu. O décimo ser humano é um velho. Daqueles risonhos, corados, calvos. Diz: “Tá pesadinho o elevador, heim… todo mundo levantando uma perna pra aliviar o peso!”. Os outros oito passageiros – eu não, eu não! – rilham os dentes e esganiçam sorrisos forçados, e seis deles, rindo muito – de quê, Deus do céu? – levantam a perninha e ficam dando pequenos quiques dentro do elevador, como que para demonstrar ao velho a obediência e o “bom humor”.

Situação 03) essa é semelhante aos papos dos taxistas. O elevador lota para subir. Diz a figura “A”, “nossa… que calor…”, e os demais passam a se abanar com fúria, e ouvem-se “é mesmo”, “nossa, e esse verão que não passa?”, “e eu que estou cheia de brotoeja?”, “ah, mas agora eu vou pro meu ar-condicionado…”, e por aí vai. Dia desses uma velha mandou a seguinte pérola, numa variação do assunto meteorologia, para delírio dos idiotas que babaram à sua volta… “é, Deus deve estar fazendo um belo churrasco pra receber o Papa… esse calor é do carvão de lá de cima”. Guincharam todos. Tsc.

Nessas horas, o caipira da palhoça cala-se em mim. Só que numa dessas ocasiões o fausto morador do palacete não agüentou. Saquem a cena.

Estava subindo para o trabalho, elevador com lotação de dez. Entram dez e uma velha faz cara de pedinte na porta, diz aquele clássico “vamos dar um jeitinho aí, minha gente”, a escumalha se espreme e a velha entra dizendo, “que Deus nos acompanhe para que o elevador não caia”, e relinchou. Ganindo, os passageiros se espremiam para minha irritação. A porta não fecha. Apita o sinal e acende a luz vermelha de sobrecarga. A velha cara-de-pau vira-se pra trás como quem diz, “e aí?, tem que sair um”. As pessoas se entreolham sem ninguém dizer nada. Ao que eu urro: “Minha senhora, saia você e o Deus que nos acompanharia, porra! Ou, no mínimo, você. Deus eu não estou vendo, mas tu é gorda ao extremo. Chispa!”. A velhota, horrorizada, saiu acompanhada dos idiotas que se ofenderam com a verdade posta pra fora pelo meu fausto hóspede. Subi sozinho.

Até.

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>CINCO ANOS NÃO SÃO CINCO DIAS

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O que diria dona Mathilde, minha mais-que-saudosa bisavó, hoje, se estivesse viva? Cinco anos não são cinco dias. Pois é, não são. Razão pela qual toda festa será pouca para festejarmos cinco anos de Estephanio´s sob o comando de Fefê e Cachorro. Dirão os mais chegados que eu também sou dono (ô palavra desagradável…) e eu repelirei no ato que sou, sim, mas no papel. As cinco únicas vezes que estive à frente no balcão como anfitrião tratei de perder, um a um, os clientes que atendi. O sucesso deve-se, então, exclusivamente a eles, Fefê e Cachorro.

E aos funcionários, selecionados a dedo (ui) por eles. Toninho, o Piloto, o único que está lá desde o primeiro dia comandando a cozinha, ao lado do Bruno. Erasmo, Leôncio (o Léo), Gaúcho e Maurício, os garçons pacientes que atendem, incansavelmente, dia após dia, a horda de boêmios que invade o bar. Zezinho e Magrão, que atendem no balcão. Beth, à frente da gerência. Um timaço.

E a frase “cinco anos não são cinco dias” toma uma forma espetacular e dão ao feito um caráter épico se lembrarmos os percalços que enfrentam aqueles que tocam um bar nesse Rio de Janeiro que insiste em destruir suas mais arraigadas tradições. Os vizinhos que dedicam-se com afinco às denúnicas anônimas ao Poder Público, os clientes janotas que reclamam um banheiro mais limpo que centro cirúrgico, um exército que delira a cada Belmonte aberto, a cada Informal inaugurado, a cada Devassa que abre, bares que vêem em São Paulo, vejam vocês, o modelo ideal de buteco, como se não fôssemos doutores na matéria.

E a frase “cinco anos não são cinco dias” faz ainda mais sentido quando percebemos, e contabilizamos, as aquisições humanas que o Estephanio´s amealhou. Seria insano de minha parte dar nome a todos, mas é extremamente gratificante perceber que se das torneiras sai o chope, das mesas do bar saem os amigos. Não darei os nomes, mas citarei, a título ilustrativo, personagens e fatos que tiveram, e terão por muito mais tempo ainda, o Estephanio´s como palco. Muita gente boa, muita história pra contar, e não é um Lennon, vejam bem, um único, que embaçará o brilho da noite de hoje.

Casamentos feitos e desfeitos. Vários. Início e fim das relações acompanhados mesa a mesa. Casamentos que foram marcados e desmarcados quase na véspera. Não foram vários, foi um. É, foi um. Uma morena que faz da Brigitte Bardot uma pateta em matéria de defesa dos animais. Um sujeito que espetacularmente saiu do bar e foi com o carro, direto e reto, pra dentro do Rio Maracanã: resgatado pelo Corpo de Bombeiros, voltou a pé e bebeu mais. Uma vendedora de vinhos, os mais finos, que ajudou a apurar o paladar da escumalha que vibrava com Sangue de Boi e fez fortuna. Um biólogo que rodou o mundo, não para estudar, mas para posar com a camisa do Estephanio´s nos quatro cantos. Uma outra que, nas horas vagas, organiza excursões, grupinhos, grupelhos, e que também enricou com a atividade. Uma moça que foi encontrada atracada no banheiro com o dorso masculino de fibra que fica ao lado do vaso sanitário, gozando. Um assalto – tinha que haver um! – que não terminou em tragédia graças a habilidade de um que ficou bebendo com o chefe do bando enquanto os meliantes faziam a limpa. Várias moças que passaram a fazer bijouterias, peças em mosaico, e que também ganharam dinheiro movimentando a economia naquela esquina. Um atravessador de uísque que volta e meia aparece com caixas e caixas de escocês no bar fazendo a festa da plebe que vibrava com Old Eight. A reencarnação do Elvis Presley. Obesos que hoje são sílfides, marcos maciéis que hoje são imensos, bem dotados capilarmente que ficaram carecas e carecas que fizeram implante, tudo isso acompanhado mesa a mesa como se estivéssemos diante de uma final de Copa do Mundo. E houve uma Copa do Mundo vista no Estephanio´s, com os jogos pela manhã, quando todos os recordes de venda de chope foram batidos. E nasceu dali um bloco, o “Segura Pra Não Cair”, sucesso absoluto no carnaval de rua da cidade. E uns figurões passaram por lá e deram mais graça à esquina: Aldir Blanc, Moacyr Luz, Beth Carvalho, João Bosco, Martinho da Vila, Darcy do Jongo, Tia Surica, Sombra, Walter Alfaiate, Nélson Sargento, Wilson Moreira, Fausto Wolff, Jaguar, Dorina, as meninas do “O Roda”, que até hoje fazem a casa encher aos domingos durante a roda de samba.

Um brinde, daqui, ao Estephanio´s e a cada um dos clientes que por lá passaram e que hoje, muitos deles, estarão na área para erguer o copo ao humor. Todos. Sem exceção.

Aliás, não. Com uma exceção: ele, vocês sabem.

Até.

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>VENCE O FLUMINENSE

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dedicado ao Vidal, ao Márcio Branco, à Guerreira e a um torcedor anônimo

E o Rio de Janeiro já tem seu campeão estadual em 2005. E pela trigésima vez, o Fluminense. Com justiça? Se tomarmos o jogo de ontem como parâmetro, não. E justiça importa em futebol? Também não. Logo, loas aos tricolores.

Mas é preciso fazer a ressalva: aos tricolores que prestam. E quero explicar.

Sou Flamengo há mais de trinta encarnações. E o Flamengo estando fora de qualquer final de campeonato – o que tem sido triste rotina – me eximo de qualquer passionalidade diante do jogo. Quando é o Vasco, vá lá, torcer eu não torço, mas fico feliz por Isaac e Fefê, meu pai e meu irmão, pelo Aldir, pela Mariana, pela Milena. Mas ontem não tinha nem o Vasco na final. Quem disputava com o Fluminense era o Volta Redonda, cidade que aprendi a amar e onde fiz mais amigos do que a CSN faz de aço. Onde moram meu Comandante, Walter Motta, Tom, Bitencourt, Petrônio, Mozart, gente que vale a viagem. Onde têm raízes a Mamaia, a Luana, o Alfredo GM, o Niltinho, a Bia, prêmios que a Dani entregou-me de bandeja. Logo, estava ontem, literalmente, vestido com a camisa amarela e preta do Volta Redonda sem que, com isso, ferisse meus brios vermelhos e negros, hoje vermelhos de vergonha e negros de perspectiva. E torci. E embora o gol de empate do tricolor tenha sido irregular, embora a expulsão do jogador do Volta Redonda tenha sido vergonhosa, não importa, o Sobrenatural de Almeida se fez presente e aos 47min do segundo tempo o Fluminense pôs por terra a ambição do corajoso time do Voltaço. Fiquei triste? Não. Aliás, nem um pouco. Fiquei onde estava, no mesmo bar, e segui bebendo aguardando a chegada dos campeões.

E eles foram chegando. Mas ali, no meio da turba, um me incomodava. Um, não. Dois. Aliás, nem dois. Três. O terceiro eu nem sequer conhecia, mas ele babava, rosnava, vociferava palavras que eu nem entendia em minha direção. Um desprezível, pensava. O segundo, que atende pela alcunha de Velho (uma tremenda injustiça com o Nelsinho Rodrigues, que atende pelo mesmo apelido), agredia, vejam a insanidade, o Flamengo, que já havia sido escorraçado dentro do campo pelo próprio Fluminense há 15 dias. Um insano, eu pensava. A velha mania de não-comemorar, mas de pisotear no derrotado. O primeiro, Lennon. Não, não se tratava de um médium incorporado pelo ex-Beatle. Ele mesmo, que presentou-me com sua ausência prolongada por muitos meses, tornando respirável a atmosfera naquela esquina, estacionou o carro bem à minha frente, abriu as portas, a mala, estendeu a bandeira do Fluminense, que não merece aquelas mãos pelo que tem de História, e ficou ali, quicando e sorrindo em minha direção.

E eis que, em segundos, uma chuva torrencial, de derrubar árvores, de encher ruas, de entupir bueiros, de transbordar rios, pôs pra correr aquela corja, arrefecendo, digamos, os instintos animais. Era o Sobrenatural de Almeida chorando cântaros pela plebe ignara que ele mesmo ajudara há pouco.

E já que falei no Sobrenatural, falo de um amigo morto. Não meu. Mas do Vidal. Eis o lance genial da noite que me comoveu sobremaneira e me fez ficar, se não feliz, satisfeito pela vitória que deu tintas épicas a seu gesto.

Vidal, a Lenda, chegou ao Estephanio´s. Sorrindo o sorriso que só os campeões têm e que não conseguem repetir ao longo do ano – é um sorriso plástico, moldado pela satisfação da glória da conquista, abraçou-me e sentou-se à minha mesa, chope na mão. Beijou o escudo de sua camisa e disse: “Era do Fabiano.”. E os olhos verdes embaçaram. “Gritei muito o nome dele no final do jogo.”. Um amigo morto tem uma dimensão absurda dentro daquele que fica. É na saudade do amigo que fica que o amigo que partiu sobrevive. Ali, naquele instante, após brindar com um emocionadíssimo Vidal, rezei por dentro pelos três que não souberam, nem de longe, nem jamais saberão, saborear uma vitória, “perdoai, eles não têm culpa por ter nascido”.

Dedico, pois, a vitória, e rendo daqui minha homenagens, ao Vidal, ao Fabiano, ao Márcio Branco, à Guerreira, e a um tricolor, cujo nome não sei, mas que foi de uma elegância digna dos vitrais da Álvaro Chaves, dentro do Estephanio´s, quando abraçou-me, como diria o tricolor Nélson Rodrigues, vazado de luz, cheio de um humor que, não é demais repetir, falta em abundânica – isso foi de propósito – naqueles coitados

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>MAIS UMA PEÇA PREGADA PELA MEMÓRIA

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Ontem contei dois casos pessoais envolvendo falta absoluta de memória que me causaram, e me causam, diuturnamente, constrangimentos horripilantes. Daí a memória – há uma memória em mim que causa oooohs e aaaahs em mamãe e em vovó, sempre muito impressionadas com minha performance nesse item – me trouxe outro episódio recente que quero lhes contar.

Dani, a mulher que me ensinou a sorrir, tem uma família tão numerosa quanto encantadora. E quase toda plantada em Volta Redonda, onde reina meu Comandante, e para onde, volta e meia, vamos. Pois bem. Uma de suas primas é a Marcela, casada com o Jason. Tinham uma filha linda, a Júlia, que virou anjo depois de, com pouco mais de 2 aninhos, não resistir a um maldito câncer raríssimo.

A história condoeu-me sobremaneira. Não consegui visitar Julinha mais do que duas vezes. Chorava cântaros e, para evitar maior sofrimento a todos, deixei de ir vê-la. Mas mesmo diante da minha incredulidade teimosa, sofria e rezava à distância por ela e por seus pais.

Meses depois da conversão da Julinha, que como disse, virou anjo, encontrar Marcela e Jason ainda me era cortante. Meus olhos enchiam d´água e eu fazia muita força para não desabar diante deles. Até que chegou agosto de 2004, e com ele, o aniversário de 70 anos do glorioso Comandante. Haveria uma festa em Volta Redonda que prometia abalar as estruturas da Companhia Siderúrgica Nacional. Engradados e mais engradados de cerveja, incontáveis bois abatidos, pomares inteiros para as saladas, todo o arroz da China, Comandante estava gastando um Rio Paraíba do Sul de dinheiro para não deixar as 7 décadas passarem em brancas nuvens.

Estávamos na festa eu, Dani, Fefê, Brinco, Manguaça, Dalton, Zé Colméia e toda a população de Volta Redonda, nos domínios do Clube Laranjal, cujo sócio remido número 01 é, justamente, o Comandante. Eu bebia industrialmente. Até que em determinado momento avistei a Marcela chegando com o Jason. Calibradíssimo, meus olhos encheram d´água imediatamente. Encondi o rosto atrás do copo e repetia para mim mesmo, “não posso chorar, não posso chorar…”.

Enchi meu copo de novo e seguia com os olhos Marcela pelo salão, ora seguia Jason pelo salão, ambos separados, falando com todos, cumprimentando todos, e eu repetindo, “não vou chorar, não vou chorar”.

Marcela veio a mim. Respirei fundo, dei-lhe um abraço, beijos, e sentei-me orgulhoso de minha força. Não chorei.

Mas e o pai, meu Deus!, ainda faltava o pai. Jason chegou perto da mesa e eu então perdi o controle. Saltei da cadeira e abracei o Jason, um abraço profundo, hermético, quase que a vácuo. Enchendo-lhe o ombro de lágrimas, disse soluçando… “cara… que bom ver vocês… tenho pensado tanto em vocês… eu prometi que não iria chorar… mas ver você agora me derrubou… como eu penso em você, como eu penso em você!”, e quando afastei-me reparei nos olhos esbugalhados do Jason, a expressão de incredulidade diante da minha confissão, de medo, sei lá.

E veio a mim a Moniquinha, outra prima da Dani, consequentemente prima da Marcela. “Que cara é essa, Edu?”.

“Ah, Mônica… (e eu chorava de novo)… eu não resisti… quando abracei o Jason eu chorei tanto…”.

“Eduardo… o Jason não está aqui.”.

“Meu Deus… é quem aquele, Mônica?”, perguntei apontando o alvo de minhas confissões, que ainda olhava-me com uma expressão estranhíssima.

“Cunhado da Marcela.”.

Minha memória, tsc.

Até.

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