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PRA DANI

Dani: talvez eu esteja cometendo aquilo que venha a ser considerado o mais insano gesto (meu, particular e íntimo, embora exposto por aí…) desde que você desapareceu (evito demais falar que você morreu, porque a palavra morte é a antítese de tudo o que você representou). Talvez meus poucos mas fiéis leitores venham a me julgar definitivamente ensandecido, vá lá. Mas é que eu fui construindo os meus dias, depois de 09 de julho, de uma forma que – é como penso – no fundo requer o que eu estou fazendo agora. Afinal, você bem sabe – quantas vezes cantei isso pra você, não foi? -, “cada um tem a própria receita pra combater a desgraça”.

Pois estive aqui, no Buteco, dias e dias a falar de nós, a falar de você, a falar de nossa história, de nossos momentos, e eu acho que é chegada a hora de fazer valer, pra valer, a hora do sossego. Sabe, garota, eu que fui, durante tantos anos, tantos anos!, um homem de absoluta fé (e minha fé é mais misturada que o sangue do brasileiro…), vi-me de uma hora pra outra, de lá pra cá, mais cético que o mais cético dos homens. Só que o ceticismo não combina comigo, assim como morte não combina com você. Eu sei que você está n´algum canto, de alguma forma, sob alguma forma, e sei que no frigir dos ovos, na crueza da vida, na dureza da verdade e no desafio que me foi posto no colo, estou sozinho – mas estou aqui.

Fui chamado a atenção, sabe? E eu sou, mais que o anti-cético, um poltrão. Não sou besta (embora tenha resistido o quanto pude) de desobedecer conselhos do invisível. É preciso que eu silencie – e você, mais do que ninguém, sabe que sou (além do anti-cético e do poltrão) um sujeito que tem a língua maior do que a boca. Mas eu ouvi: “O que está dentro da sua boca é seu escravo, saiu da sua boca é seu senhor.”. E eu não posso, e eu não quero, ser ainda mais escravizado pela palavra que, vá saber, de certa forma acaba também te escravizando.

Serve, o que estou escrevendo, é claro, também para todos os meus poucos mas fiéis leitores. Amigos nossos, amigos meus, amigos seus, gente que nunca nos viu, gente que, quase sempre, quando foi de você que falei, foi generosa comigo, foi capaz de me emocionar, foi capaz de me trazer, de certa forma, alguma espécie de alento pra enfrentar essa barra que é pesadíssima (e que acabou me levando, veja você, Tomtom!, pro divã, o mesmo para o qual tantas vezes você desejou que eu fosse…). A esses todos, também, peço licença (veja que ironia é a construção que faço!) para esse tempo de delicadeza, de silêncios, de sossego.    

É preciso seguir – não é?

Pois seguirei, tendo sempre comigo a sua força – essa força magnânima, inesgotável, esse brilho quase-insuportável que é seu sorriso. Esse, Tomtom, esse permanecerá.

E por falar em sorriso, vai ser na Quarta-Feira de Cinzas a feijoada que sempre fizemos e que nesse 2012, que marca meu primeiro Carnaval sem você, será dedicada a você. Assim como sei que você viu (ou sentiu, ou vibrou-junto…) a cerimônia de entrega do prêmio que leva seu nome (que orgulho, garota…), sei que você já viu o desenho belíssimo que fez nosso Mello Menezes pra camisa que usaremos no dia 22 de fevereiro. Sei que você sabe que foi o Neco, aquele maluco, que mandou fazer as camisetas e quero que você saiba que vai ser lá, na casa daqueles três que tanto te amam, a última vez que vou – como dizer? – tornar público, eis que inevitável (a camisa já é uma declaração de amor!), tudo isso que vai em mim.

Estamos a poucas semanas do Carnaval, a festa da inversão. Pois bem. Serei o folião de sempre. Vou encarnar, me parece impossível que não seja assim, como nunca, a dupla-face da alegria e da dor, mas a dor eu vou imolar durante os quatro dias até que meus pés sangrem e minha alma se revista da alegria que vivi e que vivo por ter vivido tantos anos a seu lado. E ficamos combinados assim… Sossego. Silêncio. E delicadeza.

Sorria daí, Tomtom. Conserve aceso esse sorriso… ele é a luz que eu preciso pra meu caminho iluminar.

Meu amor pra sempre.

Até.   

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A ENTREGA DO PRÊMIO DANIELLI PUREZA

Embarquei em direção a São Paulo no final da tarde de quinta-feira. Foi, seguramente, uma das mais emocionantes viagens que fiz – e sozinho… – por conta de uma dura peculiaridade: eu estava indo viajar por causa da Dani, por causa de cerimônia de entrega do Prêmio Danielli Pureza, para de certa forma encontrá-la em um de seus habitat durante mais de doze anos… com a certeza de que eu não iria vê-la. Foi difícil embarcar, nada que o ônibus leito não tornasse, em poucos minutos, menos doído. Acordei, quase sete horas depois, já em São Paulo.

Até que eu acordei tranqüilo na sexta-feira, ainda mais levando-se em conta o tanto de expectativa que eu guardava desde o dia em que soube da iniciativa da criação do prêmio, como lhes contei aqui. A hora foi avançando, fui sendo tomado por uma emoção diferente, e ainda bem que eu tinha, a meu lado, uma das irmãzinhas que Dani escolheu em vida, nossa comadre, nossa anfitriã de sempre em São Paulo, a Stefania. Tomamos o rumo do hotel no qual acontecia o evento por volta das duas da tarde e às três eu já estava diante do balcão do bar ajustando meus marcadores com um copo de Red Label nas mãos – era preciso. A fama – reconheço – que me cerca é tanta que assim que cheguei já me aguardava a Nathalia, sobrinha do Sergio Barreto (o criador do prêmio), uma espécie de babá a me cercar de cuidados… Chegou-se, também, a inseparável Manguaça, também presente ao evento, e ali, naquele bar, eu fui um homem cercado por seis mãos cheias de carinho, seis olhos cheios de perdão, três moças que bem conhecem do que sou capaz quando arrebatado pela emoção.

Perto das 16h, hora marcada para a cerimônia de entrega do prêmio, entramos no salão destinado ao encontro. Cerca de 400, 500 pessoas, ouviam Sergio Barreto terminar sua apresentação. Foi quando surgiu, no telão, o anúncio: Danielli Pureza Prize.

Eu tinha – preciso lhes dizer isso agora – uma espécie de determinação firmada de mim para mim: iria entregar o prêmio íntegro, inteiro, sem chorar. Só que não foi possível não chorar quando o Sergio começou, ele próprio, a falar da minha menina – aos prantos. No fundo do salão – e a meu lado estavam alguns amigos queridos, colegas de trabalho dela, seu irmão, Marcelo, sua cunhada Thaís… – eu era um sujeito que chorava discretamente à espera de ser chamado.

E fui chamado – e sabe-se lá que esforço eu fiz pra atravessar o salão…

Ainda ouvi o Sergio me apresentando aos presentes – e eu penso que conhecia um terço das pessoas que ali estavam – e foi duro, mas eu consegui!, não continuar chorando diante de tantos rostos lavados diante de mim. Na primeira fila, os mais-mais de minha menina: Mayenne, Jane, Alex Justo, Marcinha, e vi o Anderson, e vi o Mauro, e procurei com os olhos a Luciana Cavalcante, e foi tamanha a emoção que me tomou naquele momento que eu não me lembro – simplesmente não me lembro! – do que foi que eu disse.

Sei que ouvi as últimas palavras do Sergio – “Edu, fale da Dani pra nós…”  – e imbuído de um espírito de herói (eu precisava deixar minha menina orgulhosa…) dei de contar às pessoas sobre a Dani em casa, sobre a Dani falando sobre o trabalho em casa, sobre a Dani falando, em casa, sobre as pessoas ligadas a seu trabalho, e dei de invocá-la, não me lembro como, a fim de que fosse mais bonito o momento da entrega dos prêmios (sim, foram duas escolas vencedoras!).

Tão bonito quanto a cerimônia, foi a noite de sexta-feira. Praticamente todos os que com ela conviveram e muitos que sequer a conheceram, atenderam a meu convite para um brinde à memória da Sorriso Maracanã, no Sabiá, meu bar em São Paulo. E foi um tal de ouvir histórias, declarações de amor e gratidão à minha garota – a generosidade em forma de gente – que eu saí de lá, de volta ao Rio, com a alma leve e com a certeza, ainda mais solidificada, de que sou um homem de sorte por ter conhecido, durante quase doze anos, o verdadeiro amor.

E não faltou, é claro, Raio de Luar, samba que meu mano Fernando Szegeri transformou na marca da Dani – vejam aqui. Quando o Favela tomou do cavaco e cantamos juntos o samba de Nei Lopes e de Dauro do Salgueiro, Dani bambeou no infinito do jeito bonito que só ela fazia, puxando a saia com a ponta dos dedos, aquele sorriso estampado no rosto que eu trazia, colorido, na estampa da camisa…

Até.

P.S.: aqui, a partir dos 12min20s, você pode ver um trechinho da cerimônia.

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SEIS MESES…

Enquanto aguardo as fotos da cerimônia de entrega do Prêmio Danielli Pureza, na última sexta-feira, em São Paulo, divido com vocês, exercício que venho fazendo há exatos seis meses, desde 09 de julho de 2011, as emoções de passar por mais um dia nove, dia que por razões evidentes ganhou novas cores pra mim desde o desaparecimento da minha menina – quando também vim aqui para dar a vocês, meus poucos mas fiéis leitores, a notícia que mudaria, pra sempre, o curso da minha vida.

Exatamente seis meses depois ainda é difícil abrir a porta de casa e não ouvir seus aplausos – ela que passou a me aplaudir desde o dia em que sair de casa virou coisa rara… Exatamente seis meses depois ainda sinto o gigantismo de nossa cama, imensa, onde não cabemos, eu e a saudade que tenho dela. Exatamente seis meses depois ainda sou aplacado, várias vezes ao dia, pela imagem constante de seu sorriso, o mais bonito, luminoso e impactante sorriso que o mundo jamais viu. Exatamente seis meses depois ainda me sinto engatinhando enquanto reaprendo a viver, eu que descobri, aos 42 anos, que sozinho não sei fazer absolutamente nada.

Exatamente seis meses depois, entretanto, a dor me dói menos e a emoção me invade de maneira mais bonita.

Ergo o copo, pois, do balcão virtual do Buteco, agradecendo aos deuses, com justificado orgulho, a dádiva que vivi por quase 13 anos seguidos.

Tão logo receba as fotos a que me referi, escrevo sobre a cerimônia de entrega do prêmio, que superou muito – em todos os sentidos – todas as minhas expectativas.

Até.

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DANI PUREZA, A HOMENAGEM

Eis que faltam pouco mais de 48h para a cerimônia de entrega do prêmio que leva o nome da mulher que me ensinou a sorrir, Prêmio Danielli Pureza, como já lhes contei aqui, durante a Ometz Conference, em São Paulo.

Ontem, terça-feira, por volta das onze da manhã, recebi em casa a equipe da MindSet Films (aqui), que veio gravar meu depoimento sobre a iniciativa do Ometz Group, prêmio que é criação direta do Sergio Barreto, companheiro de trabalho da minha menina durante pouco mais de treze anos. Foi, digamos, minha primeira prova para o tranco emocional que será – sei que será – a cerimônia em São Paulo. Portei-me bem, é como penso. Pensei demais nela, pensei no quanto ela ficaria orgulhosa se eu, digamos, me comportasse (sem meus derramamentos líquidos, costumeiros) diante das câmeras. Era preciso que eu estivesse (e penso que estive) inteiro, aprumado, orgulhoso também – aqui, o anúncio oficial do prêmio, começando aos 9min e 14s e terminando aos 11min e 40s).

Como tantas vezes já lhes disse, me tem sido extremamente prazeroso perceber, desde seu desaparecimento (já percebia, é claro, muito antes disso, desde sempre…), a dimensão que Dani teve, também, na vida das pessoas que tiveram a sorte de com ela conviver, por um dia que fosse. A quantidade inimaginável de e-mails que recebo de gente que trabalhou com ela, a quantidade de declarações de carinho e de saudade que percebo pelas redes sociais, tudo isso é alimento que me aplaca a dor de sua ausência.

O que quero lhes dizer, hoje, é que estou assim… numa tremenda expectativa, como se fosse reencontrá-la novamente, em São Paulo. Dani há de estar ali, inteira, tênue, suave, nos olhos de cada um de seus queridos, materializada, por um instante que seja, no belíssimo desenho que ilustra o prêmio (aqui). E tê-la nas mãos, mais uma vez, senti-la com meus dedos perdidos desde julho, vai ser um troço emocionante demais. Muita sorte terá o(a) vencedor(a) do prêmio. Porque eu serei capaz de, sei que serei!, através de mecanismos quase que litúrgicos, fruto do amor que nos uniu durante quase doze anos, fazer chegar ao prêmio o seu axé, a sua força, a sua potência, incomensuráveis.

Até.

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DANIELLI PUREZA, UM PRÊMIO

Vira-e-mexe digo pra mim mesmo a frase com que um de meus orixás vivos, Aldir Blanc, encerrou uma de suas cartas dirigidas ao jornalista Arthur Dapieve, aqui: “Milhões e milhões de pessoas vivem e morrem sem conhecer esse sentimento.”. Aldir se referia, ali, ao amor que nutre pela sua mulher, e a frase é exatamente perfeita se aplicada a mim, que vivi com minha menina, desaparecida desde 09 de julho de 2011, uma história de amor dessas que chegam a doer de tão bonitas e intensas.  Eu, que tão despudoradamente venho, desde sempre!, contando aqui as nossas (e agora minhas…) histórias, estou chegando ao fim de uma semana que me foi emocionante como há muito eu não atravessava.

Na terça-feira fui surpreendido com um e-mail que me foi enviado pelo Sergio Barreto, Diretor de Pesquisa & Desenvolvimento do Ometz Group, que (retirado daqui“opera nos segmentos de educação e comunicação. Está presente em mais de 70 municípios brasileiros e também na Argentina e EUA. Hoje, fazem parte de sua holding 15 empresas e mais de 19 mil profissionais. Com a abertura do sistema de franquias, em 2000, e a criação da Lexical, em 2003, a companhia vivenciou o maior crescimento da sua história até então. Também em 2003, a empresa inovou e abriu sua primeira unidade offshore, destinada ao ensino de inglês para funcionários de plataformas de petróleo. Em 2005, a empresa deu seu primeiro grande passo em direção ao segmento de comunicação, com a produção do longa-metragem That´s All About Fame, que compõe o material didático da Wise Up. A composição do Ometz Group como holding se deu em 2008, com a criacão e o crescimento consolidado de várias empresas e áreas do grupo. Na área educacional, o Ometz Group atua com foco em todas as classes sociais por meio de seu mix de marcas, composto por Go Getter, Wise Up, Lexical e You Move. A Wise Up é hoje líder no segmento de ensino de inglês para adultos na América Latina. Para dar respaldo aos nossos mais de 400 franqueados, o Ometz Group dispõe de três empresas, a Wise Up Franchising – franqueadora das marcas Wise Up, Lexical, You Move e Go Getter – a Sparta Consulting – que oferece às franquias soluções específicas de gestão – e o Hunting Winners, que representa hoje a solução de integração entre os profissionais que atuam nas mais de 400 unidades da rede. No âmbito da comunicação, o Ometz Group atua nos segmentos audiovisual, publicitário, editorial e de telecomunicações. A Mindset Films é a produtora do Grupo e dentre os trabalhos já realizados, estão cinco longa-metragens que compõem o material didático de nossas escolas. A Yeah! é uma agência de publicidade que atende clientes no Brasil e exterior e é também responsável pelas ações de comunicação das empresas do Ometz Group. A Skopos Editora é responsável pela criação e distribuição dos materiais didáticos das escolas de idiomas do Grupo, e o Ring One é um Contact Center que atua de forma inteligente e em tempo real.”.

Fiz questão de transcrever a descrição que consta do site da empresa justamente para que vocês possam ter exata dimensão do tamanho do grupo, do qual Dani fez parte desde que voltou ao Brasil, em 1999.

E isso – exata dimensão – é o que me dá a iniciativa que me foi anunciada por e-mail:

“Edu: A partir de 2012 todo ano vamos entregar o Prêmio Danielli Pureza para a escola que demonstrar excelência na educação e na formação de profissionais. O prêmio será entregue na Ometz Conference no dia 06 de janeiro às 15 h, em São Paulo. Gostaria que você entregasse este prêmio no ano da sua criação. É uma maneira de homenageá-la e também de ter certeza de que todas as gerações de professores e coordenadores do Ometz Group saibam da importância que ela teve na história do grupo e de seu crescimento. Com certeza ele não seria possível na área educacional sem a presença da nossa Dani. O premio terá o formato dos desenhos abstratos que a Dani fazia quando estava em reunião, refletindo sobre problemas e suas soluções. Eram desenhos abstratos que ganhavam forma à medida que a reunião caminhava. Ainda não tenho a arte final mas quando tiver te mando. Acho que sempre aprendemos coisas quando as pessoas nos deixam, foi assim com a morte do meu pai e da minha mãe – e este prêmio que levará seu nome pelo menos enquanto eu ainda estiver por aqui para entregá-lo – é uma forma de deixá-la sempre como legado, como forma de dizer sim à vida,tão apaixonada que a Dani sempre foi e é, por educação e pessoas.”

Eu, meus poucos mas fiéis leitores, não preciso, em absoluto, do que quer que seja para ter exata dimensão da mulher que foi e que é a minha garota, hoje bambeando no infinito e me deixando absolutamente perdido por aqui. Mas perceber sua grandeza, também para os outros, é uma experiência indizível, emocionante, dessas de derrubar e amolecer o mais duro dos corações (o que está longe de ser o meu caso, um derretido na mais ampla acepção da palavra).

Ontem à tarde, estando eu ancorado no balcão do Bar Rebouças, chegou-me por e-mail a arte-final do prêmio que entregarei no dia 06 de janeiro, em São Paulo. Fui, ali, diante da beleza da coisa, um homem em frangalhos tomado por uma emoção que até então eu não experimentara. Assim foi apresentada a arte-final, pela agência que a criou:

“No segundo dia da Conference, todos os coordenadores do P&D se reunirão para premiar a escola que, durante 2011, demonstrou maior comprometimento com a educação e a qualidade de ensino. Este prêmio será batizado de “Prêmio Danielli Pureza”, uma homenagem a essa que foi um grande exemplo de zelo pela qualidade dentro das unidades. Seus rabiscos abstratos e num primeiro momento sem sentido, logo tomavam forma e surpreendiam a todos, tal qual sua inexplicável alegria em meio a tantas dificuldades de saúde se vertiam em surpreendentes resultados em seu trabalho. Sempre acompanhada de seu sorriso cativante, Pureza fez do prazer de formar pessoas uma cura tão implacável, que nem o pior dos cânceres poderia detê-la. Um traço simples, puro, retrata toda a grandeza e de seu olhar. Mechas de cabelo feitos em rabisco de mão saem do topo de sua cabeça, representando o quanto sua visão ia além de qualquer debilidade física, ao longo do caminho tornam-se raízes que representam a profundidade de sua dedicação e por fim tomam a forma de mãos que escrevem, mãos que lecionam, como as de Pureza, que tinha em mãos a cura do maior câncer da humanidade: a falta de conhecimento.”.

Ora, bolas… eu, me conhecendo como eu me conheço, já antevejo como será a cerimônia de entrega do prêmio…

Eu terei – sei que terei! – a capacidade mágica, encantada, misteriosa, movido por um misto de saudade, de amor, de alegria e de orgulho, de tornar quase-sagrado o certificado, que há de levar para o(a) vencedor(a) do prêmio, em 2012 e nos demais anos seguintes, o axé, a força, a energia e a grandeza da minha menina.

Meu coração, em ligeiro descompasso, abalado e revigorado diante da beleza em estado bruto que essa iniciativa representa, há de suportar o tranco.

Até.

P.S. 1: torno público meu agradecimento e minha gratidão a esse homem que pensou na homenagem, Sergio Barreto, uma das pessoas que Dani, enquanto esteve por aqui, mais amou e admirou – amor e admiração que permanecem, tenho certeza -, a Flávio Augusto, Presidente do Ometz Group, que com Dani conviveu, profissionalmente, por mais de 12 anos, e a cada um dos funcionários que, também tenho certeza, vibram diante da justíssima lembrança que a eterniza, também, entre eles;

P.S. 2: se você quiser ver e ouvir o Sergio Barreto apresentando, conversando e entrevistando a dona do sorriso mais bonito do mundo, assista isso aqui;

P.S. 3: no dia seguinte ao que recebi tão bonita notícia, o artista plástico Mello Menezes enviou-me um desenho da Dani absolutamente genial, igualmente emocionante, e sobre ele – seu fim! – falarei mais adiante;

P.S. 4: e fechando a semana de beleza intensa, outra notícia de me-derrubar: Luiz Antonio Simas e Candinha, pais do pequeno Benjamin, deram-me a incumbência de apadrinhar o moleque, o que me fez chorar quase o dia inteiro ontem. Eu não tenho mais, disse isso a eles, a coisa mais bonita que eu sempre pude oferecer aos meus afilhados, que é a dinda… Mas serei, lá vai mais uma certeza, o melhor padrinho do mundo pro garoto. A vocês, meus irmãos Simas e Candinha, minha gratidão, meu respeito e minha emoção mais pura.

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A ÚLTIMA FOTO DO ÚLTIMO RÉVEILLON

A Dani não concebia passar o réveillon longe de Copacabana. Durante as doze passagens de ano em que estivemos juntos, isso só aconteceu três vezes (e mesmo assim, faço a confissão pública, nas três ocasiões, eu levei um garrafão de cinco litros de água do mar, colhidos nas manhãs daqueles 31 de dezembro de 2007 [em Santa Teresa, na casa de meu irmão], de 2008 [na Barra da Tijuca, na casa de sua irmã] e de 2009 [em Cabo Frio]).

No último réveillon, o de 2010, mesmo não estando bem, ela bateu pé e fez questão de passar em Copacabana (será que ela sabia que seria o último???… isso me atormenta).

Armamos, então, eu, ela, seus irmãos Marcelo (com a Thaís) e Magali (com Ricardo e as meninas, Maria Helena e Ana Clara), uma ceia no apartamento da Santa Clara, onde ela morou por alguns anos quando veio estudar no Rio de Janeiro e onde mora, até hoje, seu irmão caçula – o Marcelo, o Neném, como ela o chamava. Acordamos cedíssimo naquela sexta-feira, eu preparei a lentilha que faço todos os anos, e partimos em direção à Princesinha do Mar.

Ela já muito cansada, almoçamos no tradicionalíssimo Rian e fomos pra casa descansar. Ceamos por volta das nove da noite e já às 22h estávamos aboletados nas areias de Copacabana, onde nos encontrou o Rafael, amigo de infância da minha menina, uma das mais constantes presenças em sua vida. Levamos toalhas, cangas, cadeiras, e estávamos todos, ali, vivendo um 31 de dezembro no ritmo dela, quietos, comovidos, na esperança de um 2011 auspicioso.

Dani só levantou, mesmo, perto da meia-noite, para ver os fogos, um espetáculo que ela amava, amava!, e nem que eu viva mais duzentos anos me esquecerei de suas mãos apertando as minhas, durante o espocar nos céus de Copacabana. Nem que eu viva mais duzentos anos me esquecerei do brilho de seus olhos reluzindo esperança, emoldurados pelo medo e pela insegurança que minhas mãos, naquele instante, também, tentavam diminuir (será que eu consegui???… isso também me atormenta).

Fim dos fogos, Dani sentou-se. Bebemos champagne, que ela amava tanto quanto amava os fogos, e ficamos ali o quanto ela pode. Nós, que sempre varamos a primeira madrugada do ano juntos, pouco antes de uma da manhã estávamos de volta (as fotos não me deixam mentir).

Essa próxima foto, a última que a registra na praia, foi tirada exatamente a 0h23min.

Que olhar e que sorriso, o da minha menina!

Com dor, seguramente com medo, foi esse sorriso – como sempre! – que ganhei de presente durante a noite daquele 31 de dezembro de 2010, que ganhei de presente nos primeiros minutos de 2011.

E me dói, de uma maneira absolutamente indizível, saber que não o verei mais diante dos meus olhos, ao alcance dos meus dedos e da minha boca, oca e triste sem ela.

Até.

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DE CUIDAR

Em janeiro de 2005 publiquei A mulher que me ensinou a sorrir – aqui – quando, valend0-me de uma sacada de um dos meus orixás vivos, Aldir Blanc, fiz a confissão inusitada: “Sem você, Dani, não sei nem fazer cocô.”. E isso não era, em absoluto, exagero meu.

Um dos mais duros golpes e revezes que senti (e ainda sinto) depois de seu desaparecimento, em julho de 2011, foi justamente perceber que eu não sei, aos 42 anos de idade, fazer rigorosamente nada sem ela. Antes que me apontem o dedo inquisidor com o carimbo do exagero, eu digo que se trata da mais pura verdade. E faço, dando seguimento aos meus exercícios de expor-a-alma para amainar a dor pungente da saudade, algumas pequenas confissões.

Antes de setembro de 1999, quando nos (re)conhecemos, nos reencontramos e passamos a viver juntos, eu era, diante da iminência de uma viagem de avião, um fóbico em estado bruto. Dizem os médicos da alma que esse medo – o de voar – está diretamente associado ao fato da solidão que se materializa, de forma intensa, durante o vôo. Ali, dentro da aeronave, estamos absolutamente nas mãos das Leis da Física. Pois minhas viagens, que até setembro de 1999 eram, pra mim, uma espécie de tortura – eu chorava, eu gania, eu tinha taquicardias violentíssimas… – passaram a ser melífluas atividades. Ou melhor, ainda me causavam algum medo, mas as mãos da Dani eram a segurança que eu procurei a vida inteira, desde que deixei a escuridão do ventre.

Outra confissão: durante as viagens era Dani que de tudo tomava conta. Ficava com meu passaporte, com nosso dinheiro, com meu cartão de crédito, era quem cuidava de minha rotina, e havia sempre aquele sorriso, aqueles olhos de cuidado, aquelas festinhas no meu rosto, o afagar de meus cabelos. Foi assim – mais uma confissão – até abril de 2009, quando veio o diagnóstico da doença que a consumiu.

Dali em diante conheci outra faceta do amor. Fui, dali em diante, por mais poltrão que eu fosse, um homem em permanente estado de atenção. Passei, pelas mais óbvias razões, a cuidar dela com mãos de extremo zelo, com olhos de intensa e incessante cumplicidade, e por mais que tivesse o coração em frangalhos, a alma forjada pela dor e pelo medo permanente da morte e da perda, jamais faltei a ela. Tenho – me perdoem se lhes soarei prepotente – absoluta convicção de que fui o melhor dos homens, o mais íntegro companheiro, o mais digno diante da crueza da doença e dos caminhos que fomos obrigados a cumprir.

Até que veio outubro de 2009…

Foi desejo dela – prontamente atendido, como sempre – passar seu aniversário, dia 15 de outubro, em Nova York, cidade que ela não conhecia – eu já havia estado lá em 1995.

E a confissão que agora lhes faço me serve, uma vez mais, como catarse, como verdadeira terapia e como exorcismo de tanta saudade acumulada dentro de mim.

Eu sabia que seria diferente dessa vez: eu sabia que ela tinha dores, que a viagem seria feita sob certa tensão, com grande quantidade de recomendações médicas, uma quantidade considerável de medicamentos na bagagem, e que eu não poderia contar, como sempre contei, com sua vigilância permanente, seus cuidados, seus zelos, eu sabia que seria necessária a inversão dos papéis…

Nosso plano incluía uma visita de dois dias a Boston, para estarmos com nosso afilhado que mora lá, e depois uma esticada de seis dias em Nova York. E já no aeroporto, na hora do embarque, eu precisei ser maior do que sempre fui.

Nosso vôo saía do Rio, pela Gol, e havia uma conexão em São Paulo, com a Delta Airlines, rumo a Nova York, de onde pegaríamos novo vôo até Boston. A Gol atrasou a saída e o que eu temia aconteceu: perdemos a conexão.

Dani foi, naquele momento, uma mulher com o olhar perdido. Maldisse a sorte, não acreditava – e chorava, e chorava… – naquilo, dizia que não bastava a doença… esses troços… e eu fui um leão diante do guichê da Gol. Fomos maltratados, postos num hotel de quinta categoria, só embarcamos na noite do dia seguinte mas eu não deixei, em nenhum momento, ela se abater. Pausa: na volta, distribuí uma ação contra a Gol, ainda em trâmite, e nunca fui tão visceral na exposição dos fatos em uma petição inicial. A escrevi sob forte emoção, Dani ficou orgulhosíssima de mim…

A viagem foi, é claro, atípica. Se em todas as nossas viagens anteriores dormíamos pouco, andávamos muito, comíamos e bebíamos em demasia, vivemos, nessa viagem, o ritmo possível para ela (já lhes contei, aqui, Meu amor, e agora?, um pouco sobre essa viagem).

Era eu, meus poucos mas fiéis leitores, por conta do amor, por conta do de-cuidar que amar pressupõe, superando meus medos, minhas angústias, sendo pra ela o amparo preciso, o porto-seguro, o companheiro de todas-as-horas. Foi uma viagem ótima, emocionante, intensa, e na hora de voltarmos, bem me lembro, dentro do táxi e a caminho do aeroporto, deu de tocar Frank Sinatra no rádio e demos de chorar, os dois, de mãos dadas, e foi quando nos prometemos voltar – ela amou Nova York, agudamente! -, o que acabou não acontecendo…

Essa redimensão do amor, que viver o período do enfrentamento da doença me deu, jamais nos abandonou, a mim e a ela. Ela que, a poucas horas de partir pro Orum, quando tivemos – quantas vezes já lhes disse isso… – a mais bonita conversa que jamais tive com quem quer que seja, chegou-se pra mim e disse:

– Edu… tô preocupada com uma coisa…

Não disse nada, eu estava ali, debruçado sobre ela, olhos nos olhos, sua mão entre as minhas, ela continuou:

– Quem vai cuidar das suas camisas, meu amor?

Tudo o que eu não chorei naquele momento, eu choro hoje, dia após dia, no instante de me vestir pela manhã.

Até.

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QUEM TEM AMOR AUSENTE JÁ VIVEU A MINHA DOR

Dezembro. Já é dezembro. E a cada dia que passa, por mais incrível que pareça, mais dela eu me lembro. O nove de julho insiste em ser real, em ter sido real – e naquele nove de julho eu deixei de ser o que sempre fui porque ela levou o que havia de melhor em mim. Num primeiro momento, e já lhes contei sobre isso aqui, “(…) fui tomado pelo torpor do alívio e agi, e nem acho que equivocadamente, de maneira agudamente racional: mudei, por inteiro, a feição do apartamento em que vivemos por quase 12 anos, dei de me desfazer de todo e qualquer objeto que me remetesse, de pronto, à imagem dela, defumei a casa, guardei seus retratos espalhados pela casa, toquei a vida.”.

Tudo em vão – e já acho que agi, sim, equivocadamente. Dei, de umas semanas pra cá, num ritmo insano, de agir como um arqueólogo de sua alma, da minha própria alma – que passou a ser mais bonita depois dela -, e passei a abrir gavetas, armários, livros, cadernos, em busca de suas fotografias, de sua letra, em busca de suas cartas, de seus bilhetes, de seus desenhos, como se suas letras e sua imagem gravada nas fotografias, tão lindas…, fossem capaz de me servir de cafuné, de uma festinha no rosto, de um lenitivo pra essa dor que não cessa. Ao contrário, é uma dor que dói mais, mais intensa, mais densa, na mesmíssima medida em que fica mais distante a data de seu desaparecimento.

Não têm me faltado os amigos, mas nem com eles eu tenho sabido lidar. Não me faltam meus pais, meus irmãos, mas nem com eles eu tenho sabido lidar. Não têm me faltado – as ironias da vida… – meus poucos mas fiéis leitores, mas nem com eles eu tenho sabido lidar. Não tem me faltado a bebida, mas nem com ela eu tenho sabido lidar. Não me falta nada, a bem da verdade. Mas me falta tudo, eis que não há mais a Dani por perto.

Não tenho dormido direito à noite, não tenho trabalhado com o afinco com que sempre trabalhei, não tenho vivido – tenho sobrevivido, eis a verdade.

Sigo num ritmo alucinado fugindo – isso, fugindo, fugindo, fugindo… – da casa vazia, da cama vazia, do gesto irracional de tatear, manhã após manhã, o travesseiro que não guarda mais ninguém.

Hoje pela manhã dei de cara com esse cartão, assinado por ela (eu a chamava, também, de Tomtom, e ela assinava Tom…), datado de 27 de abril de 2006, dia de meu aniversário, que veio junto com as orquídeas lindas que ela me deu, ainda na cama, na manhã daquela quinta-feira. No cartão, o manifesto de um desejo, tão lindo… e uma declaração – “te amo muito e pra sempre” – que a morte torna impossível.

“Pra sempre” nunca foi tão cortante, como agora.

“Pra sempre” foi o que eu respondi, na tarde do fatídico 09 de julho, quando de mãos dadas comigo, olhando nos meus olhos, com um misto de esperança e medo, ela me perguntou se eu ainda a amava.

Até.

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É DEMAIS PARA O MEU CORAÇÃO

Como eu já lhes contei aqui, no texto Dani, escrito na minha primeira madrugada sem ela, e aqui, no texto A mulher que me ensinou a sorrir, de outubro de 2005, reencontrei Dani em outubro de 1999 na festa de um amigo em comum, o Alfredinho, do Bip Bip, lá fiz meu cortejo – muitíssimo bem sucedido! -, de lá partimos para a quadra do Salgueiro e da quadra do Salgueiro para a praia de Ipanema – direto! Na praia deu-se o seguinte (trecho do segundo texto acima indicado):

“Lá se vão seis anos, quando dançamos nus, na primeira noite, no calçadão de Ipanema, ao som de “Canção da Manhã Feliz” (eu sei que parece exagero de novo, mas dessa vez é o Mineiro, barraqueiro entre a Vinicius de Moraes e a Farme de Amoedo, quem pode dizer que estou sendo preciso do início ao fim).”

Antes de seguir, brevíssima digressão.

Tenho cumprido, já lhes contei aqui, o dever de vivenciar o luto da forma mais bonita possível. E tenho ido, com quase-religiosa postura, a todos os lugares que marcaram nossa trajetória, minha e dela, de quase doze anos juntos:

“Tem sido especialmente difícil fazer pela primeira vez, sozinho, o que tantas vezes fiz com ela. Foi assim minha primeira ida à praia, minha primeira ida à quadra do Salgueiro, minha primeira ida a tantos lugares…”

Prossigo com a digressão, porque o que quero mesmo, hoje, é lhes contar sobre esse nosso primeiro desvario, na praia: além da quadra do Salgueiro que, se já era território sagrado por conta do peso da vermelho-e-branco da Tijuca, ganhou ares ainda mais mágicos por ter sido lá, em outubro de 1999, mais precisamente no dia 18, o primeiro beijo que demos, também foi constante nossa presença na quadra da Unidos de Vila Isabel, a azul-e-branco da terra de Noel Rosa, onde estive no último sábado. E faço pausa dentro da pausa: cheguei à Vila Isabel, no boulevard 28 de Setembro, e bastou pôr os pés no interior da quadra para que um filme corresse dentro de mim. Um filme corria dentro de mim e muitas lágrimas me corriam dos olhos embaçados quando me estenderam uma garrafa de Smirnoff Ice e fizeram, de leve, festinha no meu rosto – eu não estava ali, exatamente, e aquele estender da bebida, e aquele afagar de leve me acalmaram de uma maneira que só eu sei. Tanto que disse a ela, amiga nossa, o que agora eu repito: nunca (com a ênfase szegeriana) vou me esquecer desse gesto. Nunca! Como nunca me esquecerei do gesto do Wallan, no comando da bateria da Vila Isabel, que me chamou quando me viu, perguntou pela Dani, eu então lhe contei, e ele, visivelmente surpreso com a notícia, fez questão de reduzir o compasso da bateria, chamou Mestre-Sala e Porta-Bandeira, estendeu-me o pavilhão da azul-e-branco e me disse no ouvido:

– Dois beijos, Edu! Um teu, outro dela.

Só quem conhece a liturgia das Escolas de Samba é que sabe a importância do gesto do Wallan, a quem conhecemos, eu e Dani, desde 1999. Mas vamos à praia, vamos a 1999.

Saímos da quadra do Salgueiro e já quase amanhecia. Tomamos a direção da praia de Ipanema e no CD do carro, Maria Bethânia ao vivo, show Imitação da Vida. Fui ouvindo aqueles versos – eu estava saindo de uma separação… – e me comovendo intensamente: “Luminosa manhã, pra que tanta luz, dá-me um pouco de céu mas não tanto azul, dá-me um pouco de festa, não esta, que é demais pros meus anseios…”. Dani também se comovia e havia ali, naquele (re)encontro, uma certeza de que estava começando uma história que tinha tudo pra ser incrível – como de fato foi, interrompida estupidamente pela morte.

Chegamos à praia de Ipanema antes das seis da manhã. Na areia, o Mineiro montava sua barraca, o sol nascia por trás do Arpoador e trocamos de roupa no calçadão mesmo, Canção da Manhã Feliz no máximo volume, e nós dois dançando abraçados, cantando, chorando, e quando eu voltei à praia pela primeira vez sem ela, quando aproximei-me do Mineiro – que já sabia da Dani por terceiros – ele me disse, me dando um puta abraço:

– Sabe que eu lembro como se fosse hoje de vocês dois, malucos, dançando no calçadão naquele dia?

Eu ia pôr, aqui, a gravação que ouvimos naquela manhã, com a Maria Bethânia. Ocorre que a EMI, detentora dos direitos sobre a obra da cantora, simplesmente não permite o upload da canção. Fica, porém, como registro – e um belo registro, diga-se! – esta gravação com Nana Caymmi e Miltinho.

Até.

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O CARNAVAL POR VIR

Vocês que me lêem têm acompanhado o tanto de expurgo do que me vai na alma que tenho feito por aqui. E vai continuar sendo assim – sabe-se lá até quando. Pensei, dia desses (tenho pensado, e pensado muito), numa espécie de relação que possa existir entre a intensidade do amor vivido e a extensão do luto que se enfrenta por conta do desaparecimento da pessoa amada. Cheguei a diversas conclusões, e uma delas é a de que o luto é intensamente mais bem resolvido quando o amor que se perdeu, por conta da morte, foi intensa e plenamente vivido. E viver esse luto, resolvê-lo sem pressa, me tem sido de certo modo prazeroso por conta desse dividir de lembranças, de histórias, de fotografias, desse expurgo.

O tempo decorrido desde a morte da Sorriso Maracanã – lá se vão mais de 3 meses… – tem me apresentado a uma realidade que, se era evidente para mim (e para mim, e para mim, e só para mim), é também a de muita gente (eu quase disse “de toda gente”, mas temi ser presunçoso, embora seja verdade…). A Dani foi marcante, na mais ampla acepção da palavra, para quem cruzou com ela pelo caminho. Não há um só dia em que eu não ouça gente falando sobre isso: colegas seus de trabalho, amigos, amigas, funcionários da empresa na qual trabalhou por mais de dez anos, funcionários do prédio onde vivemos por tanto tempo, gente que a viu – pode lhes soar como exagero, não é… – uma, duas vezes. Não bastasse seu sorriso, o mais bonito que o mundo já viu (e o mundo foi mais bonito enquanto ele reluziu luminoso por aqui…), Dani tinha uma impressionante capacidade de compreender o outro, de representar a doçura em estado bruto da forma mais sutil possível, de fazer – sem com isso querer soar piegas… – diferença efetiva na vida das pessoas que tiveram a sorte, a profunda sorte, de com ela cruzar os olhos, de com ela conviver, e daí, meus poucos mas fiéis leitores, eu fui o mais afortunado, dividindo vida, cama, alma, sonhos, planos, alegrias e tristezas com ela.

Tem sido especialmente difícil fazer pela primeira vez, sozinho, o que tantas vezes fiz com ela. Foi assim minha primeira ida à praia, minha primeira ida à quadra do Salgueiro, minha primeira ida a tantos lugares… E vai ser assim – eu sei – no Natal, no réveillon… e acho que, principalmente, durante o Carnaval 2012. E explico.

O Carnaval era, pra nós, e desde o nosso primeiro Carnaval juntos, em 2000, a maior festa do mundo (mesmo!). Enquanto estivemos juntos, como se não bastassem os quatro dias de folia, o Carnaval começava muito antes… Íamos aos ensaios das escolas de samba, eu dei de me meter a disputar samba de bloco (ganhei, em 2000, no Nem Muda Nem Sai de Cima, durante seis anos seguidos no Barbas e ainda compus, sempre com parceiros, o samba do Azeitona Sem Caroço), e ainda criei, em 2001, ao lado de diversos amigos, o meu próprio bloco, o Segura Pra Não Cair. A Dani, minha menina, sempre a meu lado: quando havia a disputa dos sambas arregimentava os amigos, os colegas de trabalho, pra engrossar a torcida pelo samba; escolhia, comigo, nossas fantasias, quase sempre uma tendo muito a ver com a outra (lembro do ano em que saímos, eu de Fernando Szegeri e ela de Rosa, filhota dele e da Stefânia, nascida dias antes do Carnaval, o que os impediu de brincarem no Bola…). Mas nada se comparava ao Cordão da Bola Preta, ao sábado de Carnaval.

A sexta-feira que antecedia o grande dia era, lá em casa, praticamente um 31 de dezembro: comprávamos champagne, montávamos uma mesa bonita e à meia-noite brindávamos, juntos, o começo de mais um Carnaval (e foram 12 carnavais juntos!). Acordávamos no sábado bem cedo e colocávamos pra tocar – foram 12 anos assim! – o CD da Elizeth Cardoso com a Banda do Cordão da Bola Preta. Aos primeiros acordes do clássico “Quem não chora não mama! Segura, meu bem, a chupeta! Lugar quente é na cama ou então no Bola Preta!” o sangue fervia e partíamos, de ônibus (raramente de metrô), pra Cinelândia.

O vídeo abaixo, curto, 40 segundos apenas, é do Carnaval de 2007. Eu, Dani, Betinha e Fefê estamos na caçamba do carro dirigido pelo Flavinho, que nos resgatara ao final do desfile do Bola Preta a fim de que pudéssemos encarar a Festa das Burrinhas, promovida há muitos anos pelo Mello Menezes. E a Dani, cigarro numa mão, lata de cerveja na outra, pede, à certa altura:

– Canta, pituco! – e dá-lhe o Bola Preta!

O desfile do Bola Preta, em 2012, vai ser um grande teste pro meu combalido coração. No Carnaval deste ano, 2011, Dani já não estava bem, não tinha condições de ir ao Bola Preta comigo. Na quarta-feira que antecedeu o sábado de Carnaval, cheguei em casa do trabalho e ela me disse, sentada na cama, no nosso quarto:

– Eu não consigo ir ao Bola, esse ano. Vou amanhã cedo pra Cabo Frio com meu pai e com minha mãe. Mas você tem de ir, tá? É importante pra nós, é importante pra você. Desfila, bebe, dorme… no domingo de manhã você vai pra me encontrar… – e mostrou-me, toda contente, as três fantasias que havia separado pra mim.

Conversamos pacas, eu lutei contra a idéia de não ir com ela pra Cabo Frio, acabou que ela foi mesmo na manhã de quinta-feira e eu fiquei. Fiquei, meus poucos mas fiéis leitores, e minha sexta-feira foi triste – a anti-sexta-feira de todos os anos. E às cinco da manhã, de pé, diante das três fantasias, não tive a menor vontade de ir ao Bola Preta – o que sempre me pareceu inimaginável! – e parti, às pressas e aos prantos, pra Cabo Frio, ao encontro dela. Nada no mundo apagará de mim a luz de seu sorriso quando eu cheguei lá. Eram quase onze da manhã, a flagrei diante da TV:

– E eu aqui tentando te ver no Bola Preta! – deu-me o mais terno abraço do mundo, choramos feito duas crianças.

Deixei de ir ao Bola Preta sozinho para estar com ela.

2012 terá esse desafio: não tenho a opção de não ir para estar com ela.

Mas como “o Bola Preta sabe eternizar”, como reza a letra de Aldir Blanc para o Bola Preta do Jacob do Bandolim – que canto no vídeo abaixo ao lado de Tiago Prata (7 cordas), Gabriel Cavalcante (cavaquinho) e Leal (tamborim) – hei de viver a subversão absoluta que o Carnaval representa no sábado do Bola Preta, em fevereiro do ano que vem. E desfilar ao lado dela.

Até.

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