Arquivo do mês: dezembro 2011

E QUE VENHA 2012

Eis que vem chegando ao fim o ano de 2011, o ano mais marcante de toda minha vida. O ano em que o nove de julho foi um divisor profundo de águas, na medida em que foi nesse dia que minha menina, a mulher que me ensinou a sorrir, desapareceu pra sempre, como lhes contei, dolorosamente, na madrugada mais triste de meus pouco mais de 42 anos, aqui.

Quando escrevi o último texto do ano de 2010, Final de ano, aqui, desejei a todos um ano-manguaça (leiam o texto indicado pra que vocês entendam ano-manguaça) e registrei o seguinte:

“2010 não foi, como não tem sido a vida, um ano tranqüilo. A situação que enfrento intramuros é capaz de estabelecer um permanente desafio que – é como penso – exige de mim a exata medida entre o medo e a esperança, entre a angústia e o ânimo, entre o ateísmo e a fé, entre o branco e o preto, entre o fogo e a tempestade, entre a baunilha e o sal. Mais que nunca, e tem sido assim a cada dia que passo, valho-me da lição de um de meus mestres e a cada tristeza ergo o meu copo ao humor – essa é a grandeza que o samba me ensinou.”

Eis que 2011 não foi, também, um ano tranqüilo. Tive um Carnaval absolutamente atípico por conta do estado de saúde da Dani – leiam Carnaval – Exortação à morte por 3 diasaqui. Enfrentei, poucas semanas depois, o primeiro sete de abril sem minha avó – leiam Vovó faz anos amanhãaqui. No dia 18 de maio, o que me foi profundamente doído, fui obrigado, por amor, a expôr pela primeira vez, de forma direta e sem qualquer pudor, aqui no blog, a fragilidade de minha menina, que naquele momento necessitava urgentemente de sangue por conta de debilidades físicas que já me apontavam para o pior – leiam Carta aberta aos meus, aqui, com 134 comentários até o momento, demonstrando o quanto de carinho me (nos) cercava o tempo todo, tendo sido absolutamente exitosa a campanha pela doação. Até que veio julho e com ele o pior, pelo qual eu já temia: eu perdi minha menina e me vi, de uma hora pra outra, só, absolutamente só, sem saber fazer rigorosamente nada sozinho, tendo sido obrigado (o que faço até agora, com a tenacidade de uma criança) a começar a reaprender a viver.

Eu disse que me vi “só, absolutamente só”, mas preciso fazer a ressalva: o que não me faltou foi gente por perto disposta a me oferecer colo, mãos, cafuné, festinha no rosto, gente que me mostrou, de uma forma absolutamente avassaladora, a força do amor como regeneradora, revigorante e motriz para que eu seguisse em frente, ainda que moído pela mais cortante dor possível. Se me foi imprescindível, quase sempre, o estar-só (mesmo!, em estado bruto) como único meio capaz de me fazer compreender a (nova) situação, me foi reconfortante demais saber que há tanta gente querida por perto, sempre pronta para o exercício da comunhão e da arte do encontro e do convívio.

Sei que seria (e será) impossível nomear um por um, agradecer de forma explícita, escancarada, a todos aqueles que me foram, nem que por um momento, imprescindíveis e fundamentais. Faço questão, entretanto, de encarar o desafio – e por isso peço perdão, o mais sincero, se por qualquer razão eu me esquecer de alguém (o que, inevitavelmente, irá acontecer). Como eu escrevo em velocidade mediúnica, sem muito pensar e sem me preocupar com isso ou com aquilo, não vou também seguir qualquer ordem (nem a costumeira alfabética, evitando quase sempre ferir suscetibilidades) para fazer minhas citações, meus agradecimentos. Quem ditará essa ordem, como quase sempre acontece na minha vida, serão as emoções que virão à tona conforme o desenrolar do filme que foi o ano de 2011.

Agradeço, precipuamente, a meus pais, Isaac e Mariazinha, a quem também aproveito para me desculpar pelo inevitável afastamento, fruto de um sem-fim de questionamentos e de necessidades prementes que caíram, de uma hora pra outra, no meu colo. Foram, os dois, desde sempre, um pouco pais da Dani também. Mamãe a tinha como uma filha, e eu vi meu pai chorar, acho que pela primeira vez na vida, de forma intensa, na triste manhã de 10 de julho, em Volta Redonda, durante o enterro do sorriso mais bonito que o mundo jamais voltará a ver.

A meus irmãos, Fernando e Cristiano, de quem, embora também afastado por inevitabilidades da engrenagem do momento, me reaproximei pelo viés da dor. Também a Lina, minha cunhada (a quem invariavelmente me refiro como minha nora, o que diz muito do que vai em mim), dona dos mais tristes olhos que jamais vi, de quem eu sempre soube extrair a ternura que, quando necessário, me confortou.

A Sonia, mãe da Marcela e do André, e também a eles, incansáveis na arte de dar-colo. A Sonia foi, durante anos, durante o tempo da doença (como também meu pai, como também meu sogro), muitas vezes as pernas e os braços da minha menina, pra lá e pra cá com ela; a Marcelinha jamais – jamais! – me deixou sozinho (ainda cuida de mim com o zelo de uma irmã mais velha, embora mais nova que eu) e o André foi a compreensão em forma de silêncio, até que desabamos, um diante do outro, dia desses, num final de noite. Eu nunca vou me esquecer, André, daquele carinho no rosto a me enxugar as lágrimas que corriam dos meus olhos que não se cansam de chorar.

Às minhas irmãs-amadas, Betinha e Stefânia, a quem tantas vezes recorri – e que também jamais me faltaram. A Betinha (e o Flavinho!), mãe da Isabel (leiam, aqui, Nos braços de Isabel), esteve sempre que pode com minha menina, inclusive a poucas horas do nove de julho, e a Stefânia soube, com a força impressionante que carrega dentro de si (é uma das mulheres mais impactantes que já conheci), superar os quase 500 quilômetros que separam o Rio de São Paulo pra estar do nosso lado. Obrigado, amadas.

Falar em distância é lembrar da Inês, amiga querida que hoje mora em NY, que prestou comovente homenagem a Dani no dia 15 de outubro, vejam aqui. Inesquecíveis, querida, nossas conversas emocionadas através do Skype. É lembrar de seus pais, Próspero e Cidália, de Setúbal, em Portugal, sempre atenciosos conosco em busca de notícias e nos instantes em que algum conforto era imperioso. Assim como a Eduarda, irmã da Inês, também de Setúbal, sempre capaz de uma mensagem-cafuné. É lembrar da Glória, queridíssima, de Natal, RN, ela que ocupa – ela sabe, ela sabe! – um especial espaço no meu coração e na minha alma. É lembrar do Alfredo, de Manaus, AM, incansável nas demonstrações de carinho e de afeto. Obrigado, manauara, por cada uma de suas lembranças. É lembrar do Vavo, um dos mais-amados da Dani, que nunca deixou de ser explícito na exposição de sua saudade. É lembrar de meu irmão, Fernando Szegeri, o homem da barba amazônica, que detém o segredo de estar ao meu lado mesmo estando longe. Nunca me esquecerei do momento em que ele, ao lado da Railídia, minha comadre, cantou Raio de Luar pra minha menina, ao lado do caixão, poucos minutos antes do enterro. Nem da homenagem, lindíssima, que prestaram a ela, os dois (e os Inimigos do Batente), mostrada aqui, cantando o mesmo samba, que virou, pra sempre, sinônimo de Dani Sorriso Maracanã. A meu irmão Bruno Ribeiro, de Campinas, que sempre me trouxe serenidade – uma de suas mais bonitas marcas – justo quando a serenidade parecia me faltar. E à minha irmã-em-szegeri, Paula, tão doce comigo quando nos reencontramos, depois de anos, em São Paulo – percebo seus afagos do Rio, querida, vindos da tão distante Itália…

Como não agradecer, também, aos arquitetos da minha menina? A Íris, minha sogra, guerreira incansável acompanhando a filha até o último minuto, ao Wlader, meu sogro, minha mais profunda gratidão: vocês fizeram a mulher mais bonita do mundo! Aos meus cunhados Magali e Marcelo, a quem nem tenho palavras para agradecer por tudo o que representaram na vida da Dani e a quem – acho – já disse tudo o que tinha a dizer. Também ao Ricardo, marido da Magali, um soldado (ele, que também é médico, como ela) a serviço do melhor pra minha garota.

A um de meus orixás vivos, Aldir Blanc, meu amigo e meu irmão, que segurou todas as minhas petecas, todas as minhas broncas, e ele – e só ele! – sabe que não foram poucas as vezes em que a ele recorri, sendo que nunca – com a ênfase szegeriana – me foi negada a mão estendida e a palavra certa pra cada um dos momentos de sufoco. Obrigado, Aldir – do fundo do fundo do meu combalido coração, hoje tratado pelo seu cardiologista!

Vamos a mais moças, que as moças são importantes: a Leonor Macedo, meu profundo e, por tantas razões, envergonhado agradecimento, ela que me trouxe a conta certa entre a baunilha e o sal no meu tempo mais amargo. Obrigado, Lelê, por ter me dado de presente uma caixa de lápis de cor quando eu só enxergava o negro do nanquim diante de mim. E acredite: se me fosse permitido, daria a você o jardim do Aconchego Carioca como forma de lhe pedir desculpas por cada pisada de bola. Obrigado, Rosemarí, pelo pouco que houve, o suficiente para tê-la em mim em forma de lembranças, as melhores. Obrigado, Grazi, por cada abraço, por cada beijo, por cada momento – guardados em mim como um tesouro de grande valia. Obrigado, Flavinha, meu mais emocionado agradecimento pelas surpresas e pelas novidades que eu vou, vou!, incorporar à minha vida – e eu creio que lhe digo, com freqüência, o que preciso e devo lhe dizer. Até o Carnaval, Morena! Muito obrigado, Sylvia, pelos mais lindos e-mails, pelas mais cortantes mensagens, que nos irmanam por conta das palavras ditas, as mais bonitas, e que me trouxeram e me trazem sempre a obrigação de agradecer à vida por nosso encontro. Obrigado, Alessandra, a quem dediquei, em segredo, o texto É demais para o meu coração, aqui. Nunca, mesmo, me esquecerei daquele sábado enlouquecedor na quadra da Unidos de Vila Isabel – você me salvou naquela noite. Obrigado, Candinha, comadre querida (comadre!!!!!), por trazer tanta candura à minha vida e à vida da minha menina… nunca me esquecerei de cada gesto seu, de cada olhar embaçado e emocionado em minha direção… Meu muito obrigado a Olga, que também me manda e-mails tão bonitos, tão emocionados, muito obrigado, querida! A Renata (e ao Edu!), uma moça que é muito a minha cara, tão querida, tão terna, e que me ofereceu, quando mais precisei, as mais doces palavras que eu nem sei se mereci… A Flavinha, minha anã preferida, que não me negou o socorro num dos meus dias de maior sufoco. Não me esquecerei, igualmente não me esquecerei, daquela cerveja no Rio-Brasília, querida, nem que eu viva mais duzentos anos… A Juju e a Rob, presenças mais-recentes, de certa forma constantes, sorrisos que me comovem pelo que trazem de boniteza e de birita… A Sudbrack, que me emocionou de forma aguda com a homenagem que prestou à minha garota no dia que seria o dia de seus quarenta anos, vejam aqui. À minha querida Aurea, a quem compreendi mais que nunca depois do nove de julho… obrigado, querida, por cada palavra sua. E também a Ju Freitas, grata surpresa que o mundo virtual tornou real, como tantas outras gratas surpresas do mesmo gênero, que me emocionou profundamente com as flores e o cartão que me mandou no dia que seria o dia dos 40 anos da Dani… Um beijo, Ju, o mais carinhoso! E também meu agradecimento a Thaís, cunhada da Dani, mulher do Marcelo, em quem minha menina depositou tanta confiança e a quem Dani dedicou um amor que trago também dentro do peito, até hoje. Obrigado, querida, por cada presença sua. E também a Ana Paula (e ao Dan), que floriram os últimos meses da minha Dani, semanalmente, com os mais lindos cartões, presentes em todos os momentos importantes dessa caminhada tão dura… muito menos dura por conta de gente como eles. Obrigado, Ana, obrigado, Dan.

Os caras, os meus caras… Obrigado, Felipinho, irmão na mais ampla acepção da palavra, meu vizinho, companheiro de copo em diversas noites, um dos mais-mais da Dani, a quem ele – obrigado, meu irmão! – ofereceu, ao longo do tempo, diversos arranjos de diversas flores, sempre acompanhados dos mais francos cartões e dizeres, bem à sua moda. A Luiz Antonio Simas, mestre, irmão, agora meu compadre!, que foi meu parceiro incansável nas tantas e tantas noites passadas em claro no hospital, quando a você, meu compadre, eu recorri em busca do abraço e do malte. Também a esse maiúsculo, incansável, outro mano que a vida me deu, Leo Boechat, meu confessor, detentor de meus segredos, parceiro de tantos e tantos balcões da cidade, sempre disposto a me oferecer o ombro e o conforto que o dia-a-dia me negava; obrigado, meu compadre, você me foi e me é imprescindível. A Rodrigo Macedo, pelo pouco e pelo tanto. Ao Lucas, que ainda há de compreender o bem que me fez. Ao Neco, amigo de infância da minha menina, mais próximo de mim do que nunca, meu muito obrigado por cada telefonema e por cada encontro… Ao Sergio Barreto, fidelíssimo amigo da Dani, criador do Prêmio Danielli Pureza (vejam aqui), com quem bebi, ontem, no Bar Urca, numa das paisagens preferidas da minha menina, quando choramos o que não choramos desde julho juntos… Obrigado, querido, você que é responsável também pela eternidade da mais bonita mulher que o mundo jamais viu. E meu obrigado ao Alex, que depois de receber um telefonema meu em plena madrugada, acelerou meu encontro com o Sergio, eis que evitávamos, como modo de sobrevivência, nosso olho-no-olho. Meu muito obrigado, também, ao Cheval, boa surpresa desse ano que termina, um craque na injeção de ânimo, grande aquisição pro ano que chega. E ao Dudu, meu xará, um baixinho que gigante que, numa madrugada passada diante do balcão do Sat´s, em Copacabana, segurou minhas pontas quando eu parecia querer desistir.

Meus afilhados, minhas afilhadas… Especialmente ao Benjamin, filhote do Simas e da Candinha, eu que sou seu padrinho-de-rua, ele que tanto entreteve, sem saber, as últimas semanas da minha menina… Especialmente a Helena, filhota do Leo e da Renata, que quando me chama – Dudu… – me derrete. Especialmente a Milena, filhota da Mariana, ternura em forma de menina, já quase uma mulher, que me derruba sempre que me oferece as mãos e os olhos como apoio… Especialmente a Iara, filhota do Fernando e da Railídia, que quase-me-matou quando publicou sua homenagem à dinda em seu blog, aqui… Especialmente ao Henrique, meu sobrinho, meu afilhado, meu filho!!!!!, a quem sempre dei (e dou) o melhor que pude… Obrigado, moleque, por você ser quem é e por fazer parte da minha vida. E, por fim, igualmente especialmente, a Maria Helena e Ana Clara, esta última minha (nossa…) afilhada, filhas da Magali e do Ricardo, tão novinhas – 11 e 09 anos -, já apresentadas à perda, tão fundamentais para que eu prossiga em frente, e bem.

Um capítulo à parte… Quem me lê sabe que há sei-lá-quantos domingos fazemos as domingueiras no jardim do Aconchego Carioca. Meu mais profundo agradecimento a Katia e a Rosa, donas do pedaço, pelos colos, pelos papos, pelas cervejas e pelas mais gostosas comidas da cidade. Tenho dito com freqüência pra Katia que minhas semanas só foram possíveis e viáveis a partir do sustentáculo do bem-querer que as domingueiras me trouxeram. Aconchego é aquilo, e só quem ganha um abraço da Katita sabe do que estou falando… Também a Bia, a maior criação da Katita (com a licença do Guto!), meu muito obrigado, moça! Prometo manter o fornecimento de cerejas durante as manhãs dos domingos… Ao timaço que trabalha lá, Diogo (meu mais-velho!), Maurício, Otávio, Pedrão e Rafael – todos vocês foram grandes comigo, parceiros!, recebam meu muito obrigado e minha gratidão!

E por fim, ao Mello Menezes – e vou fazer breve relato pra vocês entenderem o porquê dessa especialíssima menção…

Desde nosso primeiro Carnaval juntos, no ano 2000, eu e Dani, junto com os Zampronha (André, Marcela e Sonia), organizamos o que chamamos de Feijoada da Apuração, que acontece na Mansão dos Zampronha, no Alto da Boa Vista, na Quarta-Feira de Cinzas. Para que possamos assistir juntos, torcendo, à apuração das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, organizamos, de 2000 a 2011, o tal furdunço. Veio julho, Dani desapareceu, e a Sonia – justificadamente… – decretou o fim da feijoada.

Acontece, meus poucos mas fiéis leitores, que a Dani sempre foi pela festa, pela congregação, pela alegria, pela vida, e ela era, sobretudo, uma carnavalesca na mais ampla acepção da palavra. Não foi difícil reverter a decisão da Sonia… Vamos, pois, na Quarta-Feira de Cinzas de 2012, no dia 22 de fevereiro, organizar a Feijoada da Dani!!!!! E como a Dani tinha verdadeira adoração pelo Mello Menezes, querido nosso, e por seu traço (conheça mais sobre seus trabalhos, aqui), resolvi pedir a ele que desenhasse uma ilustração para fazermos uma camiseta para usarmos na feijoada. O Mello, então, mandou-me de presente a Dani em estado bruto… E ainda me emocionou, brutalmente, quando eu liguei pra agradecer… Disse-me ele:

– Tentei fazer a Dani o mais colorida possível, Edu, pra retratar toda aquela alegria que ela representava… Mas havia cores, Edu, que só a Dani tinha…

Absoluta verdade.

O que desejo a todos vocês que me lêem, citados ou não (tarefa impossível citar todos os que me emocionaram ao longo de 2011, como já lhes disse…), é um ano de 2012 tão colorido quanto o desenho do Mello, tão bonito e iluminado como o sorriso da minha Sorriso Maracanã, verdadeiro clarão de lua que se insinua pelos caminhos onde vou. E que possamos, tanto quanto fizemos (ao menos os meus) em 2011, ainda que sob a égide da dor, erguer muitas vezes o copo ao humor.

Até.

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O MENINO BENJAMIN

Quando escrevi o texto que publiquei anteontem, lhes contei:

“(…) e fechando a semana de beleza intensa, outra notícia de me-derrubar: Luiz Antonio Simas e Candinha, pais do pequeno Benjamin, deram-me a incumbência de apadrinhar o moleque, o que me fez chorar quase o dia inteiro ontem. Eu não tenho mais, disse isso a eles, a coisa mais bonita que eu sempre pude oferecer aos meus afilhados, que é a dinda… Mas serei, lá vai mais uma certeza, o melhor padrinho do mundo pro garoto. A vocês, meus irmãos Simas e Candinha, minha gratidão, meu respeito e minha emoção mais pura.”

E talvez não tenha sido preciso do início ao fim pela primeira vez – explico.

A incumbência que me foi dada – a de ser padrinho do moleque – tem uma peculiaridade que ainda não lhes contei: eu serei, segundo me foi dito, o padrinho de rua do garoto, ou, como também me disse o pai, seu padrinho de carioquismo – e ambos os títulos me comovem sobremaneira. A cerimônia de batismo, absolutamente ecumênica e carioca, sincrética e simples, será no Aconchego Carioca, quintal de tantas domingueiras – na Tijuca, é claro.

Mal sabem os pais, entretanto – ou sabem… e é claro que sabem, eles que são dois craques, sensíveis da sola dos chinelos à raiz dos cabelos (no caso do pai, dos poucos que lhe restam…) – que esse presente que acabam de me dar, que é a honra de apadrinhar o menino, me chega num momento em que vivo absolutamente só e sem nada – é como me sinto. Quase seis meses depois do desaparecimento da Dani ainda não (re)aprendi a viver.

E é assim, eis a confissão que quero lhes fazer nessa manhã de Natal, eis a confissão que faço a Candinha e a Luiz Antonio Simas, que recebo o pequeno Benjamin: com a alma renovada pela gargalhada do menino, com a mesma disposição que ele tem, aos nove meses, de, engatinhando, engatilhar as pernas e os joelhos em busca do primeiro passo. Benjamin, filho de Exu, por Exu protegido – foi o que disse o Ifá – há de ter, no padrinho de rua, filho de Ogum como seu pai, um padrinho dedicado que, de certa forma, nasce e cresce junto com ele.

Como se não bastasse seu pai, um brasileiro máximo, um carioca apaixonado por São Sebastião do Rio de Janeiro, como se não bastasse a mãe, a candura e a dedicação em pessoa, Benjamin terá do dindo o que, sei, seus pais esperam. No que depender de mim, Benjamin saberá, desde tenra idade, que tenra também é nossa terra e tenro também é nosso chão. Saberá respeitar os mais-velhos, os cabeça-branca, saberá que nascemos e vivemos numa cidade e num país moldados pelas mãos calejadas de tanto bater tambor, de tanto cortar cana-de-açúcar, numa cidade que guarda nas pedras pisadas do cais o monumento de nossa alma tantas vezes fustigada e lanhada pelo chicote do feitor. Benjamin caminhará pelas ruas como quem samba, bordejará como um choro do Pixinguinha, saberá driblar as agruras da vida como nos ensinou, a todos, o Anjo das Pernas Tortas. Benjamin, filho de Exu e por ele protegido, reconhecerá em mim o irmão de fé de seu próprio pai, e eu serei, como me ensinaram os mais-velhos, o padrinho (o pai-pequeno) que ele sonhou antes de voltar à Terra. Benjamin há de saber quem foi o Velho Lua, há de se orgulhar de ser bisneto de Luiz Grosso a quem nem eu mesmo conheci, mas a quem reconheci, desde o primeiro encontro, nos olhos claros de seu pai de sangue. Benjamin há de saber do jongo, do candomblé, da umbanda, da macumba e do xambá, e há de sorrir – eu sei que ele vai sorrir! – quando der de frente com o São Jorge, com o Ogum que guarda minha casa e que guardou, durante muitos anos, o congá de sua bisavó, nos terreiros de encantaria que foram o quintal de seu pai. Há de respeitar, o menino Benjamin, as árvores e os rios, a pedrinha miudinha, o tempo quieto e as mais violentas ventanias. Benjamin há, no que depender de mim, de louvar, permanentemente, nossa ancestralidade, os orixás e os encantados.

Benjamin, que já hoje vive mais à vontade na rua do que em casa, há de respeitar as esquinas e gostar de futebol. Há de, como seu pai Exu, entender que o branco e o preto, que a dor e a alegria, que a claridade e o breu, são tênues diferenças que só os mais sabidos compreendem.

Benjamin há de saber da Dani, minha menina, ela também comadre de seus pais, e vai entender que muito do que vai em mim foi por ela plantado e é por ela, pela saudade que ela deixou, mantido. Há de entender, o homem Benjamin, que as mulheres são tudo e que não somos nada…

Há de ser, como são seus pais, um brasileiro máximo. E cresceremos muito, e cresceremos juntos, e seremos, também, irmãos de fé.

De novo, mais uma vez, minha mais profunda gratidão a Candinha e a Luiz Antonio Simas. Vocês, meus amados irmãos, me salvam.

Até.

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DANIELLI PUREZA, UM PRÊMIO

Vira-e-mexe digo pra mim mesmo a frase com que um de meus orixás vivos, Aldir Blanc, encerrou uma de suas cartas dirigidas ao jornalista Arthur Dapieve, aqui: “Milhões e milhões de pessoas vivem e morrem sem conhecer esse sentimento.”. Aldir se referia, ali, ao amor que nutre pela sua mulher, e a frase é exatamente perfeita se aplicada a mim, que vivi com minha menina, desaparecida desde 09 de julho de 2011, uma história de amor dessas que chegam a doer de tão bonitas e intensas.  Eu, que tão despudoradamente venho, desde sempre!, contando aqui as nossas (e agora minhas…) histórias, estou chegando ao fim de uma semana que me foi emocionante como há muito eu não atravessava.

Na terça-feira fui surpreendido com um e-mail que me foi enviado pelo Sergio Barreto, Diretor de Pesquisa & Desenvolvimento do Ometz Group, que (retirado daqui“opera nos segmentos de educação e comunicação. Está presente em mais de 70 municípios brasileiros e também na Argentina e EUA. Hoje, fazem parte de sua holding 15 empresas e mais de 19 mil profissionais. Com a abertura do sistema de franquias, em 2000, e a criação da Lexical, em 2003, a companhia vivenciou o maior crescimento da sua história até então. Também em 2003, a empresa inovou e abriu sua primeira unidade offshore, destinada ao ensino de inglês para funcionários de plataformas de petróleo. Em 2005, a empresa deu seu primeiro grande passo em direção ao segmento de comunicação, com a produção do longa-metragem That´s All About Fame, que compõe o material didático da Wise Up. A composição do Ometz Group como holding se deu em 2008, com a criacão e o crescimento consolidado de várias empresas e áreas do grupo. Na área educacional, o Ometz Group atua com foco em todas as classes sociais por meio de seu mix de marcas, composto por Go Getter, Wise Up, Lexical e You Move. A Wise Up é hoje líder no segmento de ensino de inglês para adultos na América Latina. Para dar respaldo aos nossos mais de 400 franqueados, o Ometz Group dispõe de três empresas, a Wise Up Franchising – franqueadora das marcas Wise Up, Lexical, You Move e Go Getter – a Sparta Consulting – que oferece às franquias soluções específicas de gestão – e o Hunting Winners, que representa hoje a solução de integração entre os profissionais que atuam nas mais de 400 unidades da rede. No âmbito da comunicação, o Ometz Group atua nos segmentos audiovisual, publicitário, editorial e de telecomunicações. A Mindset Films é a produtora do Grupo e dentre os trabalhos já realizados, estão cinco longa-metragens que compõem o material didático de nossas escolas. A Yeah! é uma agência de publicidade que atende clientes no Brasil e exterior e é também responsável pelas ações de comunicação das empresas do Ometz Group. A Skopos Editora é responsável pela criação e distribuição dos materiais didáticos das escolas de idiomas do Grupo, e o Ring One é um Contact Center que atua de forma inteligente e em tempo real.”.

Fiz questão de transcrever a descrição que consta do site da empresa justamente para que vocês possam ter exata dimensão do tamanho do grupo, do qual Dani fez parte desde que voltou ao Brasil, em 1999.

E isso – exata dimensão – é o que me dá a iniciativa que me foi anunciada por e-mail:

“Edu: A partir de 2012 todo ano vamos entregar o Prêmio Danielli Pureza para a escola que demonstrar excelência na educação e na formação de profissionais. O prêmio será entregue na Ometz Conference no dia 06 de janeiro às 15 h, em São Paulo. Gostaria que você entregasse este prêmio no ano da sua criação. É uma maneira de homenageá-la e também de ter certeza de que todas as gerações de professores e coordenadores do Ometz Group saibam da importância que ela teve na história do grupo e de seu crescimento. Com certeza ele não seria possível na área educacional sem a presença da nossa Dani. O premio terá o formato dos desenhos abstratos que a Dani fazia quando estava em reunião, refletindo sobre problemas e suas soluções. Eram desenhos abstratos que ganhavam forma à medida que a reunião caminhava. Ainda não tenho a arte final mas quando tiver te mando. Acho que sempre aprendemos coisas quando as pessoas nos deixam, foi assim com a morte do meu pai e da minha mãe – e este prêmio que levará seu nome pelo menos enquanto eu ainda estiver por aqui para entregá-lo – é uma forma de deixá-la sempre como legado, como forma de dizer sim à vida,tão apaixonada que a Dani sempre foi e é, por educação e pessoas.”

Eu, meus poucos mas fiéis leitores, não preciso, em absoluto, do que quer que seja para ter exata dimensão da mulher que foi e que é a minha garota, hoje bambeando no infinito e me deixando absolutamente perdido por aqui. Mas perceber sua grandeza, também para os outros, é uma experiência indizível, emocionante, dessas de derrubar e amolecer o mais duro dos corações (o que está longe de ser o meu caso, um derretido na mais ampla acepção da palavra).

Ontem à tarde, estando eu ancorado no balcão do Bar Rebouças, chegou-me por e-mail a arte-final do prêmio que entregarei no dia 06 de janeiro, em São Paulo. Fui, ali, diante da beleza da coisa, um homem em frangalhos tomado por uma emoção que até então eu não experimentara. Assim foi apresentada a arte-final, pela agência que a criou:

“No segundo dia da Conference, todos os coordenadores do P&D se reunirão para premiar a escola que, durante 2011, demonstrou maior comprometimento com a educação e a qualidade de ensino. Este prêmio será batizado de “Prêmio Danielli Pureza”, uma homenagem a essa que foi um grande exemplo de zelo pela qualidade dentro das unidades. Seus rabiscos abstratos e num primeiro momento sem sentido, logo tomavam forma e surpreendiam a todos, tal qual sua inexplicável alegria em meio a tantas dificuldades de saúde se vertiam em surpreendentes resultados em seu trabalho. Sempre acompanhada de seu sorriso cativante, Pureza fez do prazer de formar pessoas uma cura tão implacável, que nem o pior dos cânceres poderia detê-la. Um traço simples, puro, retrata toda a grandeza e de seu olhar. Mechas de cabelo feitos em rabisco de mão saem do topo de sua cabeça, representando o quanto sua visão ia além de qualquer debilidade física, ao longo do caminho tornam-se raízes que representam a profundidade de sua dedicação e por fim tomam a forma de mãos que escrevem, mãos que lecionam, como as de Pureza, que tinha em mãos a cura do maior câncer da humanidade: a falta de conhecimento.”.

Ora, bolas… eu, me conhecendo como eu me conheço, já antevejo como será a cerimônia de entrega do prêmio…

Eu terei – sei que terei! – a capacidade mágica, encantada, misteriosa, movido por um misto de saudade, de amor, de alegria e de orgulho, de tornar quase-sagrado o certificado, que há de levar para o(a) vencedor(a) do prêmio, em 2012 e nos demais anos seguintes, o axé, a força, a energia e a grandeza da minha menina.

Meu coração, em ligeiro descompasso, abalado e revigorado diante da beleza em estado bruto que essa iniciativa representa, há de suportar o tranco.

Até.

P.S. 1: torno público meu agradecimento e minha gratidão a esse homem que pensou na homenagem, Sergio Barreto, uma das pessoas que Dani, enquanto esteve por aqui, mais amou e admirou – amor e admiração que permanecem, tenho certeza -, a Flávio Augusto, Presidente do Ometz Group, que com Dani conviveu, profissionalmente, por mais de 12 anos, e a cada um dos funcionários que, também tenho certeza, vibram diante da justíssima lembrança que a eterniza, também, entre eles;

P.S. 2: se você quiser ver e ouvir o Sergio Barreto apresentando, conversando e entrevistando a dona do sorriso mais bonito do mundo, assista isso aqui;

P.S. 3: no dia seguinte ao que recebi tão bonita notícia, o artista plástico Mello Menezes enviou-me um desenho da Dani absolutamente genial, igualmente emocionante, e sobre ele – seu fim! – falarei mais adiante;

P.S. 4: e fechando a semana de beleza intensa, outra notícia de me-derrubar: Luiz Antonio Simas e Candinha, pais do pequeno Benjamin, deram-me a incumbência de apadrinhar o moleque, o que me fez chorar quase o dia inteiro ontem. Eu não tenho mais, disse isso a eles, a coisa mais bonita que eu sempre pude oferecer aos meus afilhados, que é a dinda… Mas serei, lá vai mais uma certeza, o melhor padrinho do mundo pro garoto. A vocês, meus irmãos Simas e Candinha, minha gratidão, meu respeito e minha emoção mais pura.

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A ÚLTIMA FOTO DO ÚLTIMO RÉVEILLON

A Dani não concebia passar o réveillon longe de Copacabana. Durante as doze passagens de ano em que estivemos juntos, isso só aconteceu três vezes (e mesmo assim, faço a confissão pública, nas três ocasiões, eu levei um garrafão de cinco litros de água do mar, colhidos nas manhãs daqueles 31 de dezembro de 2007 [em Santa Teresa, na casa de meu irmão], de 2008 [na Barra da Tijuca, na casa de sua irmã] e de 2009 [em Cabo Frio]).

No último réveillon, o de 2010, mesmo não estando bem, ela bateu pé e fez questão de passar em Copacabana (será que ela sabia que seria o último???… isso me atormenta).

Armamos, então, eu, ela, seus irmãos Marcelo (com a Thaís) e Magali (com Ricardo e as meninas, Maria Helena e Ana Clara), uma ceia no apartamento da Santa Clara, onde ela morou por alguns anos quando veio estudar no Rio de Janeiro e onde mora, até hoje, seu irmão caçula – o Marcelo, o Neném, como ela o chamava. Acordamos cedíssimo naquela sexta-feira, eu preparei a lentilha que faço todos os anos, e partimos em direção à Princesinha do Mar.

Ela já muito cansada, almoçamos no tradicionalíssimo Rian e fomos pra casa descansar. Ceamos por volta das nove da noite e já às 22h estávamos aboletados nas areias de Copacabana, onde nos encontrou o Rafael, amigo de infância da minha menina, uma das mais constantes presenças em sua vida. Levamos toalhas, cangas, cadeiras, e estávamos todos, ali, vivendo um 31 de dezembro no ritmo dela, quietos, comovidos, na esperança de um 2011 auspicioso.

Dani só levantou, mesmo, perto da meia-noite, para ver os fogos, um espetáculo que ela amava, amava!, e nem que eu viva mais duzentos anos me esquecerei de suas mãos apertando as minhas, durante o espocar nos céus de Copacabana. Nem que eu viva mais duzentos anos me esquecerei do brilho de seus olhos reluzindo esperança, emoldurados pelo medo e pela insegurança que minhas mãos, naquele instante, também, tentavam diminuir (será que eu consegui???… isso também me atormenta).

Fim dos fogos, Dani sentou-se. Bebemos champagne, que ela amava tanto quanto amava os fogos, e ficamos ali o quanto ela pode. Nós, que sempre varamos a primeira madrugada do ano juntos, pouco antes de uma da manhã estávamos de volta (as fotos não me deixam mentir).

Essa próxima foto, a última que a registra na praia, foi tirada exatamente a 0h23min.

Que olhar e que sorriso, o da minha menina!

Com dor, seguramente com medo, foi esse sorriso – como sempre! – que ganhei de presente durante a noite daquele 31 de dezembro de 2010, que ganhei de presente nos primeiros minutos de 2011.

E me dói, de uma maneira absolutamente indizível, saber que não o verei mais diante dos meus olhos, ao alcance dos meus dedos e da minha boca, oca e triste sem ela.

Até.

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ESTRELA DE LUZ

Vivi ontem uma segunda-feira atípica, e explico. Antes de explicar, porém, farei pequeno passeio pela memória e algumas digressões.

No domingo, anteontem, houve a última das já tradicionalíssimas domingueiras no jardim do Aconchego Carioca, bar comandado pelas mais fabulosas anfitriãs de que se tem notícia, Katia e Rosa. As domingueiras começaram a acontecer há muitos meses (já terá completado um ano?… não sei…) no jardim da mais-que-aprazível casa na esquina da Barão de Iguatemi com a Santa Filomena. Começou, disso bem me lembro, quando num desses domingos pós-feira decidi beber a primeira cerveja do dia com a Katia, e aqui faço um adendo: o Aconchego ainda ficava onde hoje funciona o Bar da Frente, hoje comandado pela Mariana, exatamente em frente ao Aconchego de agora (daí o nome, Bar da Frente, excepcional sacada). Bar ainda fechado, Katia lendo o jornal numa mesinha da varanda, e eu parei pra abrideira do domingo. E nunca mais parei de parar lá… O Aconchego cresceu, o bar ficou pequeno e elas foram obrigadas a atravessar a rua pra montar o bar na casa cor-de-rosa do outro lado da rua…

Pois no último domingo, quando dividi mesa com (em ordem alfabética para não ferir suscetibilidades) André Santoro, Breno Boechat, com a Candinha, com Cheval, com Edu Carvalho, Felipinho, Leo Boechat, Luiz Antonio Simas e seu Benjamin, e com a Manguaça (que agora é Manga), fui convidado para a festa de Natal dos funcionários do Aconchego (sou, faço a confissão, uma espécie de funcionário-extra do Aconchego, afinal venci o I Torneio Interbares de Purrinha do Rio de Janeiro e, mais que isso, sou sócio-atleta do bar desde priscas eras… tanto que tenho, na parede de casa, o primeiro cardápio do Aconchego…) que aconteceu ontem à noitinha.

E não é exatamente sobre a festa que quero lhes contar, é sobre a Katia (com a licença da dona Rosa!, porque quem mexeu comigo ontem foi, de fato, a Katita – na foto abaixo).

Houve um churrasco (comandado pelo Janildão, o Russo, irmão da Katia), muita cerveja, muita música e – eis sobre o que quero lhes falar – muita emoção (vou voltar a fazer breve digressão).

A história do Aconchego Carioca é, toda ela, costurada por muita emoção (e muito suor, diga-se). Sempre competentes, Katia e Rosa tocavam o bar, no pequenino imóvel da Barão de Iguatemi, com extrema competência e seriedade. Tinham, ali, uma clientela fixa e fiel, sabedora dos segredos e dos meneios culinários da Katita, à frente da cozinha da casa. Mas era uma clientela que cabia ali. Até que um dia (e o troço parece mesmo um conto de fada…) baixou no pedaço o cheff francês, Claude Troisgros. Absolutamente encantado com o que viu (e com o que comeu, é claro), o Claude abriu portas até então inimagináveis… Veio a exposição na mídia, veio o reconhecimento, veio o sucesso, o bar ficou pequeno (como já lhes disse…) e o Aconchego hoje é (re)conhecido no mundo inteiro como uma das melhores cozinhas do Brasil, olímpico orgulho da Tijuca (não, meus poucos mas fiéis leitores, não é exagero meu…). Voltemos a ontem.

À certa altura da festa houve o amigo oculto dos funcionários e, antes disso, um pequeno discurso (emocionadíssimo!) da Katita, que distribuiu presentes para todos os presentes. Eu, inclusive, permitam-me o exercício da vaidade, recebi um agradecimento público da generosa Katia que dirigiu-se a mim como “nosso padrinho”, um comovente exagero que quase me derrubou ali – o tal “é mentira mas é bonito”, frase de meu compadre Fernando Szegeri.

Eu disse generosa Katia e agora é que vou lhes contar o que quero desde o início: a Katia é daquelas que fazem da generosidade e da gratidão armas do dia-a-dia. Absolutamente ciente de que sua história de pleno sucesso deve-se, muito, à generosidade do homem que a apresentou ao mundo, jamais permitiu-se vestir a máscara da vaidade e da prepotência. Tem, a Katita, de modo viniciano, as mãos cheias de carinho e os olhos cheios de perdão. Montou, a bela mulher de olhos de amêndoa, uma senhora equipe para trabalhar no Aconchego, no salão (são os melhores garçons do mundo), na cozinha, na produção e nos bastidores. A Katia – e eu me desculpo com ela desde já pela exposição de seus gestos, que atestam a verdade do que digo… – jamais – jamais!, com ênfase szegeriana – deixou de estender a mão para cada um de seus funcionários, seja para o que for. É patroa e é mãe. É empregadora e é amiga. É dura da forma mais doce que jamais vi. Trata a todos, com carinho de loba diante de sua cria, como sua família (foi o que ela disse, durante o discurso, sem mentir). Mas vamos, mesmo – me perdoem ter sido tão extenso… – ao que quero lhes dizer.

A flagrei chorando, em certo momento, sentada no jardim. Cheguei-me a ela. Dos olhos embaçados brotavam, como rio com leito cheio, muitas lágrimas:

– O que foi, querida?

E ela, tão doce, enxugou os olhos e disse:

– É muita coisa bonita acontecendo, Edu…

Refez-se do choro e foi ao salão.

O DJ contratado fazia tocar vários sambas-de-enredo, até que veio um samba da Mocidade Independente de Padre Miguel: “Estrela de luz que me conduz, estrela que me faz sonhar… estrela de luz que me conduz, estrela que me faz sonhar…”.

A Katia, sambando no pé e olhando pro alto, mãos pra cima como se falasse com a estrela de luz, visivelmente grata por muita coisa bonita, mal sabia que era ela, ali, a própria estrela.

Até.

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DE CUIDAR

Em janeiro de 2005 publiquei A mulher que me ensinou a sorrir – aqui – quando, valend0-me de uma sacada de um dos meus orixás vivos, Aldir Blanc, fiz a confissão inusitada: “Sem você, Dani, não sei nem fazer cocô.”. E isso não era, em absoluto, exagero meu.

Um dos mais duros golpes e revezes que senti (e ainda sinto) depois de seu desaparecimento, em julho de 2011, foi justamente perceber que eu não sei, aos 42 anos de idade, fazer rigorosamente nada sem ela. Antes que me apontem o dedo inquisidor com o carimbo do exagero, eu digo que se trata da mais pura verdade. E faço, dando seguimento aos meus exercícios de expor-a-alma para amainar a dor pungente da saudade, algumas pequenas confissões.

Antes de setembro de 1999, quando nos (re)conhecemos, nos reencontramos e passamos a viver juntos, eu era, diante da iminência de uma viagem de avião, um fóbico em estado bruto. Dizem os médicos da alma que esse medo – o de voar – está diretamente associado ao fato da solidão que se materializa, de forma intensa, durante o vôo. Ali, dentro da aeronave, estamos absolutamente nas mãos das Leis da Física. Pois minhas viagens, que até setembro de 1999 eram, pra mim, uma espécie de tortura – eu chorava, eu gania, eu tinha taquicardias violentíssimas… – passaram a ser melífluas atividades. Ou melhor, ainda me causavam algum medo, mas as mãos da Dani eram a segurança que eu procurei a vida inteira, desde que deixei a escuridão do ventre.

Outra confissão: durante as viagens era Dani que de tudo tomava conta. Ficava com meu passaporte, com nosso dinheiro, com meu cartão de crédito, era quem cuidava de minha rotina, e havia sempre aquele sorriso, aqueles olhos de cuidado, aquelas festinhas no meu rosto, o afagar de meus cabelos. Foi assim – mais uma confissão – até abril de 2009, quando veio o diagnóstico da doença que a consumiu.

Dali em diante conheci outra faceta do amor. Fui, dali em diante, por mais poltrão que eu fosse, um homem em permanente estado de atenção. Passei, pelas mais óbvias razões, a cuidar dela com mãos de extremo zelo, com olhos de intensa e incessante cumplicidade, e por mais que tivesse o coração em frangalhos, a alma forjada pela dor e pelo medo permanente da morte e da perda, jamais faltei a ela. Tenho – me perdoem se lhes soarei prepotente – absoluta convicção de que fui o melhor dos homens, o mais íntegro companheiro, o mais digno diante da crueza da doença e dos caminhos que fomos obrigados a cumprir.

Até que veio outubro de 2009…

Foi desejo dela – prontamente atendido, como sempre – passar seu aniversário, dia 15 de outubro, em Nova York, cidade que ela não conhecia – eu já havia estado lá em 1995.

E a confissão que agora lhes faço me serve, uma vez mais, como catarse, como verdadeira terapia e como exorcismo de tanta saudade acumulada dentro de mim.

Eu sabia que seria diferente dessa vez: eu sabia que ela tinha dores, que a viagem seria feita sob certa tensão, com grande quantidade de recomendações médicas, uma quantidade considerável de medicamentos na bagagem, e que eu não poderia contar, como sempre contei, com sua vigilância permanente, seus cuidados, seus zelos, eu sabia que seria necessária a inversão dos papéis…

Nosso plano incluía uma visita de dois dias a Boston, para estarmos com nosso afilhado que mora lá, e depois uma esticada de seis dias em Nova York. E já no aeroporto, na hora do embarque, eu precisei ser maior do que sempre fui.

Nosso vôo saía do Rio, pela Gol, e havia uma conexão em São Paulo, com a Delta Airlines, rumo a Nova York, de onde pegaríamos novo vôo até Boston. A Gol atrasou a saída e o que eu temia aconteceu: perdemos a conexão.

Dani foi, naquele momento, uma mulher com o olhar perdido. Maldisse a sorte, não acreditava – e chorava, e chorava… – naquilo, dizia que não bastava a doença… esses troços… e eu fui um leão diante do guichê da Gol. Fomos maltratados, postos num hotel de quinta categoria, só embarcamos na noite do dia seguinte mas eu não deixei, em nenhum momento, ela se abater. Pausa: na volta, distribuí uma ação contra a Gol, ainda em trâmite, e nunca fui tão visceral na exposição dos fatos em uma petição inicial. A escrevi sob forte emoção, Dani ficou orgulhosíssima de mim…

A viagem foi, é claro, atípica. Se em todas as nossas viagens anteriores dormíamos pouco, andávamos muito, comíamos e bebíamos em demasia, vivemos, nessa viagem, o ritmo possível para ela (já lhes contei, aqui, Meu amor, e agora?, um pouco sobre essa viagem).

Era eu, meus poucos mas fiéis leitores, por conta do amor, por conta do de-cuidar que amar pressupõe, superando meus medos, minhas angústias, sendo pra ela o amparo preciso, o porto-seguro, o companheiro de todas-as-horas. Foi uma viagem ótima, emocionante, intensa, e na hora de voltarmos, bem me lembro, dentro do táxi e a caminho do aeroporto, deu de tocar Frank Sinatra no rádio e demos de chorar, os dois, de mãos dadas, e foi quando nos prometemos voltar – ela amou Nova York, agudamente! -, o que acabou não acontecendo…

Essa redimensão do amor, que viver o período do enfrentamento da doença me deu, jamais nos abandonou, a mim e a ela. Ela que, a poucas horas de partir pro Orum, quando tivemos – quantas vezes já lhes disse isso… – a mais bonita conversa que jamais tive com quem quer que seja, chegou-se pra mim e disse:

– Edu… tô preocupada com uma coisa…

Não disse nada, eu estava ali, debruçado sobre ela, olhos nos olhos, sua mão entre as minhas, ela continuou:

– Quem vai cuidar das suas camisas, meu amor?

Tudo o que eu não chorei naquele momento, eu choro hoje, dia após dia, no instante de me vestir pela manhã.

Até.

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HÁ 30 ANOS…

Há exatos 30 anos, 13 de dezembro de 1981, tinha eu apenas 12 anos de idade. Rubro-negro convertido por intervenção de Zico aos cinco – leia aqui – eu já tinha, àquela altura, ao menos duas finais de campeonato assistidas in loco, absolutamente marcantes no meu portfólio de torcedor: o Campeonato Carioca de 1978 (quando Rondinelli pôs por terra o plano de meu pai, entenda isso aqui) e o primeiro Campeonato Brasileiro, em 1980, num eletrizante 3 a 2 contra o Atlético Mineiro.

O título brasileiro de 1980 deu ao Flamengo a oportunidade de disputar a Libertadores da América em 81, o que foi feito com maestria: sagramo-nos campeões… e a final do Mundial Interclubes, em dezembro, no Japão, era o objetivo maior.

Sou capaz de me enxergar de calças curtas, camisa do Flamengo, na São Francisco Xavier 84, na vila onde moravam meus avós (eu morava no 90, prédio ao lado), pedindo ao meu pai, no final daquele 12 de dezembro:

– Posso ficar acordado pra ver o Flamengo hoje?

Na vila, éramos rubro-negros eu e o Ricardo (filho do seu Mário, de quem já lhes falei aqui) – temos a mesma idade, vivíamos naquele dia a expectativa da grande final…

Sobre isso – temos a mesma idade e vivíamos naquele dia a expectativa da grande final – é que quero lhes falar na manhã deste 13 de dezembro de 2011.

A Rádio Globo AM transmitiu, ontem, a partir da meia-noite (mesmíssimo horário do jogo de 81), na íntegra (na íntegra!!!!!), a narração de Flamengo 3 x 0 Liverpool.

Eu fui, meus poucos mas fiéis leitores, um menino de novo, ouvindo do início ao fim a narração emocionada de Jorge Curi e de Waldir Amaral, os comentários de Ruy Porto e as reportagens – vejam vocês! – de Kleber Leite. Acompanhando também pelo twitter a movimentação dos rubro-negros no decorrer da partida, deparei-me com a seguinte frase, de Dyó Menezes:

“Na voz, no grito quase sem fôlego de Jorge Curi, a profundidade do que o rádio representa.”

Absoluta verdade.

Ouvir, 30 anos depois, a mesma partida pelo rádio (pelo rádio!, pelo rádio!), foi mágico.

Do morro de São Carlos, fogos de artifício – eram quase duas da manhã!

Da janela de um prédio vizinho ao meu, um senhor de idade gritou Mengooooo!, com a voz embargada e com a bandeira do Flamengo nas mãos.

Pelas ondas do rádio, Jorge Curi torcia desbragadamente pelo Flamengo.

Os jogadores foram entrevistados à beira do campo, dentro do vestiário, sem a assepsia e a frieza das coletivas patrocinadas de hoje em dia.

Éramos mais bonitos em 81. E não se trata de saudosismo ou nostalgia.

Hoje, pois, é dia de sair às ruas com o manto rubro-negro. É dia de festejar os 30 anos dessa conquista histórica – e me considero um sujeito de sorte por ter o 13 de dezembro de 81 muito vivo na memória.

No filme abaixo, alguns dos heróis de minha infância – Andrade, Adílio, Cantareli, Júnior, Nunes e Zico.

E se você quiser reviver as mesmas emoções daquele jogo, segundo a segundo, clique aqui. São 106 minutos e 5 segundos de Brasil em estado bruto. De emoção à flor da pele. De Flamengo até morrer.

A eles – todos eles, ao time todo! – minha homenagem.

Até.

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UMA DO LAURÃO EM 1989

A história que vou lhes contar é rigorosamente verídica – como quase todas as que eu conto, sempre com uma invejável precisão, do início ao fim. Passou-se no já longínquo ano de 1989, no mês de novembro, às vésperas daquele que seria o primeiro turno das eleições presidenciais de 1989, a primeira eleição direta para Presidente da República desde 1960.

O fato de ser a primeira eleição direta para Presidente da República desde 1960 gerou, naquele período pré-eleitoral, um tumulto emocional muito grande (havia uma histeria cívica nos lares, nas ruas, nos bares). Foram 22 (isso mesmo, vinte e dois!) candidatos disputando o mais alto cargo do país: pela ordem de votos no primeiro turno, Fernando Collor, Lula, Brizola (que deixou de ir ao segundo turno por 0,63% dos votos…), Covas, Maluf, Afif Domingos, Ulysses Guimarães, Roberto Freire, Aureliano Chaves, Ronaldo Caiado, Affonso Camargo, Enéas, Marronzinho, Paulo Gontijo, Zamir, Lívia Maria, Eudes Mattar, Fernando Gabeira, Celso Brant, Pedreira, Manoel de Oliveira e Armando Corrêa. Ou seja, praticamente uma pelada democrática, 11 pra cada lado e o eleitor-torcedor se estapeando em meio à festa que vivíamos naquele saudoso 89.

Se eu tivesse que contar aos mais novos, muito por alto, sobre a faceta dos eleitores de cada um dos principais candidatos, eu faria assim: os colloridos eram os incautos da vez, donos dos discursos conservadores do tipo eu-pago-meus-impostos ou eu-s0u-um-cidadão-de-bem, os robotizados pela TV Globo, que era amplamente favorável à candidatura de Collor. Os eleitores de Lula eram os que batiam no peito proclamando a nova-esquerda, egressa do operariado de São Paulo, da ala avançada da Igreja Católica; os de Brizola, os radicais, os órfãos de Vargas, com ampla concentração no Rio de Janeiro e no Rio Grande do Sul. Covas tinha em sua fileira os moderados, os que se declaravam sociais-democratas. Maluf, concentrado em São Paulo, tinha eleitores fanáticos, os malufistas, que pouco se importavam com as denúncias, já àquela altura, de malversação do dinheiro público por parte do prefeito biônico de São Paulo – ele rouba mas faz. Afif Domingos, que adotou um discurso patético durante a campanha (uma médium espírita dizia que JK orientava o candidato), tinha mais fiéis do que eleitores – que não chegaram lá juntos com o candidato, como pregava seu slogan. Ulysses Guimarães era o avô do eleitor, e pouco mais de 3 milhões de votos foram dados ao simpático velhinho. Atrás de Ulysses, com 769.123 votos, Roberto Freire (uma das figuras mais abjetas do cenário político brasileiro). E sobre ele – um dos personagens principais da história, vocês vão entender… – um parágrafo.

O Roberto Freire lançou-se candidato pelo velho PCB. Como vice em sua chapa, o médico Sérgio Arouca (na foto, abaixo, Roberto Freire à esquerda e Arouca, barbado). O Partidão, como é também chamado, hoje rachado graças a diversas intervenções perniciosas de Roberto Freire (hoje à frente do PPS), contava com a simpatia de uma parcela muito curiosa do eleitorado. Eram, me permitam a licença poética, os psolistas de hoje. Tinham um orgulho danado de exibir a foice e o martelo nos bottons espalhados pela camisa (bottons foram uma febre daquela eleição) – muitos sequer sabiam o que era o PCB, quem era Karl Marx, quem era o próprio Roberto Freire. O importante, o must, era encher a boca (geralmente mole) e dizer com pose soviética:

– Sou do Partidão!

E esse anúncio – sou do Partidão – era feito como se no palco de um Theatro Municipal, de uma grande arena, de um Coliseu. A fala era melíflua mas trazia, também, uma falsa fúria revolucionária. Olhavam para todos os demais, os eleitores de Roberto Freire, com uma intensa piedade que se transformava, em segundos (todos puxavam papo com todos em 89…), num comício com a intenção de ganhar mais um voto. O eleitor do Roberto Freire só ouvia Taiguara, só respeitava a cor vermelha, tinha praticamente ódio da bandeira verde-e-amarela. E a esquerda – a grosso modo – se dividia entre Lula, Brizola e Freire. Vamos ao que quero lhes contar.

O Laurão – a quem ainda não tive o prazer de ser apresentado – era, em 1989, praticamente um sósia do Sérgio Arouca. Sujeito absolutamente carismático, carregava com ele, ou mesmo iam atrás dele, uma legião de jovens, amigos de seus filhos, que o tratam, até hoje (conheço alguns), como uma espécie de gênio, de guru, de orixá vivo, de líder. Tomem nota deste dado (um deles, adorador confesso do Laurão, sempre me diz: “Ele é o meu Aldir Blanc”.).

Estamos em 89. Era novembro, fazia um calor dos diabos. E o Laurão resolveu, no final de tarde, tomar a direção de um de seus bares preferidos em Botafogo, o Manolo, na esquina das ruas Marquês de Olinda com Bambina. Troço raro, diga-se. O Laurão é daqueles que tem, em casa, o bunker ideal (à moda de um de meus orixás vivos, justamente o Aldir Blanc, que dificilmente é visto na rua).

Não havia celular em 89, mas o Laurão era (e ainda é) um evento. Eis que minutos depois do primeiro chope, o Laurão, sentado à mesa com dois amigos seus, foi cercado, adulado, festejado (como sempre) por 6, 7, 8 (sei lá quantos) jovens – todos amigos de seus filhos, nenhum deles presente neste dia, faça-se a ressalva. Ocuparam, os tais jovens, uma mesa ao lado

Os jovens, todos (sem exceção), com bottons de seus candidatos: Lula, Brizola e Roberto Freire (este último à frente na preferência da juventude). O Laurão – esqueci de lhes dizer -, eleitor ferrenho de Leonel Brizola.

Vamos à construção mais precisa do cenário: sentado à mesa com dois amigos, camisa aberta, peito à mostra (fazia muito calor), o Laurão bebia tranqüilamente quando percebeu que era observado por uma mesa, também próxima, de quatro pessoas (três mulheres e uma bicha) com bastante admiração (era admiração o que emergia daqueles oito olhos).

À certa altura, uma das mulheres dirigiu-se a ele:

– Com licença… você não é o… o… Arouca?

Laurão deu um gole vigoroso, estalou a língua, sorriu e balançou a cabeça dizendo que sim (era tentador demais viver o que estava por vir…).

A mulher quase ajoelhou-se diante dele que, à moda de um padre modesto, deu uns tapinhas no ombro da fanática pedindo que parasse com aquilo.

Os jovens, os pupilos do velho Lauro, sacaram a piada pronta e estavam atentos a todos os movimentos.

A fanática voltou para sua mesa. Cochichou – sem disfarce – com seus camaradas (comunistas não têm amigos, companheiros… comunistas têm camaradas). As outras duas mulheres arregalaram os olhos, que umedeceram diante da visão do vice-candidato na chapa do PCB. A bicha passou a  abanar-se com as mãos, suspirou altíssimo, Laurão fez que não percebera.

É evidente que, às vésperas da primeira eleição direta depois de quase trinta anos de sufoco, o assunto – eleições – era obrigatório, único, não se falava noutra coisa. As pesquisas apontavam, na reta final, para a liderança de Fernando Collor, seguido por Lula e Brizola, pau a pau, voto a voto, na disputa pelo direito de um confronto direto no segundo turno. Roberto Freire tinha traço nas pesquisas, o que em nada arrefecia o furor rubro dos simpatizantes do PCB, dos eleitores de Roberto Freire.

Vamos à mesa da juventude: entre eles estava Jakes, um rapaz que, até hoje, é como lenda – apronta, apronta, apronta. Adepto ferrenho da máxima se tudo der certo, vai dar merda, Jakes exibia, orgulhoso, preso na camisa de malha, um botton do Roberto Freire, o que gerava seguidos olhares lânguidos e lascivos das comunistas da mesa ao lado. Mas Jakes, como Laurão, já tinha sacado a confusão feita pelas mulheres e pela bichinha, e esperava o momento certo para o bote, que viria.

Viria, é claro.

Desde que se percebera confundido com Arouca que Laurão modificara, de leve, a postura. Bebia com a mesma fúria, mas tinha olhos e ouvidos atentos à espera do melhor momento. E ele veio.

À certa altura da noite, uma das comunistas, já bêbada e já com a fala arrastada, puxou A Internacional. Suas duas amigas e mais a bicha a acompanharam. Laurão, já incorporado ao personagem que lhe fora entregue de bandeja, marcava com os pés e esboçava, de leve, um riso de canto de boca.

Foi quando, então, a fanática arremessou-se em direção a ele. Agachou-se a seus pés, como uma hippie, ajeitou os cabelos crespos e cheios de lêndeas, e pôs as mãos de Laurão entre as suas. Disse, bêbada e emocionada:

– Sei, camarada Arouca, que não temos chances. Mas vamos à luta! Vamos à luta! Estamos juntos!

Laurão soltou uma gargalhada. Foi seco:

– Abrimos, senhora. Abrimos mão da candidatura.

Os jovens da mesa ao lado se ajeitaram, todos, nas cadeiras (estava chegando o momento do ápice, Laurão proporcionaria um grand finale, eles tinham essa certeza).

A fanática, deixando o comunismo de lado, ajoelhou-se, pôs as mãos em prece, e disse, ganindo:

– Como assim, Sérgio?! Jura? – forjou intimidade.

– Fechamos com Leonel Brizola, já no primeiro turno.

Suas duas amigas e o pederasta se aproximaram em estado de choque. A bichinha, gemendo:

– Isso é sério?

A fanática fez o bis:

– Responde, Arouca. Isso é sério?

Laurão, sem mover músculo, disse:

– Perguntem aos nossos quadros mais jovens… – e apontou o queixo para a mesa dos amigos de seus filhos.

A fanática, como uma rã, saltou e voltou-se para a mesa. Disse, olhando nos olhos do Jakes:

– Ele está brincando, não está?

E Jakes, atuando com perfeição, arrancou o botton da blusa, com ódio insano, e gritou, arremessando a propaganda para o chão:

– Fechamos com o Brizola!

Leo Boechat, que estava à mesa, gritou:

– Brizola! – arrancou também sua estrela do PT e a lançou longe.

Breve pausa: Leo Boechat foi, em 89, uma espécie de eleitor esquizofrênico. Tinha, no vidro traseiro de seu Chevette, que atendia pelo nome de Jonas, adesivos de Lula e de Brizola. Voltemos.

Felipe Vaz, mais animado, depois de também arremessar pra longe sua estrelinha do PT, puxou:

– Lá-lá-lá-lá-lá Brizola! Lá-lá-lá-lá-lá Brizola! O voto no Brizola só pode nos trazer um tempo bem melhor pra se viver!

Foram embora, os quatro – as três e a bichinha – em estado de absoluta desolação.

Chegou àquela esquina, poucos dias depois, a notícia de que a bicha teria se matado com gás e que a fanática, justo a que abordara Laurão, enlouquecera, estando internada num hospital psiquiátrico. Particular, diga-se.

Até.

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QUEM TEM AMOR AUSENTE JÁ VIVEU A MINHA DOR

Dezembro. Já é dezembro. E a cada dia que passa, por mais incrível que pareça, mais dela eu me lembro. O nove de julho insiste em ser real, em ter sido real – e naquele nove de julho eu deixei de ser o que sempre fui porque ela levou o que havia de melhor em mim. Num primeiro momento, e já lhes contei sobre isso aqui, “(…) fui tomado pelo torpor do alívio e agi, e nem acho que equivocadamente, de maneira agudamente racional: mudei, por inteiro, a feição do apartamento em que vivemos por quase 12 anos, dei de me desfazer de todo e qualquer objeto que me remetesse, de pronto, à imagem dela, defumei a casa, guardei seus retratos espalhados pela casa, toquei a vida.”.

Tudo em vão – e já acho que agi, sim, equivocadamente. Dei, de umas semanas pra cá, num ritmo insano, de agir como um arqueólogo de sua alma, da minha própria alma – que passou a ser mais bonita depois dela -, e passei a abrir gavetas, armários, livros, cadernos, em busca de suas fotografias, de sua letra, em busca de suas cartas, de seus bilhetes, de seus desenhos, como se suas letras e sua imagem gravada nas fotografias, tão lindas…, fossem capaz de me servir de cafuné, de uma festinha no rosto, de um lenitivo pra essa dor que não cessa. Ao contrário, é uma dor que dói mais, mais intensa, mais densa, na mesmíssima medida em que fica mais distante a data de seu desaparecimento.

Não têm me faltado os amigos, mas nem com eles eu tenho sabido lidar. Não me faltam meus pais, meus irmãos, mas nem com eles eu tenho sabido lidar. Não têm me faltado – as ironias da vida… – meus poucos mas fiéis leitores, mas nem com eles eu tenho sabido lidar. Não tem me faltado a bebida, mas nem com ela eu tenho sabido lidar. Não me falta nada, a bem da verdade. Mas me falta tudo, eis que não há mais a Dani por perto.

Não tenho dormido direito à noite, não tenho trabalhado com o afinco com que sempre trabalhei, não tenho vivido – tenho sobrevivido, eis a verdade.

Sigo num ritmo alucinado fugindo – isso, fugindo, fugindo, fugindo… – da casa vazia, da cama vazia, do gesto irracional de tatear, manhã após manhã, o travesseiro que não guarda mais ninguém.

Hoje pela manhã dei de cara com esse cartão, assinado por ela (eu a chamava, também, de Tomtom, e ela assinava Tom…), datado de 27 de abril de 2006, dia de meu aniversário, que veio junto com as orquídeas lindas que ela me deu, ainda na cama, na manhã daquela quinta-feira. No cartão, o manifesto de um desejo, tão lindo… e uma declaração – “te amo muito e pra sempre” – que a morte torna impossível.

“Pra sempre” nunca foi tão cortante, como agora.

“Pra sempre” foi o que eu respondi, na tarde do fatídico 09 de julho, quando de mãos dadas comigo, olhando nos meus olhos, com um misto de esperança e medo, ela me perguntou se eu ainda a amava.

Até.

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