Arquivo do mês: setembro 2005

DESABAFO DE UM EX-AMIGO

Excepcionalmente eu não cumprirei com a palavra empenhada. Fiquei de prosseguir contando sobre a aventura amorosa passageira entre Dedeco e Valéria Cristina mas não farei isso, ao menos hoje.

Recebi pungente email de um homem que se declarou “um ex-amigo do Dedeco”. Felipe Millem é seu nome. Tudo toma corpo e cores de verdade maiores justamente porque não sei quem é. Não o conheço. Mas é de um tom tão pungente, é de uma minúcia tão capaz de comover o leitor, que entendi por bem reproduzir o email na íntegra. O título do email era justamente o título de hoje, “Desabafo de um ex-amigo”. Vejam que tristes as sendas que o Dedeco percorre.

“A cada história do Dedeco que vou tomando conhecimento, minha repulsa por este ser abjeto vai atingindo patamares estratosféricos.

É triste constatar o nível de torpeza que alcançou sua alma distorcida.

Mais triste ainda é lembrar que este sujeito já foi, um dia, uma pessoa de bem, temente a Deus e que sabia de cor a cartilha da saudosa “Tradição, Família e Propriedade”.

Lembro-me de nosso tempo no glorioso Colégio Militar. Dedeco (ainda atendendo pelo seu nome André Menezes), era um aluno brilhante, arrancava os mais sinceros elogios dos professores e oficiais, o que, contudo, despertava a ira de seus colegas de turma. Esses, incapazes de alcançá-lo no seu intelecto (à época, voltado para o Bem), passaram a achincalhá-lo constantemente na hora do recreio, fazendo comentários jocosos sobre sua obesidade e de seu já iniciante processo de erosão capilar. Com isso, aquele André Menezes foi se retraindo, cheio de mágoas, tornando-se uma pessoa reclusa e rancorosa, mas ainda com alguma bondade restante em seu coração ferido.

Certa vez, em um ano que especificamente não me recordo, eu não estava indo muito bem em matemática, pra falar a verdade, minhas notas em exatas sempre foram de um monocromático vermelho capaz de irritar os olhos de quem abria meu boletim, pois nunca fui bem com números. André Menezes, com uma compaixão franciscana, talvez também por eu ser o único da sala a não zombar de sua forma roliça, ofereceu-se para a árdua tarefa de tentar me ensinar porque raios eu tinha que aprender a fazer operações matemáticas com letras e não com números.

Em um sábado de manhã, André Menezes aceitou o desafio hercúleo de tentar mostrar o caminho da sabedoria para um intelecto rudimentar (o meu). Também foi um desafio para o André desbravar seu pequeno universo, consistente na Tijuca e Vila Isabel, para tomar o rumo da radial oeste em direção ao bairro pobre da Piedade, no qual eu residia.

Depois de algumas horas de ensinamento, finalmente consegui entender que o “x” em uma equação era somente um número comum, usando uma fantasia de letra e o objetivo daquela maldita matéria era descobrir a “identidade secreta do número” (termo encontrado pelo André para me fazer entender, eis que tinha consciência de minha curta sabedoria, assim como minha predileção por gibis de super-heróis).

Chegada a hora do almoço, minha santa mãe perguntou-nos se o André Menezes iria almoçar conosco, eu prontamente disse que sim, pois a única forma que a minha mente tosca encontrou de agradecer ao sábio gordinho era, lógico, oferecer-lhe uma lauta refeição.

Para tanto, o André Menezes pediu para ligar para a santa mãe dele, para avisar que “iria almoçar na casa dos outros”, tendo ela aceitado com velada alegria, pois, naquele sábado, o maior bife servido em um almoço, finalmente, seria o dela.

Sentamo-nos à mesa então. Meu pai sempre à cabeceira, de onde comandava a família com mão de ferro, sob a rígida moral de família mineira, de um lado eu e o André e do outro minha santa mãe e minha irmã.

Súbito, meu pai proferiu um brado retumbante: “Hoje, temos à mesa um novo coleguinha para cear conosco, quem fará as preces?” Meu pai disse esta frase já olhando para mim, esperando que eu tomasse a iniciativa e me oferecesse para fazer as orações, no que permaneci em um silêncio de velório, pois jamais tinha conduzido uma prece na família, uma vez que, assim como com números, nunca fui muito bem com palavras.

André Menezes, do alto de sua percepção Sherlockiana, conseguiu entender aquela situação constrangedora e, imediatamente, começou a entoar, de improviso, uma prece em louvor a Nossa Senhora.

As palavras proferidas por André Menezes foram de uma fé tão contundente que conseguiram extrair pesarosas lágrimas até dos olhos de meu pai, secos como o sertão, eis que criado com a máxima mineira de que “homem não chora”.

Após aquela prece maravilhosa, ceamos cheios de alegria em nossos corações suburbanos, elevados em nossa fé no Senhor.

Taí Edu, um relato de quem conheceu o André Menezes, ser humano íntegro, antes de assumir o alter ego deste vilão Dedeco, tão retratado em suas colunas.

Rogo a Deus todos os dias, para novamente tocar sua alma perdida, para que ele volte a ser aquele gorducho, de moral ilibada, que se confessava e comungava como todo bom Cristão deve fazer, espalhando a palavra do Senhor por onde passava e não a luxúria e a vilania, o que certamente o conduzirá para o açoite inclemente da espada de fogo do Todo-Poderoso.

Felipe Millem é um Valente da Fé.”

Até.

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DEDECO E VALÉRIA CRISTINA

A pedidos, prossigo a história de ontem do Dedeco.

Mandei aflito email para o escrivão de polícia que me mandou a foto do Dedeco sendo abatido por um porrete de proporções olímpicas e o mesmo, gentilíssimo (e ele é da polícia, vejam isso!), enviou-me email com riqueza de detalhes. Contou-me que por mera curiosidade e por obrigações advindas das investigações que foram iniciadas com relação ao registro da ocorrência de agressão que o Dedeco cometeu, ficou sabendo de muita coisa. Grampos clandestinos, campana, e o romance de Dedeco e Valéria Cristina, curto mais intenso, foi devassado. Estamos, é bom lembrar, em 2002.

Valéria Cristina foi à Delegacia Policial e obteve, depois de passar R$50,00 pro escrivão de plantão dentro de um papelucho dobrado, o telefone do Dedeco. Diante da evidente ligação que Valéria Cristina faria pro Dedeco, o talo escrivão acionou o departamento competente da DP e foi feito, em poucos dias, o grampo na linha telefônica do embusteiro.

Primeira ligação gravada:

“Alô?”

“André?”

“Isso. Quem fala?”

“Valéria Cristina…”

(som vindo de Valéria Cristina soltando fumaça do cigarro)

“Quem?”

“Valéria Cristina… namorada do cara com quem você se meteu numa briga anteon…”

“Oi, amor…”

(Dedeco tosse)

“Vocêzinho tá melhor?… Ele te bateu tanto…”

(voz de choro de Valéria Cristina)

“Mais ou menos… Um pouco dolorido ainda…”

“Quero vê-lo. Posso ir até sua casa? Você mora só?”

“Moro, gata. Moro. Venha sim…”

“Vou levar band-aid, gazes, água boricada, mercúrio cromo, um tubinho de Satya… tá?”

“Gata (pigarro) posso lhe pedir um favor?”

“Dois, André…”

“Então vou pedir três…”

“Peça, querido…”

“Traga um pacote de Carlton, uma cartela de camisinha e um tubinho de KY. Anota aí o endereço.”

(a gravação é interrompida aqui)

Vejam bem, acompanhem bem, como é fino, como é baixo, sujo, como é sem luz esse André.

Prometo amanhã seguir no mesmo caminho. Conto-lhes mais.

Até.

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ANIMAL PLANET

Vejam vocês que colosso é a internet, que colosso é ter um blog, que colosso é essa interação entre o que escreve – eu, a precisão em pessoa – e os que lêem. Recebi ontem à noite de um cidadão que identificou-se como um leitor assíduo do Buteco esta foto. Foto que, os mais atentos já notaram, mostra o Dedeco sendo espancado com um porrete como se fora uma foca à beira de ser abatida, daí o título Animal Planet, irresistível, até porque o Dedeco é um animal.

O leitor, a quem agradeço de público, foi o autor da fotografia. Escrivão de polícia, estava de plantão numa madrugada quente de 2002 quando adentraram a Delegacia um cidadão e o Dedeco. Vejam bem, vejam bem!

O meu colaborador obviamente, naquela madrugada, e até bem recentemente, não sabia quem era um nem quem era o outro. Mas de tanto ler o Buteco, de tanto bater os olhos nas fotos do Dedeco, deu nele uma luz. Pensou, disse-me ele… “ué… aquela foto que tenho daquele gordo careca sendo espancado na DP não é do Dedeco?”.

E era. Vejam que lindíssima coincidência.

Contou-me o fato.

Policiais militares faziam a ronda noturna de praxe quando passaram de carro pela 28 de Setembro e perceberam estranho movimento numa birosca já quase na Praça Barão de Drummond. Pararam. Saltaram. E deram de cara com dois elementos engalfinhados e uma mulher em prantos no balcão do bar. Eis a situação.

Dedeco, um ser sem luz alguma desde há muito (e notem a pança do Dedeco que não existe mais), entrara na tal birosca pra comprar cigarro.

No balcão bebiam apenas duas pessoas, um casal.

O Dedeco compra o cigarro e se dirige ao homem: “O senhor tem fogo?”, ao que ele disse, “Não”.

A mulher, fumante, disse, “Mas eu tenho…”, e o Dedeco, dando um tapinha de leve no ombro da moça emendou “Eu também, vambora, deixa esse merda aí”.

Pronto.

Bêbado, o Dedeco não soubera avaliar o risco de mais uma investida imunda.

Brigavam quando os policiais passaram.

E aí um deles disse pro outro: “Aê… tá mó noite fraca… vamo levar esses dois elementos pra DP… lá a gente pede pro Delega aquele porrete (e riu, o policial)… a gente ficha o careca por agressão e entrega a piaba na mão do cara aê…”.

O outro, “Já é”.

E assim foi.

Dedeco foi fichado (notem que está diante da fita métrica), fotografado, interrogado, até que apanhou como um condenado.

Detalhezinho que o meu leitor contou-me: de tanto apanhar, o Dedeco ficou bastante desfigurado, e isso mexeu demais com o coração de Valéria Cristina, que considerou Luís Felipe, o namorado, um grosso desalmado. Valéria Cristina esteve na DP dias depois e pediu, gentilmente, para ver o Boletim de Ocorrência.

Tomou nota do telefone do Dedeco.

E deu pra ele durante alguns meses.

Até.

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>O COMANDANTE DE ARMANI

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Vocês hão de se recordar. Quando contei, aqui, sobre o comportamento do Flavinho durante a degustação do Royal Salut em sua casa, ocasião em que a frase “custou cem dólares” escapava de sua boca com uma freqüência infernal, estava sendo preciso. E serei preciso, novamente, hoje, contando uma do Comandante, esse estereótipo vivo, na foto, sorrindo, chegando ao Estephanio´s (notem a pose, notem o garbo, as mãos no bolso, o sorriso, o olhar de quem comanda).

Sábado passado casou-se o Lula em Volta Redonda com a Silvana. E o Comandante era um dos padrinhos, fazendo par, obviamente, com a Dona Sá. E pausa para brevíssima explicação. A Dani chama o pai, carinhosamente, em razão das performances etílicas do homem, de Sá Porre. E a mãe, por analogia, tadinha, foi batizada de Sá Porra. Para que eu não tenha de referir-me a ela assim, de forma tão pouco gentil, a chamo de Dona Sá. Vamos em frente.

Como eu dizia, o Comandante era um dos padrinhos. E como tem o Lula na mais alta conta, um de seus mais queridos amigos, o Comandante estava determinado a fazer um bonito. E comprou, na semana do casamento, vejam vocês, um terno Armani.

Usar um terno Armani sem um outdoor na testa avisando “EU ESTOU USANDO UM ARMANI” é, como diz a piada, como comer a Gisele Bündchen e não contar pra ninguém.

E eis que chega o dia da festa. A Dona Sá impediu que o primeiro plano do Comandante fosse implantado, que era o de deixar “sem querer” a etiqueta em acrílico com a palavra ARMANI em relevo pendurada por uma cordinha numa das mangas. Começou a instalar-se o pânico no meu sogro. Ainda no elevador, descendo pra garagem, aproveitando que Dona Sá punha rímel diante do espelho, distraída, Comandante dobrou pra fora a gola do paletó, deixando a etiqueta de pano na nuca com a grife exposta. Entram no carro e Dona Sá, “Wlader, vem cá, meu filho, deixa eu ajeitar seu paletó”. E ele em desespero pensando, “Gastei 5 mil no terno e ninguém vai saber?”. A decepção era visível em seus olhos.

Chegam à festa (cerimônia só civil).

Beltrão avista o Comandante. “E aí, Comandante! Como é que ´cê tá?”, e o Comandante mostrando a etiqueta interna no lado esquerdo do paletó, “Tô de Armani. Cinco mil”. E o Beltrão foi um “oh” e um “ah” que deram regozijo ao meu sogro.

Sentam-se à primeira mesa vaga que avistam. E vem à mesa o Décio Campos com a mulher. Fazem breve mesura com a cabeça e o Comandante já de pé, “Of course, sentem-se conosco…”. E o Décio senta-se. E o Comandante, “Como está quente, não?”, e o Décio, “É? Eu não acho…”, e o Comandante, como se fosse uma espécie de morcego, começa a abanar os dois lados do paletó dizendo bem alto, “Terno europeu é fogo! Quentíssimo! Quentíssimo!”, e o Décio, distraído, “É europeu?”, e aí o Comandante, de pé, esfregando a etiqueta no nariz do Décio, “Armani. Autêntico. Cinco mil reais. À vista!”. Dona Sá, coitada, querendo sumir.

E tome de bebida.

Vem à mesa o casal. Silvana e Lula posam para uma fotografia e o Comandante já com a voz ligeiramente arrastada, “Vocês vão passar a lua de mel aonde?”.

O Lula responde: “Na Itália…”.

E o Comandante num salto, “Mas que coincidência…!!!!!”.

Lula se dirigindo à Dona Sá: “Por que? Vocês também estão indo?”, e a Dona Sá, tadinha, pressentindo o que vinha, só pôs as mãos nos olhos com os cotovelos apoiados na mesa fazendo que “não” com a cabeça.

Comandante de pé de novo abrindo as “asas”: “Nada disso, Lula. É que meu terno é Armani, legítimo, italiano!”.

E assim seguiu a festa até alta madrugada.

Bati o telefone pro Comandante no domingo pela manhã: “E aí, meu Comandante? Como é que foi a festa ontem?”, e ele de primeira, “Boa, muito boa, mas sucesso mesmo fez o meu terno, Armani, cinco mil reais, uma beleza!”.

Esse é o Comandante.

Até.

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>HOJE É ANIVERSÁRIO DESSE HOMEM

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Antes de mais nada, estaquem os olhos na foto, de autoria da Betinha. Quando eu escrevo que o Dedeco tem os dedos amarelados do cigarro, a assistência relincha “mas que exagero!”, “como mente, esse Edu!”, e eis aí o instantâneo que atesta minha costumeira precisão. Vejam como é amarelo o dedo médio do Dedeco, e como eu não sei usar o Photoshop o amarelo é autêntico, genuíno, de cor vivíssima (e é mesmo, ontem encontrei o embusteiro e estava lá, na mão esquerda, o dedo médio mais amarelo que jamais vi na vida).

E hoje é aniversário do Dedeco.

Vejam vocês. Isso soa como uma mentira. O Dedeco, tal como é, parece não ter nascido. O Dedeco é de antes. Não sei se me faço entender. Como merece os adjetivos mais doces de seus amigos, como o embusteiro, o mentiroso, o ardiloso, o biltre, o baixo, o espírito sem luz, isso dá a ele uma aura anti-santa, um caráter de eternidade, de posteridade, e o que é mais impressionante, dá a ele um atestado de antiguidade pré-histórica. Você ouve as histórias mais remotas e diz, “o monstro tem outro nome, mas é o Dedeco”, algo assim.

E no sábado passado Dedeco comemorou a data numa espécie de boate, de lounge, sei lá que bosta, em Botafogo. E quem o Dedeco convidou?

Multidões. Parentes, vizinhos, antigas vítimas, amigos de infância, coleguinhas do Colégio Militar, menos a mim. Queixei-me ontem com ele, que apenas tossiu.

“E amanhã (hoje) Dedeco, vai fazer o quê? Vamos tomar um chope?”, e o mentiroso, afagando a mão da namorada, depois de tossir, disse, “Não… amanhã vou jantar apenas com ela…”.

E eu gritei, “Então amanhã também vou jantar no Fiorino!”, ao que o Dedeco gargalhou como somente o cramulhão. Tossiu, cuspiu, gargalhou mais, e disse, “Pô, como você adivinhou?”.

Pra quem mora na Tijuca, é a única opção.

Como eu desconfio que o Dedeco, depois de minha descoberta, não mais irá jantar no Fiorino, estou aqui, enquanto escrevo, tentando adivinhar onde jantará o careca que faz anos.

La Mole? Rincão Gaúcho? Tchan? Siri? Não resisto. E bato o telefone pra ele, que me atende com o tradicional “Faaaaaala, Edu!”.

“Dedeco, eu juro que não vou com a Dani jantar no mesmo lugar que você hoje. Mas me diga… onde vocês irão hoje à noite?”

E ele, depois de uns pigarros: “No Galeto Columbia, na Hadock Lobo”

“Porra, André… Que troço pouco especial…”

“Mais prático. Depois é só atravessar a rua e ir pro Palácio do Rei, a pé, obviamente, pra comer a sobremesa.”

Vejam que fino e elegante o Dedeco, pra quem ergo o copo do Buteco na torcida por muita saúde.

Até.

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>DA SÉRIE A TIJUCA É A TIJUCA IV

>(continuação)

Quando Vanda Lúcia termina de fumar seu cigarro volta-se e encontra o Aloysio sentado na poltrona que ganhara no Natal há uns dez anos, azul escura, um tanto quanto puída, de copo na mão, os pés esticados sobre uma das cadeiras da mesa, a garrafa de cerveja pousada sobre a mesinha que fora de sua mãe, falecida. Mal curara o porre com o banho e com aquela maçaroca de arroz e farofa e estava bebendo de novo. Disse à mulher:

“Mô, traz um quindim pra mim…”

“Só se tu me disser como é que essa vaca dessa vizinha sabe que tu gosta dessa bosta desse doce!”

“Pega lá. Eu te conto.”

Vem Vanda Lúcia com os 10 quindins e pousa o tabuleiro no colo do Aloysio.

Aloysio pega o primeiro. Morde o quindim. Enquanto mastiga o primeiro pedaço, dá um gole na cerveja. Vanda Lúcia:

“Que nojo, Aloysio… que nojo! Quindim com cerveja!”

Aloysio come os dez. Mudo. A cada pedaço do quindim, um gole de cerveja. E Vanda Lúcia ali, a seu lado, as duas mãos apoiando o queixo, os cotovelos sobre os joelhos, alterando as frases “Que nojo, Aloysio” e “Conta logo, porra, que quero ir ver Hebe”.

“Tu quer ver a Hebe, não quer, Vanda Lúcia?”

“Arrã.”

“Tu tem asco do meu Leite de Rosas, não tem, Vanda Lúcia?”

“Arrã. Que que isso tem a ver, idiota! Fala o que te perguntei!”

“Tem nojo de como eu como, não tem, Vanda Lúcia?”

Nem responde mais.

“E não me dá vai fazer um ano, não é, Vanda Lúcia?”

“Hã… e aí?”

“E aí, Vanda Lúcia… pega mais uma cerveja pra mim…”

Volta Vanda Lúcia com outra ampola. Aloysio serve-se fazendo espessa espuma no copo de geléia.

“Continua, Aloysio…”, impaciente.

“E aí que eu tô comendo a filha da Bizantinha.”

“Bizantina, Aloysio.

“Que diferença isso faz, Vanda Lúcia?”

“E como é que a mãe da vagabunda sabe que tu gosta de quindim, Aloysio? Comer a vadia tu pode comer, o que é que eu vou fazer? Não tenho a m-e-n-o-r vontade de transar contigo mesmo, entendeu? Tem mais de ano, Aloysio, mais de ano. Não vai fazer um ano, não. Vai fazer é quase dois! Agora… intimidade… saber qual a tua sobremesa preferida… puta merda, aí não! Aí não!”

E chora, a Vanda Lúcia.

E o Aloysio, condoído:

“Ô, Vanda Lúcia… faz isso não… Quem faz os quindins é ela, a Dalila…, deve ter contado pra mãe, sei lá, porra!”

“Aloysio… (fungando e assoando o nariz na manga do pijama do Aloysio)… me promete uma coisa…”

“Quê, Vanda Lúcia…”, e faz festinha na cabeça da mulher.

“Duas coisas…”

“Pede, Vanda Lúcia…”

“Primeiro… quer continuar comendo a vadia, come. Mas por nossa história, Alô… não traz mais os quindins pra casa… Aqueles quindins que tu dizia comprar na Tasca da Vovó no Centro da cidade… é mentira, né? Tudo feito por ela…”

“É, paixão, é. Mas prometo. Não como mais quindim em casa… E a outra?”

“Me come hoje?”

“Agora?”

“Agora… por favor…”

Aloysio assente. Vai ao banheiro, liga o chuveiro, e Vanda Lúcia à janela. Acende o cigarro e surge dona Bizantina, que olha pra cima. Sorri, debochando. Vanda Lúcia faz um sinal com a mão, “espere aí, espere aí…”.

Vanda vai ao quarto, onde espera Aloysio nua, depois de ter aberto, ligeiramente a janela. E Aloysio entra no quarto, aquele cheiro de Leite de Rosas pesado. Nu, enrolado na toalha.

Trepam.

E Vanda Lúcia grita frases sem nexo, “Vai meu quindim!”, “Faz que nem tu faz com ela, faz!”, e urra, e geme, e depois de uns 40 minutos – Aloysio não tem fôlego para mais do que isso – levanta-se. Vai à janela fumar, enquanto Aloysio diz, “Vanda Lúcia… Vanda Lúcia… que desperdício esse tempo toda parada…”.

Bizantina e Dalila, olhando pra cima, e Vanda soltando um rolo de fumaça: “Obrigada pelos quindins, Bizantina. Deliciosos!”

“De nada”, disse Bizantina.

“Fui eu que fiz”, Dalila emenda.

Vanda Lúcia: “Além de puta uma puta doceira”

As duas recolhem as cabecinhas e Vanda Lúcia fecha a janela.

Aloysio ronca feito um porco, nu.

“Que nojo”, é o que pensa Vanda Lúcia antes de apagar o abajur.

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>DA SÉRIE A TIJUCA É A TIJUCA III

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(continuação)

Vanda Lúcia de pé, as duas mãos postas sobre a mesa, quase que nariz com nariz:

“Aloysio, eu tô falando contigo… Tu encontrou mulher hoje, Aloysio?”

“Se eu contar ninguém acredita… Ensopado de frango… é inacreditável…”

Vanda Lúcia dá um soco na mesa mas é interrompida pela campainha.

“Deixa que eu vou, Vanda Lúcia, não vou comer mesmo…”

E Vanda Lúcia senta-se bufando e se serve. Uma colher de arroz, uma de farofa, duas coxas de frango, uma batata corada e rega o arroz com o molho do ensopado.

Aloysio volta à sala. Abrira a porta da cozinha.

“Vanda Lúcia, é aquela vizinha aqui de baixo, dona Bizantinha, eu acho. Quer falar contigo.”

Vanda Lúcia engasga de susto e cospe a primeira garfada. Arroz e farofa sobre a mesa.

“Diz que eu tô jantando.”

“Já disse. Ela falou que é rapidinho.”

Vanda Lúcia bufa.

E vai à porta.

“Pois não.”

“Boa noite, Vanda…”, o sorriso cínico, a voz cínica, o olhar cínico.

Aloysio está de pé, ao lado de Vanda Lúcia, com um palito de fósforo no canto da boca, a sola do pé esquerdo na parte externa do joelho direito, em posição de flamingo.

“Pois não, dona Bizantina.”, sem sorriso, a voz grave, o olhar fulminante.

“Trouxe uns quindins pra vocês… fresquinhos… fiz hoje à tarde… como eu sei que seu marido adora quindim…”

Aloysio, ainda mascando o palito de fósforo:

“Pô, aí… valeu dona Bizantinha…”

“Bizantina”, a vizinha o corrigiu. “Não vai pegar os quindins, Vanda?”

“Ah! Sim. Obrigado. E passar bem, dona Bizantina… estávamos jantando….”

“Desculpe, querida… eu não queria atrapalhar…”

Bate-se a porta.

Vanda Lúcia arremessa o tabuleiro com 10 quindins sobre a pia.

Aloysio volta à mesa. Serve-se de arroz e farofa apenas.

Vanda Lúcia à sua frente, volta a comer e de boca cheia, mastigando de boca aberta:

“Aloysio… (engasga e tosse)… como é que essa vaca sabe que tu gosta de quindim?”

“Vê o que tu faz comigo, Vanda Lúcia… eu morrendo de fome tendo que comer arroz com farofa… pelo menos tem quindim de sobremesa…”

“Aloyisio… eu te fiz outra pergunta…”, o “outra” ela disse gritando.

“Quem não gosta de quindim, Vanda Lúcia?”

“Eu odeio quindim, Alô!”

“E eu odeio ensopado de frango…”

“Como essa vaca sabe que tu gosta dessa merda, Aloysio?”

“Vanda Lúcia, tem cerveja na geladeira?”

“Perdi a fome!”, e levanta-se a Vanda Lúcia. Num ímpeto de gentileza leva uma garrafa de cerveja à mesa, já aberta, e vai à janela fumar.

Lá está Bizantina. Comendo um quindim. E olhando pra cima.

(continua amanhã)

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>DA SÉRIE A TIJUCA É A TIJUCA II

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(continuação)

Vanda Lúcia na cozinha. Olhos nas panelas e ouvido na direção do banheiro, onde faz silêncio. Vai ao corredor. E bate à porta:

“Alô? ´cê tá bem?”

O que pode parecer preocupação com o marido – que chegou trôpego em casa – é na verdade ansiedade.

“Vanda Lúcia, que pergunta é essa que tu nunca se preocupou comigo, Vanda Lúcia? Tô ótimo, por que?”

“Nada, Alô. Só estranhei que o chuveiro não tá ligado, e daqui a pouco a janta tá na mesa…”

“Vanda Lúcia, a janta vai andando pra mesa ou é você que põe os pratos? Não enche, Vanda Lúcia. Tô soltando um barro. Já vou”

A categoria do Aloysio era comovente.

E Vanda Lúcia fez cara de nojo no corredor e teve náuseas só de lembrar do marido saindo do banheiro com aquele cheiro insuportável de Leite de Rosas, que ele adorava. Vai à janela fumar outro cigarro.

Lá está a cabecinha da Bizantina virada pra cima.

Vanda Lúcia vai à cozinha não sem antes esticar o dedo médio em direção à vizinha.

Aloysio está no vaso lendo o “Extra”, amarfanhado. Apalpa os bolsos do paletó, que está no chão, em busca dos cigarros e da caixa de fósforos. Acha os cigarros. A caixa de fósforos. E um bilhete: “Aloysio, te quero a cada dia mais.”, e só um beijo marcado de batom, sem assinatura. Aloysio, bêbado, cérebro a meio pau, não se lembra de nenhum encontro, de mulher nenhuma. “Pô, não estou tão bêbado assim…”, pensa.

Dona Bizantina esperara Aloysio chegar na portaria. Subira com ele no elevador. E colocara o bilhete no bolso de seu paletó, sem trocarem palavra.

Aloysio, ato contínuo, depois de se limpar, mistura o bilhete ao papel higiênico e dá descarga. Liga o gás e toma o banho. E sai, nu.

Vanda Lúcia, o jantar já pronto, ao sinal da porta aberta, voa pro banheiro. Diz a frase de sempre:

“Alô, eu não agüento mais esse fedor de Leite de Rosas…”

Aloysio, como de hábito, nem responde. Está dentro do quarto minúsculo vestindo o pijama.

Vanda apanha o terno no banheiro. Vasculha os bolsos. Nada.

O pendura num cabide atrás da porta do quarto e vai à janela.

Nem sinal de Bizantina.

“Alô, tá na mesa!”

Aloysio chega. Senta-se.

“Puta merda, Vanda Lúcia… ensopado de frango de novo?”

“Aloysio, tu encontrou com alguma mulher hoje?”

“Você sabe que eu odeio ensopado de frango…”

“Aloysio, tô falando contigo!”, espeta o garfo na mesa.

“Só pode ser de sacanagem, Vanda Lúcia. Eu odeio ensopado de frango!”

(continua amanhã)

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>DA SÉRIE A TIJUCA É A TIJUCA…

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A Vanda Lúcia mora no quinto andar, de frente. Tem o péssimo hábito de bater as cinzas do cigarro na janela, e vão todas morrer no apartamento de baixo, onde mora a Dona Bizantina, viúva e como as viúvas, cheia de manias. A Vanda Lúcia é casada com o Aloysio, a quem chama de Alô, jogador, mulherengo e biriteiro. Não têm filhos.

Dia desses toca a campainha da Vanda Lúcia.

“Bom dia, dona Vanda Lúcia. Olhe bem, a senhora está impossível com esses cigarros, minhas cortinas estão um nojo, um nojo!”, era a Dona Bizantina dando um escândalo no corredor. E um escândalo num corredor na Tijuca significa portas sendo abertas e pequenas frestas contendo dois ou quatro olhos, ou ouvidos, que na Tijuca tudo se sabe.

Vanda Lúcia, finíssima, de lenço na cabeça e cigarro no canto da boca nada diz. Espera o ataque da vizinha e bate a porta depois de um “passar bem” aos gritos. E quando bateu a porta, uma dezena de portas bateram em seguida, em uníssono, havia 15 apartamentos por andar naquele muquifo perto do Largo da Segunda-Feira.

Vanda Lúcia vai à janela e espera o que era óbvio, Dona Bizantina pôr a cabeça pra fora e olhar pra cima. E a Vanda Lúcia sorri e bate a cinza, como de costume. Dona Bizantina, como tartaruga no casco, entra. Entra mas grita da janela, “Bisca!”.

E segundos depois: “Cornuda!”.

Vanda Lúcia quase teve um treco na sala.

Vai ao quarto andar.

Soca a porta.

E Dona Bizantina de dentro, sem abri-la, “O que foi agora?”.

“Tu me chamou de cornuda, bruaca? Chamou?”.

“Com conhecimento de causa. E me dê licença.”

Vanda Lúcia pensa, “Ih, porra, deixei o feijão no fogo!”, e sobe.

Sobe e olha o relógio na cozinha. Em duas horas, no máximo, o Aloysio chega.

Vanda Lúcia liga a TV. Vai assistir, como sempre, o programa do Wagner Montes na TV Record. Já está no segundo maço do dia, anda fumando demais mesmo. Morre de rir, como sempre – ah, as rotinas na zona norte – das falas do Wagner Montes, a quem acompanha desde os tempos de “O Povo na TV”. E dorme no sofá comprado em 36 prestações.

Acorda com o barulho das chaves.

Aloysio. Bêbado como um nem-sei-dizer-o-quê. Tropeçando, se lança sobre o corpo de Vanda Lúcia que diz “Chispa daqui, Alô! Que estado é esse? Que bafo! Sai, sai, sai!”.

“Mas Vanda Lúcia…”, e esse “Vanda Lúcia” dito pelo Aloysio era um espetáculo. As sílabas ditas bem devagar, o “u” do “Lúcia” demoradíssimo…

“Não tem mas, mas… pro banho, anda!”.

Toca a campainha. Abre sem nem olhar no olho mágico.

É a Dona Bizantina.

“O que foi agora?”, Vanda Lúcia sem paciência alguma, fumando.

“Dá uma olhadinha no bolso esquerdo do paletó dele, dá. Cornuda!”.

Vira-se e desce de escada mesmo.

Aloysio está no banheiro.

Trancado.

Provavelmente – ela deu uma olhada rápida no quarto-e-sala – entrou no banheiro sem tirar nem o paletó.

“Benhê?”

“Que foi?”

“´cê vai demorar?”

“Não, por que?”

“Nada. Pra eu esquentar a janta”

Vai à janela da sala.

A Bizantina está lá. Carinha virada pra cima. Sorrindo.

Vanda Lúcia joga o cigarro aceso mas não acerta.

(continua amanhã)

Até.

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>AGRADECIMENTOS PÚBLICOS

>


Na foto, a orquídea que ganhamos da Val, eu e Dani, em 2000, no dia 18 de setembro, quando festejamos um ano vivendo juntos. Há 5 anos, portanto – esta foto é de ontem – a bichinha dá flores uma vez por ano, justo quando vem chegando a primavera (estou escrevendo sobre flores e sobre a primavera e estou conseguindo ver a cara de susto do Zé Sérgio).

Bem. O que eu quero hoje, justamente, é agradecer aos amigos que foram ao Estephanio´s no sábado comemorar os nossos 6 anos juntos. Como eu sou preciso do início ao fim, vou dar nome a quem foi: Betinha, Flavinho, Paulo Roberto, Marquinho, papai, mamãe, vovó, Guerreira, Raquelina, Marcy, Maria Paula, Armando, Miguel, Juliana, Sérgio, Cícero, Fefê, Brinco, Branco, Comandante, Dona Sá, Alex, Amanda, Zé Sérgio, Dôra, Augusto, Duda, Beth, Cachorro, Cris, Dalton, Manguaça, Fernanda, Manguaço, Marcelo, Duda, Vinagre, Arthur, Calu, Cissa, Mariana, Marquinho, Milena (cada vez mais linda…), Mauro, Gaby, Zé Colméia… acho que não esqueci ninguém.

Não, eu não esqueci o Vidal. O Vidal não foi e sua ausência foi um corte. Vejam bem. Um corte. Não ligou. Não mandou um email miserável que fosse. Nada. Como não creio que meu irmão tenha mudado tanto, atribuo a falha grave que me cortou às novidades, às novidades. Que eu, aliás, nem sei quais são. Pigarrinho e vamos em frente.

O que houve de cômico.

Eu havia comprado 4 quilos de lentilha e 15 de carne, eis que a Lentilha Carneada que sirvo desde 2000 nessa data, é suculenta e merece o que pode lhes parecer exagero. Mas o Zé Colméia, que calça 50 e mede quase dois metros, bateu o telefone pra mim à tarde e disse “Tô indo hoje, heim!”, e eu voltei ao mercado pra comprar mais 3 quilos de lentilha e mais 5 de carne. Ainda bem.

A Dani, mais atenta que eu, comentou chocada, já em casa, “Nossa… o Zé comeu, eu vi, 11 pratos transbordando…”.

O Branco, dono de beleza acachapante, chegou e chegou trôpego, vindo de um churrasco. E abraçou o Comandante, chegado de um casamento e de terno e gravata (estava, assim, de terno e gravata, mais Comandante que nunca). E disse o Comandante, “Você então é que é o beleza acachapante?”, e o Branco rindo, rindo, disse, “É… dizem…”, e o Comandante, de voleio, copo de chope erguido, pede silêncio e diz, “Se eu sesse mulher meu útero hoje seria seu”, e gargalharam os dois, marcando pra domingo que vem uma carraspana em Volta Redonda, onde jogará o Fluminense. Como o Branco é tricolor e vai ao jogo, e como é lá que mora o Comandante, está feita a conveniência.

O Comandante, mantendo uma tradição de há décadas, cantou “Perfídia”. Num determinado momento virou-se pra Dôra, mulher do Zé Sérgio, e disse, “Querida… você faz lembrar, sendo que muito mais bonita, a Liza Mineli…”, e o Zé teve de ser contido pelo Augusto e por mim, já que dizia de dentes cerrados apontando pra Dôra, “Tu pode ser Comandante mas quem manda aqui sou eu…”. Uma coisa, uma coisa.

Delirante foi ver a Milena, nossa afilhada, a primeira que ganhamos, cada vez mais linda, cada vez mais doce, até às 3h, ali, sentada conosco, me deixando uma alegria no peito que ela nem sabe.

Como foi delirante ver e ouvir a Cissa cantando, e a Calu tocando, “Catavento e Girassol” pra nós dois.

Até.

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