E qual o sentido de uma declaração pública de amor, se posso fazê-la, a cada dia, dentro de casa, só pra ela? Talvez o mesmo sentido que move alucinados a espalharem outdoors pela cidade. Vazar o que nos vai por dentro.
A Dani foi, como direi?, um troço indizível comigo as 24h do dia (e ela o é mesmo aqui, mas lá fora isso teve outras cores). Reconhecendo meus medos, eis que sou um fóbico incorrigível, fez as malas (e eu não palpitei sequer sobre uma única cueca), tratou de cada chek-in nos aeroportos, deu-me a mão mais segura durante as decolagens, abriu-me o mais solar dos sorrisos a cada segundo, ninou-me à noite, acarinhou-me a cada manhã, e na única vez em que nos separamos durante a viagem, fui um desesperado, e vou lhes contar os detalhes.
Pausa para dizer que, findo o episódio, o Zé Colméia, aquele urso imenso, bruto por fora mas um bebê por dentro, disse-me com as mãos nos meus ombros, os olhos marejados e lançando perdigotos em meu rosto ainda molhado, “Edu, eu não sou crente, mas hoje rezei pra você morrer antes dela… você não resistiria…”.
Estávamos em Florença. Eu, Fefê, Zé Colméia e Mauro pretendíamos ir ao Museu da Ciência, onde estudos de Leonardo Da Vinci alucinam os visitantes. Dani, a fim de passear, disse que iria rodar a cidade e marcou conosco às 19h30min em frente à estátua de Davi (e eram 17h). Partimos, nós pro museu, ela pra um mirante. Em menos de 10min nos deparamos com o museu fechado, e eu, já em pânico por sua ausência, propus uma caminhada até o mirante. Guerreira e Fumaça não estavam conosco por que, obviamente, foram comer em algum lugar. Como comeram as duas. Como comeram! (ponham muitas exclamações, o troço foi devastador). Só de sorvete a Fumaça embolsou, segundo as contas de um incrédulo Zé Colméia, umas 200 bolas.
Pois bem. Chegamos ao mirante e nada da Dani (soube depois que minha garota estava numa igreja, a poucos metros dali, assistindo a uma missa). Fui um deprimido, consolado pelo Mauro, “Edu, relaxa, ela tem mais horas de viagem que todos nós juntos”, pelo Fefê, “que besteira, Edu… ela deve ter parado em algum lugar pra comprar alguma coisa”, pelo Zé Colméia, e depois pela Guerreira e pela Fumaça que nos encontraram lá mesmo, cada uma com um saquinho de churros nas mãos.
Zanzei por todo o mirante e nada. Descemos. Às 18h30min eu estava estacado diante do Davi. Todos foram caminhar um pouco mais, e de nada valeram os apelos de “vamos, Edu!, ainda falta uma hora!”. Fiquei ali, olhos cravados nos relógios dos passantes.
Às 19h30min chega o Mauro. “E aí?”. Não respondi porque já guinchava e esguichava lágrimas como se fosse um Tritão. Mauro, solidário, disse que daria uma voltinha a fim de encontrá-la. Volta 5min depois, uma eternidada para mim (ainda ouvi uma brasileira dizendo para o marido, “veja que lindo aquele rapaz emocionado diante da obra de Michelangelo…”), sem a Dani.
Às 19h40min, vejo Dani apontando no extremo oposto da Piazza Signorina. A descrição é da Guerreira que a tudo assistia de dentro de uma sorveteria com a Fumaça, ambas com cones de 8 bolas de sorvete cada uma: parti, como um alucinado, mochila nas costas, quicando em meio a multidão, e abracei Dani como se não a visse há anos, e chorei de fazê-la chorar de pena. Ali, naquela hora, cravou-se em mim a certeza da dependência.
Os modernosos dirão que isso é maléfico.
Mas como já confessei, parafraseando o Aldir, que sem ela não sei nem fazer cocô, aquilo foi de uma beleza renascentista.
Até.