Arquivo do mês: outubro 2011

O AMOR SÓ É BOM SE DOER

Eu, do alto dos meus 42 anos (e cada vez mais velho, e cada vez mais múmia, e cada vez mais distante do menino de calças curtas e camisa listrada de minha infância, minha infância cada vez mais velha, cada vez mais um quadro num museu imaginário…), posso dizer, sem medo do erro, que se sou um voraz leitor de Nelson Rodrigues (só leio Nelson Rodrigues, e nisso também o imito desbragadamente, ele que dizia, seguramente fazendo troça, que só lia Dostoiévski) sou um seguidor, na medida de minhas (parcas) possibilidades, do poeta-maior, Vinicius de Moraes (e não pretendo iniciar discussão alguma sobre se é, ou não, o velho Vina, nosso poeta maior).

Não me lembro, nem a fórceps, em que ano aconteceu o que vou lhes dizer… Mas estava eu, bem moço ainda (e ao escrever “bem moço ainda” sinto o ranger dos ossos do braço a indicar o avanço de minha idade), no Chico´s Bar, um piano-bar que havia na Lagoa, zona sul da cidade. Lá estava eu assistindo, sozinho, a um show da cantora (uma de nossas maiores cantoras!) Leny Andrade.

Eu fiz questão de frisar que estava sozinho porque à certa época eu achava que havia um certo charme nisso. Mais que isso, meus contemporâneos (e eu nem na faculdade estava, ainda estava cursando o segundo grau, e hoje nem se fala mais “segundo grau”…) não gostavam de bossa-nova, não gostavam da Leny Andrade (alguns, boçais, sequer sabiam quem era a portentosa Leny Andrade – e penso que, de tão boçais, ainda não sabem).

Lá estava eu – como vinha lhes dizendo.

Terminado um dos shows – eu fui a mais de um, mais de um! – encostei-me no balcão do Chico´s Bar e pedi uma dose de uísque. Eu achava – hoje acho mais – fabuloso beber uísque (imitava Vinícius, o copo cheio de gelo, uísque até a borda…), e lá fui eu beber uísque no final do espetáculo. Nesse específico dia a que me refiro, juntou-se a mim, no balcão, o baixista da banda – Jacaré.

Pausa: eu era olhado como uma espécie de mascote nesses lugares. O mais novo. E eu devia ter (seguramente tinha) olhos atentos demais (chamando a atenção), num misto de deslumbramento, medo, desejo de mergulhar na noite, sei lá (estou divagando demais, confesso).

Chegou-se ao balcão uma mulher. Eu – como fazia cenas, como fazia cenas (acho que até hoje as faço) – cantava “e por falar em saudade, onde anda você, onde andam seus olhos que a gente não vê…” e aquelas pessoas sequer sabiam (claro que sabiam!) que eu não tinha quilometragem rodada pra cantar aquilo daquele jeito, com aquela cara, com aquele peso… (rio, agora, de mim mesmo, lembrando com nitidez impressionante de tudo isso), bebendo o uísque como se bebesse o passado. Mais uma dose, mais outra dose, o Jacaré fazendo companhia, até que ele resolveu me apresentar à tal mulher. Gilda, ele disse. A última mulher do Vinícius. A cena fica um pouco confusa nesse momento (à rara falta de memória soma-se o fato, certo, de que eu devia estar ligeiramente embriagado…) e eu me lembro, apenas, que eles riam da situação, com um certo carinho que denotava zelo e uma ponta de admiração por aquele moleque (sim, ainda que com 18 anos de idade, eu era um moleque naquele ambiente sisudo do Chico´s Bar) brincando de gente grande.

Ela me chamou de Dudu, à certa altura. E eu disse – vão tomando nota do papelão! – que eu queria ser o Vinícius de Moraes. Lembro – disso com bastante clareza! – que alguém puxou Canto de Ossanha, de Baden Powell e Vinícius de Moraes… O balcão estava apinhado de gente, as mesas ocupadas, fez-se o coro.

Eu, ali, cantava “… pergunte pro seu orixá, amor só é bom se doer, pergunte pro seu orixá, amor só é bom se doer…”.

Pensar nisso, lembrar disso mais de vinte e cinco anos depois, me faz rir – ligeiramente emocionado, confesso. Hoje, precisamente hoje, outubro de 2011, poucos meses depois de ver desaparecer a mulher com quem vivi, fusionado, por quase 12 anos, depois de lembrar o quanto amei até aqui (e falo do amor abrangente, não falo apenas do amor que por ela nutri, falo do amor pelas mulheres, do amor em estado bruto que move o homem, que move o mundo), sinto uma espécie de alegria por conta do dever até aqui cumprido.

Nunca – com a ênfase szegeriana! – abri mão de viver o amor da forma mais bruta – e sempre pude perceber que orixá estava certo, é infinitamente mais bonito quando dói. Nunca quis o mais-fácil em detrimento do mais-bonito, e é impressionante como até nisso a espiral da vida mantém coerência: o mais-bonito é sempre o mais-difícil, por isso o gozo é mais intenso. Nunca quis o superficial em detrimento do mais-fundo. Nunca quis não ser o homem que aquele garoto debruçado no balcão do Chico´s Bar sonhava ser – eu mesmo, do jeito que sou.

Hoje, embora mais só do que nunca – e ao mesmo tempo tão melhor, tão mais inteiro porque muito mais cioso de meus compromissos imemoriais – não me arrependo de rigorosamente nada. Nem do que está por vir – se é que me faço entender, eu que creio num moto contínuo que dói tanto quanto o amor.

Até.

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NOS BRAÇOS DE ISABEL

Esse exercício que venho fazendo, há algumas semanas, de ver e rever fotografias em busca permanente da imagem da minha menina, tem me sido fonte permanente de intensas emoções. Ver e rever o quanto vivemos, o quanto fizemos, o tanto que fomos felizes, tem me feito um tremendo bem – como um tremendo bem me fez reunir-me com os mais queridos no sábado passado para comemorar os 40 anos da Dani, como lhes contei aqui.

Houve um momento, entretanto, no sábado, que a saudade foi mais aguda, que a dor – ainda que caracterizada por uma leve e rápida pontada no meu combalido coração – se fez presente por alguns momentos. E, sim, vou dividir o momento com vocês, e quero fazer, antes, brevíssima digressão.

Cheguei a lhes dizer, recentemente, que eu sumiria, por um tempo, daqui do blog. Cheguei a lhes dizer que eu seria mais econômico na exposição de minhas emoções, que eu seria mais recluso, menos vitrine de mim mesmo. Ocorre, meus poucos mas fiéis leitores, que eu sou um homem pela metade sem o exercício da escrita. E como o exercício da escrita, para mim, tem conotações de expurgo, de confissão, verdadeiro sacerdócio que não me permito não viver, eis-me de volta – e por inteiro. Voltemos.

Foi quando a Betinha contou-me, de olhos levemente marejados, episódio vivido com a Dani dois dias antes de seu desaparecimento. E faço nova pausa.

Muitas pessoas, o que é absolutamente compreensível, me perguntaram (de formas diferentes) a mesma coisa:

– A Dani sabia que a morte estava próxima?

A mim – eis mais uma confissão – sempre pareceu que sim. Mas Dani era (é) a própria vida. A certeza que ela tinha da proximidade da morte residia nas conversas em que isso surgia sempre de forma velada, sem que o nome – morte – fosse explicitamente falado.

E vocês entenderão, mais que nunca, porque é que a Isabel, filha mais nova dos meus queridos Betinha e Flavinho, é uma criança que me comove de maneira muito aguda. Tanto que eu não consigo, simplesmente não consigo, ter a pequena nos braços sem cantar pra ela: “Nos braços de Isabel eu sou mais homem, nos braços de Isabel eu sou um Deus…”. Entretanto, ela – a pequena Isabel (na fotografia, abaixo, no colo da Dani) – é que foi deusa sem saber, divindade mágica que coloriu o fim do caminho da minha garota.

Era 06 de julho de 2011, três dias antes do desaparecimento da Dani (notem que eu, que escrevo sem muito pensar, num derramamento quase-mediúnico), quando eu bati o telefone pra Betinha, da rua, do bar, pra onde fui comprar cigarros. Chorando pacas, eu disse:

– Dani está morrendo, Betinha… Venha vê-la, por favor… Ela não pediria isso jamais a você, nem eu mesmo pediria se não tivesse a certeza de que o fim está próximo, mas bem sei o quanto ela gostará de estar contigo… – e por aí.

Pedi – acho que pedi – que ela levasse a Isabel. Dani amava criança, era (é!) madrinha de muitas crianças, e elas, as crianças, também não resistiam ao sorriso, ao colo, ao dengo, à ternura que a Dani era. Não ter sido mãe (mas foi, sim, de certo modo, mãe sempre que foi madrinha!) foi uma das maiores peças que a vida pregou pra ela…

Pois Betinha e Flavinho – assim são os amigos – estiveram lá em casa na tarde do dia seguinte, 07 de julho. E com a Isabel.

Quando eu cheguei em casa, voltando do trabalho, nesse dia, os três já tinham ido embora, mas encontrei minha menina, já bastante combalida, absolutamente feliz. Contou-me da visita que ela julgava ter sido de surpresa, contou-me da Isabel, contou-me que Isabel ficou em seu colo por muito tempo, que dormiu em seu colo… E ela estava, de fato, muito contente com tudo aquilo.

Eis, então, o que eu só soube no sábado.

Lembramos daquela tarde e a Betinha me disse – e a Isabel estava lá, conosco, no Real Chopp – que não esqueceria, nunca, do que a Dani dissera à pequenina em seu colo. Fiz aquela cara de “o-quê?” e deu-se em mim um arremesso em direção à nossa casa, ao cenário, e pude ouvir a voz mais doce da mulher que me ensinou a sorrir conversando com a Isabel.

Dani, sentada na cama e com Isabel, com meses de vida, em seu colo, voltada pra ela, disse, olhos nos olhos:

– Isabel… você não vai lembrar da tia Dani, sabe? Mas você vai sempre lembrar, meu amor, da energia da tia Dani, das vibrações da tia Dani…

E eu preciso – por razões óbvias – parar por aqui.

Até.

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FLORES AO MAR

Eis que chegou, como lhes contei aqui, o dia dos 40 anos da Dani – que ela completaria no sábado passado. Ou que ela completou – e eu vou sempre preferir a poesia à concretude, razão pela qual eu festejei a data ao invés de fazer do dia 15 de outubro uma data triste.

Fiz, quem me lê e me acompanha sabe, durante toda a semana passada, aqui e nas redes sociais das quais faço parte, confissões derramadas sobre a saudade que me acompanha desde o dia de seu desaparecimento, contei histórias que nos envolvem, a mim e a ela, e sei que também comovi um bocado de gente; a quantidade de e-mails que recebi, os telefonemas, as manifestações deixadas nos comentários a cada um dos textos não deixa dúvidas quanto a isso. Recebi flores na sexta-feira, véspera de seu aniversário, recebi flores no sábado – até no domingo eu recebi flores! – e passei o dia 15 de outubro cercado por muita gente querida que, como eu, estava disposta a celebrar a vida da Dani, ela que é a própria vida. Quero lhes dizer que não vou parar com as histórias. Eu e Dani, enquanto fomos um casal, fomos – mesmo! – propulsores de muita beleza, de muita coisa engraçada, de muito humor, de muita emoção, de muitas histórias que têm de ser contadas – e eu farei isso, sem compromisso, sem regularidade, mas farei.

Como eu sabia que ela tinha vindo ao mundo às 09h33min de 15 de outubro de 1971, e como eu sou um homem de ritos, às 09h33min do sábado de céu nublado fui ao mar de Copacabana, onde permaneci por quase uma hora, depois de ter oferecido a ela rosas brancas e amarelas, suas preferidas, e que jamais faltaram em nossa casa desde que fomos morar juntos, no final de 1999.

O que quero hoje é apenas agradecer a cada uma das muitas pessoas que se conectaram comigo no sábado e que tiveram a sorte de conhecer a Sorriso Maracanã. Foi muito, mas muito bacana mesmo, perceber que a emoção não era apenas a minha companheira, mas companheira de todos os que dela se lembraram no sábado… E foi muita gente, viu? Eu diria, sem medo do erro, que foram abertos os festejos na quinta-feira, com o presente inesquecível que ganhei da Roberta Sudbrack (vejam aqui), jantando no RS. Na sexta-feira, amigos queridos me convocaram para um jantar e para um brinde no Mitsuba, o restaurante japonês que Dani mais gostava, portento cravado na Tijuca, e fomos a maior das mesas do salão, das 21h às 02h de sábado. Acordei cedo no sábado e fui ao florista que, ao me ver, ao saber da razão daquelas flores, deu-me de presente as rosas como um presente pra ela. No Real Chopp, em Copacabana, depois de ter ido ao mar, um desfile de amigos queridos, de telefonemas de todos os cantos do mundo, de manifestações incessantes de saudade, de amor, de alegria por conta do convívio que ela proporcionou a todos. E dei por encerrados meus festejos somente na noite de domingo, na roda de samba do Bip-Bip, em Copacabana, bar que tantas vezes freqüentamos juntos – e mais uma vez muitíssimo bem cercado, depois da domingueira no imprescindível Aconchego Carioca, onde – de novo! – brindamos a ela.

Um final de semana profundamente intenso – como ela bem merecia.

Agora é seguir, meus poucos mas fiéis leitores. E seguir em condições de agradecer pelo que está por vir.

Até.

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DANI FAZ 40 ANOS HOJE

Acordar hoje foi um bocado mais difícil do que tem sido. Não estava ao meu lado, na cama, a mulher que me ensinou a sorrir e que completa (completaria?, completa?!…) 40 anos de idade neste sábado nublado, entretanto ensolarado em mim. Sim, porque quem, como eu, teve o privilégio de conviver por mais de 11 anos com a Dani, não vive noutro estado que não seja o mais-luminoso. Seu sorriso – essa imagem me veio recentemente – está, definitiva e eternamente, tatuado na minha alma como marca indelével e que jamais será esquecida.

Doeu-me, porém, não ter seu corpo ao meu lado, e é esse o mais cruel lado do desaparecimento. Senti seu cheiro, sabe-se lá como somos capazes dessas mágicas. Fui à cozinha, fiz meu café, ofereci uma xícara a ela, deixei-a ao lado das flores lindas que recebi ontem – e as flores são dela (ela é a flor em essência, fonte permanente de beleza, dona do mais estonteante perfume).

Vou ao mar. E como na letra da canção que ela tanto amava, vou pra nada pedir. Só pra agradecer, eis que o pedido que eu faria se me fosse dada a certeza de ser atendido seria tê-la de volta, nem que fosse apenas pelo dia de hoje – quimera que, nem no mais alto grau de delírio, se tornará realidade. Vou ao mar, então, oferecer flores à mulher que me ensinou a sorrir, pra também agradecer à vida por ter me dado a graça de conhecê-la. Agradecer pelo 15 de outubro de 1971, quando ela veio ao mundo. Agradecer pelo 18 de setembro de 1999, quando nossos olhos se cruzaram depois de algum tempo de ausências e quando fomos um do outro pela primeira vez – e para sempre, até seu último dia de vida, quando tive – mais uma vez! – o privilégio de atender a seus pedidos (todos!), cantar pra ela, dizer-lhe diante dos seus olhinhos já distantes o quanto eu a amava e que eu estaria ali, do seu lado, para sempre. Agradecer a cada um dos dias entre 18 de setembro de 1999 e 09 de julho de 2011, quando fui mais inteiro, quando fui mais homem, como no samba, e de fato agradecer por tudo – por tudo.

Depois de jogar flores no mar eu vou é quarar as dores num bar. Erguer os diversos copos em homenagem a ela ao lado dos nossos amigos, todos privilegiados da mesma forma por conta do convívio com a mais incrível das mulheres.

E que a minha menina, a minha garota, minha Tomtom, a mais doce, a mais linda, a dona do sorriso mais bonito que o mundo já viu, beba comigo, esteja comigo, sinta minhas vibrações de amor, comemore comigo e saiba como me dizer – e eu sei que saberá – que está por perto. Eu saberei perceber seus sinais.

E vocês me dão licença, meus poucos mas fiéis leitores, porque hoje o bicho tá pegando.

Até.

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ROBERTA SUDBRACK FEZ JANTAR PRA DANI

Quem me lê sabe o quanto fui, durante um bom tempo, no blog, no twitter, implacável com Roberta Sudbrack. Implicava com ela por tudo, e não vem ao caso, aqui e agora, dizer sobre as razões que me motivaram a agir assim. O que me vem à cabeça, hoje, depois da noite impactante de ontem, toda ela arquitetada pela Roberta, é o seguinte trecho do texto que meu querido amigo Bruno Ribeiro, hoje Secretário de Cultura de Campinas, escreveu por ocasião dos meus 40 anos (o texto, na íntegra, pode ser lido aqui):

“Feliz daquele que sobrevive à uma briga com o Edu e não leva a coisa pelo lado pessoal. Sua gratidão – e esta é a palavra que melhor o define – é algo comovente e ninguém jamais poderá chamá-lo de ingrato. De muita coisa se pode chamar o Edu, menos de ingrato para aqueles que lhe são caros. Coisa rara em tempos tão egoístas.”

Isso me vem à cabeça, mas sob outra ótica: eu é que fui feliz, homem de profunda sorte, por conta da grandeza do gesto da Roberta Sudbrack, e vou lhes explicar tudo através deste texto que pretende homenagear não apenas a Dani, o que venho fazendo desde o começo da semana, mas também a ela, Roberta.

No começo de maio deste ano, minha menina precisou se submeter a uma transfusão de sangue por conta do quadro agudo de anemia pelo qual passava. Vali-me, naquele dia, de todos os meios a meu alcance para fazer o apelo em busca de doadores correr mundo. Usei o twitter, o Facebook, o e-mail, não medi esforços para atingir o maior número de pessoas possível. Muita gente me ajudou a fazer correr, ainda mais, a corrente. Uma delas, em silêncio (soube dias depois, através de um amiga em comum…), foi Roberta Sudbrack.

Fui, no momento em que soube disso, um homem profundamente emocionado. Não bastasse estar fragilizado por conta de toda a turbulência que me cercava a vida naquele momento, aquele – foi assim que chamei o gesto… – tapa de luva de pelica me doeu, pelo melhor viés, no fundo da alma. Aquela mulher a quem tanto agredi, muitas vezes com rudeza e leviandade, simplesmente valeu-se de sua intensa popularidade – mais de 25.000 a seguem no twitter… – para me ajudar, ajudar a Dani, naquele momento tão difícil de nossas vidas…

Escrevi, no dia seguinte, um e-mail endereçado a ela. A resposta veio poucos minutos depois. Sóbria, elegante, e tomei mais um – foi assim que chamei o gesto de novo… – tapa de luva de pelica.

Soube, pouco depois, pela minha queridíssima Katia Lopes, a Katita, responsável pelo Aconchego Carioca, que a Roberta (uma vez mais em silêncio, sem alarde…) procurava sempre saber notícias da Dani, saber notícias minhas. Voltamos a trocar alguns e-mails, até que me chegou, certa ocasião, no comecinho de junho, um convite da própria Roberta para que fôssemos, eu e Dani, jantar no RS, seu festejado e consagrado restaurante no Jardim Botânico. Dani ficou radiante – e por vários motivos.

Alimentava, há algum tempo, o desejo de ir conhecer o restaurante e conhecer, de perto, a tão bem falada comida do RS. Tinha medo – isso chegava a ser engraçado -, entretanto, de ir comigo ao RS, isso até o convite ser feito. Temia pela reação da Roberta diante do fato de minha presença no pedaço. Convite feito, data marcada, e eis que, na véspera do jantar tão esperado, complicações em seu quadro de saúde, já abaladíssima, causaram uma internação de emergência. Eu mesmo desmarquei, por e-mail, com a Roberta.

Veio julho, veio o dia 9, um sábado, Dani não resistiu mais a tanto sofrimento e mais essa certeza se abateu sobre mim: nunca que eu iria levá-la ao restaurante da Roberta…

Na terça-feira, entretanto, dia 11 de outubro, recebi um e-mail da Roberta. Nele, pela primeira vez – ela mesmo frisou isso -, chamou-me de “Edu”. O e-mail é belíssimo, lancinante, comoveu-me intensamente, e ela dizia que tinha muita vontade de oferecer o jantar dos 40 anos da Dani, que serão (serão, serão, eis o milagre do amor!) completados amanhã. Disse, mais, que imaginava que no dia 15, justo no dia do aniversário da minha garota, eu quereria estar com os amigos mais íntimos, com a família, dizendo que tomara a liberdade de fazer uma reserva para às 21h de quinta-feira (ontem). Sugeriu que eu fosse com a Katita, o amálgama de nosso encontro, e prometeu uma mesa pra três (eu, Dani e Katita).

Notem vocês que diante do e-mail eu já era um homem comovido ao extremo. Fiquei feliz por saber que a Roberta era capaz dessa loucura sã, desse ritual tão caro ao Brasil, dessa generosidade que me parecia fictícia. Às oito passei no Aconchego Carioca, bebi uma cerveja com a Katia pra amansar o coração e tomamos o rumo do restaurante.

Meus poucos mais fiéis leitores… O que vivi lá, ontem, foi coisa de mágica, que só alguém extremamente sensível é capaz de produzir. Doeu-me muito na alma saber que fui capaz de fazer o que fiz com a Roberta, alguém que, por sua vez, foi capaz de me proporcionar o que me proporcionou ontem.

Fomos recebidos com intenso carinho – não por ela, uma tímida, como é sabido e consabido. Mesa de três – e minha menina estava ali, à mesa, diante de pratos, talheres, das taças… – e eu e Katia jantamos sob forte emoção, prato a prato, vinho a vinho, e como se não bastasse a excelência da comida, da bebida, do atendimento, já no final do jantar chegou à mesa uma torta de chocolate, uma vela acesa, e ali – faço a confissão desavergonhadamente – chorei copiosamente como temia. E temi – confesso de novo – encontrar aquela mulher tão surpreendente, tão generosa, tão amorosa com alguém que foi tão… isso deixa para lá!

Subimos as escadas e fomos à cozinha.

Diante dela fiquei sem ter o quê dizer.

Pedi desculpas por tanta rudeza – e ela foi doce, de novo.

Agradeci pela noite, pelo jantar, por tanta coisa bonita, tanta capacidade de dar amor a quem ela sequer conhecia (no meu caso), a quem ela sequer conheceu (no caso da Dani).

Não disse a ela dez por cento do que eu pretendia dizer, travei-me – eis a verdade.

Dei a ela meu livro, fiz uma dedicatória que, sei, foi incapaz de dizer a ela sobre meu sentimento de gratidão, e fiquei ali, mais falando com os olhos marejados do que com a boca, diante de quem mostrou-se absolutamente incrível.

E mostrando o quanto ela é surpreendente, doce, ainda fez mais.

Pouco antes de sairmos, assim que dela eu me despedi, ela disse:

– Ah, espere um pouco só! Quero te dar uma lembrança!

E voltou da cozinha com a comanda de nossa mesa, de número 13, como a imagem abaixo comprova, reservada para Edu, Dani e Katita.

Um presente impactante, uma noite inesquecível, um gesto absolutamente irretribuível.

Devo tudo a ela, Roberta Sudbrack, que mostrou-se portadora de sentimentos tão nobres. A Katita, que construiu, aos poucos, nossa aproximação… Roberta disse, à certa altura:

– Você não desistiu, né, Katita? – e riu.

E devo também a Dani, que esteve ali, conosco, com sua energia, com suas vibrações de intenso amor, de intensa alegria diante daquilo tudo.

Irretribuível – repito, agudamente – o gesto da Roberta.

É o que posso – ou o que consigo – por ora, dizer.

Até.

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“MEU AMOR, E AGORA?!”

Foi no comecinho de 2009. Já há quase um ano no enfrentamento do câncer, depois de algumas cirurgias, de algumas complicações, depois de iniciadas as sessões de quimioterapia e de radioterapia, cheguei em casa e encontrei minha menina de olhos perdidos, sentada na sala de casa – cena raríssima, eis que sempre fui recebido, à noite, depois de um dia de trabalho, com o mais lindo sorriso do mundo estampado em seu rosto e com aplausos (porque ela deu, de um certo dia em diante, de me aplaudir quando eu chegava, e até hoje sinto uma falta tremenda desse som). Cheguei-me a ela:

– O médico disse que meu cabelo vai começar a cair… Meu amor, e agora?! – e deu de chorar.

Eu, que mantive firme meu propósito, até o último dia (quando fraquejei…), de não chorar diante dela, fiz festinha em seu rosto, bebi suas lágrimas e fui, naquele momento, um homem despedaçado diante de sua dor (uma, dentre tantas…). Mas tanto fiz, tanto disse – cheguei a cantar que “é das carecas que eles gostam mais…” – que ela tornou a sorrir.

Os dias foram passando, os cabelos foram, de fato, caindo, até que num determinado dia ela decidiu ir com a irmã a um salão pra cortar o cabelo bem curtinho. Nesse dia, bem me lembro, sua irmã foi com ela a uma loja de perucas e depois de muito tempo lá (experimenta uma, chora, experimenta outra, chora mais…), saíram com a peruca comprada. Foram dias difíceis… Quando já sem cabelo algum, incorporou a peruca. Passaram-se poucas semanas – notem que o humor, esse grande companheiro!, jamais nos abandonou… – e deu-se o seguinte: Dani chegava da rua, tirava a peruca e a punha sobre o abajur de nosso quarto (só de escrever isso, imagino que vocês que me lêem já sabem o próximo passo…).

Estávamos jantando quando ela disse:

– Não tá cheirando a queimado?

Eu havia acendido o abajur e a peruca foi oló!

Como chorou, minha menina. Segurando a peruca nas mãos, verificando o estrago (que nem foi tão grande…) que houve, disse:

– Meu amor, e agora?!

Voltamos à loja, deu-se um jeito, mas ela começou a curtir comprar lenços como alternativa.

Era, mesmo de lenço, a mais bonita das moças. E a quantidade de lenços, imensa, fazia, de certa forma, com que o ato de se vestir fosse sempre divertido.

Até que chegou o dia em que ela me disse que estava um pouco cansada de sair de lenço, de usar (e usava cada vez menos) a peruca, que queria ter coragem de sair na rua sem nada na cabeça, e me disse isso diante do espelho do banheiro, as lágrimas caindo sobre a pia, falou sobre o medo de ser vítima de tantos olhos na rua, e segurando minhas mãos, me olhando nos olhos, disse:

– Meu amor, e agora?!

Fato é que marcamos, para outubro de 2009, nossa primeira viagem para NY. Eu já havia estado lá, em 1995, ansiava por voltar, e pensamos que seria uma grande idéia passarmos seu aniversário, dia 15 de outubro, em NY.

Dani, nas primeiras horas da viagem, já estava apaixonada pela apaixonante NY (e foi uma viagem intensa, emocionante, choramos de emoção muitas vezes, rimos outras tantas, porque havia, entre nós, uma espécie de pacto silencioso, tácito, de que era preciso aproveitar tudo no grau máximo, com intensidade de último-dia, e havia em seus olhos, desde o início de tudo, a permanente angústia quanto ao porvir).

Vai daí que na nossa primeira manhã em solo americano, acordei mais cedo que ela (rotina…), desci, fui a um florista e comprei as mais lindas flores que encontrei. Voltei ao quarto com as flores e um cartão que dizia “Pra você, minha menina, que me fará o homem mais feliz do mundo, mais do que já sou por tê-la, se descer pra me encontrar pro café-da-manhã sem nada na cabeça. Te amo (e acho que vou te amar ainda mais, se você mostrar pra Nova York o charme da careca da mulher brasileira!)”. Deixei as flores na cabeceira e desci.

Quando ela apareceu pro café-da-manhã, era a (ainda) mais luminosa das mulheres.

Orgulhosa. Sem vergonha. Apaixonada.

Choramos pra burro, decidimos ir ao museu, e eu senti – confesso – um orgulho absurdo da minha menina, tão íntegra em meio a tanta dor, tão capaz de demonstrar (e fez isso até o último minuto) seu amor por mim, tão bonita.

Passamos horas no museu, e eu poucos olhos tive pra tantas obras de arte… porque tinha os olhos cravados nela, o tempo todo, na intenção de captar todo e qualquer sentimento que dela brotasse naquele primeiro dia sem qualquer pudor de si mesma – e como vivemos “primeiros dias” nos últimos anos…

Os cabelos nunca mais voltaram.

Quando voltamos ao Brasil, fui sua alma gêmea careca.

Era a maneira que eu tinha – e como busquei maneiras, maneiras, maneiras, maneiras de lidar com tudo aquilo… – de dizer a ela do meu amor, da minha solidariedade, da minha capacidade de entrega, do meu desejo de ser o melhor pra ela.

E hoje sou eu que, a cada manhã, diante do espelho do banheiro, de olhos fechados e pensando nela, pergunto sozinho:

– Meu amor, e agora?!

Até.

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MEDO DE AVIÃO

Eu tinha – quem me conhece há muitos anos, sabe – pânico de avião. Pânico mesmo, na mais literal acepção da palavra. Eu voava, é verdade, mas sob efeito de doses industriais de uísque e no tempo em que ainda era possível fumar dentro dos aviões. Em 1995 fiz minha primeira viagem pro exterior, pra Nova York, depois de convocar os mais-chegados para o aeroporto, coisa de oito horas antes do embarque: a idéia era beber consideravelmente e me despedir dos amigos, tamanha a certeza eu tinha de que não voltaria. Mal me lembro do vôo, mas sei que bebi durante toda a viagem, fumei desbragadamente e chorei quando cheguei ao verificar que eu chegara aos Estados Unidos e não ao Brasil (vão tomando nota). Em 1999, já lhes contei isso – aqui -, reencontrei Dani: ela voltando de Londres e eu saindo do primeiro casamento.

Ela – a mulher que me ensinou a sorrir – mudou minha vida (assim como seu desaparecimento, há pouco mais de três meses, mudou-me também). Sabe-se lá por qual razão, através de qual mecanismo (soaria piegas se eu lhes dissesse que foi o amor?) – estou falando de medo de avião – eu nunca mais, depois dela, senti sequer ponta de medo ao embarcar numa aeronave (penso, agora, que talvez porque o maior de todos os medos fosse o de perdê-la). Sou capaz de lembrar com uma vivacidade impressionante: ela me sugeriu que fôssemos a Buenos Aires, à certa altura. Quando eu contei a ela sobre meus medos, sobre minhas reações diante da perspectiva do vôo, fez cara feia e providenciou as passagens. E fomos a Buenos Aires, e ela fez a minha mala, e ela cuidou das passagens e não largou da minha mão um só minuto, nem a caminho do aeroporto, nem na fila do check-in, nem na hora do embarque, tampouco durante o vôo. E ela me dizia as coisas mais bonitas do mundo enquanto voávamos, e rimos tanto de meu próprio medo, e tudo emoldurado por aquele sorriso, e eu já fiz a viagem de volta sem medo algum – salvo o de perdê-la.

Vai daí que estou, especialmente nesta semana que antecede o sábado de seus 40 anos, vendo e revendo fotografias, registros, escritos, e tenho me comovido pra burro. Deparei-me, hoje mesmo, com essa legenda: “I viagem juntos – Cabo Frio 2000”. Dani tinha um profundo carinho por esses registros, por esses tantos álbuns.

E essas fotografias, como não podia deixar de ser, me lançam em direção ao passado abruptamente. E sinto, ao vê-las, uma saudade que eu já sentia, que eu sou um homem, às segundas-feiras, já com saudade do domingo. Lembro, revendo as fotografias, de cada viagem nossa – foram muitas, com a graça de todos os deuses – e de nossas histórias. Uma delas – A Viagem – Capítulo IV (ou declaração pública de amor) – é uma de minhas preferidas, e relê-la, agora pela manhã, também me fez marejar os olhos (aqui). Acho graça, por exemplo, ler o seguinte:

“Pausa para dizer que, findo o episódio, o Zé Colméia, aquele urso imenso, bruto por fora mas um bebê por dentro, disse-me com as mãos nos meus ombros, os olhos marejados e lançando perdigotos em meu rosto ainda molhado, “Edu, eu não sou crente, mas hoje rezei pra você morrer antes dela… você não resistiria…”.”

Não adiantou a reza do Zé e eu resisto a cada dia em nome dela.

Sempre fui, a seu lado, como nessa próxima fotografia (de janeiro de 2000, em Cabo Frio, nossa primeira viagem juntos), um homem em estado de graça.

E como se não bastasse não ter mais a graça de sua companhia, vivo agora esse desafio permanente de superar sua ausência. Salva-me, muitas vezes, a luminosidade de seu sorriso (não cansarei de repetir isso, o mais bonito sorriso que o mundo já viu).

A fotografia abaixo é do mesmo verão, da mesma viagem, na praia do Forte, em Cabo Frio. Sua marca, seu sorriso, seus olhos que também sorriem.

Esse mesmo sorriso que – creiam em mim! – não se apagou nem no último dia.

A diferença é que ali, naquele momento, meu medo de perdê-la já se transformara numa certeza que eu escondia dela com um talento que só mesmo o amor em estado bruto pode explicar.

E eu lhe dei a mão, e fui , ali, o corajoso a sorrir de volta dando a ela (ou pretendendo fazê-lo…) a segurança que recebi durante os quase doze anos em que vivemos juntos.

Até.

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DIÁRIO DO LUTO

Li, em apenas dois dias, Diário do Luto, de Roland Barthes. O livro, recentemente lançado no Brasil pela Martins Fontes, e que reúne as mais de trezentas fichas manuscritas pelo próprio autor, durante mais de um ano a contar do dia da morte de sua mãe, foi, nas minhas mãos, uma espécie de espelho no qual me vi, em vários momentos, refletido. Barthes e a perda de própria mãe. Eu e o desaparecimento da Sorriso Maracanã. Uma aguda similitude entre nossas dores, as dores do mundo, as dores de quem perde alguém a quem se ama. Percebe-se, durante a leitura, que aquele escrever constante é uma tentativa de sobreviver – foi como li.

Falei sobreviver e lembrei-me do verso de Aldir Blanc para canção de Moacyr Luz, feita em homenagem a Maurício Tapajós: “Redimensionar a palavra saudade: é nela que tudo que amei sobrevive”.

Ontem, 09 de outubro, foi comemorado o Círio de Nazaré, a maior festa religiosa do Brasil, exemplo de fé que Belém do Pará dá ao mundo (sobre a festa, leiam texto de Luiz Antonio Simas, aqui). Tenho a sorte de morar no Rio de Janeiro, na Tijuca, na rua Haddock Lobo, que sedia a festa do Círio no Rio de Janeiro, quando nos tornamos, orgulhosamente, a embaixada informal de Belém (vejam aqui as fotografias que fiz ontem).

Eu nunca perdi a festa do Círio na Tijuca, nunca. E é preciso que eu lhes diga, para que meu discurso, hoje, ganhe contornos de coerência, que sempre baixei ali, no segundo domingo de outubro, em busca da festa propriamente dita: de comida, de bebida, de música. De uns anos pra cá, mais precisamente de 2008 pra cá, quando foi feito o diagnóstico do câncer que vitimou minha menina, a festa ganhou outras cores, outra cara, outra importância. Eu, que em matéria de religião sou brasileiro da sola dos pés ao mais alto fio de cabelo, passei a ir ao Círio para pedir a benção à Senhora de Nazaré (sou, nas procissões católicas, católico, apostólico, romano e o mais fiel dos fiéis). Mais do que ir pedir qualquer coisa (creiam, eu agradeço mais do que peço) à santa, eu ia participar do ritual, buscar me fortalecer, eu ia pra me emocionar mesmo. E a festa passou a ser, pra mim, ainda mais bonita, ainda mais importante, ainda mais imprescindível no meu calendário.

Ontem, pela primeira vez fui ao Círio sem ela. E sem ela é infinitamente mais profundo do que sua ausência na festa sugere. Comovi-me tremendamente, eu que cheguei bem cedo, junto com a multidão de fiéis no átrio da igreja dos Capuchinhos. Cantei junto com o povo. Chorei junto com o povo. E depois comi, e depois bebi, e depois festejei o fato de ter tido o privilégio de ser seu companheiro por quase doze anos. E tudo ganhou contornos ainda mais bonitos, e ainda mais emocionantes…

Dani fará (como disse meu mano Szegeri, sábado, ao abrir a roda dos Inimigos do Batente no Ó do Borogodó) 40 anos no sábado, dia 15 de outubro. Dedicarei, então, todos os textos dessa semana a ela, a dona do sorriso mais bonito que o mundo já viu. Ela, que permanece em mim como um “clarão de lua que se insinua pelos caminhos onde vou”, há de gostar da homenagem.

Até.

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DO DOSADOR

* Parto hoje à noite pra São Paulo, onde fico até a madrugada de domingo (já lhes conto o porquê). Amanhã, sexta-feira, dia 07, meu mano Arthur Tirone, meu queridíssimo Favela, ao lado do Grego, de João Bico e de Leandro Costa, disputa a final do samba-enredo da Gaviões da Fiel para 2012. O enredo homenageia ninguém mais, ninguém menos, do que Luiz Inácio Lula da Silva – e eu já me ponho a imaginar a emoção do desfile caso se confirme a presença do homenageado. São quatro sambas disputando e eu, ligeiramente escolado em escolha de samba-enredo, estarei lá, levando o axé do meu Salgueiro pra dentro da quadra da Gaviões, na intenção de ver meu mano como vencedor. Vou de vermelho e branco, São Jorge estampado no peito, pra engrossar o coro e ficar na torcida. Sou, quem me lê sabe, o mais parcial dos seres, e é nessa condição que digo, orgulhoso, que não ouvi os outros três sambas mas tenho certeza absoluta de que nenhum deles é páreo: ouça (e veja) aqui (com imagens belíssimas do Lula, diga-se). Mesmo sabendo que, muitas vezes, outras mumunhas, que não cabem aqui, decidem a parada. Vai, Favela!;

* agora vou lhes contar o porquê de voltar na madrugada do domingo (deixando uma dica imperdível). É no segundo domingo de outubro que acontece, em Belém do Pará, a festa do Círio de Nazaré, a mais expressiva manifestação de religiosidade no Brasil – basta dizer que, para os paraenses, mais vale o Círio que o Natal. “Feliz Círio!”, é o que vale. Pois no mesmíssimo dia acontece, na Tijuca, e justo na Haddock Lobo, onde moro, a festa do Círio de Nazaré para toda a comunidade paraense do Rio de Janeiro. É, também, evidentemente que guardadas as proporções, impressionante o furdunço: desde a noite do sábado que começam a chegar carros, caminhões, caminhonetes, trazendo famílias inteiras que armarão, nas calçadas, suas barracas vendendo as delícias da cozinha paraense. A cozinha que é, faço questão do destaque, a mais genuinamente brasileira das cozinhas. Há, então, fartura de pato no tucupi, tacacá, maniçoba, venda de ingredientes que dificilmente são encontrados por aqui (jambu, tucupi…), muita cerveja (com evidente predominância da Cerpa) e muita música. Às seis da manhã a festa começa, por volta das 10h a procissão sai da igreja dos Capuchinhos e a coisa segue até a noitinha do domingo. Rigorosamente imperdível;

* falei da sexta, falei do domingo, não falei do sábado. Sábado, 08 de outubro, é dia de Leonor Macedo – a inadjetivável. Como escrevo agora para só retomar o leme na segunda-feira, antecipo-me no brinde imaginário, erguendo uma senhora caldereta de chope gelado e bem tirado, cheio de espessa espuma, por ela – um ritual que cumpro, por aqui, sempre que aniversaria gente que eu amo. A Leonor, que dispensa apresentações e de quem sou fã confesso, há de viver, porque merece, um grande sábado para celebrar mais um aniversário. Eu, quem me lê também sabe, sou um comovido no dia do aniversário dos meus (o meu, mesmo, eu não gosto tanto). E como a Leonor me comove, e como sempre me comoveu, desde o primeiro dia em que eu a li (e depois, em que eu a vi), estarei vestido, no sábado, não com as roupas e as armas de Jorge – a quem sempre peço, também por ela – mas com a camisa do Corinthians. Uma forma tijucana, talvez, de homenageá-la e de estar mais-perto;

* e pra terminar, e pra não tornar modorrenta a leitura deste Do Dosador de hoje, um breve registro. Assisti, na última terça-feira, a um dos mais bacanas shows a que já fui: João Bosco canta Galos de Briga, no qual João interpretou, ao lado de uma fabulosa banda, as doze faixas memoráveis do memorável LP Galos de Briga, lançado em 1976, todas em parceria com Aldir Blanc. Foram apenas 130, os privilegiados que assistiram, ao vivo, o desenrolar daquele repertório já impregnado na memória coletiva dos brasileiros. Paulo Roberto Pires, a quem tive o prazer de reencontrar por lá, foi sucinto mas disse tudo no blog do Instituto Moreira Salles, onde aconteceu o show: leiam aqui. E agora é torcer pra que a Rádio Batuta, também do IMS, disponibilize, o quanto antes, o aúdio do espetáculo: acompanhem aqui.

Até.

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UM DESAGRADÁVEL

Sou, quem me lê sabe, um discreto. Sou incapaz de expôr alguém, ou mesmo alguma situação, se sei que da tal exposição advirá o ridículo, o escárnio, o descrédito. Do contrário, aí sim, sou o anti-discreto (ou era, vejamos se consigo cumprir as determinações que eu mesmo me impus): se é para o bem coletivo, se é para propagar coisas boas e outros bichos, sou mesmo capaz de construir outdoors imaginários para fazer correr mundo, seja lá o que for. Um misto de vaidade e inconsequência, mas isso deixa para lá. Quero tratar hoje de minha capacidade de ser discreto.

Desfruto do convívio com uma determinada figura – não declararei seu nome nem a fórceps – que é, quase sempre, extrema e intensamente desagradável (não, não, vou tentar ser mais claro). O sujeito a que me refiro é um doce de pessoa, de uma fidelidade semelhante a dos vira-latas com seus donos. É, entretanto, quando vê passar um rabo-de-saia, um desagradável (agora sim).

Dir-se-ia, se fosse uma moça, que sofria de furor uterino, de crises constantes de umidade, esses troços. Como é um homem, não sei – confesso – que nome dar ao fenômeno, muito embora eu ponha seu comportamento na pura e simples conta da mais absoluta falta de educação. Vamos a alguns exemplos.

Roda de cinco, seis, diante do balcão de um determinado bar. Passa, na calçada, esbaforida, uma senhora. E essa senhora, apesar de gorda, gordíssima, usa um decote avançado. Eis o cavalo:

– Peitanca, hein, madame?!

De nada adiantam os pitos coletivos. Ele gane, urra ainda mais histérico, diante da senhora que passou e fingiu não ter ouvido o que ele considera um galanteio. E insiste, mais alto:

– Delícia, esses teus mocotós suspensos, viu?

O troço é sempre nesse nível (e daí para pior).

Vamos ao que quero finalmente lhes contar (por conta desse fato, recente, é que estou diante do monitor redigindo as pérolas desse sujeito).

Recebi, dia desses, um convite ligeiramente formal, para jantar na casa de uns amigos. Segundo o anfitrião, ao telefone, seríamos dez à mesa, não mais que isso. Foi quando ele fez a pergunta:

– Você não quer trazer o… ? – e quando ouvi o nome do protagonista de hoje, gelei. Disse que falaria com ele.

Falei, de fato. E ele, um faminto (é outra de suas características), topou no ato.

Na noite do jantar, passei de carro para buscá-lo. Fui, durante o trajeto, fazendo os mais paternais apelos: que se comportasse, que evitasse tecer comentários sobre os peitos, as bundas, as coxas das convidadas. Ele, honradíssimo com a lembrança de seu nome para o rega-bofe, fazia aquela patética jura com os indicadores cruzados sobre a boca. Prometia um comportamento diáfano, discrição absoluta. Até que chegamos.

Preciso fazer a confissão: durante toda a noite – durante o serviço dos tira-gostos, das bebidas – ele foi exemplar. Sabe-se lá a que custo, mas foi. Havia três mulheres entre os convidados que, não fossem meus apelos, já teriam sido alvos de seus cortejos nada ortodoxos. Até que veio o jantar. Fomos chamados à mesa. Sentamo-nos e veio à mesa o prato principal: língua. Até aí, vão tomando nota, nada demais.

Uma das moças – a mais linda, diga-se – fez boquinha de nojo e recusou:

– Não como língua…

O anfitrião, muito sem graça, pediu desculpas etc.

Ele, o desagradável, foi mais rápido que eu:

– Com licença… você como ovo?

– Ovo? Como, adoro! Por que?

Tentei fuzilá-lo com os olhos (não iria sair boa coisa…) mas ele cravava seus olhos nos olhos daquela beldade. Mastigando, ele disse:

– Engraçado… língua, que vem da boca, tu não come, tem nojo, vi tua cara de nojo. Ovo, que sai do cu, tu adora. Vai entender…

Até.

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