Arquivo do mês: junho 2013

UM PEDAÇO DO CÉU EM MARECHAL

Eu não saberia dizer, com precisão, quando foi a última vez em que estive lá.

Sei que voltei, na sexta-feira passada, depois da genial idéia e sugestão de meu mano Fernando Szegeri, que passou o feriado de Corpus Christi no Rio de Janeiro. Seguimos eu, a Morena, Szegeri, Ana e Felipinho em direção à Marechal Hermes – e como está bonito, o glorioso bairro de Marechal! – e lá aportamos por volta das sete e meia da noite…

Fui ao balcão, abracei longamente o Celsão, dono do pedaço, cambaleei, tonto, arremessado ao passado de mãos dadas no presente com ela, a quem apresentei, orgulhoso, ao Comandante-em-Chefe da Adega Tudo do Mar, e fomos pra calçada beber uma cerveja e tomar uma fresca (e fazia um frio polar!!!!!).

Quase-morri, confesso, quando a garçonete veio à mesa e me estendeu uma folha de papel (foto abaixo) contendo um texto meu de novembro de 2001 intitulado, como este, Um pedaço do céu em Marechal. Estendi, com as mãos trêmulas, o papelucho já meio amarelado, em direção ao Szegeri que passou a lê-lo em voz alta.

SOC 112001

O que eu quero lhes, meus poucos mas fiéis leitores, é que o Szegeri foi lendo, foi lendo, sua voz falhava de vez em quando, e eu fui tendo frêmitos na alma, arremessos violentíssimos em direção ao começo do século, e olhava à volta, e via tudo ali, ainda presente, ainda constante, e pedimos sardinha (perfeitas!!!!!), e pedimos ova (que ovas, que ovas!), e fomos derrubando garrafas e mais garrafas de cerveja, e demos de ouvir histórias dos freqüentadores (volto ao tema), e bebi da bagaceira portuguesa que o generoso Celsão me ofereceu, e voltamos de lá, já na madrugada do sábado, com uma certeza aterrada: é no subúrbio, é na zona norte, que vive e resiste a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Com vocês, o texto de 2001, logo abaixo da próxima fotografia – feita pela Morena – que me flagrou de olhos marejados, copinho de bagaceira na mão, ao lado desse imprescindível sujeito que é o Celsão.

Edu e Celsão

“Conheci um bar que não existe. Um bar que fica numa rua triste, no subúrbio, onde há casas simples com cadeiras na calçada, e na fachada, escrito em cima que é um bar.

Há, neste bar que não existe, pelas inúmeras prateleiras, potes de vidro com cobras lindíssimas preservadas, um aquário, um carcará numa gaiola e um louro livre recebendo a freguesia, imagens de santos em madeira, escudos do Fluminense, galhos de arruda e um cágado sempre próximo aos banheiros, garrafas de todas as cores, e eu juro que ainda sóbrio vi a garrafa azul, a falante, do Visconde de Sabugosa, guardando a melhor aguardente do bar oferecida a uns poucos homens de sorte – além de mesas toscas, luz pouco forte, figas, fotografias.

Há, por trás do balcão do bar que não existe, um homem de sorriso largo e abraço farto recebendo quem chega, comandando o incessante vai-e-vém das garçonetes que dão perfeita conta do bando de loucos que chegam ao bar que não existe.

Há, no bar que não existe, a cerveja mais gelada que jamais bebi, a melhor casquinha de siri que jamais comi e pimentas, do reino, de cheiro, vários molhos, caldos, croquetes, caldeiradas.

E há, mais um dos trunfos do lugar, nas noites de sexta-feira, Waldecir regendo, Bolão no pandeiro e tantã, Nelson no violão, Jorge no cavaco, João no tamborim, seu Augusto e dona Deny cantando; ele, sambas e ela, serestas. Uma espécie de Buena Vista Marechal Club. Eles, que são velhos malandros maneiros e que provavelmente têm São Jorge Guerreiro como fiel protetor, tocam e cantam, das oito a meia-noite, rasgando suas próprias almas e enchendo o bar de uma única e encantadora alma que só existe no subúrbio de gente humilde, que vontade de chorar. Sem vaidade, senhores de seu tempo e de seu talento, arrumam os instrumentos e saem de fininho prometendo timidamente a quem pergunta, voltar na semana seguinte.

Rua General Savaget 67, Adega Tudo do Mar, em Marechal Hermes, fone 24504411. Não está nos guias de bares da cidade e não está nas páginas das revistas. Vá conferir, pergunte pelo Celsão, e me diga depois se aquilo existe.”

Endosso, de novo, palavra por palavra.

Até.

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Arquivado em botequim, gente, Rio de Janeiro