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FALTAM 10 DIAS PRO BOLA PRETA

De hoje, quarta-feira, 08 de fevereiro de 2012, a sábado são apenas dez dias até o ápice do Carnaval carioca, o desfile do Cordão da Bola Preta. Quem me lê sabe: trato o desfile do Bola Preta com a ansiedade de um réveillon. É, definitivamente, o ponto do alto do tríduo momesco, e eu já não consigo (como se a ansiedade não me fosse uma companhia constante) esconder, justamente, a dita cuja. Já conto as horas, já planejo a sexta-feira, já penso na garrafa de champagne que vai pro gelo pra ser aberta à meia-noite, e há, em mim – em mim, em mim, dentro de mim – todo o desenrolar de um filme com cenas dos meu melhores momentos no Bola Preta, bloco-procissão que me redime, que me imola, que me consome, que me consola, que me renova, que me transforma, que me agonia, que me transborda.

Vejam vocês, uma coisa (é que tenho, além de tudo, aguda saudade de Fernando Szegeri, na intenção de quem segue esse rabisco de hoje).

Estamos no ano de 2004.

Desfilávamos no Cordão do Bola Preta (já não me recordo se a foto é do domingo, no Cordão do Boitatá… acho que é). Eu e Szegeri encontramos, no Largo de São Francisco, com a Betinha. E o turbilhão que me invade também me confunde (acho que essa foto foi feita em 2004, repetindo uma pose de anos antes). Sei que quando Fernando Szegeri bateu os olhos na Betinha pela primeira vez (já sob a mira da pistola do Flavinho), disse:

– Minha musa… – e encheu os olhos-poço d´água.

E disse mais, meu mano:

– Edu, tire uma foto, por favor… Meu pai não vai acreditar que conheci uma moça tão bonita, mais bonita que minha pipa de sete cores que ganhei  do meu avô, quando menino.

Passaram-se os anos, veio o ano de 2006, a espera pelo Carnaval de 2007.

Enquanto eu esperava o Bola Preta, já em dezembro, Stê e Szegeri esperavam, em São Paulo, com ainda mais ansiedade, pela Rosa.

E a Rosa veio – antes do Bola Preta.

Deu-se a bulha na cabeça do meu irmão. A filhota pequena, meses de vida, não permitiria sua vinda para o Rio de Janeiro, interromperia uma tradição de mais de duas décadas, e trocamos incontáveis e-mails, ele se lamuriando de lá, eu prometendo a ele sua presença no glorioso cordão. Situação, convenhamos, non sense demais. Era mais ou menos assim:

– Ah, Edu, já me convenci. Não estarei no Bola Preta no sábado.

– Não se preocupe, querido. Você vai desfilar.

Ele, de lá, redarguia:

– Não adianta, mano… Já falei com a Stê, vou mesmo ficar por aqui.

E eu me despedia:

– Até o sábado de Carnaval.

Eis que veio a sexta-feira e eu vivi, talvez pela primeira vez, de forma bruta, a experiência da morte: dormi Eduardo Goldenberg e acordei Fernando Szegeri.

Repeti, na Cinelândia (sempre sob a mira da pistola do Flavinho), o gesto de anos antes.

Pus o chapéu de palha, olhos-poço, a camisa do Palmeiras, a barba amazônica, os óculos idênticos. Eu era, na íntegra, Fernando José Szegeri.

E deu-se o milagre do Carnaval.

Contou-me, o bom Szegeri, à noite, por telefone, que ele recebera uma ligação de um amigo seu, de São Paulo, diretamente do Cordão da Bola Preta. Disse, seu amigo, aos gritos:

– Pô, Fernando! Te vi de longe, te vi de longe! Você não está com a camisa do Palmeiras? Acabou que você veio?

Até.

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NOS BRAÇOS DE ISABEL

Esse exercício que venho fazendo, há algumas semanas, de ver e rever fotografias em busca permanente da imagem da minha menina, tem me sido fonte permanente de intensas emoções. Ver e rever o quanto vivemos, o quanto fizemos, o tanto que fomos felizes, tem me feito um tremendo bem – como um tremendo bem me fez reunir-me com os mais queridos no sábado passado para comemorar os 40 anos da Dani, como lhes contei aqui.

Houve um momento, entretanto, no sábado, que a saudade foi mais aguda, que a dor – ainda que caracterizada por uma leve e rápida pontada no meu combalido coração – se fez presente por alguns momentos. E, sim, vou dividir o momento com vocês, e quero fazer, antes, brevíssima digressão.

Cheguei a lhes dizer, recentemente, que eu sumiria, por um tempo, daqui do blog. Cheguei a lhes dizer que eu seria mais econômico na exposição de minhas emoções, que eu seria mais recluso, menos vitrine de mim mesmo. Ocorre, meus poucos mas fiéis leitores, que eu sou um homem pela metade sem o exercício da escrita. E como o exercício da escrita, para mim, tem conotações de expurgo, de confissão, verdadeiro sacerdócio que não me permito não viver, eis-me de volta – e por inteiro. Voltemos.

Foi quando a Betinha contou-me, de olhos levemente marejados, episódio vivido com a Dani dois dias antes de seu desaparecimento. E faço nova pausa.

Muitas pessoas, o que é absolutamente compreensível, me perguntaram (de formas diferentes) a mesma coisa:

– A Dani sabia que a morte estava próxima?

A mim – eis mais uma confissão – sempre pareceu que sim. Mas Dani era (é) a própria vida. A certeza que ela tinha da proximidade da morte residia nas conversas em que isso surgia sempre de forma velada, sem que o nome – morte – fosse explicitamente falado.

E vocês entenderão, mais que nunca, porque é que a Isabel, filha mais nova dos meus queridos Betinha e Flavinho, é uma criança que me comove de maneira muito aguda. Tanto que eu não consigo, simplesmente não consigo, ter a pequena nos braços sem cantar pra ela: “Nos braços de Isabel eu sou mais homem, nos braços de Isabel eu sou um Deus…”. Entretanto, ela – a pequena Isabel (na fotografia, abaixo, no colo da Dani) – é que foi deusa sem saber, divindade mágica que coloriu o fim do caminho da minha garota.

Era 06 de julho de 2011, três dias antes do desaparecimento da Dani (notem que eu, que escrevo sem muito pensar, num derramamento quase-mediúnico), quando eu bati o telefone pra Betinha, da rua, do bar, pra onde fui comprar cigarros. Chorando pacas, eu disse:

– Dani está morrendo, Betinha… Venha vê-la, por favor… Ela não pediria isso jamais a você, nem eu mesmo pediria se não tivesse a certeza de que o fim está próximo, mas bem sei o quanto ela gostará de estar contigo… – e por aí.

Pedi – acho que pedi – que ela levasse a Isabel. Dani amava criança, era (é!) madrinha de muitas crianças, e elas, as crianças, também não resistiam ao sorriso, ao colo, ao dengo, à ternura que a Dani era. Não ter sido mãe (mas foi, sim, de certo modo, mãe sempre que foi madrinha!) foi uma das maiores peças que a vida pregou pra ela…

Pois Betinha e Flavinho – assim são os amigos – estiveram lá em casa na tarde do dia seguinte, 07 de julho. E com a Isabel.

Quando eu cheguei em casa, voltando do trabalho, nesse dia, os três já tinham ido embora, mas encontrei minha menina, já bastante combalida, absolutamente feliz. Contou-me da visita que ela julgava ter sido de surpresa, contou-me da Isabel, contou-me que Isabel ficou em seu colo por muito tempo, que dormiu em seu colo… E ela estava, de fato, muito contente com tudo aquilo.

Eis, então, o que eu só soube no sábado.

Lembramos daquela tarde e a Betinha me disse – e a Isabel estava lá, conosco, no Real Chopp – que não esqueceria, nunca, do que a Dani dissera à pequenina em seu colo. Fiz aquela cara de “o-quê?” e deu-se em mim um arremesso em direção à nossa casa, ao cenário, e pude ouvir a voz mais doce da mulher que me ensinou a sorrir conversando com a Isabel.

Dani, sentada na cama e com Isabel, com meses de vida, em seu colo, voltada pra ela, disse, olhos nos olhos:

– Isabel… você não vai lembrar da tia Dani, sabe? Mas você vai sempre lembrar, meu amor, da energia da tia Dani, das vibrações da tia Dani…

E eu preciso – por razões óbvias – parar por aqui.

Até.

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MULHERES NO ESTÁDIO DE FUTEBOL

Pronto! Hoje, sim, volto ao tema que restringiu-se ao título do texto que publiquei ontem, aqui. Sentei-me ontem, cedíssimo, diante do computador com o firme propósito de falar sobre o assunto que foi engolido sabe-lá por quê. E decidi falar sobre ele depois da noite de segunda-feira, quando fechamos a noite, eu e mais um grupo de amigos (nesse exercício salubérrimo que nada tem a ver com preguiça como querem fazer crer os pobres-diabos que pululam por aí), no GALETO COLUMBIA, fabuloso bar na esquina da Afonso Pena com a Haddock Lobo e sua monstruosa calçada que invadiu a rua de forma comovente, e suas dezenas de mesas espalhadas do lado de fora, e seu gigantesco toldo (que naquela noite nos abrigou da chuva), e seu chope cremoso e sua comida fora-de-série, e uma quantidade absurda de barrigas indecentes, mulheres bonitas e crianças, sempre muitas crianças – cenário clássico na minha Tijuca, muito mais humana e mais bacana do que se possa imaginar.

O que eu estava dizendo?!

Ah, sim.

À certa altura da noite (foram mais de 50 chopes), eu disse com o bigode branco que o colarinho cria:

– A maciça presença das mulheres nos estádios contribui, e muito, para o fim do futebol.

Eu disse isso e fui ao banheiro, deixando a mesa em polvorosa.

Notem, meus poucos mas fiéis leitores, que não sou exatamente um polêmico. Dito isso, vamos esmiuçar o tema.

Eu sou do tempo em que o Maracanã era um templo de concreto onde se bebia cerveja de forma industrial. Lembro-me de chegar, diversas vezes, às 13h (ou até antes, como no caso da final entre Flamengo e Santos, no Campeonato Brasileiro de 1983, quando entrei no gigante às 11h45min da manhã!) para o jogo das 17h (não havia essa prostituição de horários comandada pelos gigolôs da TV, os jogos eram sempre às 17h) só pra ficar no bar ouvindo samba e bebericando devagar (eu, é claro, afinal eu tinha 14 anos…). Eu sou do tempo do cachorro-quente da Geneal, do vendedor de mate e de limão, do vendedor de bandeira disputando espaço entre bundas, pernas, barrigas e cabeças espremidas nas arquibancadas livres e sem cadeiras de plástico. Sou do tempo da geral, dos geraldinos, e sou do tempo em que aquilo era um Coliseu de bárbaros e seus radinhos de pilha que, diante da imagem da raríssima mulher apontando numa das entradas da arquibancada, gritavam num coro afinadíssimo:

– Piranha! Piranha! Piranha!

Era tudo um ritual plástico, apenas. Ninguém tocava na rara, na escassa, na bissexta, na ocasional torcedora. Ela, por sua vez, sorria e rebolava, dava acenos, jogava beijos, e tudo ficava por isso mesmo. Ela fazia o papel, digamos assim, das gostosas que desfilam pelo ringue, nas lutas de boxe, levantando a placa com o número do próximo round de cada luta. Era puro sarro, diversão garantida. Poucas mulheres – e acho que poderia contá-las nos dedos de uma única mão – não mereciam o coro: Dulce Rosalina Ponce de León e suas pulseiras do punho ao cotovelo, torcedora-símbolo do Vasco, Laura de Carvalho, rubro-negra de escol e Rute Araújo Rodrigues, do America (Botafogo e Fluminense, que eu me lembre, não tinham nada do gênero). E só.

O que se vê hoje?

Antes de hoje quero lhes contar um troço (foi quando comecei a me incomodar com a proliferação de mulheres nos estádios).

Antes de lhes contar o que quero, vamos ao que disse Nelson Rodrigues no fabuloso À SOMBRA DAS CHUTEIRAS IMORTAIS: CRÔNICAS DE FUTEBOL:

trecho do livro Á SOMBRA DAS CHUTEIRAS IMORTAIS: CRÔNICAS DE FUTEBOL, de Nelson Rodrigues

Nelson falava sobre o futebol de 1911, um ano antes de seu nascimento. Referia-se ele, por óbvio, às Dulces Rosalinas da época, às mulheres que “usavam umas ancas imensas e intransportáveis”, em aguda oposição às famélicas, às saradas, às anoréxicas de hoje. Voltemos a mim.

Era 12 de julho de 1989. O Brasil enfrentaria, à noite, no Maracanã, a Argentina, pela Copa América. Eu comprara, semanas antes, meus ingressos para o jogo (fui com meu queridíssimo Marcelo Vidal). Para vocês terem uma idéia, enfrentamos um tumulto até então sem precedentes para entrar no estádio. Vidal, eu bem me lembro, chegou a ser atingido por um rolo de fumaça de gás lacrimogêneo depois de atravessarmos patas e mais patas de cavalos da polícia na entrada da UERJ (a do Belini estava ainda mais insuportável). No interior do estádio, quando comia solta a roubalheira quanto ao público pagante, exatas e precisas 100.135 pessoas. Pois bem… Entramos, subimos a rampa, entramos à direita e fomos sentar atrás do gol, e já não havia lugares disponíveis (quem é dessa época sabe do que estou falando).

Uma quantidade inacreditável de moças, divorciadas do cenário, gritava:

– Branco, cadê você?

– Bebeto, gostoso!

– Ricardo Gomes! Ricardo! Eu te amo.

Outra, mais deslocada:

– Caniggia! Quero você! Quero você!

Esses troços.

Estacamos diante de um bloco feminino, pedimos licença e sentamos.

– Ai, moço, não vê que não tá dando?

Acendi o cigarro.

A ninfeta do meu lado:

– Ui! Que horror! Apaga esse cigarro! – e ficou abanando o próprio rosto com carinha e boquinha de nojo.

Dissemos uma meia-dúzia de palavras impublicáveis, as mocinhas choraram e foram sabe-se lá pra onde. Lembro-me vivamente do Vidal recomendar às moças, candidamente, quando elas já se retiravam do nosso lugar, que fossem pra casa ver O SALVADOR DA PÁTRIA. Fecha o pano.

Hoje, nos estádios, há mulheres por todos os cantos (e quase nenhuma Dulce Rosalina).

É evidente que não me refiro, aqui, às Dulces Rosalinas de amanhã: Betinha, Lelê Peitos, Leonor Macedo, essas moças que discutem futebol de igual pra igual, que xingam como o mais impolido dos geraldinos (que não existem mais…), que lamentam o fim da cerveja nos estádios, que fazem o diabo por seus times.

Falo das moças festivas, se é que me faço entender, das moças sem ancas e sem celulite, das moças que não suam e que não fedem (o cê-cê é imprescindível para a grandeza do espetáculo).

Das que vão ao estádio com seus namorados (pitboys geralmente sem camisa, portando cordões de prata da grossura da coleira de um cão feroz), que acham brega o radinho de pilha, que dão graças a Deus pela ausência de bebida alcóolica, que adoram as cadeirinhas insuportáveis de plástico, que cantam esses detestáveis hits que as torcidas organizadas vêm dando de inventar, que fazem auto-retratos durante as partidas e os enviam, pelo celular, a fim de aparecerem no placar do estádio (pelo Brasil afora também tem isso?). Dessas moças que vão ao estádio como quem vai a uma festa rave.

As anti-torcedoras.

É a essas moças que me refiro.

Se você solta um palavrão cabeludo, daqueles que os estádios pedem (é preciso que haja um flanar permanente de palavrões no ar), elas te olham feio (e os maridos, as bestas que as carregam pro estádio, também), te repreendem, e é bem capaz de um pitboy te ameaçar como demonstração equivocada de carinho.

Essas mulheres nos estádios de futebol são um componente a mais dentro dessas estrutura que vem, aos poucos, acabando com o espetáculo. É como o cara que dá mais atenção ao limão do mictório do que ao limão da casa, sabem como?

Até.

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SÁBADO EM PAQUETÁ

O Rio viveu, no sábado, um dia glorioso, um dia desses que nos enche o coração de alegria, um dia desses em que sentimos uma flecha a menos no peito do padroeiro e que nos dá a certeza de que estamos salvos.

Teve samba na mais carioca das ruas, a rua do Ouvidor, em frente à livraria do meu coração, a Folha Seca, pra comemorar lançamento de livro do Pimentel e CD do Zé Luiz do Império.

E teve samba, também, em Paquetá, para o lançamento carioca do CD que registra a presença da Cristina Buarque no terreiro da rapaziada, competentíssima, do Terreiro Grande.

Minha garota queria, há anos, conhecer Paquetá. Surgiu, então, a oportunidade perfeita, capaz de me fazer, não sem dor, abrir mão de mais um sábado naquele canto da velha cidade, onde assenta-se o verdadeiro axé que mantém pulsante o coração carioca.

Não estive, portanto, no samba da Ouvidor. Mas quem lá esteve, como meu querido Luiz Antonio Simas, viveu uma grande tarde, o que pode ser atestado com a leitura de Antologia carioca, crônica escrita por um sóbrio Simas, que nada bebeu durante todo o sábado – leiam aqui. Sobre o samba de lá, também escreveu Maria Helena Ferrari, mãe do poço artesiano de ternura, aqui.

O furdunço em Paquetá começou com o embarque na Itapetininga; eu, minha Sorriso Maracanã e a Betinha juntamo-nos à multidão que partia, feliz da vida, em direção à ilha.

Teve samba no embarque, teve samba durante a agradabilíssima viagem de pouco mais de uma hora, e teve samba – e muito, e muito bom! – na esquina das ruas Doutor Lacerda e Pinheiro Freire, em frente a um bar que, verdade seja dita, manteve a cerveja, do primeiro ao último minuto, gelada, geladíssima, com capa nevada de gelo – o que é, convenhamos, raríssimo.

roda de samba em Paquetá, 24 de novembro de 2007
roda de samba em Paquetá, 24 de novembro de 2007
roda de samba em Paquetá, 24 de novembro de 2007

Assim que desembarcamos em Paquetá fomos dar uma volta pela ilha. Amanhã, sem falta, conto a vocês sobre o passeio que me lançou ao passado com uma força e uma intensidade difíceis de segurar.

vista da barca, saindo de Paquetá, 24 de novembro de 2007

Até.

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MONUMENTAL DOMINGO

Estar com o Fefê é, sempre, garantia de bons momentos. Foi por isso que quando combinamos a ida à feira, ainda no sábado à noite, eu passei a ser um homem dotado de uma certeza: meu domingo seria agradabilíssimo.

Acordei no domingo, como é praxe, antes das sete.

E já sentia, enquanto escovava os dentes, – sou um sentimentalóide mais agudo a cada dia que passa – saudades olímpicas do Simas. Eu já sabia, desde a quinta-feira, que ele e sua doce companheira estariam fora no domingo. E como eu faço a feira com esse carioca máximo há não sei quantos domingos, nada mais natural do que sentir-lhe a falta de maneira olímpica.

Lá fui eu à feira e lá fui à barraca de pastel com caldo de cana, o ponto de encontro de todos os domingos. Foi quando chegou o Fefê, e eu passei a ser, dali em diante, um homem em estado de graça. Não sei quanto a vocês, mas eu sofro uma espécie febril de carinho pelo meu irmão. Tê-lo como companhia é, por isso também, imprescindível. Dito isso, em frente.

Além de ser um sujeito sentimental, eu sou, também, ligeiramente invejoso. E além de ligeiramente invejoso sou, ainda, um sujeito que precisa dos ritos e dos rituais para ser alguém.

Daí juntei a inveja que sentia desde que o Szegeri serviu camarões gigantesco em sua casa – vejam aqui – à necessidade de celebrar a presença de Luiz Antônio Simas em minha vida.

Foi quando decidi, com o Fefê maravilhado ao meu lado, comprar um quilo e meio de camarões que fazem os camarões do Szegeri parecerem filhotes prematuros de camarões miúdos.

E comprei os camarões – eis a confissão essencial – para o Simas.

Da feira tomamos a direção do Bar do Chico. Bebemos duas cervejas e fomos pra casa.

Afinal, tínhamos a intenção de assistir ao show da Mart´nália no Museu do Açude, às duas e meia da tarde.

Chegamos em casa e nos esperavam Dani e Betinha – que na véspera havia combinado de estar em nossa casa antes do meio-dia de domingo!, num desses arroubos de saudade pré-datada.

Foi quando fiz a primeira leva de camarões.

camarão com azeite e alho

Umas doses de uísque, gemidos coletivos em razão do sabor dos camarões, e tomamos o rumo do Museu do Açude.

Tratava-se do projeto Brunch Cultural (nomezinho detestável), promovido pelo Museu do Açude em parceria com o Governo do Estado e com uma empresa de telefonia celular.

Show grátis, anunciavam os jornais.

Chegamos, sentamo-nos à mesa, pedimos uma garrafa de vinho, fazia um frio polar.

(dia desses escrevo sobre o estranhíssimo público da Mart´nália)

Fim da primeira garrafa, pedimos a segunda.

O pau comendo no palco muito por conta do quarteto da percussão, Jr. Crispin, Menino Ovídio (neto do grande Ovídio Brito), Macaco Branco e Cassiano, parceiros e amigos da G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel, e da simpatia e carisma das duas irmãs, Analimar (vocal e percussão) e Mart´nália.

Jr. Crispin, Analimar, Mart´nália e Macaco Branco, Museu do Açude, primeiro de julho de 2007

Final do show – ótimo – e pedimos a conta.

Antes, porém, leiam o que saiu publicado anunciando o show:

“O Brunch Cultural do Museu do Açude, um dos programas mais charmosos do Rio, (…).

(…). O show tem entrada franca, e o bufê da Casa dos Sabores é opcional. Para os que desejarem usar o bufê, que já estará aberto a partir das 12h, a reserva deve ser feita antecipadamente.

(…).”

Vem o garçom à mesa e estende a conta: R$230,00 – duas garrafas de vinho, duas águas e… e… e… quatro entradas!!!!!

Eis o diálogo que travei com o inocente garçom:

errado, meu chapa, foram só duas garrafas de vinho e as águas.

– Mas é que tem R$47,50 por pessoa…

– De quê?

Ele saiu pra checar. Voltou:

– O lugar à mesa custa isso.

– Não pago.

– Só falando com a gerente, senhor…

Fui à gerente:

– Minha senhora, a conta está errad…

Ela me interrompeu, grosseira:

– Quantas pessoas?

– Quatro.

– Todas sentaram?

– Sim.

– Tendo ou não comido, meu querido, vocês tem que pagar!

– Minha querida, não vou pagar porra nenhuma… – já debochando.

– Vai.

– Não vou. Vou é embora…

– Então vá!

E fomos.

Que beleza, não? A gerente, uma pernóstica-de-merda, burra de doer, deveria ser sumariamente demitida pelos donos do – pigarro – bufê.

O único senão da tarde, então, foi dito pela Betinha enquanto descíamos o Alto da Boa Vista em direção à nossa casa, para um risotto de camarão que estava – digo sem modéstia – perfeito:

– Se a gente soubesse, hein?! Teríamos bebido muito mais…

Até.

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SZEGERI E BETINHA, SUA MUSA

Isso foi em 2004…

E como amor pela musa é troço que não arrefece… Ei-los, de novo, em 2007. No Bola Preta.

Até.

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CAFÉ DA MANHÃ, UMA SOLUÇÃO

Casam-se no sábado, depois de amanhã, 26 de novembro, meu irmão Szegeri e minha irmãzinha, a doce Stê. O furdunço, marcado para as 13h, promete ser imbatível e entrar pro Guiness. Fernando anuncia 25o litros de chope, caldeirões de fatada, comida pra batalhões, bebida pra cossacos com sede, e é claro, a fartura prometida, somada ao carinho, fez com que decidíssemos, aqui no Rio, partir em bando pra São Paulo. O que gerou pequeno problema que vou explicar.

Partimos às cinco e meia da manhã de sábado, num vôo da Gol, baratíssimo, eu, Dani, Vidal, Gláucia, Flavinho, Betinha, Dalton e Fefê (o Fefê vai de ônibus, mas isso é mero detalhe). Ou seja, chegamos à São Paulo às seis e vinte da manhã.

O que fazer chegando tão cedo?

Vamos a algumas propostas apresentadas pelos oito (eu me incluo):

– Podemos ir direto pra Mercearia São Pedro beber cerveja – eu disse.

– Abre às oito. – disse o Dalton – Acho melhor bebermos no aeroporto mesmo e de lá seguirmos, só às oito, pra esse lugar.

– Vamos chegar meia-noite no Galeão, então… bebemos por lá mesmo… – foi idéia do Vidal.

– Eu voto pelo seguinte: – emendou o Fefê – Vamos direto pra casa do Szegeri. O chope já vai estar no gelo e começamos ali mesmo os trabalhos…

E fui comunicando tudo ao meu irmão paulista (cada vez menos meu irmão, eu devo dizer. O Szegeri, tomado por uma fúria de ciúmes do Zé Sergio, sem qualquer explicação cabível, maltrata-me de forma solene nas últimas semanas).

E eis o que o Szegeri me confessa…

A doce Stê está sem dormir de preocupação. Temendo pela performance dos oito desde às sete da manhã, conseqüentemente temendo pela integridade da casa e dos móveis, temendo pelo tumulto que aventa-se inevitável com oito cariocas de porre já de manhã, queimou a mufa (velho!, velho!, estou cada vez mais velho!) e arrumou uma solução. Bateu o telefone pra mim ontem à tarde e disse, dulcíssima, com aquela voz tão sweet como diria a Dani:

– Oi, Edu… é a Stê…

– Oi, querida!

– Edu… (vozinha de choro)

– O que foi?

– Vocês não vão beber desde cedo no sábado, né?

Eu apenas ri.

– Acho que não – e ri de novo.

– Eu e o Fê pensamos numa coisa muito legal, meu…

(fiquei mudo)

– Vamos servir um baita café da manhã pra vocês… Pães italianos, suíços, broas, bolinhos, patês franceses, queijos de todo o mundo, frutas variadas, sucos, e uma garrafa de champagne.

– Uma? – eu disse sendo tijucano dos pés à cabeça.

Ela desligou.

Comuniquei aos sete a decisão da Stê.

E a minha reprodução fiel do telefonema (“uma garrafa de champagne”) gerou protestos dignos do movimento estudantil em 68.

– Pão-dura! – urrou a Betinha.

– Depois eu é que sou do Cachambi! – protestou o Flavinho, dando tiros pro alto.

– Nem fudendo! – disse o fino Fefê.

– Ai iê iê mamãe Oxum, assim não dá! – cantou o Pai Dalton.

– Ela é italiana ou é judia? – foi o Vidal o autor da pérola.

E eu temo, francamente, pela integridade da cozinha do queridíssimo casal.

Até.

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GRANDEZA ESPIRITUAL

Notem a grandeza espiritual do Szegeri. Meu irmão foi passar sete dias em Pouso da Cajaíba com a doce Stê e com a Iara, a rainha das águas, uma de minhas afilhadas. Além da Stê e da Iara, Szegeri partiu para o paraíso com a Railídia, sua ex-mulher e mãe da Iara, e com o Robson, namorado da Rai.

Contei a façanha durante churrasco na StefHouse.

A Betinha:

– Que lindo! Que elevação espiritual!

E o Flavinho de cara amarrada:

– Não admito tamanha concessão. Não suporto fair play.

E deu dois tiros pro alto, sacando da pistola que guardava na meia (notem a indumentária do egresso do Cachambi: camisa pólo da Elle et Lui, bermuda branca de popeline, meia soquete e tênis All Star).

A Betinha foi, ali, uma condoída pelo estado do Xerife. E argumentou:

– Puxa, amor… Veja que lindo! Szegeri com sua amada, a filha e – qual o problema, poxa vida…? – a ex-mulher com o namorado. Coisa de primeiro mundo. Prova de elevação de espírito e solidez de caráter.

O Fefê meteu-se na conversa:

– Alto lá! Prova de elevação também da Stê e do tal do Robson!

– Dois babacas. – emendou o Xerife.

Dei-lhe um tapa na altura do omoplata:

– Nunca mais fale assim da doce Stê.

– Falo quando eu quiser. – disse o Flavinho com o cano da pistola na minha testa.

A Betinha tomou o Flavinho pelas mãos e o obrigou a guardar a arma.

E disse:

– Amor… veja bem… você não iria comigo passar um final de semana em Angra com o… (e cochichou-lhe no ouvido).

– Nenhuma chance.

– E com o… (outro segredinho).

– Cadê minha pistola?

– Amor… que é isso? E com o…

Flavinho pôs a mão no queixo e disse:

– Com esse até pode ser…

Betinha abriu um sorriso lindo e disse:

– Viu?

– Viu o que?

– Você não é tão rude assim…

– É porque esse eu mataria durante o final de semana!

E deu mais um tiro pro alto.

Depois de mais alguns engradados, o Flavinho toma do celular. E rosna:

– Fora da área! Fora da área!

E eu:

– Tá tentando falar com quem?

– Com o Szgeri, pô! Ele não pode ser tão frouxo!

Eu, pondo panos quentes:

– Xerifão, veja bem… O Szegeri é quase não-humano, rapaz. Ele tem uma, hummm…, sabedoria superior, elevada… Não é à toa que é meu Otto.

Flavinho já triscado:

– Otto é o cacete! Otário, isso sim! Otário!

Betinha intervém:

– Môzão… que é isso?

– Sai pra lá! Sai pra lá! Afinal de contas o cara fala que tu é musa dele, te comparou com uma pipa, tá pensando o quê? Acabo com a rabiola dele!

Eu:

– Malandro, não fala assim, pô, o cara é nosso Confrade!

– Eu votei contra! Eu votei contra! – confessou o Flavinho, denunciando o voto contrário à entrada do meu irmão na Confraria.

Daí o Fefê se meteu. O Vidal se meteu. O Zé Colméia se meteu. O Dalton meteu a colher. E o Flavinho:

– ´cês tão vendo? A Confraria inteira está aqui! Cadê o cara? Cadê o cara? Tá lá, em Pouso sei lá de quê fazendo papel de otário! Vamos expulsá-lo da Confraria!

Foi preciso que a Betinha, geralmente um furacão de fazer o Katrina parecer brisa, convencesse o Flavinho a ir embora para que tudo se acalmasse novamente.

Bateu-me o telefone cedinho o Flavinho no dia seguinte:

– Edu… desculpa por ontem…

– Deixa pra lá. Tu tava bêbado.

– Não conta nada pro Szegeri, por favor.

– Pode deixar.

Como se vê, promessa cumprida.

Até.

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HOJE É DIA DE BETINHA

Ergo hoje, do Buteco, o copo à saúde dessa mulher mais-que-querida, musa de um de meus irmãos, companheira de um confrade, dona de uma boniteza boa de se ver, de uma doçura que pescam aqueles que têm olhos de ver (mas capaz também de deixar o Katrina parecer brisa), companhia das melhores nas mesas dos bares, anfitriã de mão cheia, à Betinha, que hoje faz aniversário.

A Betinha, de longe uma das minhas preferidas, lê com a mesma voracidade com que bebe, bebe com a mesma voracidade com que ama os seus, e ama com a generosidade com que só os grandes seres humanos amam. Beijo, minha querida!

Como ergo o copo, também, à arte do encontro. Foi especialmente bom receber meu irmão Szegeri (que tem a Betinha como musa) e sua companheira, a doce Stê, por quatro dias em casa, depois de uma viagem de três semanas por Minas Gerais.

E, ainda, ergo o copo à minha madrinha, que ganhei depois de mais de 30 anos de vida (bem mais, estou sendo modesto).

Vou explicar.

Fomos sábado eu, Dani, Szegeri e Stê ao Candongueiro.

Conosco, à mesa, Zé Sérgio.

Papo vai, papo vem, o samba nem tinha ainda começado, cerveja que desce, cachaça que sobe, e o Zé Sérgio, num transe, numa catarse inexplicável, espancando a mesa e gritando em minha direção, o indicador quase espetado no meu protuberante nariz: “Eu tô cansado de fraude, porra! Tô cansado! E você, Edu… Preste atenção, Szegeri!, preste atenção, Stefânia!, preste atenção, Dani!, você não é uma fraude, porra! (soquinhos ritmados na mesa) Você é brilhante! (levanta-se e tasca um beijo na minha testa) Você, Edu, você… eu te descobri, porra! (eu por dentro… porra, vão dizer que eu tô comendo esse cara…)… Brilhante, brilhante, garoto! Você é brilhante!”.

E tome de elogio.

Foi a Dani quem cravou-lhe o apelido: “Bem, diante dessa performance espetacular, Zé, depois dessa rasgação de seda, depois dessa puxada violenta de saco, digna de uma madrinha orgulhosa… só vou te chamar assim, agora… Zé Dinda”.

Ergo, então, também o copo, à minha dinda.

Obrigado, Zé, pelas palavras carinhosas. Tudo exagero seu, mas foi bonitinho.

Até.

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ROYAL SALUT E UMA DO PAPAI

O Flavinho, nosso querido Xerife, fez colossal convite a mim e ao Fefê pra noite de ontem. Bateu o telefone cedinho pra mim e foi dizendo:

– Tens algo pra hoje à noite?

E eu que não recuso convites:

 – Tinha!

E ele:

– Quero você e o Fefê lá em casa hoje à noite então, vamos abrir uma garrafa de Royal Salut…

Eu fiquei mudo – bebera apenas uma única vez desse tesouro – e ele emendou “Cem dólares a garrafa!”.

Eis aí, nessa frase – “cem dólares a garrafa” – a certidão de nascimento do Flavinho e seu atestado de origem. Egresso do Cachambi, onde não tinha nem pro Teacher´s ou pro Old Eight, hoje morando no Flamengo, e na companhia da minha mui amada Betinha, o Flavinho ligou em seguida pro Fefê e foi um íntegro repetidor do que disse a mim no telefonema. Soube disso porque em minutos o Fefê me ligou:

–  Edu, você vai, né? Cem dólares… putz!

O Flavinho estava repetindo “cem dólares a garrafa” como quem respira.

Mas vamos ao encontro.

Apenas nós quatro: eu, Fefê, Flavinho e Betinha.

Eu cheguei primeiro (como sempre). O porteiro interfonou, fui autorizado a subir e eis que salto do elevador e o Flavinho está no corredor a minha espera. Abraça-me e diz “cem dólares, cem dólares!” e ficou brandindo a nota do DuttyFree no meu nariz (a Betinha chegou, há dias, da Suíça, e vejam que nisso, também, reside a escalada do Flavinho, cujas namoradas até então chegavam, no máximo, de Cabo Frio).

Tínhamos de esperar o Fefê pra abrir o tesouro, ele me disse. E o Fefê chegou em meia-hora. Toca a campainha, é o Fefê. O Flavinho vai à porta e, como fez comigo, espana o nariz do meu irmão com a nota fiscal e fica dizendo “cem dólares, Fefê!, cem dólares!”.

Antes de abrir a garrafa o Flavinho posou, deixe-me pensar pra que eu seja de novo preciso, para umas quinze fotografias abraçado à garrafa. Numa delas – eu vi!, eu vi! – o Flavinho sentou-se no sofá e ajeitou a garrafa em almofadas a seu lado e ficou fazendo festinha na tampinha até que disse pra Betinha “Pode bater, amor!”, e em seguida ficou estendendo a mão pra câmera dizendo “Deixa eu ver! Deixa eu ver! Ficou boa?”.

Mas bem. Abriu-se a garrafa. Ao primeiro gole, o Flavinho, “Hummmm…” pra logo em seguida pôr a boca em meu ouvido e repetir “cem dólares!”.

Um vizinho pôs-se a espiar pela janela em direção a nós (como estou velho, quem ainda usa o verbo “espiar”?) e o Flavinho, grosso:

– Qual que é, camarada? Nunca viu uma garrafa dessas não? Cem dólares, otário! Cem dólares!

E assim seguiu-se até que parti. Mas notem bem. Eu falei no vizinho do Flavinho e quero lhes contar uma do papai. Imperdível.

Eu cresci – e creio que também o Fefê – tendo uma piedade aguda dos vizinhos. Nutrindo um sentimento de pena, de dó, imenso, intenso, incessante, pelos vizinhos. Pensava ser, o vizinho, o ser mais solitário e abandonado da face da Terra. Tudo por culpa do papai. E quero explicar.

Cresci ouvindo o papai dizer coisas como: “Meus filhos… se o papai não se preocupar com vocês, vai se preocupar com quem? Com o vizinho?”, e nós dizíamos instruídos “nãããão…”.

Se um dia estávamos à mesa sem fome, lá vinha o papai. “Vocês têm que comer tudo!”, e nós, depois do muxôxo, ouvíamos, “Meus filhos… se o papai não se preocupar com a alimentação de vocês, vai se preocupar com a alimentação de quem? Do vizinho?”.

Tínhamos uma febrinha. E o papai vinha, com o termômetro, a cada meia hora. Bastava dizer “de novo, papai?”, e ele espetado e já enfiando o termômetro debaixo de nosso braço, “Se o papai não tirar a temperatura de vocês, vai tirar a temperatura de quem? Do vizinho?”, e notem que isso me fazia, às vezes, chorar escondido com pena do vizinho. Por que?, eu pensava, o vizinho é o último dos homens e o mais desprezível? Quem?, eu me torturava, quem cuidará do vizinho?

Ontem brindamos, em determinado momento, eu e o Fefê. Erguemos o copo e dissemos “Ao papai!”, ao que o Flavinho, “Alguma razão especial?”, e eu, repetindo o gesto do meu velho pai… “Flavinho… se nós não brindarmos à saúde de nosso pai, vamos brindar à saúde de quem? Do vizinho?”, e ele riu, apenas riu.

Até.

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