Pronto! Hoje, sim, volto ao tema que restringiu-se ao título do texto que publiquei ontem, aqui. Sentei-me ontem, cedíssimo, diante do computador com o firme propósito de falar sobre o assunto que foi engolido sabe-lá por quê. E decidi falar sobre ele depois da noite de segunda-feira, quando fechamos a noite, eu e mais um grupo de amigos (nesse exercício salubérrimo que nada tem a ver com preguiça como querem fazer crer os pobres-diabos que pululam por aí), no GALETO COLUMBIA, fabuloso bar na esquina da Afonso Pena com a Haddock Lobo e sua monstruosa calçada que invadiu a rua de forma comovente, e suas dezenas de mesas espalhadas do lado de fora, e seu gigantesco toldo (que naquela noite nos abrigou da chuva), e seu chope cremoso e sua comida fora-de-série, e uma quantidade absurda de barrigas indecentes, mulheres bonitas e crianças, sempre muitas crianças – cenário clássico na minha Tijuca, muito mais humana e mais bacana do que se possa imaginar.
O que eu estava dizendo?!
Ah, sim.
À certa altura da noite (foram mais de 50 chopes), eu disse com o bigode branco que o colarinho cria:
– A maciça presença das mulheres nos estádios contribui, e muito, para o fim do futebol.
Eu disse isso e fui ao banheiro, deixando a mesa em polvorosa.
Notem, meus poucos mas fiéis leitores, que não sou exatamente um polêmico. Dito isso, vamos esmiuçar o tema.
Eu sou do tempo em que o Maracanã era um templo de concreto onde se bebia cerveja de forma industrial. Lembro-me de chegar, diversas vezes, às 13h (ou até antes, como no caso da final entre Flamengo e Santos, no Campeonato Brasileiro de 1983, quando entrei no gigante às 11h45min da manhã!) para o jogo das 17h (não havia essa prostituição de horários comandada pelos gigolôs da TV, os jogos eram sempre às 17h) só pra ficar no bar ouvindo samba e bebericando devagar (eu, é claro, afinal eu tinha 14 anos…). Eu sou do tempo do cachorro-quente da Geneal, do vendedor de mate e de limão, do vendedor de bandeira disputando espaço entre bundas, pernas, barrigas e cabeças espremidas nas arquibancadas livres e sem cadeiras de plástico. Sou do tempo da geral, dos geraldinos, e sou do tempo em que aquilo era um Coliseu de bárbaros e seus radinhos de pilha que, diante da imagem da raríssima mulher apontando numa das entradas da arquibancada, gritavam num coro afinadíssimo:
– Piranha! Piranha! Piranha!
Era tudo um ritual plástico, apenas. Ninguém tocava na rara, na escassa, na bissexta, na ocasional torcedora. Ela, por sua vez, sorria e rebolava, dava acenos, jogava beijos, e tudo ficava por isso mesmo. Ela fazia o papel, digamos assim, das gostosas que desfilam pelo ringue, nas lutas de boxe, levantando a placa com o número do próximo round de cada luta. Era puro sarro, diversão garantida. Poucas mulheres – e acho que poderia contá-las nos dedos de uma única mão – não mereciam o coro: Dulce Rosalina Ponce de León e suas pulseiras do punho ao cotovelo, torcedora-símbolo do Vasco, Laura de Carvalho, rubro-negra de escol e Rute Araújo Rodrigues, do America (Botafogo e Fluminense, que eu me lembre, não tinham nada do gênero). E só.
O que se vê hoje?
Antes de hoje quero lhes contar um troço (foi quando comecei a me incomodar com a proliferação de mulheres nos estádios).
Antes de lhes contar o que quero, vamos ao que disse Nelson Rodrigues no fabuloso À SOMBRA DAS CHUTEIRAS IMORTAIS: CRÔNICAS DE FUTEBOL:

Nelson falava sobre o futebol de 1911, um ano antes de seu nascimento. Referia-se ele, por óbvio, às Dulces Rosalinas da época, às mulheres que “usavam umas ancas imensas e intransportáveis”, em aguda oposição às famélicas, às saradas, às anoréxicas de hoje. Voltemos a mim.
Era 12 de julho de 1989. O Brasil enfrentaria, à noite, no Maracanã, a Argentina, pela Copa América. Eu comprara, semanas antes, meus ingressos para o jogo (fui com meu queridíssimo Marcelo Vidal). Para vocês terem uma idéia, enfrentamos um tumulto até então sem precedentes para entrar no estádio. Vidal, eu bem me lembro, chegou a ser atingido por um rolo de fumaça de gás lacrimogêneo depois de atravessarmos patas e mais patas de cavalos da polícia na entrada da UERJ (a do Belini estava ainda mais insuportável). No interior do estádio, quando comia solta a roubalheira quanto ao público pagante, exatas e precisas 100.135 pessoas. Pois bem… Entramos, subimos a rampa, entramos à direita e fomos sentar atrás do gol, e já não havia lugares disponíveis (quem é dessa época sabe do que estou falando).
Uma quantidade inacreditável de moças, divorciadas do cenário, gritava:
– Branco, cadê você?
– Bebeto, gostoso!
– Ricardo Gomes! Ricardo! Eu te amo.
Outra, mais deslocada:
– Caniggia! Quero você! Quero você!
Esses troços.
Estacamos diante de um bloco feminino, pedimos licença e sentamos.
– Ai, moço, não vê que não tá dando?
Acendi o cigarro.
A ninfeta do meu lado:
– Ui! Que horror! Apaga esse cigarro! – e ficou abanando o próprio rosto com carinha e boquinha de nojo.
Dissemos uma meia-dúzia de palavras impublicáveis, as mocinhas choraram e foram sabe-se lá pra onde. Lembro-me vivamente do Vidal recomendar às moças, candidamente, quando elas já se retiravam do nosso lugar, que fossem pra casa ver O SALVADOR DA PÁTRIA. Fecha o pano.
Hoje, nos estádios, há mulheres por todos os cantos (e quase nenhuma Dulce Rosalina).
É evidente que não me refiro, aqui, às Dulces Rosalinas de amanhã: Betinha, Lelê Peitos, Leonor Macedo, essas moças que discutem futebol de igual pra igual, que xingam como o mais impolido dos geraldinos (que não existem mais…), que lamentam o fim da cerveja nos estádios, que fazem o diabo por seus times.
Falo das moças festivas, se é que me faço entender, das moças sem ancas e sem celulite, das moças que não suam e que não fedem (o cê-cê é imprescindível para a grandeza do espetáculo).
Das que vão ao estádio com seus namorados (pitboys geralmente sem camisa, portando cordões de prata da grossura da coleira de um cão feroz), que acham brega o radinho de pilha, que dão graças a Deus pela ausência de bebida alcóolica, que adoram as cadeirinhas insuportáveis de plástico, que cantam esses detestáveis hits que as torcidas organizadas vêm dando de inventar, que fazem auto-retratos durante as partidas e os enviam, pelo celular, a fim de aparecerem no placar do estádio (pelo Brasil afora também tem isso?). Dessas moças que vão ao estádio como quem vai a uma festa rave.
As anti-torcedoras.
É a essas moças que me refiro.
Se você solta um palavrão cabeludo, daqueles que os estádios pedem (é preciso que haja um flanar permanente de palavrões no ar), elas te olham feio (e os maridos, as bestas que as carregam pro estádio, também), te repreendem, e é bem capaz de um pitboy te ameaçar como demonstração equivocada de carinho.
Essas mulheres nos estádios de futebol são um componente a mais dentro dessas estrutura que vem, aos poucos, acabando com o espetáculo. É como o cara que dá mais atenção ao limão do mictório do que ao limão da casa, sabem como?
Até.