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O Bonifácio era tido pelos amigos como um sujeito double face, como sempre anunciava a Nininha, uma das freqüentadoras daquele buteco na Praça da Bandeira, professora de inglês que era tida pelos demais como uma intelectual graças à capacidade de falar três línguas. Era o Bonifácio beber um bocadinho mais, o que acontecia quase que diariamente, e o que vinha de grossura, de inconveniência, não estava no gibi.
Foi o Tuca quem disse num comecinho de noite, finzinho de tarde, escorado no balcão, espremendo limão sobre as sardinhas da porção:
– Quase seis. Daqui a pouco o Bonifácio chega e já viu, né?
Quase profético.
Com as badaladas do sino chega o Bonifácio, atravessando a rua esbaforido, chegando do trabalho.
– Limãozinho da casa, please… – era o Facinho, como era chamado pela turma, imitando a Nininha no inglês de pronúncia detestável.
Às oito o Bonifácio já estava no sexto limãozinho, bebericando a Polar dos amigos, e neguinho, que não perdia uma, formando uma rodinha em torno do encrenqueiro.
Entra um casal jamais visto na área. Ele de terno mal passado e ela com uma barriga denunciando uma gravidez de oito meses.
O casal senta à mesa mas o cara se levanta. Vai ao balcão:
– Minha gente, é possível apagar os cigarros? Minha esposa está grávida…
Todos, sem exceção, puseram as mãos na testa. Sabiam que Facinho não deixaria aquilo sem resposta.
Ele mesmo, Bonifácio, deu um passo à frente. E lançando poderosa baforada de fumaça na cara do elemento, segurando o cara pelo braço, vai à mesa com ele.
Bonifácio faz o cara sentar.
Lança novo rolo de fumaça, agora sobre a grávida. E diz, com o indicador na altura do umbigo da moça:
– Meu brother… O que ´tá aqui dentro é teu?
Não esperou resposta.
– Se tu não tem competência nem pra isso, vai mandar apagar cigarro na puta que os pariu!
O Clélio esboçou reagir mas Edileuza fez “senta, senta, senta, meu bem… deixa pra lá…”.
Bonifácio de volta ao balcão pede um charuto baiano pro Tedesco, gerente da espelunca.
– Não provoca, Bonifácio… – disse o Tedesco já estendendo o robusto em direção ao Bonifácio.
Bonifácio soltava baforadas olímpicas dando um ar de pub ao buteco.
Clélio e Edileuza saíram. E Bonifácio fez questão de ir encontrá-los na porta.
– Bom parto, minha senhora. E você, otário, vê se assume! – e gargalhou como um Zé Pelintra.
Dificilmente alguém tinha coragem de reagir.
Bonifácio tinha dois metros e dez, corpulento, parrudo, uma boca enorme, uma voz potentíssima, e exibia sempre os braços, tatuados, que desencorajavam qualquer esboço de revide.
Entra um taxista, mirrado, coitado, e vai ao balcão. Pede licença à turba junto dele, e diz ao Tedesco:
– Boa noite. O senhor sabe me informar aonde fica o motel Málaga?
Antes mesmo do Tedesco responder, Bonifácio se mete:
– Pra quê tu quer saber?
O famélico motorista passa o Bonifácio em revista, dos pés à cabeça, o que lhe tomou uns bons 20 segundos, e disse:
– Boa noite.
– Good night – respondeu Bonifácio.
– Minha esposa me aguarda.
– Puta?
– Bo-ni-fá-cio! – gritou o Tedesco abrindo os braços num apelo.
– Deixa ele. Não. Não é puta não – tremendo visivelmente.
– Vai fazer o que lá, bonitão? – isso dito quase que boca a boca.
– Te interessa?
Bonifácio segurou o Aderbal pela cintura, com as duas mãos engorduradas, o charuto pendendo da boca, e disse:
– Se eu tô perguntando, animal, é porque interessa… Vai me dizer?
– Vou namorar – disse dando tapinhas no ombro do Bonifácio, o taxista.
– Vou contigo. Tedesco, segura a conta que depois eu volto.
– Comigo? – as perninhas balançando no ar.
– Any problem?
– Heim?
– Ele perguntou se tem algum problema – traduziu a Nininha.
– Nã… nã… não.
Partiram os dois, Bonifácio levando o Aderbal no colo, assumindo a direção.
– Me esperem. Volto pra contar sobre a performance da vadia!
E partiu gargalhando, entrando na Matoso, o charuto ainda na boca, tomando a direção do Málaga.
Até.