Há mais de 15 anos escrevi uma carta aberta aos organizadores desse festival (esse câncer que conspurca, ano após ano, centenas de botequins pelo Brasil afora) chamado Comida di Buteco, falso desde o nome (esse di diz tudo). A carta está aqui.
Nunca deixei de combater o bom combate a fim de demonstrar, com todas as letras, o quão nocivo, pernicioso e maléfico o tal festival é.
Em 2015 o festival começará depois de amanhã, sexta-feira, 10 de abril. E virá, nesse ano, com o que os organizadores estão chamando de “versão frutas”, o que significa dizer que obrigaram todos os incautos participantes a utilizarem alguma fruta nos petiscos (também tenho nojo desse nome, prefiro tira-gosto) que concorrerão ao prêmio. Vê-se, também por aí, que os caras não entendem picas de botequim. Porque tirando o limão (o da casa, o do mictório e o que rega o pernil) não conheço tira-gosto nenhum que se valha de uma fruta, seja ela qual for.
E mais: os organizadores, querendo criar um climinha de suspense (é bem o focinho deles, essa babaquice), proibiram os bares de divulgarem sua participação antes da sexta-feira. Eu, que não meço esforços para exibir a desfaçatez desses palhaços travestidos de conhecedores e admiradores de botequim (eis que são inimigos ferrenhos da coisa), publico, aqui (já o fiz no Facebook) a lista dos bares participantes com seus respectivos (pausa para o vômito) petiscos. Leiam com calma, meus comentários em negrito após cada um dos concorrentes.
Angu do Gomes: Tilápia empanada no coco e molho de açaí; “molho de açaí”, e eu fico daqui matutando, sabendo o quanto conspurcam o açaí no Rio de Janeiro (qualquer manuara, qualquer paraense, chora diante do açaí que é servido por aqui) que diabo será isso…;
Antigamente: Miniburguer de camarão sobre focaccia com geleia de manga; a simples leitura da coisa – “miniburger de camarão sobre focaccia com geléia de manga” já me dá engulhos. Pense em hambúrguer e você pensará em carne bovina (o dito hambúrguer de frango já é, além de uma mentira, uma merda). Agora pense num hambúrguer de camarão. Não dá!;
Art Chopp: Banana verde frita com rocambole de carne moída; mais um que me enoja só de ler. Banana verde me remete (pra usar um termo que os foodies adoram) à comida funcional (outra expressão que essa gente ama). Tudo a ver com botequim, não? Não;
Baixo Araguaia: Porção de banana envolta em bacon, linguiça toscana e filé mignon assado na brasa, com polenta frita em cama de rúcula com tomate; “porção de banana envolta em bacon” já é de fazer o cu cair da bunda. Agora, isso aí “em cama de rúcula” chega a um nível de ridículo que me faltam as palavras para seguir comentando esse troço;
Baixo Gago: Jabá com jerimum com molho branco e banana empanada com orégano e moscada; pobre carne-seca com abóbora que vai ganhar um “molho branco”. Me chama a atenção a “moscada” em vez da noz-moscada. Será que os foodies acham chique essa intimiadade com a especiaria? Ou será mesmo uma porrada de mosca pousada sobre o jabá?;
Bar da Frente: Bolinho de milho recheado com camarão e queijo, e molho de taperebá; a participação do Bar da Frente, que não precisa participar disso na minha humílima opinião, me dói. Há até bem pouco tempo, há muitas testemunhas, falava-se muito mal do festival do lado de dentro do balcão de lá. Mas enfim…;
Bar da Gema: Dois mini cachorros-quentes, um de linguiça artesanal, outro de língua desfiada com tomate cereja confitado. Vem com crispy de batata doce, catchup de maçã e maionese de laranja; gosto muito da Luiza e do Leandro… mas “mini cachorro-quente”, pra mim, no máximo em festa de criança. “Tomate cereja confitado” e “crispy de batata doce” com “catchupe de maçã e maionese de laranja” pode ser servido em qualquer lugar: menos num botequim;
Bar da Portuguesa: Salada de bacalhau com grão de bico, palmito e maçã; outro que não compreendo o que faz num festival desses. Entretanto, convenhamos, é de todos o menos esquisito;
Bar da Foca: Três rolinhos de tapioca de carne e três de frango acompanhada de três molhos: manga apimentada, abacaxi apimentado e gorgonzola; a mania insuportável do diminutivo (os foodies adoram). Os molhos de manga apimentada, abacaxi pimentado e gorgonzola me dão a certeza de muita flatulência saindo do cu da foca;
Bar do Bahiano: Iscas de tilápia com dois molhos: manga, laranja e maracujá; maionese, limão e coentro; iscas… outra mania insuportável dessa gente… e maionese. Insuportável;
Bar do Camarão: Kibe suíno com queijo e bacon, acompanhado de geléia de laranja; se é suíno não é kibe, porra;
Bar do David: Costela de porco com abacaxi, pimenta e hortelã; um dos menos piores;
Bar do Mariano: Duas trouxinhas de carne seca com lascas de queijo e banana, finalizadas com açaí, mel e granola; “trouxinhas” (ah, os diminutivos…) e eu ia parar por aqui quando vi “finalizadas com açaí, mel e granola”. Um jurado que entender minimamente do riscado dará zero pra uma merda dessas;
Bar do Momo: Sanduíche de pernil com maionese defumada e picles de carambola. Acompanha geleia de pimenta e batida de maracujá; o Bar do Momo, que deixa de ser bar um pouco mais a cada dia, vai servir “maionese defumada”, “picles de carambola” e “geléia de pimenta”. O maior pecado é chamar isso de “O bêbado e a equilibrista”. Um desrespeito com uma obra-prima;
Bar do Omar: Carne de sol de contrafilé com aipim regado na manteiga de garrafa e farofa de banana e cebolinha; esse é outro… morro de saudade do Bar do Omar quando ele era apenas o Bar do Omar. Já tentou até servir comida japonesa depois de sua primeira participação, uma das seqüelas inevitáveis desse festival…;
Bar dos Amigos: Carne de porco acebolada, desfiada, com cubos de abacaxi; “cubos” é uma outra tara dessa raça dos foodies;
Bar du Bom: Dupla de croquete de jiló com rabada acompanhada de dois molhos: chutney de goiabada e chutney de manga; “chutney” no botequim… simplesmente inconcebível;
Bar Original do Brás: Cubos de salmão à milanesa com pedacinhos de manga; “cubos” e “pedacinhos”. Em Brás de Pina, que sacrilégio…;
Bar Palhinha: Croquete de baroa recheado com brie ao molho de frutas frescas e geleia de pimenta; quando li “brie” e “frutas frescas” parei;
Bar Urca: O premiado camarão na moranga do bar, agora em forma de petisco; o Bar Urca, que cobra R$ 11,00 por uma cerveja, não é botequim há milênios. É, no máximo, uma mureta;
Bar Varnhagen: Pastel de carne assada com banana; outro horror… pobres passarinhos, que estacionam naquela esquina, que terão de aturar as insuportáveis caravanas que percorrem os bares todos;
Bartman: Contrafilé gratinado com gorgonzola, recheado com abacaxi e queijo parmesão; inimaginável e certamente intragável;
Bicho Carpinteiro: Porção de medalhão de frango com recheio de brie, envolto em bacon temperado na cerveja. Acompanha molho de laranja; “recheio de brie envolto”. E mais não se precisa dizer;
Bode Cheiroso: Camarões empanados em crosta de castanha do caju, acompanhados dos molhos cítrico e de maracujá; por amor ao Lelê, não comento. Mas lamento sua participação profundamente – e já tive oportunidade de lhe dizer isso pessoalmente;
Boteco Carioquinha: Rabo de boi desfiado, marinado na cerveja puro malte, escondido em creme de batata e polenta, polvilhado com coco; rabo “escondido em creme” e “marinado na cerveja puro malte” é outra bizarrice que não merece mais do que uma gargalhada de escárnio;
Boteco da Enny: Ragu de ossobuco com polenta em chutney de goiaba; “em chutney”? Os foodies, eles são insuperáveis;
Botequim Rio Antigo: Espetinhos de filé mignon com banana, empanados com parmesão e acompanhados de molho especial de pimenta; filé, banana, parmesão. Não dá;
Botero: Guisado de porco com especiarias servido com pãozinho caseiro e três copinhos: chutney de jiló e limão confit, farofinha crocante de coco, vinagrete de maracujá e pimenta; “pãozinho caseiro”, “três copinhos”, “chutney” e “confit” com “farofinha crocante”, parei – e vomitei – por aqui;
Cachambeer: Cupim no bafo marinado na cerveja, gengibre, laranja e alho, servidos com lascas de pêssego. Acompanha farofa de cuscuz de milho incrementada com bacon, alho torrado, coentro, tomate, cebola roxa, manteiga de garrafa e molho especial; por amor ao Marcelão, também não comento.
Café e Bar Super Guanabara: Pastéis de carne seca com damasco; damasco no botequim. Haja!;
Caldo Beleza: Carne de sol puxada na manteiga de garrafa servida no abacaxi; “puxada”, mais um verbete da turma da gourmetização, haja!;
Constança Bar: Alcatra desfiada, creme de manga e cebola caramelizada; carne, manga e cebola. Haja!;
Enchendo Linguiça: Bochechas suínas marinadas com um toque alaranjado, assadas na estufa de linguiça e servida com migas; “com um toque alaranjado” e parei por aqui;
Galeto Sat’s: pastéis abertos cobertos com frango chili reduzido ao molho de cachaça e pêssegos em calda; pastel aberto não dá, definitivamente não dá. Nem os fiéis freqüentadores daquele balcão, em Copacabana, conseguem defender a iniciativa. Haja!;
Gracioso: Coxinha de galinha; aguardando, ansioso, pra saber qual a fruta que vai dentro da coxinha;
Mani & Oca: Dois escondidinhos: um de graviola, carne seca e queijo coalho; outro de porquinho, mandioca e coco polvilhado com amendoim; “porquinho” – por que tudo no diminutivo, caralho?! – e parei por aqui;
Mestre Sala: Discos de massa leve recheados com linguiça de cordeiro, queijo serra da canastra e caqui maçã; “discos”? Quando eu digo que eles são insuperáveis…
Opus: Cinco bolinhos de pernil acompanhados de pasta de abacate; “pasta de abacate” não dá. Mais um portentoso bar que se deixa conspurcar;
Ora pro Nobis: Frango empanado com granola especial e chutney de abacaxi; granola – tolerável, no máximo, no café-da-manhã – de novo. Haja!;
Os Imortais: Dois bolinhos de arroz recheados com camembert e tangerina, e dois bolinhos de feijão com frango ao curry e abacaxy. Acompanha catchup de goiabada; impossível não vomitar com isso. O catchup de goiabada é a cereja no bolo fecal travestido de tira-gosto;
Pavão Azul: Angu com carne de porco desfiada, geleia de damasco e requeijão cremoso gratinado; outro forte candidato a causar violentas golfadas no idiota que pedir esse troço;
Pontapé Beach: Porção de ovos abertos recheados de dois sabores (bacalhau e camarão), servidos com molho especial de frutas e pimentas; ovo com sabor de bacalhau e camarão. Parei por aqui;
Sabor da Morena: Croquete de filé de costela com farinha de banana e molho de tamarindo; nojento;
Santo Remédio: Pranchinha de jiló no parmesão para uma moela surfista e envolvida em chutney de manga; “pranchinha” e “moela surfista” já fazem dessa merda a campeã no quesito babaquice. Inconcebível;
Sobral da Serra: Rostie de palmito pupunha com lascas de bacalhau, sobre fatia de presunto parma. Acompanha molho agridoce de abacaxi. “com lascas” e parei por aqui.
Manterei distância disso tudo com a satisfação do dever cumprido. Até.