(pra Maméia)
Em 18 de abril de 2011, publiquei o texto Leo Boechat, um fóbico, que pode ser lido aqui. No tal texto, relato (e, como sempre, com precisão cirúrgica) um final de tarde que passamos, eu e meu compadre, na casa de sua mãe. Eu, passando malíssimo. E ele, com medo. O que não lhes contei no texto conto agora para que eu possa prosseguir sem que vocês, que me lêem, fiquem sem compreender o todo necessário.
Eu passava malíssimo – é preciso ler o texto, é preciso ler o texto aqui! – e o Leo, à certa altura, insistiu:
– Mãe, o Edu está infartando! – estávamos todos na cozinha.
Só quem me conhece sabe (ou quem me lê) como é minha relação com médicos (que piorou agudamente depois de toda a travessia de minha menina por diversos hospitais…). Sugiro, para melhor compreensão dos fatos, que se leia também o nono texto da série Tijuca em estado bruto, aqui. Em apertada síntese: médico, pra mim, só o falecido doutor Lauro, homeopata da família desde que mamãe tinha três anos de idade. Eu, até ontem, só havia estado em dois consultórios médicos em toda minha vida: o do doutor Lauro e, depois de seu desaparecimento, o de seu filho – ambos homeopatas.
Tivesse eu febre, dor nas costas, frieira, afta, dor de cabeça, o diabo!, e eu só abria a boca, fazia “aaaaahhhhhhhhhh”, e a receita ficava pronta. Nenhum exame, nunca. Nada, nada!
Fato concreto, então, voltando àquela tarde na casa da mãe do meu compadre Leo Boechat, em abril, diante da dormência de meu braço, de meu medo agudo de estar, efetivamente, tendo um troço, é que ela me olhou (penso que com intensa piedade), alisou de leve meu braço esquerdo, fixou os olhos nos meus e disse rindo em direção ao filho:
– Ele não tem é nada!
Eu, que nunca fui besta de dispensar a guarda na memória desses momentos, ainda que tênues, de demonstração de carinho, nunca me esquecerei daqueles olhos – cor de mel, é o que registro – me levando, naquele momento de intenso medo, intensa tranqüilidade. Fecha o pano. Vamos avançar no tempo.
Estamos no começo do mês de novembro deste 2011 que caminha, a passos largos, para 2012. Eu, já sem Dani. Ainda mais depauperado. Mais gordo. Com a barba mais branca. Bebendo em ritmo industrial (parei com os destilados). Leo, estamos em uma festa, leva-me de novo até diante da mãe. Converso com ela, rapidamente. Estou, faço a confissão, levemente alcoolizado. Mas aqueles olhos-de-mel, diante de mim, provocam a frase que brota espontânea:
– Minha médica, minha médica… – e fico repetindo isso, como num mantra, para assombro da pobrezinha (Leo, guinchando de rir diante da cena).
Ela, modéstíssima e rindo:
– Imagina! Eu sou anestesista infantil!
E eu, em transe:
– Minha médica, minha médica…
Num lance absolutamente inexplicável, ainda disse:
– Vou dar seu telefone pro Aldir. Você tratará dele também!
Fecha o pano, de novo.
Dias depois desse evento encontro-me com o Leo num bar qualquer:
– Bicho, minha mãe tá preocupada contigo, pediu-me pra te dizer isso…
Pequena pausa: eu só não tive uma aguda crise de choro diante da frase – que denota um misto de preocupação com o amigo do filho, de carinho etc etc etc – para não assustar meu dileto amigo.
De uns dias pra cá, mão dormente, coração em desalinho, pressão alta. Era preciso que eu fosse a um cardiologista. Preciso. Cardiologista. Esses dois nomes piscando em néon me tiravam o sono. Não há mais meu homeopata, não há mais a minha menina pra me levar de mãos dadas ao médico (e isso piorava muito as coisas)… Atendi à sugestão de um de meus orixás vivos e procurei, mesmo, seu cardiologista (que encaixou-me na lotadíssima agenda). Fui ontem (carreguei comigo, vá entender, diversos patuás dentro da mala… um retrato dela, uma jaqueta branca, a guia de Ogum que me foi dada por Luiz Antonio Simas, embrulhada num guardanapo – arrebentou dia desses em meio a um arrebatamento -, dois livros que amo e uns dez CDs que me comovem).
Consulta de quase uma hora e meia, mais da metade desse tempo com o que vos escreve aos prantos.
Salvou-me o telefonema de queridas amigas que, sabedoras da minha condição de fóbico olímpico, se ofereceram para me acompanhar (agradeci, comovido, mas era preciso que eu fosse só).
Curioso, entretanto, é que de lá saí determinado a dar essa notícia – procurei um cardiologista, dei mais um passo em direção à cabeça-pra-fora-d´água, não se preocupe, estou me cuidando – à mãe de meu compadre.
Por trás do médico – que tinha asas enormes, brancas como sua barba e seu cabelo, uma espécie de anjo de olhos claros – pairavam duas contas de mel me vigiando e me acalmando. Eram os olhos da mãe de Leo Boechat.
Saí de lá medicado e com a ligeira impressão de que não estou tão mal quanto imaginava.
Liguei, à noite – e fiquei profundamente comovido, de novo – para falar com ela, a médica que elegi (é ligeiramente desinfluente o fato de ela não poder aceitar o encargo, não sei se você, que me lê, compreende isso…). Contei sobre a consulta e cada pergunta que ela fez, cada conselho que ela deu, foi fundamental para que eu tivesse, depois da noite em claro da véspera da consulta (medo, medo, medo), uma noite de pleno descanso.
Vamos ao exames.
Até.