Doces figuras, conforme anunciei durante toda a semana passada, fomos eu, Dani e Fefê, passar o final de semana em São Paulo, sob a custódia do bom Szegeri, meu irmão, mais-que-nunca irmão do meu irmão, e o relato que farei, de toda a viagem, será certamente amplo e longo, mas incapaz de traduzir 1% das emoções que lá vivemos.
Vamos por partes, até mesmo para que eu possa falar com detalhes sobre cada um dos bares e butecos que visitamos. Na foto, de minha autoria, essa grande figura que é o Zé Szegeri e essa mulher que me embriaga com esse sorriso-maracanã alucinante (a foto estava publicada no antigo Buteco).
QUINTA-FEIRA: eu desembarquei sozinho em Congonhas às 15h20min, temperatura na casa dos 20 graus, resgatado pelo Szegeri. Zarpamos direto pro REI DAS BATIDAS, um buteco nos arredores da USP. Lá derrubamos seis ampolas de Brahma, todas geladíssimas. Iniciando a partida magistralmente, Szegeri chamou um dos garçons e pediu pasta de gorgonzola com fatias de pão francês, que não estava no cardápio. O garçom sacou no ato que Szegeri era das antigas (a iguaria não constava do cardápio desde 1995) e nos tratou a pão-de-ló. Por volta das 18h partimos pro SEM SAÍDA, onde bebemos mais duas garrafas de Brahma e uma dose da lamentável cachaça Claudionor, apresentada a mim pelo Szegeri como um néctar, mas que me pareceu mais próxima do álcool Pring, isso porque não me recordei de marca mais ordinária. Enquanto estávamos lá, a Bia telefonou. Marcamos então, para dali a meia-hora no GENÉSIO. Bia apareceu com uma amiga, Patrícia, mas já nos encontrou em estado avançado. Derrubados pelas notícias das mortes de Rosinha de Valença e Ray Charles, fomos capazes de beber dezesseis chopes na caldeireta, comprar de um vendedor de revistas todos os exemplares que o mesmo portava, pedir autógrafo pra Alaíde Costa em nome do Isaac, seu fã número um, e rumar pra casa sabe-se lá de que jeito. No chatô da gloriosa Rua Armando Brussolo, ainda mandamos pro saco duas ampolas de Brahma e, para que todos percebam o estado em que nos encontrávamos, comemos pão com ricota temperada com ervas finas, que eu detesto, mas que estava particularmente horrível. Nesse momento cheguei a temer por um convite feito pelo Szegeri para que comparecêssemos à Parada do Orgulho Gay de São Paulo, já que com ricota ninguém pode. Às 23h30min nos dirigimos para os quartos. Com a roupa do corpo.
SEXTA-FEIRA: às 9h eu já estava de pé. Encontrei o pai do Szegeri, o glorioso Zé Szegeri, na cozinha, já com seu copo de vodka com Dolly Cola à frente, cigarro aceso, rádio ligado na Jovem Pan, aquele sorriso e aquela sabedoria, nitidamente afiado e nos melhores dias. “Bom dia, Zé… não precisava o Fernando se deslocar do quarto para que eu dormisse lá…, isso é sacanagem”, disse eu para ser agradável, e ele me interrompendo: “Sacanagem eu também acho, mas o problema é dele. Se fosse o meu quarto eu não sairia”, e dito isso deu-me um abraço daqueles. Percebi que ele estava nos cascos. Mas era apenas o início. Fernando levantou-se, bebemos umas duas cervejas e Zé começou a preparar a moela para mais tarde. Saímos de casa por volta das 11h e fomos pro BAR DO CLÁUDIO, outro buteco onde o Szegeri joga em casa. Fui apresentado aos donos, pai e filho, “seu” Lourenço e o Cláudio. Têm, os dois, orgulho do bar, que fica numa agradabilíssima esquina, e que comandam com esmerado talento há quase 50 anos. Azulejos cor de rosa nas paredes, um balcão raríssimo de se ver todo em mármore, alto, vitrines de vidro, e a cerveja (foram seis) estava polar. Szegeri sugeriu que comêssemos o bolinho de carne do “seu” Lourenço. E que bolinho, que bolinho! Devastamos os quatro que vieram à mesa. Fritos, têm no interior, bem no miolo, pimentão e cebola, e comidos com pimenta são um verdadeiro tesouro. Mantendo minha tradição que começou em SP no Bar Léo (cujo canapé reproduzi no Buteco do Edu), chamamos o Cláudio à mesa para nos dar a receita. Patati, patatá, coisa e tal, decorei tudo. Na hora da despedida, Cláudio chamou o pai, que estava na cozinha, e disse a ele que éramos mais dois a sair do bar com sua receita. “Seu” Lourenço mandou aquele sorriso com legenda: “Tentem fazer, vocês jamais vão conseguir”. Eu lhe repeti a receita, ele fez um ou outro ajuste e quero dizer, que o Szegeri seja meu portador, que servirei o bolinho aqui no Buteco do Edu com o nome em homenagem a um homem que foi capaz de recusar uma fortuna oferecida por um banqueiro paulista em troca do balcão do buteco dizendo “se o senhor gostou muito, saiba que está falando com alguém que gosta bem mais que o senhor”. Em breve, portanto, ao lado do Canapé do Léo, servirei o Bolinho Lourenço. Partimos daquele grande lugar às 15h em direção ao aeroporto para resgatarmos duas das maiores paixões da minha vida: Dani e Fefê. Quarteto formado, partimos pro BAR LÉO com um objetivo definido: mostrar pros dois que o Canapé do Léo servido no Buteco do Edu é muito, mas muito superior ao “original”, caso clássico de criatura dando olé no criador. Para que você tenham uma idéia da sede de anteontem trazida na bagagem dos dois, ficamos no Bar Léo das 17h às 20h e lá bebemos cinqüenta e cinco chopes, uma dose de schnap (aguardente alemã), comemos bolinhos de carne (que não fizeram nem cócegas no bolinho do “seu” Lourenço), canapés e um sanduba apenas razoável, gerando uma conta de R$200,00. Bom começo. Fomos pra casa onde o grande Zé nos aguardava com a moela (e o décimo sexto copo de vodka, agora com caju), que cheirava desde a Marginal. Bebemos algumas garrafas acompanhando a moela magistral. Roupas trocadas e partimos pro Espaço CUCA, onde o Szegeri e a Railídia comandam uma roda de samba das 23h30min às 4h30min. O bar que abastece a rapaziada é comandado pelo Zé, que prosseguiu bebendo sua vodka ininterruptamente. Lá conhecemos Dani Boaventura, algumas de suas amigas, Fefê dormiu solenemente a partir das 2h (efeitos da despressurização do avião), e partimos às 5h, depois de pagar a despesa pro Zé com um cheque meu (detalhe que fará sentido mais à frente). Szegeri, nos homenageando, mandou sambas da Vila Isabel e do Salgueiro, e Railídia, também num lance lindíssimo, cantou “Saudades da Guanabara” para “três cariocas queridos que estão aqui”. Antes de irmos embora, Dani perguntou à Rai onde ela comprara o xale que vestia. Sem pensar, Railídia pôs o xale nos ombros da Dani, quando Szegeri mandou mais um apelido que já pegou: “Railídia, a Buba do Pará”! Sem condições de dirigir, Szegeri entregou a direção ao pai. Em casa, algumas doses de Rum cubano, uma ou outra Brahma, e às 7h estávamos todos acomodados.
SÁBADO: sem dúvida, o grande clássico do final de semana aconteceu no sábado, se bem que no domingo o jogo foi de arrepiar como vocês verão. Acordamos todos ao meio-dia. Zé, impassível na cozinha, já estava no quinto copo de vodka, dessa vez com suco de laranja. Uma máquina, o velho Zé. Partimos todos pro PIRAJÁ, o buteco que se orgulha de ficar na “esquina carioca” de SP (todos não… o Zé ficou em casa fazendo o de sempre). Trata-se de uma solene bobagem, mas os cuidados que cercam o bar fazem dele, sem sombra de dúvida, uma boa pedida. Nas paredes, os manuscritos de “O Bêbado e a Equilibrista” e “Som de Prata”, respectivamente letras de Aldir Blanc e Paulo César Pinheiro, fotos de cariocas ilustres, a bandeira do Salgueiro, o cardápio do Zicartola, um Rio de Janeiro em documentos escorrendo pelo chão. Derrubamos 23 caldeiretas e não comemos nada já que passamos antes numa padaria. Partimos de lá às 17h para deixar a Dani no teatro onde assistiria a uma peça com o Sérgio Barreto, que estava em SP, e que bateu um bolão como se verá. Durante a peça, eu, Fefê e Szegeri fomos a dois butecos. No primeiro, ALMEIDA´S, comemos vaca atolada e bebemos quatro cervejas. Szegeri, tentando me desmoralizar, serviu Claudionor pro Fefê que a comparou a água-raz, para meu delírio. De lá fomos pro PORTELLA, que serve comida baiana, e onde batemos um arrumadinho com mais cerveja. Buscamos Dani e Sérgio e fomos pro AMIGO LEAL, uma dissidência, digamos assim, do Bar Léo. Ali, no AMIGO LEAL, o ápice. Sérgio Barreto, batendo, como disse, um bolão, mandou pra dentro quatro caipirinhas e duas doses de cachaça, pra delírio do Szegeri, que o achou uma grande aquisição. Dani, a mulher que me ensinou a sorrir, bebeu com elegância sem perder o prumo ou o rumo, e quem apareceu no meio da noite, convocada pelo Szegeri, foi a Dani Boaventura. Vamos a alguns lances da partida. É preciso dizer, antes, que o bar parou pra assistir nossa performance. Sabe-se lá por qual razão, o assunto descambou para o esdrúxulo do dia-a-dia. Dani Boaventura, médica, contou a seguinte pérola, em resumo: “Outro dia lá no hospital, chegou uma mulher com um rotweiller entalado dentro dela”. Indagada sobre mais detalhes, Dani prosseguiu: “É que o cão, quando cruza, tem o pênis inchado para o encaixe perfeito na cadela… hummm… nesse caso, na parceira… e… só desincha quando ele ejacula.” Fefê, numa folha-seca: “Porra, a mulher devia ser uma merda. Nem o rotweiller gozou!”. Urros e ganidos pelo bar, eu guinchando no chão. Sérgio Barreto, animado com o número, contava piadas deixando a patuléia sem ar. Veio à tona o assunto padrinhos, afilhados, esses troços. Szegeri pede a palavra: “Quero lhes dizer (olhos marejados) que o atestado maior do meu fracasso pessoal é que nunca ninguém me deu um filho para apadrinhar.”. Fefê, de letra: “Quero me comprometer… quando eu tiver um filho você será o padrinho dele!”. Os dois se abraçaram chorando enquanto o Szegeri urrava “eu sei que é mentira, mas isso foi lindo!”. Aproveitando o ensejo da data, Dani Boaventura sacou da bolsa um presente pro Szegeri. Um livro sobre o Pará, com dedicatória que li em voz alta. Num rompante inexplicável, passei o livro de mão em mão, e todos escreveram declarações de amor pungentes pro Szegeri. Sérgio, por exemplo, convidou Szegeri para conhecer a Tetê e sua comida. Fefê escreveu e assinou o que jurara minutos antes oralmente. E Dani Boaventura não compreendendo nada daquilo. Um pequeno detalhe: quem conhece o Sérgio já se familiarizou com um estranho hábito do cara, a auto-imolação. Ele, quando ri, tem a bizarra mania de espancar-se a si próprio. Empolgados e num movimento coletivo sem nenhuma explicação plausível, todos os seis componentes da mesa, para espanto visível de garçons e clientes, em diversos momentos da noite, se espancavam de maneira torpe. E deixamos o AMIGO LEAL às 23h, deixando pra trás 42 chopes, algumas caipirinhas, doses de cachaça e canapés. Em direção à pizzaria BRÁS. Lá, figuras, um equívoco. Eu e Szegeri, encrenqueiros de mão cheia, tentamos armar um pequeno levante sem-bandeira, sem êxito, já que os mais sóbrios nos convenceram de que estávamos sem nenhuma razão. Mas um lance há de ficar pra história: Dani deixou cair no chão um pedaço de pizza (maravilhosa, por sinal). Com um guardanapo a recolheu e fez uma bola uniforme com a pizza e o guardanapo de papel. Sérgio Barreto: “Cadê a pizza que estava aqui no chão?”. E a Dani: “Tá aqui, Sérgio, já peguei.”. “Deixa eu ver”, disse o Sérgio. E para espanto de todos, Sérgio comeu a primeira almôndega de pizza de que se tem notícia. Com papel. Partimos às 2h, e em casa nos abastacemos de mais Rum e Old Parr, e fomos deitar perto das 4h. É preciso dizer que Exu-Meliante baixou no Sérgio durante a noite.
DOMINGO: doces figuras, mais surpresas nos aguardavam no último dia. Às 11h estávamos de pé. Zé, na cozinha, já sorvia desde às 7h, sua vodka com uva. Decidimos que iríamos visitar a Railídia para que Fefê e Dani pudessem conhecer a Iara, filhota do Szegeri e da Rai, uma coisinha doce que atesta, de cara, a origem que tem. Dessa vez Zé foi conosco. Lá chegando, Rai, que não cabe em si de tanta doçura e generosidade, levou-nos ao fogão onde nos aguardava um panelão de frango no tucupi. Fefê decidiu mostrar um de seus talentos e preparou litros e litros de capivodka de folha de tangerina, detonando uma garrafa inteira de Smirnoff, e valendo-se da tangerineira frondosa no quintal da casa da Rai. Ela, que é conhecida como a “cachaceira da Barra Funda”, serviu-nos da Maré Alta, de Paraty. Garrafas e garrafas de Brahma foram saqueadas da geladeira. Bebemos tanto que em determinado momento eu poderia jurar que vi uma samambaia num xaxim andando pela casa. Dani, enternecendo meu coração baleado pelas 72h de maratona, brincava no sofá da sala com a doce Iara. Partimos às 13h30min para deixar Dani no aeroporto. A Sorriso-Maracanã, com carradas de razão, não iria nos acompanhar até a madrugada, quando partiríamos eu e Fefê, de ônibus. Para começar a sessão despedida, emocionante, Zé me entregou o cheque com que lhe pagara na sexta-feira a despesa da roda de samba escrito no verso: “Dani, Edu e Fefê, a presença de vocês vale muito mais do que um pedaço de papel. Amigo Zé.”. Coisa de cracaço. E Dani partiu, deixando saudades, eu sou um incorrigível, e já choramingava sua falta em meia-hora, quando tomei um esporro do Szegeri. Fomos beber (por que dizer isso de novo?) no FUAD, um buteco também de esquina, mas o frio, na casa dos 10 graus, e o vento, nos expulsaram na quarta cerveja. Fomos então pro PÉ PRA FORA. Recebidos pelo Claudão, misto de gerente e mestre-de-cerimônias, bebemos caipivodka mista, batida de côco, Fefê derrubou três doses cavalares de Macieira (uma delas de cortesia), cerveja Brahma, Bohemia preta, Bohemia de trigo, e Claudão fechou o bar uma hora e meia depois do previsto, com muita classe, presenteando a mim e ao Fefê com dois lindos copos de cerveja. Ali choramos de novo pela graça de estarmos juntos, Zé chorou (segundo Szegeri pela segunda vez na vida) de saudades, Fefê jogava feito Maradona, comemos coxinha de galinha, empada de palmito, torresmo, e fomos pra casa. Para espanto nosso, Zé prontificou-se a fazer uma dobradinha. Eu, Fefê e Szegeri bebíamos e chorávamos na sala, Rum, Old Parr, cerveja, ouvimos discos de vinil e Fefê chorou só por causa do chiado que não se ouve mais. Juramos amor eterno ao que amamos, espancamos seres imaginários que detestamos, quando fomos chamados à cozinha pelo Zé, com a comida pronta. A dobradinha estava divina, mas devido ao alto grau em que se encontrava o cozinheiro, o arroz mais se assemelhava, na aparência e na textura, a um prato de Cremogema. Partimos em direção à rodoviária. Fefê e Zé foram no trajeto trocando pequenas gentilezas impublicáveis, para delírio do Szegeri, que repetia, “eles se amaram!”. Quando chegamos no estacionamento da rodoviária, Fefê viu um Lincoln estacionado e ameaçou destruí-lo. Foi detido pelo sábio Zé, já que eu e Szegeri armávamos ajuda para o saque.
Enfim, figuras, é, seguramente, o mais longo texto do BUTECO. Mas que fique como registro de um final de semana antológico. Registro, quero repetir, incapaz de transmitir o que somente quem lá esteve sabe.
Até.