Arquivo do mês: março 2014

O PAI DO TADEU

Publiquei, em 03/02/2014, “As frases de meu pai”, aqui. E anteontem, 24/03/2014, recebi o seguinte comentário deixado no texto:

“Legal. Achei seu blog meio que do nada. Estava procurando blogs sobre história do Brasil… Enfim, cara, meu pai tem dessas também. Infelizmente, eu, às vezes, respondo com certo mau humor as suas frases. Uma das mais clássicas é “Tá cedo, fica mais um pouco”. Se você está na minha casa e decide ir embora, não importa a hora, mesmo que seja às 5 da manhã e você esteja muito bêbado, ele a dirá. Outra que ele fala demais, essa eu não gosto, é “arroz eu como em casa”. Qualquer que seja a ocasião, se lhe oferecem arroz, ele vem com essa. Bom, muitos pais devem ter as suas.”

A partir do momento em que li o comentário do Tadeu (é esse, seu nome) fui tomado por um desejo súbito: quero ver, sentados à mesma mesa, meu pai e o pai do Tadeu. Meu pai, já lhes disse um sem fim de vezes, é um homem que tem, nos bolsos, frases que ele vai repetindo vida afora (frases e gestos, e faço uma pequena  digressão).

Além das frases que coleciona, papai é um homem de gestos autômatos. Papai mora desde 19 de junho de 1994 (há quase 20 anos, portanto) no Alto da Boa Vista. Assim que se mudou, debruçou-se numa das janelas do apartamento e disse:

– Que linda vista!

Foi a uma das caixas da mudança, sacou sua câmera e tirou uma fotografia da tal janela.

Estamos em 26 de março de 2014.

Desde a mudança, então, papai já tirou 7.720 fotografias absolutamente idênticas (conto esse fato com o intuito de aplacar a indignação de meu leitor, o Tadeu). Repito, por extenso, para que vocês dimensionem o drama: papai já fez, desde sua mudança, sete mil e setecentas e vinte fotografias iguais, do mesmo ângulo. Voltemos ao pai do Tadeu.

Penso no encontro dos dois, papai e o pai do Tadeu, à noite, num bar qualquer da Tijuca (penso no Bar do Momo).

Eles se cumprimentam e sentam-se à mesa.

Papai sugere uma cerveja e o pai do Tadeu aceita.

– Magnífico, uma cerveja estupidamente gelada!

Papai só chama garçom de magnífico e só pede cerveja desse jeito, estupidamente gelada.

Meu pai começa a desfiar seu novelo de frases:

– Hoje eu acordei tarde… – e faz cara de paisagem.

O pai do Tadeu:

– É? A que horas?

E papai excitadíssimo, manda mais uma de seu repertório:

– Quatro e meia da manhã! Tardíssimo! Tardíssimo! – e ergue o copo num brinde.

Eis que chega-se à mesa o Toninho e sugere um dos clássicos do Momo:

– Que tal um bolinho de arroz pra acompanhar a cerveja?!

Eis que o pai do Tadeu ergue-se e quase bate continência:

– Arroz, eu como em casa! Arroz, eu como em casa!

E meu pai, ganindo de rir, dá um jeito de me bater o telefone pra contar o fato, dizendo baixinho:

– Estou bebendo com um maluco, depois te conto, depois te conto!

O que eu queria lhes dizer, em apertada síntese, é que estou ainda sob efeito do susto que me causou a confissão do Tadeu. Meu pai é dono de vasto repertório de frases e de gestos, repito, mas esse “arroz eu só como em casa” faz com que eu, por alguns instantes, julgue meu pai o mais são dos sãos e o mais normal dos homens (embora eu tenha certeza de que essa impressão se esfumará no próximo encontro).

Até.

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