Talvez eu perca, com a publicação do texto de hoje, um de meus últimos amigos (estou exagerando apenas um pouco; vou explicar).
Dia desses, há coisa de – o quê? – uns seis, sete (acho que oito) meses, o H. me escreveu um e-mail. Dizia mais ou menos o seguinte (e eu li como se ouvisse sua voz de intelectual):
– Você pode me fazer um favor? Não cite mais meu nome. Estou pedindo! Estou pedindo!
E ameaçou, ralhando:
– Por enquanto, pedindo!
Respondi, crente que se tratava de uma brincadeira. E o H. desceu da cátedra e perdeu a linha:
– Experimente citar meu nome mais uma vez. Uma vez! Experimente!
Não experimentei.
Mais recentemente (pela ordem alfabética), o C., o F., o I., a L., a M. e a M., num movimento ensaiado como os piquetes do ABC na década de 80, gritaram (à moda do H.):
– Cite seu próprio nome!
E, antigos, disseram em côro:
– O nosso, não, violão!
Vai daí que meus personagens fugiram todos do palco. Foram em vão as tentativas de convencê-los (dentro do espírito é-mentira-mas-é-bonito) a permanecerem vivos nas minhas histórias. Usei argumentos tolos, confesso: eles estavam sendo imortalizados; eu vou morrer, o blog, jamais; essas bossas que não deram em nada.
O J.S. pediu-me algo semelhante. O F.C. também. E por aí (o V., amigo de há séculos, idem).
Apenas um – por pena de mim ou por aguda falta de tempo – não me fez pedido algum nesse sentido (e encho a boca para dizer seu nome por escrito, aqui no Buteco, e talvez pela última vez): Fernando José Szegeri.
Ontem à noite, enquanto eu dirigia, piscou seu nome no ecrã do celular (e, junto com seu nome, sua fotografia). Como por ele eu corro o risco da multa, atendi. Fui efusivo:
– Boa noite, querido!
E ele, nada efusivo:
– Tá podendo falar?
Menti:
– Arrã.
Ele, grave:
– Posso te pedir uma coisa, Eduardo? – ele nunca me chamou assim, pelo nome.
Com medo de que eu fosse ouvir o tal pedido (o tom de sua voz era o mesmo tom de voz do H., quando li seu email), desliguei. Desliguei a ligação e desliguei o aparelho.
Dito isso, vamos em frente. Hoje quero lhes contar sobre a última vinda do portentoso Fernando José Szegeri ao Rio de Janeiro.
Quando papai soube que ele viria (e que chegaria num sábado), decretou:
– Domingo ele almoça lá em casa conosco!
Meu irmão do meio (notem que não declino mais o nome de ninguém), que estava ao lado de papai quando anunciei a vinda do homem da barba amazônica, disse:
– Vou levar um puro para ele fumar!
E houve, na família, a euforia de sempre, a mobilização coletiva que só ele merece.
Mamãe preparou um cozido (uma de suas especialidades). Vovó chegou com a sobremesa que ela mesmo fez. Meu irmão levou, de fato, o puro cubano que prometera. Minha cunhada cantou tangos em homenagem a ele ao longo da tarde. A empregada de mamãe, que não trabalha aos domingos, fez questão de ir trabalhar e não admitiu receber nem o do ônibus! Meus tios se despencaram da Barra da Tijuca para ver o sobrinho. E o almoço transcorreu como se estivéssemos numa vernissage, e Fernando José Szegeri, é claro, desempenhando o papel do artista plástico, assediado, adorado, tocado, farejado, procurado para um papinho rápido que fosse. Tratado, enfim, como o gênio que ele é.

Ele fez questão de fumar o charuto depois do almoço, sentado na mais portentosa poltrona que há na sala da casa de papai e mamãe. Aliás, sobre isso, um pequeno detalhe.
Quando chegamos – eu, ele e minha menina – fui direto em direção à poltrona (é confortabilíssima, a tal poltrona). Mamãe, estrilou:
– Nã, nã, ni, nã, não!
E meu pai, por trás:
– Essa poltrona é do Szegeri! É do Szegeri! – e explodiu em ruidosa gargalhada.
Voltando ao charuto.

O homem da barba amazônica dava baforadas que – reparem! – só os grandes comunistas dão.
E enquanto ele fumava ali, quieto, na dele (sempre assediado pelas pessoas), fazendo gracinha com a fumaça que exalava (ele fez uma foice e depois um martelo com a espessa fumaça do charuto) sentado na mais fantástica poltrona da casa de meus pais (meus pais têm uma verdadeira coleção de poltronas), lembrei-me de uma história tristíssima, mas real, e que quero contar pra vocês.
Estive em São Paulo em meados de 2007. E bati o telefone pro Szegeri, uns dias antes:
– Posso te pedir uma coisa?! – eufórico.
E ele, protocolar:
– Fala.
– Eu queria demais encontrar com o Augusto, com o Favela, com o Borgonovi, com o Marcão, com o Capitão Leo e com o Julio Vellozo no Valadares! Você combina com eles?
– Arrã.
– Eu chego sexta. Sexta às nove? Tá bom?
– Tá. Quer que eu te pegue na porra do aeroporto?
– Não precisa. Encontre comigo no Valadares. O.K.? Ah! E avise ao Bruno e ao Gordo!
– Arrã. Pode deixar.

E eis o que aconteceu…
Ninguém – nem ele, Fernando José Szegeri – apareceu no bar. Ninguém.
Quando eu digo pra vocês, meus poucos mas fiéis leitores, que o homem da barba amazônica dedica-se, como jardineiro orgulhoso de seu jardim, a cultivar humilhações impostas em doses homeopáticas a mim, eu não minto.
Eu não apenas lembrei-me dessa história.
Eu a contei, em voz alta.
Papai gritou:
– Bem feito!
E Fernando José Szegeri (o instantâneo foi tirado nesse exato momento) afastou de leve o charuto para explodir, junto com meu pai, numa acachapante gargalhada, confirmando o fato que até hoje dói em mim.

Até.