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DE CUIDAR

Em janeiro de 2005 publiquei A mulher que me ensinou a sorrir – aqui – quando, valend0-me de uma sacada de um dos meus orixás vivos, Aldir Blanc, fiz a confissão inusitada: “Sem você, Dani, não sei nem fazer cocô.”. E isso não era, em absoluto, exagero meu.

Um dos mais duros golpes e revezes que senti (e ainda sinto) depois de seu desaparecimento, em julho de 2011, foi justamente perceber que eu não sei, aos 42 anos de idade, fazer rigorosamente nada sem ela. Antes que me apontem o dedo inquisidor com o carimbo do exagero, eu digo que se trata da mais pura verdade. E faço, dando seguimento aos meus exercícios de expor-a-alma para amainar a dor pungente da saudade, algumas pequenas confissões.

Antes de setembro de 1999, quando nos (re)conhecemos, nos reencontramos e passamos a viver juntos, eu era, diante da iminência de uma viagem de avião, um fóbico em estado bruto. Dizem os médicos da alma que esse medo – o de voar – está diretamente associado ao fato da solidão que se materializa, de forma intensa, durante o vôo. Ali, dentro da aeronave, estamos absolutamente nas mãos das Leis da Física. Pois minhas viagens, que até setembro de 1999 eram, pra mim, uma espécie de tortura – eu chorava, eu gania, eu tinha taquicardias violentíssimas… – passaram a ser melífluas atividades. Ou melhor, ainda me causavam algum medo, mas as mãos da Dani eram a segurança que eu procurei a vida inteira, desde que deixei a escuridão do ventre.

Outra confissão: durante as viagens era Dani que de tudo tomava conta. Ficava com meu passaporte, com nosso dinheiro, com meu cartão de crédito, era quem cuidava de minha rotina, e havia sempre aquele sorriso, aqueles olhos de cuidado, aquelas festinhas no meu rosto, o afagar de meus cabelos. Foi assim – mais uma confissão – até abril de 2009, quando veio o diagnóstico da doença que a consumiu.

Dali em diante conheci outra faceta do amor. Fui, dali em diante, por mais poltrão que eu fosse, um homem em permanente estado de atenção. Passei, pelas mais óbvias razões, a cuidar dela com mãos de extremo zelo, com olhos de intensa e incessante cumplicidade, e por mais que tivesse o coração em frangalhos, a alma forjada pela dor e pelo medo permanente da morte e da perda, jamais faltei a ela. Tenho – me perdoem se lhes soarei prepotente – absoluta convicção de que fui o melhor dos homens, o mais íntegro companheiro, o mais digno diante da crueza da doença e dos caminhos que fomos obrigados a cumprir.

Até que veio outubro de 2009…

Foi desejo dela – prontamente atendido, como sempre – passar seu aniversário, dia 15 de outubro, em Nova York, cidade que ela não conhecia – eu já havia estado lá em 1995.

E a confissão que agora lhes faço me serve, uma vez mais, como catarse, como verdadeira terapia e como exorcismo de tanta saudade acumulada dentro de mim.

Eu sabia que seria diferente dessa vez: eu sabia que ela tinha dores, que a viagem seria feita sob certa tensão, com grande quantidade de recomendações médicas, uma quantidade considerável de medicamentos na bagagem, e que eu não poderia contar, como sempre contei, com sua vigilância permanente, seus cuidados, seus zelos, eu sabia que seria necessária a inversão dos papéis…

Nosso plano incluía uma visita de dois dias a Boston, para estarmos com nosso afilhado que mora lá, e depois uma esticada de seis dias em Nova York. E já no aeroporto, na hora do embarque, eu precisei ser maior do que sempre fui.

Nosso vôo saía do Rio, pela Gol, e havia uma conexão em São Paulo, com a Delta Airlines, rumo a Nova York, de onde pegaríamos novo vôo até Boston. A Gol atrasou a saída e o que eu temia aconteceu: perdemos a conexão.

Dani foi, naquele momento, uma mulher com o olhar perdido. Maldisse a sorte, não acreditava – e chorava, e chorava… – naquilo, dizia que não bastava a doença… esses troços… e eu fui um leão diante do guichê da Gol. Fomos maltratados, postos num hotel de quinta categoria, só embarcamos na noite do dia seguinte mas eu não deixei, em nenhum momento, ela se abater. Pausa: na volta, distribuí uma ação contra a Gol, ainda em trâmite, e nunca fui tão visceral na exposição dos fatos em uma petição inicial. A escrevi sob forte emoção, Dani ficou orgulhosíssima de mim…

A viagem foi, é claro, atípica. Se em todas as nossas viagens anteriores dormíamos pouco, andávamos muito, comíamos e bebíamos em demasia, vivemos, nessa viagem, o ritmo possível para ela (já lhes contei, aqui, Meu amor, e agora?, um pouco sobre essa viagem).

Era eu, meus poucos mas fiéis leitores, por conta do amor, por conta do de-cuidar que amar pressupõe, superando meus medos, minhas angústias, sendo pra ela o amparo preciso, o porto-seguro, o companheiro de todas-as-horas. Foi uma viagem ótima, emocionante, intensa, e na hora de voltarmos, bem me lembro, dentro do táxi e a caminho do aeroporto, deu de tocar Frank Sinatra no rádio e demos de chorar, os dois, de mãos dadas, e foi quando nos prometemos voltar – ela amou Nova York, agudamente! -, o que acabou não acontecendo…

Essa redimensão do amor, que viver o período do enfrentamento da doença me deu, jamais nos abandonou, a mim e a ela. Ela que, a poucas horas de partir pro Orum, quando tivemos – quantas vezes já lhes disse isso… – a mais bonita conversa que jamais tive com quem quer que seja, chegou-se pra mim e disse:

– Edu… tô preocupada com uma coisa…

Não disse nada, eu estava ali, debruçado sobre ela, olhos nos olhos, sua mão entre as minhas, ela continuou:

– Quem vai cuidar das suas camisas, meu amor?

Tudo o que eu não chorei naquele momento, eu choro hoje, dia após dia, no instante de me vestir pela manhã.

Até.

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MUNDIAL, O MERCADO INTERNACIONAL

Eis-me aqui, de volta. E quero, desde já, ansioso, contar-lhes uma coisa que, bem sei, soaria como redonda mentira, ou mesmo como um exagero de minha parte (vocês me têm, eu sei, na conta de um hiperbólico incorrigível). Eu diria mesmo, sem medo do erro, que se não fossem as fotos que fiz eu seria tido como um mitomaníaco sem cura, já que lhes contaria, eufórico, sobre o que vi.

E confesso que por essa nem eu esperava. Nem eu!

Fui tirar minhas merecidas férias na semana retrasada. Como bom padrinho que sou, comecei a viagem, que tinha NY como destino principal, pela cidade de Shrewsbury, em Massachusetts, em busca do Alfredinho – meu afilhado (e do Bernardinho, seu irmão, e de Raquel e Alfredo, seus pais, primos da minha menina, naturais de Volta Redonda, cidade que em tudo se iguala à Tijuca, afora o ar siderúrgico).

Na manhã do dia seguinte saí para dar um volta pela cidade.

A saudade da Tijuca já me queimava as entranhas em meio à manhã gelada (coisa de – o quê?! – seis, sete graus centígrados) quando deparei-me com o que me pareceu uma miragem.

carro de entrega do Mundial em Shrewsbury, Massachusetts, EUA, 11 de outubro de 2009

Diante do carro com o logotipo MUNDIAL MARKET tive uma febre de rua do Matoso. Não podia ser. Não podia ser verdade. Estaquei diante de um policial e perguntei o que era aquilo.

– É um supermercado brasileiro. Fica logo ali.

Fui, incrédulo, na direção que me foi apontada.

E entrei, arremessado à zona norte da minha cidade, arremessado ao MUNDIAL da Matoso, no tal supermercado.

interior do supermercado Mundial em Shrewsbury, Massachusetts, EUA, 11 de outubro de 2009

Funcionários, caixas, açougueiros, todos, todos falando português, exibindo produtos anunciados em português e em inglês, e pedi, trêmulo e ainda descrente, um pão com manteiga e uma média de café preto sem açucar.

Febril, perguntei ao gerente se eles faziam entrega em casa. Diante da resposta positiva encomendei algumas coisas para o almoço, que mandei entregar na Haddock Lobo. Só depois, diante de seu assombro, dei-me conta de que estava longe.

Coisas, meus poucos mas fiéis leitores, que – modéstia à parte, até porque isso não é vantagem, isso é uma sina – só acontecem comigo.

Até.

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PORTUGAL, A SAGA – PARTE VIII

Lisboa, 02/06/06, sexta-feira

Acordamos às 10h. Descemos, tomamos café na rua (não incluído na diária do hotel), e como não sabíamos a que horas o Cristiano chegaria, deixamos bilhete na recepção e ficamos de ligar de hora em hora. Fomos de metrô até a Praça do Rossio. Lá chegando demos uma explorada na região e descemos a Rua Augusta. Fiquei impressionado com a quantidade de absurda de pessoas oferecendo, sem cerimônia, e escancaradamente, marijuana e haxixe. Eu, que como já disse tenho mais medo de maconha do que de barata, fiquei em pânico. Mas Dani disse:

– Relaxa. – e passei a fingir que não via aquele acinte.

Exploramos a Rua Augusta, a Rua Áurea, a Rua da Prata, e entre uma ligação e outra… pronto! Conseguimos falar com o Cristiano, e daí marcamos 18h30min na estação Alameda de metrô para irmos juntos ao Rock in Rio. Aliás, eis o quadro do dia: Dani em êxtase com o show do Roger Waters, com o Rock in Rio, com o Santana, e eu num desinteresse de fazer chorar.

Paramos para beber ginjinha no Largo de Domingos, a típica bebida de Lisboa, um licor à base de aguardente, açucar, água e canela, feito com ginja (cereja brava), que eu já havia provado há uns anos quando a Betinha voltou de Portugal com uma garrafa do néctar. O copinho vendido a 1 euro e seria uma das obsessões da estadia em Lisboa (perdi a conta do quanto bebi).

Fizemos um de nossos programas prediletos quando viajando. Andar, andar, andar, e a esmo. Por absoluto acaso (nenhuma menção em nenhum guia) descobrimos a Igreja de Nossa Senhora da Pena, lindíssima e a casa onde morreu Luiz de Camões, em 1580, na esquina da Calçada Sant´Ana com a Calçada Nova do Colégio.

Paramos para almoçar no restaurante PiriPiri, que achamos bem ao estilo do Salete (dá-lhe, Tijuca!), na Rua Arco do Marquês do Alegrete número 9. Pedimos peru assado no forno com arroz, fritas e salada, a 5 euros e 60 cêntimos, mais meia garrafa de vinho, conta de 9 euros. Como sobrou muita comida, pedi pão e fiz um sanduíche gigantesco para levar para o show (dááááá-lhe Tijuuuuuuuuuuuuuca!). E isso para juntar à marmita que a Eduarda nos deu ontem com dezenas de salgadinhos. Tijuca-ca-ca-ca-ca!!!!!

Rumo ao Rock in Rio.

Meu Deus.

Encontramos o Cristiano com uma amiga, por coincidência chamada Ignez. Chegamos à estação.

De lá até a entrada do Rock in Rio, 15 minutos.

Vejam bem.

Do que mais gostei durante o show?

Do pôr-do-sol.

pôr-do-sol em Lisboa

Ah, sim. É verdade que o show do Santana foi perfeito e que foi emocionante ver o Rui Veloso cantar Porto Sentido ao vivo.

Mas eu, definitivamente, não dou a mínima para eventos do gênero.

Até.

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PORTUGAL, A SAGA – PARTE VII

Porto x Lisboa, 01/01/06, quinta-feira

Acordamos às 9h. Café. Mochilas prontas. Chek-out. Deixamos as mochilas no hotel e de metrô fomos ao Estádio do Dragão, do Futebol Clube do Porto. Fomos à Loja Azul, uma loja gigantesca vendendo tudo com a marca do clube. Compramos um boné pro Próspero. Fomos ainda ao bar, todo azul, bem grande, com telões de cristal líquido, incrível. Bebi um imperial Superbock.

Eu no Estádio do Dragão

Voltamos de metrô, buscamos as mochilas e fomos comer no Regaleira, dica do Sr. Bessa, onde foi feita a primeira Francesinha do Porto há 50 anos!

Acabei de comer nesse minuto e é, definitivamente, a melhor das que comemos, 9 euros cada uma, 5 euros a jarra de vinho, 2 euros e 40 cêntimos a porção de croquetes de carne que o garçom recomendou (deliciosos) e fomos embora, depois de muitíssimo bem atendidos pelo Manoel Mota, que pediu:

– Recomende a Regaleira e este vosso amigo aos amigos do Brasil!

Feito.

Tomamos o ônibus não sem antes mais duas taças de vinho verde e um pastel de Belém na rodoviária mesmo.

Três horas e quinze até Lisboa.

Chek-in no Ibis que, estranhamente, nos cobrou as 4 diárias antecipadamente. Hábito ou foi nosso passaporte que inspirou cuidados?

Tomamos banho sem pressa, arrumamos as roupas, os vinhos, as taças, e descemos a pé em direção à Praça de Espanha para tomarmos o ônibus das 20h para Setúbal, já que vamos ao jantar de aniversário da Cidália, que faz anos hoje. Paramos no XPTO no caminho, um café, e bebemos dois imperiais Superbock, a 80 cêntimos cada. Compramos as passagens (3 euros e meio cada) e chegamos à Setúbal.

Andamos até a casa e – não poderia ser diferente – fomos recebidos efusivamente por nossos amigos, excitadíssimos à espera de nossos relatos sobre o Porto.

À mesa, a mesma fartura cidálica. Bolinhos de bacalhau, azeitonas, empadinhas de frango, muitos pães, canja de grão, esparregado, arroz, e tome vinho, e tome papo, e tome histórias nossas, e tome declarações de amor recíprocas, e cantamos os parabéns para Cidália, a quem demos o último CD do Chico Buarque, ela uma apaixonada pela música brasileira.

Passamos à sala de estar e demos de cantar, Eurico no piano, eu e Próspero revezando no violão, todos cantando e Eduarda, eis uma surpresa, cantando absurdamente bem, causando “ohs” e “ahs” embevecidos em mim e na Dani. Cantou, e cantou à capela, e com a alma, e com o coração, uma voz abençoada. E o troço estava tão bom, mas tão divertido, que às 3 e meia da manhã nos demos conta do avançado da hora!

Na hora de sair, mais surpresas. E faço breve pausa.

É notório que eu me comovo com a capacidade que têm, os meus, de escolherem presentes emocionalmente significativos para mim. Foi o Capitão Léo Golla, por exemplo, e a cuíca. O Szegeri e a Parker com que aprendeu a escrever. O Toledo e a coleção completa d´O Pasquim. Isso para ficar nos mais recentes.

O que fizeram Cidália e Próspero? Nos ofereceram uma garrafa de vinho do Porto, relíquia de família, oriunda de Peso da Régua (a família e o vinho), de… de… de… 100 aninhos.

Só isso.

E ainda dois CD´s com fado (Fernando Machado Soares – “Fados de Coimbra” e Antônio dos Santos), um outro com todas as fotografias tiradas por eles durante nossos passeios, e ficamos – eu, particularmente, graças ao impacto que esses gestos causam em mim – emocionadíssimos com tanto carinho, com tanta deferência, com tanto bem-querer.

Eduarda e Eurico queriam mostrar onde moram. E lá fomos nós para uma visita rápida, eram quase 4 da madrugada, e nossos anfitriões, incansáveis, nos levariam à Lisboa!!!!!

Muito legal o apartamento dos dois, que se casaram em 13 de agosto do ano passado. Tudo novo, evidentemente, ficamos de papo uns 15, 20 minutos, e tomamos o rumo de Lisboa.

Eduarda, Dani e Cidália

É um fato: voltei de Portugal com uma família em Setúbal.

Até.

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PORTUGAL, A SAGA – PARTE IV

Porto, 29/05/06, segunda-feira

Acordamos cedíssimo já que temos ônibus marcado para às 9h. Nossos anfitriões, não é demais repetir, craques ao extremo na arte de receber bem, foram nos levar à Lisboa para a rodoviária. Chegamos faltando 15min mas… A rodoviária não é mais onde era! E tome de correr! Descobrimos o endereço da nova estação, Lisboa estava parada num trânsito de São Paulo, saímos do carro, e fomos três loucos – eu, Dani e Cidália – a correr entre os carros na tentativa de alcançarmos o ônibus (autocarro), em vão. Chegamos às 9h01min. Perdemos a viagem… Cidália conseguiu trocar os bilhetes, sem ônus, para às 10h30min. Encontramos o Próspero, que rolava de rir lembrando da cena, que ele assistiu de dentro do carro, de nós três esbaforidos correndo em fila indiana. Aproveitamos o tempo para conhecer a região próxima à estação, por sorte muito pertinho do hotel reservado para Lisboa, o Ibis José Malhoa, a Praça de Espanha, onde há o metrô e ônibus para diversos pontos da cidade, e finalmente embarcamos às 10h30min, com toda a ansiedade gerada pelos comentários efusivos dos dois, amantes da cidade do Porto. Chegamos às 13h45min, dormi quase que o trajeto todo. E preciso fazer pequena confissão. Alguma coisa aconteceu em meu coração quando pisei naquela cidade.

A estação fica na Rua Alexandre de Herculano, a poucos metros do Largo da Batalha, onde há a Igreja de Santo Ildefonso, e lembramos de cara da Inês, que ali perto nasceu, e para ela compramos um postal, encaminhado a Boston logo em seguida. Descemos a pé a Rua 31 de Janeiro e eis o primeiro grande assombro, diante da grandiosidade da Estação São Bento, de onde saem os trens (comboios) para diversas partes de Portugal, inaugurada em 1916 e construída no local de um antigo convento, cujo interior é um festival de azulejos de Jorge Colaço, retratando os transportes do passado, as festas rurais e cenas históricas.

Dani na Estação São Bento, com painel de azulejos ao fundo

 

Daí estávamos a um passo da Praça da Liberdade e da Avenida dos Aliados, onde ficava o hotel que reservamos, o Residencial dos Aliados, com entrada pela Rua Elísio de Melo 27, com diária do casal a 55 euros com café-da-manhã incluído. O quarto era bastante cofortável, atapetado, com ar-condicionado (fazia 37 graus!!!!!), deixamos as mochilas (as malas ficaram em Setúbal) e tomamos as ruas a fim de descobrir a alma dos tripeiros, tão afamada. Ah, sim. Atendeu-nos a Ana, na recepção, um poço de simpatia. É a malta do Porto, como nos disseram!!!!!

Subimos a Avenida dos Aliados em direção à Câmara Municipal, um edifício gigantesco, no final da avenida, imponente, ainda mais bonito com aquele tapete azul que era o céu, uma constante desde nossa chegada a Portugal.

Câmara Municipal, na Avenida dos Aliados

 

Chegamos à Trindade, que fica atrás da Câmara Municipal e subimos a Rua Formosa, onde fui cantando “Formosa… não faz assim… carinho não é ruim…”, eu sentia-me em casa, impressionantemente à vontade, mãos dadas com minha garota, flanando pelo Porto e captando, ou tentando fazê-lo, a tal alma das ruas. Dobramos à esquerda (subam conosco!) a Rua Santa Catarina, onde paramos para fotografias diante da belíssima Capela das Almas de Santa Catarina, dos princípios do século XVIII, com restauros e ampliação de 1801. Em 1929, as fachadas exteriores foram revestidas de azulejos de autoria de Eduardo Leite, representando a vida de São Francisco de Assis e de Santa Catarina. Ali mesmo, na Rua Santa Catarina, chegamos ao Mercado Bolhão, que… como direi?, é uma espécie de CADEG. Fiquei feito pinto no lixo. Frutas, legumes, verduras, embutidos (enchidos), peixes, carnes, flores, uma tremenda confusão, uma barulheira que me soava como música, compramos cerejas dulcíssimas (lembrei-me do Mauro nesse instante, eis que comprávamos cerejas sempre pela manhã quando estivemos na Itália) a 2 euros o quilo (baratíssimo, vim saber depois comparando preços) e sentamos no Restaurante da Gina, a nossa cara!

Um pé-sujo, muito simples, e sentamos no balcão, atendidos pela Patrícia. Pedimos uma garrafa de vinho verde geladíssima (fresquinha!), pães (sempre quentes e por que não há pães como esse no Brasil?!), e um farto prato de costelas de porco fritas com arroz, salada e batata frita, típico PF do Porto. Satisfeitos, tornamos à rua. E danamos de andar. Na Rua Santa Catarina mesmo passamos em frente ao Café Majestic, belíssimo, mas a preços proibitivos. Vimos a Igreja dos Clérigos, a Igreja dos Carmelitas, a Igreja do Carmo, entramos em padarias, em casas onde queijos e vinhos escorrem das paredes, e compramos uma bela peça de queijo da Serra da Estrela, depois de muito pesquisar para não comprarmos errado, na Casa Lourenço, na Rua do Bonjardim número 417, com uma garrafa de vinho tinto recomendada pela dona da casa, tudo por 23 euros e meio. Já eram quase oito da noite quando tomamos o rumo do hotel, passamos antes numa padaria para comprar pães para nosso piquenique no quarto (dá-lhe, Tijuca!), tomamos banho, abrimos o vinho, provamos do queijo, deixamos tudo fechadinho para continuarmos na volta (dá-lhe, Tijuca!) e tomamos a direção da Ribeira, e tudo a pé.

Dani no quarto com o Serra da Estrela, o vinho, os pães, no nosso primeiro piquenique (dá-lhe, Tijuca!!!!!)

 

E, meus poucos mas fiéis leitores, permitam-me o derramamento emocionado. Mas quem vem e atravessa o rio junto à serra do Pilar, vê um velho casario que se estende até ao mar, quem vê o Porto ao vir da ponte vê cascata são-joanina dirigida sobre um monte no meio da neblina. Por ruelas e calçadas, da Ribeira até à Foz, por pedras sujas e gastas, lampiões tristes e sós. Quem vê o ar grave e sério da cidade que nos oculta o mistério dessa luz bela e sombria, quem vê a cidade abandonada nesse timbre pardacento, em seu jeito fechado de quem mói um sentimento, sempre como a primeira vez em cada regresso à casa, (re)vê o Porto nessa altivez de milhafre ferido na asa… Eu parecia ouvir a voz do Rui Veloso, cantor que me foi apresentado pelo Próspero na véspera, cantando essa espécie de hino do Porto, cidade que senti, creiam em mim, como se minha também fosse.

visão da Ponte Luís I a partir da Ribeira

 

“O Porto é uma cachaça”, escreveu-me pouco antes da viagem o Oswaldo Bombeiro. E é, de fato é.

Caminhar pela Ribeira emocionou a mim e à Dani, aquele sorriso aberto em dia de festa, os olhos mais lindos de certo modo marejados às margens do Rio Douro, um peso de séculos nos meus ombros sem qualquer explicação lógica, e ficamos ali, os dois, sentados no cais, e a mesma emoção que agora me balança me assaltou diante da grandiosa Ponte Luís I, inaugurada em 1886, ligando a Ribeira à Vila Nova de Gaia, e a noite fresca, o céu claro, tudo contribuía para que fosse ainda mais intenso e denso o impacto causado por aquelas pedras, por aquele chão, por aquelas margens, e foi instintivo pegarmos o telefone para agradecer aos queridos amigos de Setúbal, que têm o Porto no coração, cada dica, cada palavra, cada gesto.

visão da Ribeira com Dani à direita, de costas

 

Não havia muito o que fazer.

Ficamos os dois de namorico, embevecidos com cada instante de céu, com cada nova luz que surgia, com os cheiros, com os sons, com as palavras, tripeiros até a alma, foi o que dissemos um pro outro. Tomamos o rumo do hotel com a promessa feita:

– Três dias em Porto, três noites na Ribeira.

Ponte Luís I vista da Ribeira

 

Voltamos a pé e paramos na Cervejaria Sá Reis, na Praça da Liberdade, atendidos pelo Sr. Bessa, comemos 3 bolinhos de bacalhau (divinos, com menos de 1% de batata!), vinho tinto e vinho verde, tudo por míseros 5 euros e meio. Ainda tivemos ânimo para pararmos no Café Guarany, no mesmo edifício do hotel. Pedimos e dividimos uma Francesinha, típico do Porto. Uma típica Francesinha (deliciosa!) tem por base duas fatias de pão entre as quais se dispõe diversos ingredientes (bife, carne assada, fiambre, salsicha fresca, mortadela, lingüiça e camarão), sendo tudo coberto com queijo amarelo que vai derreter no calor do forno e formar uma espécie de capa transformando o sanduíche numa caixa, e que vem num prato cercado de molho. O molho, eis o segredo. Pelo que descobri é feito com a gordura do presunto, tomate, cebola, alho, louro, vinho branco, manteiga, molho inglês, farinha, o molho do assado das carnes e piri-piri, aquele mix de pimentas com azeite, vinagre e sal. Outra promessa:

– Francesinha sempre que possível!

Pedimos a conta. Estamos com sono e meia garrafa de vinho tinto nos espera no quarto!

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Como amanhã começa a Copa do Mundo, preferi pôr, hoje, dois textos sobre a viagem, já que pelo menos amanhã, definitivamente, o tema será o futebol.

Até.

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E LÁ VAMOS NÓS!

Bem, meus caros, poucos mas fiéis leitores… Parto hoje, com a Sorriso Maracanã, a mulher que me ensinou a sorrir, essa força bruta e delicadíssima que é a Dani, para dez dias em Portugal. Estou, assim, exaltando a Dani nesse momento não apenas porque estou nessa manhã, depois de quase sete anos a seu lado, ainda mais apaixonado que ontem, mas porque eu me borro de medo de avião, de viagem, tenho tremores só de olhar mala, e só a mão da minha garota é capaz de me devolver a paz e a tranqüilidade. Só seu cheiro é capaz de me servir de calmante, só seu sorriso é capaz de me fazer esboçar um sorriso quando o avião decola, só seu abraço me faz cochilar durante o vôo.

E vamos parar com isso, ou daqui a pouco os comentários começam a chegar, ai, que lindo, oh, que amor bonito, ui, que relação é essa?, e o Szegeri vai me esculhambar.

Por falar em esculhambar. Pô. Saquem o “bilhete eletrônico” emitido pela TAP.

bilhete eletrônico da TAP

Feiíssimo. Sem charme algum. Era bem mais interessante – vejam como um pobre, um tijucano raciocina – aquele libreto, páginas e mais páginas, carbono vermelho, mil e uma instruções, tudo mais solene, mais grave, mais emocionante. Agora, não. Em nome da praticidade, do corte de custos, dessas merdas que nos atropelam, a gente imprime, de casa, o bilhete aéreo, banalizando um troço que, ao menos para mim, é altamente importante eis que sinto-me, sempre, na iminência da morte quando viajo.

São só dez dias, lembrem-se disso. Embarcamos de volta – se lá chegarmos, toc, toc, toc na tábua de madeira imaginária – no dia 05 de junho. Ou seja, pouquíssimo. Mas mesmo assim, mesmo sendo pouquíssimo, notem como os queridos que me cercam me conhecem bem. Dão, a essa mínima viagem, a essa curta ausência, uma importância como a que foi dada à viagem do major Marcos à Estação Espacial Internacional (ISS). Vejam.

Hoje já chegou e-mail da Maria Paula e da Manguaça. Almoçam conosco, hoje, no Salete, a Inês, a Guerreira e a Betinha. A Guerreira irá nos levar ao aeroporto, para onde também vai, para um beijo-tchau, o Mauro, que já esteve conosco ontem à noite, bem tarde, no Rio-Brasília, para um beijo-tchau também. Eu fui assistir ao jogo do Flamengo e Dani chegou, tadinha, tardíssimo, arrumando as malas, eis que eu não guardo nem meia. Ontem ligou-me o Pompa, de São Paulo, para um solene “boa viagem, meu irmão”, e eu chorei quando desliguei. Ah, sim. Disse-me mais, o Pompa, em tom de súplica:

– Querido… Não vá ao Rock in Rio, por favor…

Papai, mamãe, minha sogra, Maguinha, a irmã que eu não tive, todos ligaram como se fôssemos ficar um ano fora. Talvez seja tudo reflexo do que me vai na alma numa altura dessas.

Mas, enfim. Amanhã, às 6h40min, horário de Lisboa, estarão a nossa espera, no aeroporto, Próspero e Cidália, pais da Inês, que gentilmente acataram o pedido da filha:

– Resgatem o Edu e a Dani no aeroporto, por favor!

Lá ainda encontraremos o Cristiano, meu irmão, que fugirá, por cinco dias, de Clermont-Ferrand, e a Fumaça, que fugirá, por dois dias, de Maputo.

Estou levando na bagagem meu palmtop de pobre, o mesmo que levei para Belo Horizonte. Prometo, para o retorno, relatos detalhados, bem à minha moda.

Até.

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LANÇAMENTO DO LIVRO EM SP

Na foto, comigo, o seu Clóvis, que foi o primeiro a chegar no Ó do Borogodó, em São Paulo, onde lancei o livro no sábado passado, 17 de dezembro. Seu Clóvis leu sobre a festa no Estadão e fez questão de aparecer pra comprar dois livros, pra dizer que é louco pelo Rio de Janeiro, alucinado por Vila Isabel e, vejam que lindo!, filho de um médico que atendeu Noel Rosa dias antes de sua morte!

Começou assim, emocionante, a tarde de autógrafos regado ao samba quente dos Inimigos do Batente no meu buteco preferido em São Paulo.

Aliás, foi emocionante demais.

Acompanhem isso.

O Szegeri chegou-se a mim a certa altura, ainda no começo da festa, e já veio chorando, que o Szegeri chora mais que bebê recém-nascido com cólicas olímpicas. Entregou-me um tinteiro e uma caneta.

– Edu, presente meu… – e chorou ainda mais – Aprendi a escrever com ela…

Uma Parker 51, linda de morrer, e que quase me derrubou antes mesmo do segundo autógrafo.

Falei em emoção, né?

E encontrar esse malandro aí ao lado comigo? Marcelo Coelho, o grande Coelho, parceiro de grandes noitadas com o Vidal, a quem não via há uns 5 anos, despencou-se de Campinas com a mulher, Cristina, e o filhão, Pedro, só pra me dar um abraço e dividir a alegria pelo livro.

Choramos – eu havia me esquecido de como chora o Coelho – um Rio de Janeiro inteiro. E eu fui de uma franqueza com ele que vou lhes contar…

– Edu… Você achava que eu não viria, né?

– Eu tinha certeza a-b-s-o-l-u-t-a disso… – e choramos mais.

Augusto, o biltre, estava lá. Marcão, que divide com o Augusto e com o Szegeri a história “Hotéis sem estrelas” brilhou a tarde inteira, atingindo o auge da felicidade quando bebeu, pelo gargalo, eu tenho isso filmado, uma garrafa magnum de Cidra, molhando a camisa por inteiro, o que gerou o muxôxo:

– Pô, Edu… Ela vai pensar que eu tava no motel com esse cheiro…

Quem também apareceu e me encheu de alegria foram a Aninha, a Ju e o maridão, aí na foto comigo. E a Denise, mãe da Aninha e do Dado (que fez forfait) também me deu a presença de presente.

Pra eles eu cantei “O Bêbado e a Equilibrista”, assim como pro Coelho ofereci “Saindo à Francesa”, frisando que o verso “discutir a importância da velha amizade, redimensionar a palavra saudade, é nela que tudo o que amei sobrevive” era pra ele. E o Coelho chorou de novo.

Apareceu também a Bia, o Wanderley Monteiro, o Capitão Leo, o velho Zé Szegeri, Armando e Jeremy, e a Maria Elisa, que merece um capítulo à parte.

A Maria Elisa está morando em São Paulo e é amiga de infância da Sorriso Maracanã. Sente-se, disse-me ela, um pouco peixe fora d´água na paulicéia.

E sentiu-se tanto em casa no Ó do Borogodó, e estava tão feliz (repetiu-me isso dezenas de vezes), e o Szegeri e a Stê foram tanto com a cara dela, que tenho a impressão de que cravei o início de uma relação de amizade entre eles, que há de frutificar.

Vejam aí, ao lado, a alegria das duas, Dani Sorriso Maracanã, e Maria Elisa, que foi de um carinho indizível comigo.

Como de um carinho indizível foram o Robson, que cuidou das vendas, a Railídia, a Iara (minha sereia amada, minha afilhada número 6), a Stê, o Szegeri, a Roberta Valente (que também esteve no lançamento do Rio), o Julio Vellozo, o Fernando (de quem gostei demais, disse isso ao Szegeri entre goles de Black & White), o Julio Cesar Cardoso (que foi mas não entrou no Ó, lotadíssimo!), toda a rapaziada dos Inimigos do Batente que me aturaram cantando inclusive o Hino da Independência (com gritos de Brizola e tudo no final!), as garçonetes mais-que-craques do Ó do Borogodó, a Luli e a Ana, minhas preferidas, enfim… todo o povo que deu as caras por lá.

Fechando, fiquem com a foto da minha Dani, mais-que-amada, com a Luli, e peço, de público, de pé no banquinho imaginário, ao meu irmão Szegeri, que dê um apelido pro sorrisão dessa craque na arte de servir e de sorrir.

No decorrer da semana, conto sobre o lançamento em Volta Redonda, na segunda-feira, 19 de dezembro.

Szegeri, meu irmão, a bola tá contigo. Depois da Sorriso Maracanã (minha Dani), depois da Sorriso Via-Láctea (Lelê Peitos) e da Sorriso São Januário (Maguinha), aguardo ansioso vosso parecer.

O tom desses dois sorrisos foi o tom da tarde em São Paulo.

Bonito demais.

Aguardem aí as novidades sobre Volta Redonda, onde comandados pelo Comandante, dezenas de amigos fizeram tremer a Cidade do Aço.

Até.

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A VIAGEM – CAPÍTULO III

A foto, genial, (eu sou um modesto) é da sombra da escultura de Davi, de Michelangelo, em Florença, bem diante do castelo de onde Hannibal Lecter atira seu perseguidor de uma sacada, com o intestino aberto (lembram disso?) na segunda parte do filme “O Silêncio dos Inocentes”. Essa informação, sonegada por guias especializados do mundo inteiro, nos foi passada pelo Mauro, uma sumidade na Itália, contarei depois o por quê, o que gerou frisson entre os milhares de turistas que transitavam pela Piazza Signorina, onde paguei o maior mico da viagem, quando chorei pela primeira vez. Contarei isso depois também, já que, antes, preciso dos detalhes que já solicitei por email ao Mauro, que ainda está na Itália aguardando sua viagem para os EUA onde brilhará, seguramente, em mais um congresso internacional. Razão pela qual, hoje, contarei, digamos, alguns momentos brilhantes da trupe brasileira em terra estrangeira, sem preocupar-me com detalhes da viagem em si.

A Fumaça, vamos à Fumaça. Eu voltei certo de uma coisa: se submetida ao mais simples e rasteiro exame psicotécnico, Fumaça não arruma o emprego mais tedioso e mecânico. Eis alguns lances da Fumacinha.

Estávamos em Roma, no Vaticano, dentro da Basílica de São Pedro. Dani, com um guia em português nas mãos, lia os detalhes para nós: “Michelangelo começou a pintar a cúpula da Basílica, que ficou pronta graças ao empenho de seus alunos, já que o mestre morreu antes mesmo de terminar o trabalho…”, e foi interrompida por guinchos úmidos de lágrimas da Fumaça. A turba estanca e a Fumaça, de joelhos, olhando pro chão e dando soquinhos no piso de mármore grita… “Foi aqui que ele caiu… lá de cima?????”. Os seguranças da Basílica foram obrigados a nos pedir silêncio.

Dentro de um bar, em Florença, paramos todos para bebermos alguma coisa. A Fumaça, que não sabe nem espirrar em italiano, vira-se pra moça do balcão: “Donna… nosotros queremos três (e mostra os dedinhos) birras beeeeeeeem geladas e duas águas (mostra os dedinhos de novo) sin gás alguno…”. A moça, lindíssima, vira o rostinho de lado como quem diz que não entende nada e a Fumaça… “Porra, filha, tô parlando devagar… tu não tá me capiscando?”. E dali em diante a Fumaça e o verbo “capiscar” foram uma coisa só.

Fechando sua atuação com chave de ouro, a Fumaça mostrou-se uma embevecida diante da Guarda Suíça no Vaticano. Aqueles homens imóveis diante dos portões, com aquelas roupinhas catitas nas cores laranja e azul, encantaram a Fumaça. E decidiu, nossa doce Fu, testar a concentração dos caras. Zé Colméia, atônito, foi quem viu, de longe, a cena: a Fumaça quicava, fazia caretas, cutucava o abdomen do sujeito com o indicador espetado, tentando, segundo seu próprio depoimento depois, relaxar o dia do “guardinha com roupa de palhaço”.

À Guerreira. A Guerreira fala mas não fala italiano. Foi ensinar Fefê e Zé Colméia a pedirem cerveja gelada nos bares. Num equívoco compreensível, passou-lhes a frase que, traduzida, dizia “cerveja congelada”. E Fê e Zé entraram no primeiro bar e mandaram a frase num italiano renascentista. O sujeito, uma caricatura, urrava uns “ma quê!” e uns “porca miséria!” de fazer tremer a Ponte Vecchia com um rolo de pastel na mão, botando os dois pra correr diante do que lhe pareceu sacanagem.

E o Zé Colméia? Bem, o Zé merece um capítulo quase que à parte. Fino como um lord, o Zé aceita o convite do Mauro para um expresso num Café quase em frente ao Coliseu. A placa anunciava “o melhor café do mundo”. Zé entra. Pede o café. Bebe. Cospe. O atendente atônito. E o Zé: “Qualé, meu chapone? Esse café tá uma merdone. Sou mais o do Palheta da Piazza Saens Pena!”.

Tão logo eu consiga com o Mauro os nomes que preciso para lhes contar sobre a Itália, mando bala. A partir de amanhã, voltamos, digamos, à rotina, já que o que soube, por email, mesmo viajando, é assustador.

Até.

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A VIAGEM – CAPÍTULO II

Na foto, Evelin, nossa doce anfitriã em Amsterdam, eu e Dani, no Dampkring, coffeeshop que ganhou fama graças ao filme “Ocean´s 12”, o preferido da Evelin, e que recebeu nossa visita uma bela penca de vezes. Amsterdam é belíssima e eu bebi, por aquelas plagas, cerveja suficiente pra encher os diques da cidade. Éramos, nos primeiros dois dias, apenas cinco: Evelin, eu, Dani, Fefê e Zé Colméia, e juntaram-se a nós, depois, Cristiano e Guerreira. O Cris, vindo da França, a Guerreira, chegando de Londres (e vejam vocês que alegria a nossa, tijucanos diplomados, sapateando sobre o mapa da Europa). E que não seja breve a menção à doçura da Evelin. Morando há 9 anos em Amsterdam, Evelin, brasileira com nacionalidade egípcia (por causa dos pais) e holandesa, foi uma anfitriã de comover-nos. Daqui, meu beijo e meu carinho.

Vamos num sopetão só, ao roteiro, sem ordem cronológica: conhecemos inúmeros coffeeshops, a casa de Anne Frank, o Museu Van Gogh, bares seculares, parques gigantescos onde cuecas, calcinhas e sutiãs formavam a paisagem, a praça onde iniciou-se o movimento hippie, o Palácio da Rainha, delicatessens de deixar qualquer um tonto com a quantidade de queijos, frios e embutidos, cervejas do mundo inteiro (uma garrafinha da nossa Brahma, no supermercado, custava 2 euros), o bairro da luz vermelha, onde moças se expõem em vitrines feéricas dia e noite, fizemos um piquenique financiado pelo Cristiano sob um sol de Rio de Janeiro, assistimos Brasil x México num pé-sujo holandês, andamos de trem pra cima e pra baixo quando as distâncias eram gigantescas.

Detalhe épico: Fefê e Zé Colméia partiram, determinada noite, pra um passeio na cidade em busca de cerveja e diversão. Chegaram em casa apenas às 6h da manhã. Eis a razão: bêbados, lembravam-se apenas do final do nome da rua da casa da Evelin… “não sei o quê… straat”, um dizia pro outro. Ocorre, amigos, que straat é rua em holandês… e depois de andarem coisa de 10km a pé, passando por MarcoPoloStraat, ElizabethVonStraat, VascodaGamaStraat, BartholomeuStraat e mais de 500 straats, reconheceram a casa. Uma coisa, os dois.

Falei no parque e preciso lhes contar sobre o pífio desafio que eu, Fefê e Zé Colméia propusemos a 3 holandeses que batiam bola. Pedimos a ajuda da Evelin que, num holandês límpido, expôs nossa idéia: uma partida de gol pequeno, 3 pra cada lado, e os holandeses babaram… Brasil e Holanda! Os 3 eram sarados, jovens, corpos talhados e nós, 3 brasileiros acima dos 30 anos, barrigudos e cheios de marra. Evelin fazia o papel de tradutora do lado de fora e traduzia pra nós as falas dos caras: “Não precisa marcar esse balofo”, “Dribla entre as pernas desse gordo sebento”, “Sacaneia, sacaneia”, e por aí foi. Perdemos de 3 a 2, pouco diante do massacre que nos foi imposto. Durante a partida, torci o pé num buraco gigantesco escondido por um tufo de grama e quase voltei pro Brasil diante do inchaço e da dor que me impediam de andar no final do dia.

Em prantos, já em casa, fui ao banheiro engantinhando, mijei no próprio tornozelo, pedi ajuda aos caboclos de papai, ao meu médico curitibano morto há mais de 100 anos, à minha bisavó e com o auxílio do antibiótico da Guerreira, eu estava inteiro na manhã seguinte (o antibiótico foi o menos importante, longe de casa sou um crente quase-fanático).

Partimos 4 dias depois rumo a Milão, de avião, e lhes conto sobre a Itália a partir de amanhã.

Até.

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AEROPORTO INTERNACIONAL

Acabo de chegar do Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, o velho Galeão. Fui com Dani receber a Raquel, há mais de 5 anos fora do Brasil, mãe do Alfredinho, nosso afilhado número 03 (a Raquel e o Alfredo, pais do menino, nomearam a Dani como madrinha, mas não a mim como padrinho, cargo que exerço à força e não discuto sobre o assunto).

É preciso que eu lhes diga que ingressar num aeroporto, pra mim, é uma experiência semelhante ao ingresso numa câmara mortuária, experiência impossível para um vivo, mas é como sinto o troço. Embicar o carro diante da cancela do estacionamento já basta para que eu veja o funcionário que me estende o tíquete como um São Pedro na porta do céu. Dali em diante nada mais me é real.

E como estamos com viagem marcada para 16 de junho, rumo à Europa, a experiência de hoje foi sofrível, angustiante, nada motivadora. Eu tenho visões estranhíssimas, e todo mundo andando pelo aeroporto tem, eu juro que vejo, algodões nas narinas. Um cheiro de éter me inebria, embora não haja éter nos aeroportos, dizem os sãos. Motoristas de táxi, fazendo alvoroço à saída do desembarque, são coveiros nítidos.

E há uma implacável diferença que me distancia da Dani. Ela é uma excitada criança naquele ambiente. Sorri, dá pulinhos, e hoje ficou a me dizer no ouvido, “daqui a pouco somos nós, meu amor”, e eu quase-desmaiva, sendo salvo pelo bravo Comandante, também presente.

Mas vamos aos fatos. A turba de umas vinte pessoas, pai, mãe, irmã, tios, tias, amigos e amigas, esperava a Raquel com bandeirolas amarelas, flores numa cesta imensa, uma expectativa de final de Copa do Mundo. Chegamos todos às 8h30min para a espera do vôo marcado para 8h35min. E Raquel só apareceu às 10h15min. As pessoas sorriam entre si, cantavam musiquinhas compostas na hora, choravam de uma alegria inexprimível, e eu, soturno como se fosse um condenado, num canto, pensando na nossa viagem de 13h de duração daqui a pouco mais de 15 dias.

Tenham certeza de que de hoje até a data fatídica eu serei um ninguém. Um autômato. Nada me animará. Dani, coitada, tenta me sacudir dizendo, “A Guerreira vai!, a Fumaça vai!, o Fefê vai!, o Mauro vai!”, e nada converte o quadro trágico que vivo. Ainda no domingo, diante de um Mauro também excitado fazendo planos de viagem com a Dani (aliás, se viagem fosse uma quase boa seria espontânea, não requereria tantos planos, metas, discussões que se estendem por semanas inteiras etc etc etc), eu cravei-lhe os lábios nos lóbulos e disse, “Não fique feliz por mim, Mauro, depois dessa viagem tenha certeza de que você rejeitará minha companhia até mesmo para um passeio para Petrópolis”.

Aos crentes, mesmo não tendo certeza da eficácia da coisa, peço que rezem por mim. Aos sacanas, imploro que evitem piadinhas de todo gênero. Aos fóbicos como eu, a solidariedade.

Até.

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