(pra Flavia)
Eis que estamos a pouco mais de uma semana do início da Copa do Mundo de 2014.
Desde pequeno, e até meu avô Milton morrer em 2002, eu ouvia – e sempre assombradíssimo – a mesma história quando o assunto futebol vinha à baila (quase sempre, pois): vovô me contava que estava no Maracanã na fatídica tarde de 16 de julho de 1950. Contava, mais, que aquele fora o último jogo de futebol a que assistira. Ele contava essa história em tom soturno, os demais presentes sempre confirmavam com olhos de espanto, e sua última frase era sempre a mesma:
– Cuidado, meu filho, cuidado com o Maracanã.
E geralmente emendava, com os olhos embaçados e a voz embargada:
– Nunca mais pisei no Maracanã! Nunca mais!
Eu nunca disse ao meu avô que foi ele que me deu, pela primeira vez, a exata noção do que é o futebol e a certeza, cravada em mim, de que o futebol e a vida se confundem.
O primeiro jogo de que tenho lembrança é de dezembro de 1978 – eu tinha 9 anos de idade e já tinha medo do Maracanã, incutido pelo meu avô, que fora encontrado desolado, embriagado pela derrota, muitas horas depois do jogo de julho de 1950.
A verdade inapelável é que eu, desde 1978, vou ao Maracanã com o medo num dos bolsos. Vou ao Maracanã na angustiante expectativa de que seja, aquele, o último jogo da minha vida. Vou ao Maracanã com muito medo de repetir a história de meu avô.
Quase 40 anos de arquibancada e é evidente que já vi de tudo: vitórias épicas, derrotas acachapantes, campeonatos inesquecíveis e pesadelos em incontáveis finais – e nada foi capaz de me fazer querer repetir a saga de meu avô. Confesso, hoje, que em alguns desses jogos desci as rampas monumentais do Maracanã perguntando, de mim para mim, se eu voltaria.
E eu sempre disse que sim.
E eu sempre disse que sim porque minha opção sempre foi pela vida, mesmo quando diante da morte.
Acho que meu avô, em 50, deixou-se abater de tal forma, e passou a exibir seu luto como bandeira fúnebre desfraldada com tanto orgulho – afinal de contas, ele dizia, era preciso ser muito firme para manter a palavra e nunca mais voltar ao estádio – que ele teria mesmo era vergonha de ceder aos meus apelos (foram muitos) para me acompanhar num jogo do Flamengo (vovô era rubro-negro, como eu).
O fato é que se aproxima a Copa do Mundo de 2014.
64 anos depois, novamente realizada aqui no Brasil, e com a final marcada para o mesmíssimo Estádio do Maracanã.
Sim, o mesmíssimo Maracanã. Mais moderno, adaptado às exigências da organização da Copa do Mundo, mas no mesmo lugar em que meu avô, em 1950, testemunhou uma tragédia que lhe marcou pelo resto da vida, por longos 52 anos, até sua morte.
Vou realizar – mais uma confissão – um sonho de infância (e quero estar de calças curtas, camisas listradas, sandália nos pés, de novo com poucos anos de idade pra vivenciar o mesmo assombro de menino): serei anfitrião de milhões de torcedores, de apaixonados, de loucos que correm o mundo para ver o futebol.
Invejei os argentinos em 78, os espanhóis em 82, os mexicanos em 86, os italianos em 90, os americanos em 94, os franceses em 98, japoneses e coreanos em 2002, os alemães em 2006 e os sul-africanos em 2010, todos eles privilegiados anfitriões de cada uma dessas nove Copas do Mundo que testemunhei.
Agora, em 2014, somos nós, os donos da festa. Sou eu, que não sou o mesmo, também dono da festa.
Vai ser minha primeira Copa do Mundo ao lado dela, da minha Morena, que representou minha opção pela vida quando eu quase caminhei pelo caminho do meu avô.
E eu vou estar vestido com a camisa da Seleção Brasileira de 1950.
E eu vou, ah, as pretensões de um menino, de mãos dadas com ela, vingar o meu avô.
Pra frente, Brasil!
Salve, a Seleção.
Até.