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Não leve a mal, não… Mas isso dá um orgulho quase-doente na gente que é daqui…
Clique na imagem abaixo, divirta-se e se emocione, que não é sempre que a Rede Globo faz alguma coisa que preste.
Até.
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Não leve a mal, não… Mas isso dá um orgulho quase-doente na gente que é daqui…
Clique na imagem abaixo, divirta-se e se emocione, que não é sempre que a Rede Globo faz alguma coisa que preste.
Até.
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– A que horas o Szegeri chega?
Eis a resposta que me envergonha e que dei a cada um dos aflitos:
– Não sei.
Até que bati, ontem à noitinha, o telefone para meu pomposo amigo paulista.
Ele não atendeu.
Eu fiquei imaginando a cena que sei real. Estrila o celular de Fernando Szegeri e pisca meu nome em neônio na tela. Segue-se a mais completa indiferença, a mais escancarada repugnância refletida na boquinha de nojo e na testa franzida. Um colega de repartição, desavisado, arremessa em sua direção uma bolinha de papel público e grita:
– Não está ouvindo o telefone?
E ele, com aquela máscara do enfado:
– Estou.
– E não vai atender?
– Em absoluto. Trata-se de uma besta, atende pra mim?
E ouço a voz do outro funcionário público:
– Alô?
– Fernando?
– Ele está no banheiro.
– Posso deixar um recado?
– Não.
Ouvi quando o Fernando disse:
– O que disse, o idiota?
Desliguei antes de ouvir a resposta de meu interlocutor.
A verdade ácida é esta: Fernando José Szegeri chega amanhã e eu não faço idéia da hora de sua chegada, o que a bem da verdade não faz diferença alguma. Desde o início do ano passado que o Pompa tem (há tempos não o chamo assim), graças a uma idéia que tivemos, eu e Dani, durante sabe-se lá que conversa, a chave de nossa casa. Logo, à determinada altura do dia, sua chave girará no tambor da porta e acionará a lingüeta que, por sua vez, sairá da chapatesta de modo a abri-la. Meu vira-latas há de fazer uma pequena festa e tomar um chega-para-lá. Não quero nem pensar nas conseqüências de nosso encontro. Antevejo situações constrangedoras, como eu chegando do trabalho mais cedo – véspera do carnaval… – e tendo de ouvir:
– Mas, já?
Tiago Prata tencionava abrir uma garrafa de Gold Label diante de Fernando Szegeri. Luiz Antonio Simas pretendia armar uma curimba privativa em sua vasta varanda às margens do rio Maracanã em homenagem ao homem. Fefê e Lina tinham planejado uma mega-recepção na mansão de Santa Teresa (soube que, graças às comprinhas para a recepção que não haverá, meu irmão e minha cunhada preferida desabasteceram os mercadinhos do bairro). Papai e mamãe chegaram a pensar em cancelar a viagem a Petrópolis para receber o casal (a doce Stê também vem!). Rodrigo Ferrari remarcou, para baixo, o preço de alguns livros sabidamente do gosto de seu freguês favorito de São Paulo (vejam aqui o por quê). Arthur Mitke antecipou sua chegada à cidade maravilhosa apenas para não perder um único passo do homem da barba amazônica.
Como em julho do ano passado, vejam aqui, a expectativa da chegada do mito faz tremer o céu e a terra.
A diferença é que dessa vez, sabe-se lá a razão, o homem não quer sequer projeto de afago.
Até.
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“Querido, será que as pessoas tem noção de quanto essa história é a expressão mais lídima, escorreita e irretocável da verdade sobre a vossa pessoa?”
Eu, 59 minutos depois, o respondi:
“Szegeri, meu irmão: acho que não, querido, sinceramente acho que não. Mas note bem que estou fazendo a minha parte, me expondo de maneira olímpica diante do balcão. Quem não quiser crer… que não creia. Dia desses conto sobre o episódio da agenda, tá?, que é bastante elucidativo também. Beijo.”
Cumprindo minha palavra, eu que sou preciso do início ao fim, vamos, então, ao episódio da agenda que expõe, cruamente, mais uma de minhas facetas (escrevo isso e sou tomado de gigantesco sentimento de pena da minha menina, coitada, que, sabe-se lá como, suporta o fardo do convívio com minha pessoa).
Lembro-me menino, indo ao trabalho com papai, na avenida Chile, no edifício-sede da Petrobras, o chamado EDISE. Eu passava o dia entre toneladas de papel, caixas de lápis-de-cor, computadores jurássicos da IBM, brincando, saindo pra almoçar com o velho no hoje fechado restaurante Mineirinha, no subsolo do Edifício Avenida Central, vendo meu pai fumar maços e maços de Shelton Lights, e dizendo, sempre ao chegar e ao sair do escritório, alisando uma agenda que repousava sobre sua mesa:
– Eis a melhor agenda do mundo!
Pequena pausa para brevíssima digressão e duas explicações bastante definidas. A primeira: a mesa de trabalho de meu pai era enorme, tinha tampo de vidro, e sob a tampa, dezenas, centenas de fotografias de mamãe e dos três filhos. A segunda: como já lhes contei, em fevereiro de 2006, no texto O PAI ME DISSE (leiam aqui), herdamos, papai e eu, de meu avô, Oizer Goldenberg, esse hiperbolismo ancestral (vejam meu avô aqui). Tudo o que está a nosso alcance, para nós, é o que há de melhor no mundo. Não deixa de ser uma postura diante da vida, mas era apenas o fato, em si, o que eu queria lhes contar.
Então papai ficava:
– Agendas Pombo, meu filho, as melhores do mundo… Quando entrares para a faculdade te darei uma, tá bem?
Eu, que tinha em papai um modelo a ser seguido, ansiava por esse dia.
Esse dia chegou em 1987 e meu pai, implacável, deixou sob minha cabeceira, na manhã do primeiro dia do ano, minha primeira agenda Pombo. Lembro-me do arranco e do arremesso ao passado que sofri naquele instante, eis que diante da visão daquela agenda me vieram à lembrança, de forma aguda, minhas manhãs e minhas tardes passadas na gigantesca sala da Petrobras e a fala de meu pai:
– Quando entrares para a faculdade te darei uma, tá? São as melhores agendas do mundo. Pombo! Pombo!
Vou tentar ser conciso para não tornar enfadonha a leitura de hoje.
São, até o momento, 22 anos usando o MESMO modelo de agenda Pombo (vejam no site da própria empresa, aqui) que meu pai usava.
A cada novembro, o mesmo ritual. Vou a uma papelaria, compro minha agenda semanal Pombo (dizer a palavra POMBO, devagar, essa palavra pomposa, quase-imperial, me dá cócegas imaginárias), modelo B14-23-321V, medindo 19,7cm X 26,5cm, transcrevo aniversário por aniversário, e é ali, na agenda de meu pai, que organizo minha vida profissional, pessoal até.
Em 2007 foi diferente. Na primeira papelaria, o vendedor:
– Não vamos receber agenda Pombo esse ano, senhor.
Na segunda papelaria:
– Está em falta, senhor. O senhor não quer ver de outra marca?
Não o agredi porque era, afinal, a segunda papelaria.
Na terceira:
– Pombo? Sou novo na loja, nunca ouvi falar.
Na quarta (uma papelaria enorme, uma das maiores da cidade):
– Não, senhor. A Pombo, esse ano, nem encomendando.
Foi o estopim.
Dediquei o dia seguinte a fazer uma varredura na cidade, da Praça Mauá à Cinelândia. No mesmo dia, pouco antes do almoço, Tijuca, Praça Saens Pena, rua Conde de Bonfim até o Largo da Segunda-Feira. Em vão.
Fui ao site, à loja virtual da Pombo. Aliviado, escolhi o modelo, preenchi os dados, e quando cliquei em FINALIZAR COMPRA, a mensagem saltou diante de meus olhos em desespero: MODELO ESGOTADO – PRODUTO EM FALTA
Era como se um vaticínio sobre 2008 pairasse sobre minha cabeça, como se um pombo fizesse um pastoso cocô sobre uma estátua imaginária de mim mesmo.
Eu diria que o IBAMA, se me visse, se me ouvisse, se captasse meus pensamentos, me prenderia em flagrante, eis que eu era, em gestos, em expressões, em mãos e em verdade, um criminoso caçador de pombo.
Até que recorri a ele, Fernando José Szegeri. Mandei-lhe pungente email implorando que rodasse São Paulo, e fiz os maiores elogios à São Paulo na esperança de sensibilizar, ainda mais, meu irmão paulista. Eis sua resposta (ligeiramente editada):
“Querido, quando eu acho que já vi todas as manifestações da vossa maluquice, eis que você me surpreende.”
O fato é que 48 horas depois, eu fui um homem em estado bruto de felicidade quando estrilou, pela manhã, o interfone. Era o porteiro:
– Edu? Chegou SEDEX 10 pra vo…
Desci como um louco as escadas, ainda de pijamas, arranquei, como um bárbaro, a encomenda das mãos do carteiro, e subi os quatro lances, de volta, abraçado à agenda de meu pai, azul, que reluz, agora, sobre minha mesa de trabalho e até o final de 2008.
Até.
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O Szegeri, como vocês que me lêem sabem, a-d-o-r-a vestir uma fantasia e encarnar o verdadeiro espírito momesco, adora subverter a ordem das coisas durante o carnaval, cumprindo, assim, o ritual que celebra a vitória da ilusão, apud Aldir Blanc.
Pois esse homem bateu-me o telefone ontem à tarde e foi de uma grossura poucas vezes vista, mesmo se eu levar em conta que me humilhar é uma de suas atividades preferidas:
– Edu?
– Eu!
– Chegamos ao Rio na sexta-feira e ficaremos aí, na casa de vocês, para o carnaval…
– Maravi…
Ele me cortou:
– Maravilha é o cacete! Estou ligando justamente para isso. Não conte conosco para nada. Vamos apenas dormir aí, e sem hora pra chegar, evidentemente. Não quero me programar. Não quero pensar no que fazer. Não quero compromisso. Não quero ver ninguém. Não arranje festinha, rodinha de samba, recepçãozinha, essas merdas que tu adora promover. Falou?
Eu ia responder mas ele bateu o telefone no gancho com uma fúria implacável.
Um homem polido, como se vê.
Até.
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As histórias envolvendo meu pai têm feito tanto sucesso, mas tanto sucesso (rendem parcos comentários, mas uma quantidade impressionante de e-mails de leitores encantados com essa ímpar figura que é meu velho), que decidi prosseguir nas sendas das memórias de Isaac Goldenberg, que aparece, na fotografia abaixo, ao lado de mamãe, dias antes de meu nascimento, diante da casa de minha bisavó, numa vila na Rua Professor Gabizo, e peço a vocês especial atenção às chinelinhas de mamãe e à frasqueira em sua mão direita, símbolo máximo da maternidade na década de 60 nas bandas da Tijuca, sem falar na calça pescando-siri de papai e na ponta do maço de cigarros que aparece no bolso esquerdo de sua camisa.
Quero lhes contar, hoje, sobre a comemoração dos dez anos de casamento de meus pais, em 22 de maio de 1978.
Minha bisavó materna, Mathilde, e minha avó, Mathilde também (façam uma idéia do poder de persuasão das duas juntas), desde as comemorações natalinas de 1976, passaram a instigar papai:
– Já tem planos para as Bodas de Estanho, Isaac? – perguntava, com ares de aristocrata, minha bisavó.
Vovó emendava:
– Vê lá, hein, Isaac! Mariazinha é nossa única filha… não é, Milton?! – e alisava as mãos de meu avô, que, alisando o copo cheio de Teacher´s, concordava com a cabeça.
E minha bisavó, enlaçando de vez meu velho, fechava sempre essa rede de comentários, com a mesmíssima frase, em tom grave:
– Dez anos não são dez dias, meu filho… – e batia, de leve, com o leque fechado no ombro de meu pai, para fechar seu discurso perguntando – Compreende?
Papai dizia que sim, sem saída.
O fato é que papai não resistiu às investidas, e acabou certo de que a primeira década de união merecia uma comemoração à altura. Desde maio de 1977, um ano antes, portanto, que um belo percentual de seu salário da Petrobras (primeiro e único emprego de meu velho) era depositado numa caderneta de poupança visando o grande dia.
Quanto mais se aproximava a data, mais as velhas se tornavam inconvenientes:
– Isaac, e aí, meu filho? O que teremos no 22 de maio?
Papai, puto com o verbo na primeira pessoal do plural, respondia seco:
– Surpresa, dona Mathilde, surpresa…
A mais velha, inquieta:
– Mas haverá festa? Haverá?
– Surpresa, dona Mathilde, surpresa…
Quando passou o carnaval de 1978, papai tomou um ônibus para o Leblon (antes precisou tomar coragem) e fez uma reserva para o dia 22 de maio, uma segunda-feira, para duas pessoas, no Antiquarius, um sonho de consumo de mamãe, que até então conhecera, no ápice da escada gastronômica do casal, o La Mole e o Rincão Gaúcho.
Papai fez a reserva e, na saída, espiando o cardápio afixado na porta de entrada, fez as contas aproximadas do custo da noite. Deu um tapa na própria testa e não conseguiu evitar:
– Puta que pariu!!
Um dos manobristas:
– O que houve, senhor?
Papai, ainda atordoado:
– Nada, não…
E tomou o rumo de casa.
Tomou o rumo de casa, as semanas passaram, e papai só foi contar à mamãe o destino na noite do dia 22 de maio quando acordaram, na manhã daquela segunda-feira, com a campainha de casa estrilando. Eram minha vó e minha bisavó, com flores nas mãos e perguntas disparadas como tiros:
– E aí?! O que farão hoje?!
– Isaac, não vá decepcionar a Mariazinha!
Papai, semi-nu, no corredor que dava acesso à porta da entrada social do apartamento, num gesto truculento que hoje me orgulha, empurrou as duas pro corredor do sexto andar e gritou, acompanhando os passos da sogra e de sua mãe, pelo olho mágico:
– Tudo tem um limite, Mathildes! Porra!
De volta ao quarto, contou à mamãe o que fariam à noite, e mamãe foi singela:
– Meudi… Não tenho roupa, querido… Oh, o Leblon… Meudi, Meudi… – e ficou repetindo o apelido enquanto se penteava diante do espelho, treinando caras e bocas para o jantar zona-sul.
Eis que chega a noite.
Papai estaciona sua Variant diante do Antiquarius, entrega a chave ao manobrista e entra triunfante no salão com mamãe, ela deslumbradíssima, num vestido que pegou emprestado com a Dalila Geraldo, amiga de vovó, que tinha um guarda-roupa de primeira.
Sentam-se e vem à mesa o maître.
Papai, sem nem olhar o cardápio:
– Uma garrafa de Sidra e dois copos, magnífico.
Eis o detalhe inescapável. Papai sempre chamou os garçons desse jeito:
– Magnífico! Por favor…
O maître:
– Só temos champagne, senhor…
Papai bufou e disse:
– Pode ser.
O maître, sem afastar-se da mesa, estalou os dedos para um cumim, fez o pedido e serviu papai e mamãe em seguida.
Fizeram o brinde e papai sacou um cigarro do bolso. Foi quando o maître, ainda ali, estendeu o isqueiro dizendo, educamente:
– Senhor…
Papai olhou pro cara, deu nova bufada, mamãe perguntou:
– O que aconteceu, Meudi?
– Nada, nada…
Quando ia dizer alguma coisa à mamãe, o maître:
– Aceitam uma entrada, senhor?
Papai já perdendo a paciência:
– Ô, caralho…! Traz! Traz!
Novo estalar de dedos do maître para o cumim, mamãe pedindo calma à papai.
A idéia do meu velho era uma esticada num motel na avenida Niemeyer, mais uma surpresa que faria à mamãe. Tentava dizer isso a ela mas o maître não arredava o pé da mesa.
Mamãe ainda bebericava a primeira taça do champagne quando o papai mandava a terceira pra dentro. Não agüentou, deu um soco na mesa e perguntou:
– Porra, magnífico! Será que dá pra deixar eu conversar com a minha mulher, porra?!
O cara se desculpava, cheio de salamaleques, e meu pai não agüentou. Perguntou, já de pé, quanto devia pela bebida e pela entrada, o pobre do maître disse que não deviam nada, desculpou-se mais uma vez com o velho Isaac que, a essa altura, já estava entrando na Variant com mamãe, ligeiramente assustada:
– Vamos comer uma coisinha no motel mesmo, Pixuxa! Eu já tô que não me agüento mesmo – alisou os joelhos de minha mãe – e, convenhamos, eu não nasci pra essas coisas chiques demais, não, pô! Me perdoa, tá?
Mamãe, apaixonadíssima e com os olhos dando voltinhas, disse que sim.
Até.
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Até.
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Faz anos hoje, 25 de janeiro, meu velho pai, o maior. Quem lê o Buteco sabe o quanto falo do meu velho, um personagem rigorosamente do cacete, pronto pra qualquer história (não fossem verdadeiras todas as histórias que conto e meu pai seria a solução para ficções delirantes, tão perfeito ele é para qualquer boa história), herói declarado da minha infância. E quero, hoje, em homenagem a ele e também ao Carnaval, que se aproxima, mostrar-lhes três pequenos tesouros que encontrei, ontem à noite, após mais uma expedição de prospecção dentro dos armários da casa de papai e mamãe em busca da fotografia que é, há semanas, confesso, minha obsessão (eu já disse que as tenho em profusão).
Um leitor, ontem, me parece, sugeriu que tudo não passa de mis-en-scene em busca de audiência. Erro grosseiro da parte dele. Tivesse eu já encontrado a tal fotografia e ela seria exposta no balcão do Buteco na primeira oportunidade. Não tenho nem nunca tive sangue frio para surpresas do gênero. Dito isso, em frente.
Ontem, 24 de janeiro, véspera do aniversário do velho, meu irmão Luiz Antonio Simas publicou em seu mais-que-imprescindível blog, o Histórias do Brasil, um texto monumental intitulado É o bom! É o bom! É o bom! (leia-o aqui), sobre o Bafo da Onça, bloco do coração de meu pai (já, já, vocês entenderão porque refiro-me a este texto de autoria de meu mano).
Se há um troço que tem me comovido agudamente nessa desenfreada busca pela tal imagem, é o cuidado de meu pai e o cuidado de minha mãe com uma coisa que eu prezo demais, que são os registros (já falei sobre a importância dos registros aqui).
Há registro de tudo, de rigorosamente tudo, e esses registros são fundamentais para explicar muita coisa sobre o que somos. E parte desses registros é o que trago hoje para deixar exposto no imaginário balcão.
Papai (seguramente foi ele) teve o cuidado de guardar, dentro de um de meus álbuns de fotografia, o Caderno B do Jornal do Brasil do dia 06 de fevereiro de 1970, uma sexta-feira, véspera do primeiro carnaval da minha vida.
A matéria de capa, intitulada O maior são dois, é assinada por Genison Augusto e trata de dois dos maiores blocos cariocas, justamente o Bafo da Onça e o Cacique de Ramos.
Abaixo, a imagem da matéria, dividida em dois (ela ocupa toda a capa do CADERNO B), que pode ser lida clicando sobre cada uma delas.
A matéria é deliciosa de se ler, e traz uma série de curiosidades, algumas delas hilariantes, como por exemplo:
– o Bloco da Seringa, de Higienópolis, juntou, no desfile de 1969, quinze pessoas incluindo a bateria;
– a Secretaria de Turismo, à época, dava uma subvenção aos dois blocos para que eles desfilassem nos três dias de fevereiro, mesmo sem participarem do desfile oficial;
– o Bafo da Onça nasceu em 12 de dezembro de 1953, oito anos, um mês e nove dias antes do Cacique de Ramos;
– a sede do Cacique de Ramos ocupava, em 1970, todo o andar superior de um shopping-center em Olaria, e a do Bafo da Onça ficava numa casa emprestada, sem telhado, no Catumbi, onde funcionara um cinema;
– o Bafo da Onça ensaiava às sextas e domingos no Clube Minerva, no Catumbi, e aos sábados no Clube Monte Sinai, na Tijuca, na rua São Francisco Xavier 100 (nós morávamos, nessa época, no número 84!!!!!), ao passo que o Cacique de Ramos ensaiava no Palácio do Samba, em Olaria, às sextas e sábados, e aos domingos na sede do Botafogo, no Mourisco.
Falei em curiosidade e quero oferecer essa última imagem, esse último registro de hoje, a meu pai – evidentemente – e também à minha Sorriso Maracanã, ao meu mano Fernando Szegeri e à Lina, minha cunhada favorita, já que os três são useiros e vezeiros do mesmo discurso, de que eu até hoje me porto como uma criança dependente de meu pai, que todos os dias é papai pra lá, papai pra cá, papai isso, papai aquilo.
Há – finalmente descobri uma prova material que me absolve diante deles, quero crer! – uma razão, fortíssima, para tal.
Eis o que descobri num pequeno livro de registros chamado Meu primeiro ano de vida:
Até.
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Ela está no álbum vermelho, aveludado, onde se lê, na capa, NOSSO FILHO, e onde, logo abaixo, há uma daquelas fitas adesivas, preta, com letras em relevo (todo mundo tinha isso, não há nada que me faça lembrar o nome do troço!), escrito EDUARDO BRAGA GOLDENBERG (imagino que deva ter sido mamãe, pacientemente, girando o disco, letra por letra, quem preparou a tal fita), na décima quinta página.
Sobre a fotografia, um papel com a letra de mamãe anuncia: PRIMEIRA VIAGEM (2-9-69). Abaixo da fotografia, outro papelzinho: TERESÓPOLIS.
Eu já lhes contei, quando escrevi DEBUTE NO ENGENHO NOVO (leiam aqui) que uma criança que teve um tio chamado Beneval não pode – não pode mesmo – crescer como as outras. E a mesmíssima obervação vale para quem teve uma tia chamada Alzira que todos chamavam de Zirota (lê-se Ziróta… Fique você aí repetindo, umas cinco, seis vezes, o nome Zirota, veja se não é de causar um frisson de gargalhadas internas e tente dimensionar o que seja isso para uma criança).
Na preto-e-branco acima, que daria arrepios no meu irmão Luiz Antonio Simas, que tem um medo incontrolável dos mortos, daí sua ojeriza à fotografia muito antiga, estou no colo da minha muito amada bisavó (a quem já rendi olímpicas homenagens no BUTECO, notadamente aqui, aqui e aqui), entre mamãe e tia Zirota, irmã de minha bisavó, que morava em Teresópolis. De pé, atrás, a todos escoltando, como sempre, meu velho pai, que fica ainda mais velho amanhã.
Falei em tia Zirota e quero lhes contar um caso muito sério que marcou nossa infância (digo “nossa” porque marcou a de Fefê também, e digo isso sem nem ao menos consultá-lo, tamanha a certeza que tenho do mesmo susto).
Bastava uma brisa mais abusada, um ventinho qualquer, o mais tênue sinal de chuva, e as mulheres da família, mamãe, vovó, minha bisavó, tia Linda, tia Noêmia, tia Irene, partiam para cima de nós e diziam, olhos esbugalhados e em tom dramático:
– Certa ocasião choveu tão forte e ventou tanto, mas tanto, que a pobrezinha da Zirota teve de agarrar-se com as duas mãos nas grades de um portão qualquer para não ser levada!
As mais teatrais juravam de pés juntos:
– Ficou com as pernas em paralelo ao chão, parecia um papel a coitadinha!
Isso fez com que eu NUNCA (com a mais aguda ênfase szegeriana) encarasse uma chuva com naturalidade. Até o dia em que tia Zirota foi oló, bastava um chuvisco inocente e uma lufada de vento para eu discar, com o lápis, o telefone vermelho para Teresópolis:
– Tudo bem, tia Zirota?
E ela ria.
Quando ela estava no Rio, pois passava longas temporadas com as irmãs (Mathilde, minha bisavó, e Hidinha, outra de minhas tias), eu pegava em sua mão na inocente esperança de impedir um novo vôo.
O Fefê, que sempre foi dotado de instintos mais selvagens que os meus, ficava puto:
– Deixa a velha voar, caralho! A gente nunca vai saber se é verdade! – e propunha passeios pelas ruas da Tijuca sempre que o tempo ameaçava virar.
É o que digo sempre…
Os arremessos ao passado me fazem um bem tremendo.
Só vocês estando aqui, diante de mim, para perceberem minha vivíssima expressão de felicidade e de gratidão a meus antepassados.
Até.
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Segunda-feira passada, mantendo uma tradição que começou em 1994, lá se vão quatorze anos, desde os tempos em que vacas obesas tentavam, sem êxito, prejudicar meu pasto, houve jantar de gala na casa de papai e mamãe (a Lina, minha cunhada preferida, há de observar, com sarcasmo, que falo “casa de papai e mamãe” e não “casa de mamãe e papai”, eis que para ela mantenho doentia relação de idolatria com meu velho).
Lá estávamos eu, minha Sorriso Maracanã, Fefê, Lina, e – evidentemente – papai e mamãe. O jantar foi aquele tradicional deleite de todas as segundas-feiras… Bebericamos um uísque no salão branco, beliscamos uma coisa ou outra, abrimos um portentoso vinho, fizemos o costumeiro e franco brinde, até que fomos à mesa no salão de jantar, onde nos esperava um verdadeiro banquete, comme il faut.
Os jantares lá são – todos – rigorosamente imperdíveis. Digo e repito: a presença dos meus velhos são, para mim, combustível para manutenção dos alicerces tão bem fundados em mim.
Mas vamos ao que interessa, que estou enrolando vocês, confesso.
Após o jantar, enquanto todos decidiam entre as incontáveis opções de sobremesa postas à mesa (sorvete de creme, sorvete de flocos, sorvete napolitano, jujuba, goiabada com queijo e banana com canela) – é sempre assim -, escapei e voltei à prospecção das fotografias – são milhares, milhares! – com minha história pessoal.
E voltei com um tesouro nas mãos.
Antes, preparei o clima e passei a contar, numa espécie de performance improvisada, sobre uma interessante faceta de mamãe.
Crescemos ouvindo mamãe dizer, orgulhosa, principalmente diante das crescentes notícias sobre a violência no mundo:
– Filho meu JAMAIS – esse jamais era dito de maneira ritmada, as duas sílabas bem pronunciadas – pegou num revólver, numa metralhadora de brinquedo! Imagina! Imagina! – falava olhando para o teto da sala diante da TV como se falasse com Deus.
Bastava aparecer um sobrinho, um afilhado, um filho de uma amiga, que fosse, com um inocente revólver de plástico, desses que esguicham água, para mamãe estrilar:
– Mas onde é que vamos parar? Precisa dar uma arma dessas pra criança?!
Às vezes, lembro-me bem disso, mamãe exigia o testemunho de papai:
– Isaac, algum dia algum dos meninos pôs o dedo numa dessas escabrosas armas de brinquedo?
Hoje, tudo faz sentido. Papai nunca a respondeu. Como ele fumava, nessa época, e fumava muito (coisa de três, quatro maços de Shelton Lights por dia), a resposta sempre foi uma longa e demorada expelida de fumaça em anéis intermináveis.
Eis, meus poucos mas fiéis leitores, a foto em tamanho gigante que encontrei, datada de junho de 1972 (tinha eu, portanto, três anos de idade), obra da Companhia Fotográfica Euclydes, com sede na cidade de Lins, em São Paulo (isso devia ser um luxo!):
Peço a quem for do ramo – como meu querido Flavinho, por exemplo – que me diga o que é que tenho nas mãos, no instantâneo acima.
Ah, sim. Após a exibição da fotografia na segunda-feira, como não havia mais condições de sustentar seu discurso pacifista, mamãe retirou-se da mesa para dar uma ajeitadinha na cozinha e papai riu, de engasgar, durante dez, doze minutos.
Até.
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