Fui anteontem, depois de um bom tempo, ao Maracanã. Fui ver Vasco e Corinthians pela Copa do Brasil. Estádio quase-lotado, mais de 70.000 presentes, e acabou que vi um bom jogo de futebol, 1 para o Corinthians, que abriu o placar, 1 para o Vasco.
Deixei de ir aos estádios para ver o Flamengo. A estúpida decisão que proíbe a venda de cerveja nos estádios (e agora, mais absurdamente, no entorno dos estádios) foi fundamental para que eu passasse a preferir, de longe, o jogo visto do buteco com cerveja sempre à minha frente, ou o limãozinho da casa, ou os dois ao mesmo tempo.
Anteontem fui, entretanto, porque jogava o Vasco, o Vasco de meu pai, o Vasco de meu querido amigo Aldir Blanc, o Vasco de uma de minhas afilhadas amadas, Milena Blanc, o Vasco de meu irmão do meio, o Fefê. Quis, eu, dar de presente a ele, Fefê, a oportunidade de ver o jogo de seu time com o conforto que meus 40 anos pedem e que ele merece (tenho a impressão de que ele não ia ao Maracanã há coisa de 3, 4 anos). Fomos de cadeira especial graças à benevolência do Mussa, que gentilmente acatou meu pedido e me emprestou suas cadeiras perpétuas.
Além do mais eu tenho, pelo Vasco da Gama, já lhes disse isso aqui, uma simpatia aguda. Escrevi ali: “Meu avô paterno, Oizer (…), também era vascaíno. Meu pai, repetindo, é vascaíno, assim como o Fefê. E eu sempre tive uma agudíssima inveja – meu irmão não me deixará mentir – do que eu chamo de cafonice vascaína. Sempre admirei a velha Dulce Rosalina e suas mil e quinhentas pulseiras, sempre admirei a portuguesada que gritava casaca! a cada vitória do Vasco, sempre admirei o Santana, massagista legendário do Vasco da Gama, e estou aqui escrevendo, escrevendo, e não consigo – tristíssima constatação – traduzir exatamente o que me faz admirar, olimpicamente, o Vasco da Gama e seus torcedores, e a ligação umbilical entre esses torcedores e o clube – relação que nada tem de artificial, ao contrário do que acontece com os clubes de massa que acabam conquistando torcedores por questões de modismo.”.
Pausa.
Relendo este texto – Sobre o Vasco da Gama – escrito em dezembro de 2007, descobri um troço curioso. Em 21 de julho de 2008, há quase um ano, comentou um anônimo que disse morar em Portugal, vejam:
“Carioca do Maracanã, Rua Santa Luiza, desterrado há 10 anos na Europa (agora em Lisboa), invejo aqueles que sentem pelo Vasco o que senti na minha infância, sofrendo a escutar no rádio os gols de Rondinelli, Zico, Zico, Zico… Sofria, mas amava o meu time. Os anos Eurico mataram, para mim, a identidade do Vasco. Espero que haja ressureição.”
Ora, ora, ora… só pode ser o Sérgio Reis, de Lisboa, vejam aqui!!!!! Eu já disse e repito. Pra quem tem um blog uma das coisas mais bacanas é reler os comentários dos leitores… descobre-se cada coisa que eu vou lhes contar! Vamos voltar.
Notem como serpenteio hoje, razão pela qual o título, Digressões, parece-me perfeito.
Pois concentramo-nos, eu e meu irmão do meio, no Bode Cheiroso. Havia, ali, naquele buteco da General Canabarro, ainda comandado pela Martha (ponho o “h” no nome pois acho que fica mais bonito assim), uma legião de vascaínos de todas as gerações. Parêntesis: havia também um palmeirense que eu filmei, evidentemente, e amanhã mostro a vocês.
Cafonas toda a vida – eis uma característica vascainíssima -, velhos e moços cantavam hinos de guerra e tinham nos olhos a dor do recente rebaixamento e a esperança da glória, do reerguimento, da volta por cima.
Às nove e quinze tomamos o rumo do estádio, eu e meu irmão. Não íamos juntos ao estádio há muito tempo (escrevi lentamente a frase e não houve jeito de lembrar quando foi a última vez).
Como sou Flamengo o jogo tinha, para mim, a delícia da imparcialidade. Eu era, na mais absoluta acepção da palavra, apenas espectador. E assisti não apenas ao jogo, mas também ao meu irmão.
Ele, nervoso, cuspia palavrões como quem respira. E – vocês sabem disso – o palavrão, no estádio de futebol, tem a pureza de choro de recém-nascido. Meu irmão dava socos no ar, no encosto da cadeira da frente, e vê-lo nervoso, com raiva, com ódio da inabilidade dos jogadores vascaínos, me dava um prazer estranhíssimo. Assim como o palavrão, no estádio de futebol, é sacrossanto, o ódio é santo e purifica. Toda ira, no estádio de futebol, é santa.
E como eu estava em débito comigo mesmo com relação a alguns sentimentos que foram atropelados (não lhes interessa por quem), mesmo com os 90 minutos tendo passado rápido demais, fiquei, apesar da fugacidade do tempo de jogo, com a alma lavada.
Vê-lo ali (falo do meu irmão, por óbvio), espumando de ódio (santo, quero repetir), puto dentro das calças com o empate que deixou o Vasco em situação desconfortável para o jogo da próxima quarta-feira no Pacaembu, e ainda agredindo de forma irascível uma artistinha que era entrevistada na saída do jogo por um repórter da TV Globo, deixou-me profundamente satisfeito e com ainda mais saudade de uma porção de troços que pensei enterrados para sempre.
Andávamos em direção à escada rolante quando o vi apontando o indicador em direção à mulher:
– Piranha! Corinthiana safada! Piranha!
E as vozes eram muitas, a pobrezinha parecida assustada.
Cutuquei meu irmão:
– Quem é?
Antes que ele me respondesse, já explodindo de rir, virou-se um vascaíno de camiseta e tamanco à nossa frente:
– Uma corinthiana filha da puta sendo entrevistada por esse repórter de merda que tem o escudo do Flamengo tatuado no braço!
E espumava, ele também, de ódio santo.
Eu, curiosíssimo:
– Mas quem é? Qual o nome dela?
E o homem de tamancos:
– Sei lá, meu irmão! Nunca vi!
Eu, quase-médium, via aquele mar de cabeças cobertas por halos dourados que transformavam o Maracanã num pedaço do céu.
Até.