Arquivo do mês: julho 2013

APOSENTOU-SE, O BIGODE – PEQUENAS DIGRESSÕES

Dia desses, minha Morena é testemunha, fui ao Salão América fazer a barba e saí de lá com a cara lavada de tanto que eu chorava. Explico: eu freqüento a Barbearia Salão América desde o dia 21 de março de 1970, quando eu tinha pouco mais de 10 meses de idade, (e se você duvidar de mim, basta ver as provas inequívocas aqui), portanto há mais de 43 anos, e naquela manhã, depois de ter dado por falta do seu Ernesto no comando da cadeira do fundo, perguntei por ele ao Raul, que me respondeu com a voz embargada:

– Tá em Portugal. Aposentou. Nem sei quando volta…

Essa resposta, o tom da voz do velho Raul (que foi quem cortou meu cabelo em 1970), essa permanente dificuldade para lidar com a perda, a certeza de não mais ver e ouvir a gargalhada daquele português naquele salão que faz parte dos meus cenários há mais de quatro décadas, me fez sair de lá chorando como criança de 10 meses sem colo de mãe.

Hoje soube pelo Gabriel Cavalcante, tijucano de escol, que outra grande figura do bairro, uma lenda-viva para os freqüentadores do Bode Cheiroso, glorioso botequim na rua General Canabarro, também acaba de se aposentar: o Bigode, que aparece na foto abaixo, de autoria do próprio Gabriel.

Bigode do Bode Cheiroso

Sobre o Bigode, escreveu meu irmão e meu compadre Luiz Antonio Simas:

“(…) A começar pelo Bigode, que controla o balcão feito Domingos da Guia dominava a grande área e abre cerveja atrás de cerveja como Garrincha enfileirava os marcadores. É craque.

Eu só acredito em garçons que pareçam egressos do cangaço. São cada vez mais raros diante da profusão dos garotões de aventalzinho, das moças moderninhas e dos descolados que pululam feito mato nos bares de grife. A  destreza com que Bigode abre uma ampola cu de foca – como se fizesse isso desde que o primeiro hominídeo caminhou ereto na Serra da Capivara – é a mesma com que Lampião manuseava o fuzil parabelo.”

E era assim mesmo.

O Bigode, assim como o seu Ernesto, habita o meu imaginário (e 0 meu dia-a-dia!) desde há muito.

Eu era um moleque e a rotina das manhãs era a mesma: papai ia nos deixar muito cedo no colégio, a caminho do trabalho. Parava todo santo dia, de 2ª a 6ª, no número 218 da General Canabarro, Bar Macaense pra turista, Bode Cheiroso pros íntimos. E todos os dias pedia seus 4 maços de Shelton Light e sua garrafa de água com gás, Caxambu, quando as garrafas d´água eram de vidro.

E lá estava ele, todos os dias – o Bigode.

Mudamo-nos dali, a rotina matinal deixou de ser cumprida mas eu jamais deixei de ir ao Bode Cheiroso.

Aqui, em março de 2007, o relato de um dia que terminou na calçada em frente ao bar. Aqui, em maio de 2009, um encontro antes e depois de um jogo no Maracanã. Aqui, em texto do mesmo 2009, uma das clássicas fotografias, de minha autoria, tirada no Bode Cheiroso, de Luiz Antonio Simas. Aqui, em junho de 2011, na concentração para a final da Copa do Brasil, Coritiba e Vasco.

Não são muitos os registros – escritos ou fotográficos – que tenho do bar e do Bigode.

Mas são incontáveis as referências dentro de mim.

Com o seu Ernesto e com o Bigode aposentados – merecido descanso depois de anos de bons serviços prestados – a Tijuca fica um pouco mais sem graça.

Até.

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BRIZOLA, JULGADO MORTO PELA VEJA EM 68

Em 12/07/2013 o Diário do centro do mundo publicou matéria de Kiko Nogueira – aqui – dando conta da descoberta que fiz sobre o processo, movido pelo Ministério Público, movido contra uma funcionária da Receita Federal que teria dado sumiço no processo que apurava e cobrava mais de 600 milhões de reais em impostos sonegados pela GLOBOPAR, empresa-camarilha que envolve a Rede Globo de Televisão, que deveria ser julgada por crime contínuo de lesa-pátria desde sua fundação.

No dia seguinte, 13/07/2013, o Diário do centro do mundo publicou texto que publiquei, originariamente, aqui, no próprio Buteco do Edu, que atingiu, no dia 12/07, sexta-feira, por conta das incontáveis replicadas que o texto do Kiko Nogueira ganhou web afora, seu recorde de visitas num só dia.

Este texto do dia 13/07 – Contra a Globo? Tudo! – fez com que eu recebesse centenas de e-mails de gente de todos os cantos do Brasil manifestando seu sentimento de profunda admiração e respeito por Leonel de Moura Brizola, meu eterno e saudoso Governador do Estado do Rio de Janeiro. Os 30 comentários deixados no blog dando bem a conta da importância que Brizola teve para o Brasil e para os brasileiros, e dão bem a dimensão do mito em que se transformou quando nos deixou (se bem que, a bem da verdade, Brizola mitificou-se em vida!). E isso – faço a confissão pública – me deu vontade de expôr, um pouco mais, o nome de Leonel Brizola. Mais que isso: de mostrar o quanto Brizola foi perseguido, vilipendiado, vítima de campanhas difamatórias, sórdidas, de uma implacável campanha que visou, sem sucesso, apagar seu nome da História do Brasil – ou de marcá-lo como um fracassado, adjetivo que é a antítese da síntese de sua trajetória.

Daí lembrei que em 20/09/2010 publiquei As capas da revista Veja, aqui. Em 23/09/2010, publiquei Veja contra Brizola em 1982, aqui. E em 27/09/2010, no último texto dessa pequena trilogia exibindo a vilania da revista Veja contra Leonel Brizola, publiquei Mais previsões da Veja contra Brizola, aqui.

A edição é de 23 de outubro de 1968. O editor, Victor Civita, morto em 1990, anuncia a matéria da página 14, tomem nota:

“Nossos repórteres trabalharam durante tôda a semana para mostrar o ‘terrorismo’ brasileiro, que vem crescendo – e tanto nos preocupa.”

E quem é destaque na tal matéria?

Ele, claro, Leonel de Moura Brizola.

Em destaque, Leonel Brizola é apresentado como “o terror que vem de fora tem a forma da intriga”.

E vejam o que disse, a até hoje inconcebível revista Veja, sobre Leonel Brizola. Alguns pontos:

“Depois de ter a sua falência decretada em suas duas primeiras vidas (como líder popular no Brasil e revolucionário no exílio), deixa o tempo passar, buscando uma oportunidade de viver pela terceira vez.”

“Hoje sua mensagem é pouco mais que nada.”

“Brizola político morreu, cassado pela Revolução; Brizola revolucionário parece ter se suicidado.”

Abaixo, a imagem da página 18 da edição de 23/10/1968 da Veja. Clicando sobre a imagem, você poderá lê-la com mais nitidez.

veja de 23 de outubro de 1968

Brizola morreu quase 40 anos depois da decretação de sua morte política por essa revista, que nem fazendo previsão presta, fazendo política – o que jamais deixou de fazer! – e deixando um legado para o Brasil e para os brasileiros que jamais será esquecido.

Até.

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CONTRA A GLOBO? TUDO!

Assim que começaram a pipocar as primeiras notícias após eu ter descoberto a ação penal movida perante a Justiça Federal do Estado do Rio de Janeiro pelo Ministério Público contra a funcionária que sumira com os autos do processo que envolvia a Receita Federal do Brasil e a GLOBOPAR – que autuava a empresa por sonegação de impostos que, à época, somavam cerca de 600 milhões de reais – tratei logo de, dotado de justificado orgulho, contar a novidade a meu pai, por e-mail. A resposta veio em tom de reprimenda (e como seu preciso do início ao fim, reproduzirei sua sintética resposta exatamente da forma como me chegou, às 14h34min do dia 09 de julho próximo passado):

“Cara , onde voce está se metendo ………….”

Venho ao blog, hoje, não apenas por conta da repercussão absurda que ganhou a matéria publicada no Diário do centro do mundo – clicando na foto abaixo você será direcionado para ela -, o que me dá vontade de dar alguma espécie de satisfação a tanta gente que está me mandando e-mail me dando parabéns pela “coragem”, é o que mais tenho lido, mas para responder a meu pai (ou a mim mesmo, esse blog sempre funcionou perfeitamente como uma espécie de divã eletrônico).

diariodocentrodomundo

Onde estou me metendo, afinal? – e acho que a pergunta nem é cabível.

Estou exercendo um direito que é meu e é inalienável: o de me informar, e a Rede Globo de Televisão, o jornal O Globo, toda e qualquer empresa desse cogumelo de poder, desde que foi criada (com o mesmo dinheiro americano que financiou a ditadura militar no Brasil, mantida e adulada pela Vênus Platinada), esmera-se dia e noite no extremo oposto: sonega (opa!) informação, distorce os fatos, mente, manipula, lobotomiza.

Quando conversei com o Kiko Nogueira, do DCM, contei a ele sobre meu brizolismo. Eu tinha 12, 13 anos de idade – pensem nisso, em 1981/1982! – e a figura de Leonel Brizola, desde a primeira vez que o vi, impactou-me de tal forma que eu ia, quase-escondido, à Cinelândia para ver seus comícios, para estar perto da Brizolândia, espaço sagrado para eleitores e simpatizantes do velho caudilho, ao lado da Câmara dos Vereadores. E eu ia escondido porque, além de ser um pirralho, em casa meus avós, minha bisavó, meus pais – até – não tinham lá simpatia pelo homem a quem chamavam, freqüentemente, de “agitador”. Pois eu gostava era daquele agito!

Lembro-me, ainda moleque, de ouvir o Brizola dizer num comício: “Quando vocês tiverem dúvidas quanto a que posição tomar diante de qualquer situação, atentem… Se a Rede Globo for a favor, somos contra. Se for contra, somos a favor!”.

Vi Brizola passar como um trator por cima de seus adversários na eleição de 1982 para o Governo do Estado do Rio de Janeiro, quando ele era considerado “candidato sem chances do PDT ao Palácio Guanabara” – leiam aqui Veja contra Brizola em 1982, interessante pesquisa sobre a maneira como a imprensa tratava (e como sempre tratou!) o maior dos homens públicos brasileiros. E quando venceu, veio à tona um golpe sórdido, descoberto a tempo, engendrado pela Rede Globo, que tentava roubar votos de Brizola para tirar de suas mãos a vitória consagradora e acachapante.

Acompanhava, extasiado – e mais à frente pude ver como não era mero deslumbre -, sua atuação como Governador do Rio de Janeiro: cercado dos melhores homens, Brizola revolucionou a relação da polícia com a população pobre, marginalizada, das favelas. De seu absoluto e irrestrito respeito aos Direitos Humanos e às garantias fundamentais – “se a polícia não dá botinada na porta de cobertura na Vieira Souto, não será em porta de barraco que vai dar” – é que nasceu a sórdida mentira, adulada pela Rede Globo, de que Brizola era conivente com o crime organizado. Seu projeto educacional, os CIEPs, que seriam depois destruídos por Moreira Franco, foi mais uma de suas obras que para sempre ficarão na memória do povo do Rio de Janeiro. Nilo Batista, Darcy Ribeiro, Abdias do Nascimento, Oscar Niemeyer, alguns dos nomes que compunham a linha de frente de seu governo. E isso diz tudo.

Ingressei na faculdade de Direito em 1987 e em 1989 fui um dos poucos alunos a fazer ferrenha campanha por sua eleição para Presidente da República – a esquerda, na PUC/RJ, se dividia entre Lula e Roberto Freire. Foi meu primeiro voto em Leonel Brizola!

Tornei a vê-lo Governador do Rio de Janeiro em 1991, tendo vencido as eleições em 1990 – e foi meu segundo voto em Leonel Brizola, em que votei outras tantas vezes.

Em 2000, deu-se o episódio que contei aqui, no texto Faz um 12, Brizola! – e foi a partir daí que conheci, pessoalmente, o velho Leonel.

Nunca – nunca! – me esquecerei de nossa primeira (de muitas) conversa pessoalmente, na sede do PDT, na rua Sete de Setembro, no Centro.

Brizola queria porque queria que eu me filiasse ao PDT. Repetiu, algumas vezes: “Te filia ao PDT, eu abono tua ficha!”, e ficava repetindo – e eu admiradíssimo, diante dele – que era preciso que alguém com tamanha coragem ingressasse na vida pública. Porque ele achou admirável (usou mesmo essa palavra!) o que eu fiz, ao vivo, na Rede Globo. Hoje, confesso, me arrependo tremendamente: não porque eu fosse seguir carreira na política, mas porque eu teria, ao menos, essa relíquia, a ficha de filiação abonada por ele.

Em 2004, a morte levou Brizola – jamais seus ideais.

E eu quero lhes fazer uma última confissão: muitas vezes, em muitas ocasiões, em comícios, em rápidas aparições na sede do PDT, em caminhadas durante as campanhas, cantei junto com Brizola – e com o povo! – o hino que ele mais gostava…

“Brava gente brasileira!
Longe vá… temor servil:
Ou ficar a pátria livre
Ou morrer pelo Brasil.”

Em quase todas as vezes – como no dia de seu comovente velório, no Palácio Guanabara – chorei quieto vendo aquele homem, um brasileiro maiúsculo, honrado, vilipendiado a vida inteira pela Rede Globo, cantando esses versos com brilhos nos olhos, com gana, com um amor pelo Brasil que não vi, nunca mais, nos olhos de nenhum de nossos homens públicos.

Pois quando eu disse ao Kiko Nogueira, já no final do nosso papo, que eu não quero mudar o mundo, que eu só quero fazer um barulhinho, foi por conta dessas constatações que a gente vai acumulando com o tempo: eu queria muito mudar o mundo, mas sozinho não posso; eu quero viver minha vida sem grandes ambições, a mesma vida “simples e digna que todos os trabalhadores brasileiros deveriam ter”, como disse meu irmão e meu compadre, Luiz Antonio Simas, aqui; mas sempre que puder – como foi agora, nesse caso – vou fazer das minhas, lutando contra o dragão, para honrar tudo aquilo que aprendi com ele, Leonel de Moura Brizola.

Se eu tenho medo?, outra pergunta que o Kiko me fez. Não.

Tudo o que sempre fiz (pouco, perto do que eu gostaria) e que sempre farei para expôr as vísceras podres desse império que destrói o Brasil desde 26 de abril de 1965, será sempre dentro da legalidade – outra lição que tomei com Brizola.

Por mim, meu último registro a seu lado – e nesse dia, na casa do Martinho da Vila, cantamos o Hino da Independência, pouco depois de Brizola – o próprio! – cantar, sozinho, acompanhado pelos músicos que lá estavam, Felicidade, de Lupicínio Rodrigues. Uma noite de não se esquecer.

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Até.

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