Havia, na rua Almirante Gavião, a exatos 100 metros da minha casa, um bar, um portentoso bar chamado Rio-Brasília, então tocado pelo Joaquim e pela Terezinha. Ali, manhãs de domingo ensolaradas, porres homéricos, afogamento de tristezas e mágoas, celebração de encontros e de encantamentos, uma carne assada com coradas de ganhar fama em todos os cantos da cidade, uma cerveja (de milho!) gelada de dar gosto, amigos, desafetos, assentamento de respeito e palco de manhãs, tardes e noites de não-se-esquecer.
Em meados de 2008 – lá se vão sete anos – o Rio-Brasília fechou e reabriu logo depois, tocado por quem não entendia do riscado (e posteriormente trocou de mãos mais uma vez, dessa vez para mãos ainda mais inábeis).
Vivi, faço a confissão pública agora, sete anos de luto.
Desapareceram os azulejos negros e azuis (conheça-os aqui, em texto de 2006) que revestiam as paredes, desapareceram as mesas de mármore, desapareceu o piso hidráulico no qual tantas vezes pisei e pisamos todos, amigos meus.
Nunca mais aconteceram as noites mágicas que tantas vezes vivemos ali. Vejam aqui, aqui, aqui e aqui vídeos de minha gente (Fernando Szegeri, Luiz Antonio Simas) cantando com a Beth Carvalho em alta madrugada de uma terça-feira depois de uma noite de segunda absolutamente inesquecível – aqui, o relato da noite. Vejam aqui, vídeo lindo!, aula do meu irmão e meu compadre, Luiz Antonio Simas, em 20 de maio de 2007, cantando o hino da África também em alta madrugada (notem as cadeiras empilhadas no fundo), para assombro da assistência.
E nunca mais houve mágica naquele canto escondido da Tijuca porque mãos erradas assumiram a condução do negócio.
Pisei pela última vez no Rio-Brasília no dia 19 de setembro de 2008, quando ele já estava fechado – no dia da inauguração do novo bar do Joaquim e da Terezinha, na mesma calçada. Aqui, as últimas imagens do bar, neste dia em que eu e o Felipinho Cereal fomos lá chorar nossas pitangas.
Eis que a grande nova é que o Felipinho, juntamente com seu primo, o André, comprou o que sobrou do Rio-Brasília.
Sábio que eles são – filhos de espanhóis que tocaram, durante muitos anos, o legendário El Faro, em Copacabana – os dois estão tratando de fazer pequena obra no Rio-Brasília com o intuito de reabrir o bar já neste próximo sábado (leiam aqui sobre o El Faro, texto do próprio Felipinho, de setembro de 2009). Felipinho começou a trabalhar, com 13 anos, justamente no El Faro, ao lado do tio (Celestino, pai do André – leiam aqui sobre o Espanhol) e do pai, Manolo, que já foi oló.
No final do texto que indiquei acima, escreveu o Felipinho: “Fica aqui a minha saudade do bar que foi minha casa, e que plantou-me na memória incontáveis momentos bacanas.”.
Felipinho perdeu o pai garoto, aos 18 anos.
Pois vai, o pequeno grande homem, fazer renascer o velho Manolo – seu pai.
Pois vai, o pequeno grande homem, matar a saudade do bar que foi sua casa e fazer renascer os incontáveis momentos mágicos que ele tem plantados na memória.
Vai nascer o Bar Madrid.
Eu, comovido feito o diabo, estou contando as horas pra ver o bar aberto.
O Simas, um sacerdote que eu respeito demais (e que cuida de mim), já tratou de arriar um ebó pra proteger a casa. Com a presença invisível e mágica do Manolo, com a assistência certa e permanente do Espanhol (que se despencará de Jaconé pra Tijuca incontáveis vezes, posso apostar!), com a sabedoria dos dois primos, não tem como dar errado.
Ali, carta só pro carteado – não esperem carta de cerveja, essa babaquice que macula os bares da minha cidade. Ali, será servido pela primeira vez o glorioso drink DBS, a bebida oficial da família Seixas. Ali, naquele canto sagrado e profano da Tijuca, minha aldeia, mortos e vivos erguerão os copos em louvação à magia e ao encantamento que sobrevivem graças à tenacidade e à verdade que gente feito eles dois não deixam morrer.
Saravá!
Até.