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CARTOLA

ESPECIAL CARTOLA

Cartola 90, samba 2000

Em artigo de 1992 sobre Cartola, eu escrevi que, em época de seqüestro, ninguém agüenta mais a palavra resgate. Seqüestro de dólares, desviados de nossas contas em bancos que estouram para engordar poupanças de pilantras impunes em paraísos fiscais; seqüestro da prometida geração de empregos e das promessas do “mercado regulador”; seqüestro de estatísticas que desmintam os dados oficiais; seqüestros flagrantes de intenções de voto; seqüestro de cidadãos indefesos e até mesmo de órgãos; o seqüestro dos “ajustes fiscais”. Com a confirmação do novo reinado de Caô-tsé-Tunga (mentira, modorra e roubalheira sob um calor e uma recessão de deixar qualquer um de tanga), o sambola, ou sambobo, ou sambabaca é o hino do regime. Então, não falarei de resgate. Vou só procurar impedir que o legado de Cartola sofra seqüestro oportunista nas mãos de produtores que, se entendem pouco de batuque, são mestres na arte-manha de arrancar o couro.

O homem que é sinônimo de Estação Primeira de Mangueira, que escolheu o nome da Escola e suas cores, que foi o autor de seu primeiro samba-enredo nasceu, como no antigo samba, só pra chatear… no Catete. Houve confusão no nome de batismo, Angenor. Usava óculos escuros à noite. Deu uma recauchutada no nariz com a pele do traseiro. Até mesmo sobre a origem de seu apelido, Cartola, a história não coincide. Na de Jota Efegê, em Figuras e Coisas da Música Popular Brasileira, volume 2: “…ganhou o apelido por usar como fantasia uma cartola de papelão com a qual formava nos sujos da gurizada, nos dias de carnaval”, ainda moleque na Zona Sul. Já o fascículo no. 17, Cartola / Nelson Cavaquinho, da primeira edição da História da Música Popular Brasileira, garante que, rapazola, trabalhando na construção civil, arranjou um chapéu-coco pra se proteger do pó de cimento que caia em sua cabeça. Daí, o apelido. Vida de compositor popular tem que ter várias versões. A gente fica achando que no país do Pensamento Único só figuras como Cartola, Nelson Cavaquinho, Carlos Cachaça são reais. O resto é fantasia.

Cartola foi famoso nos anos 30. Vendeu sambas para Mário Reis e para Francisco Alves. Quando sumiu, foi trazido de volta à tona por um mito, Sérgio Porto. Não é mole ser resgatado (epa, olha a palavra aí) pela flor dos Ponte-Preta. O também lendário tio de Sérgio, Lúcio Rangel, chamava Cartola de Divino. Quando Sérgio Porto trouxe Cartola de volta, ele estava lavando carros na rua. Injustiças assim, como a que atingiu Cartola, compositor apreciado por Villa-Lobos, gravado por Leopoldo Stokovsky, citado em sambas de Herivelto Martins e de Pedro Caetano, considerado nosso maior compositor por Nelson Cavaquinho, amigo de Noel Rosa, parceiro de Sílvio Caldas, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho, são freqüentes hoje, nesses tempos de sambesta.

Cartola comandou, com a mulher que salvou sua vida, uma das mais festivas casas noturnas de todos os tempos no Rio de Janeiro: o Zicartola. Fez dois discos imortais pela Discos Marcus Pereira, produzidos o primeiro pelo Pelão e o outro por Juarez Barroso, nomes históricos em nossa melhor produção musical, direção e regência do antológico Horondino José da Silva, o Dino Sete Cordas.

Em sua obra irretocável, por trás da economia de palavras, e às vezes sob o verniz romântico (que reforça o choque sentido), insinua-se o mais severo analista de quantos trataram o delicado tema das relações amorosas. Perto de Cartola, Lupiscínio Rodrigues era um otimista… Cartola reconhece que o amor é imprescindível ao poeta e ao samba. Só que não dá certo.

A lúcida amargura de O Mundo é um Moinho resume exemplarmente sua visão: chamada de amor logo no primeiro verso, a Musa leva uma tremenda descompostura: não sabe o rumo que irá tomar, deixará sua vida cair em cada esquina, e em pouco tempo não será mais o que é. O mundo, um moinho, vai triturar seus sonhos – que, acentue-se, são mesquinhos -, vai reduzir as ilusões a pó e, de cada amor, a herança será só o cinismo.

Quando notar, a Musa estará à beira do abismo, cavado por ela própria. Não há esperança, votos de estima e consideração, uma única palavra amiga de despedida.

Em As Rosas Não Falam, o poeta chega ao extremo do lirismo e destrói seu arroubo em dois versos:

Queixo-me as rosas
mas, que bobagem, as rosas não falam.

Em seguida, um verbo sofisticado soa com toda naturalidade na letra do sambista e o clima lírico se reconstrói:

Simplesmente as rosas exalam
o perfume que roubam de ti.

A letra termina contradizendo a esperança que, no início, batia em seu coração. É melhor que a musa veja os olhos tristonhos do cantor e sonhe por ele.

Esse tipo de tranqüila constatação do que é irrealizável no amor acompanha toda a trajetória do poeta:

Você não merece
mas isso acontece
……………………..
Se eu ainda pudesse fingir que te amo
ai, se eu pudesse
mas não quero…
Isso não acontece.

Melhor não chorar, mas, se for preciso, convém não dar bandeira, não fazer alarde: disfarça e chora. Mesmo assim, o teu pranto, ó linda senhora, vai molhar o deserto.

Chorar não adianta.

No politicamente incorreto Tive sim, Cartola reconhece que amou outra mulher tanto quanto a atual, que vivia contente ao lado dela, mas que prefere calar. Conversei sobre esse samba com D. Zica, que me contou, entre risadas, com grande simplicidade:

– Eu estava afim de arengar e ele quieto. Eu, criando caso de graça: tá pensando em outra? Ele lá, calado. Chacoalhei tanto que ele respondeu: “tive outros amores antes do teu, sim. E não quero mais falar nisso pra não te magoar”. Na madrugada seguinte, meu filho, nasceu o samba Tive sim.

Há pérolas menos cultivadas, como Assim Não Dá, Evandro Bóia na parceria:

Assim não dá, não dá não
Não vai dar, meu irmão
É doutor presidente
Doutor secretário
Doutor Tesoureiro
Só quem não é seu doutor
É aquele pretinho
Que varre o terreiro.
………………..
Já houve lá um concurso
Pra quem bate surdo
Tamborim e pandeiro
E eu fiz tanto esforço
Mas acabei perdendo
Pra um engenheiro

Justiça seja feita: parece uma tese do Tinhorão.

Toda a alegria foi perdida em Cordas de Aço, clássico absoluto de nossas noites boêmias. O violão compreende porquê. E, no entanto, é só o bojo perfeito soltar o som da madeira que todos voltam pra casa cantando.

Em Desfigurado, Cartola sai na frente, pioneiro de um tema que se tornaria caro a nossos compositores:

Meu coração…
É infeliz como um menor abandonado

O título Minha serve apenas para constatar que…

Minha
Ela não foi um só instante
Como mentiam as cartomantes
Como eram falsas as bolas de cristal

Talvez por isso o poeta grite Não quero mais amar a ninguém (Com Carlos Cachaça e Zé da Zilda).

Desejo impossível, porque…

Um vazio se faz em meu peito
………………….
Me faltando as tuas carícias
As noites são longas
E eu sinto mais frio
Procuro afogar no álcool a tua lembrança
Mas noto que é ridícula a minha vingança

O homem não dá refresco nem bebendo. Para desespero dos chatos, há também engajamento político em Cartola, como no Samba do Operário, em parceria com Nelson Sargento e Alfredo Português, onde o operário é um escravo, cuja voz é abafada e que só encontra exploração em todo lugar.

A mulher maltratada, que hoje tem até delegacia, não foi esquecida por Cartola.

Foi tanta pancada
que ele me deu
que estou toda doída
estou toda ferida
ninguém me socorreu

Mas, sendo criação de Cartola, não perde o senso prático:

Eu parei desta vez:
vou arranjar um português.

Pra encerrar essa parte, um pedacinho de um dos meus favoritos, Tempos Idos, com Carlos Cachaça:

O nosso samba, humilde samba…
Depois de percorrer todo o universo,
Com a mesma roupagem que saiu daqui
Exibiu-se para a Duquesa de Kent
no Itamarati.

O teste do compositor popular não é só o do assobio. Na gafieira, eu vi e ouvi, ao vivo e a cores, o desconhecido a meu lado suspirar quando a orquestra atacou O Sol Nascerá (com Elton Medeiros):

– Ah, essa é a minha música…

E saiu procurando a dama para dançar.

O samba, na realidade, está aí, pra quem quiser ver e ouvir no premiadíssimo CD Bebadosamba, no show Bebadachama de Paulinho da Viola, no prêmio Shell que Zé Keti abiscoitou com a frase do milênio (“o bom dos prêmio é que a mulherada vem atrás”); o samba está na grande obra de Nei Lopes, em seu reduto de Vila Isabel, baluarte, como Candeia, da cultura negra; na luta pela vida de Wilson Moreira; na chama vencedora – e como esse artista foi injustiçado, meu Deus! – do fenômeno Walter Alfaiate, lotando casas de samba como o Candongueiro, Mãe Joana, etc, com quase 70 anos. O samba está presente em cada mês de fevereiro na Ressurreição do Carnaval, apesar de toda comercialização que o envolve, que tem sua morte anunciada anualmente pelos urubus mas que se recusa a abotoar o paletó de Comissão de Frente em nossa cultura.

Uma vez, participei de reunião para campanha publicitária tipo “Salve o Rio”. Na hora de escolher a música que representasse a cidade, disse um gênio do Markkkettinnnggg, a única profissão do mundo que ricocheteia:

– Só não concordo com um choro como tema. O choro acabou. Foi substituído pelo rap.

Há um vírus novo o ar: o Brasilheca. Ele transforma tudo que é bom em merreca.

Exemplo: você está entre a imagem do buzanfã da Tiazinha na tevê e a voz do Cartola no aparelho de som. Se escolher a primeira, a Brasilheca pegou você.

Alguns pretensiosos julgam que podem “fazer releituras” da obra de Cartola, em nome do progresso. Cito Stravinsky, em sua Poética Musical: “os mestres… são como poderosos faróis, para usar a expressão de Baudelaire, a cuja luz e calor desenvolve-se uma soma de tendências que serão partilhadas pela maioria de seus sucessores e que contribuem para formar a parcela de tradições que geram uma cultura. Esses grandes faróis… promovem a continuidade que dá sentido legítimo e verdadeiro a uma palavra que já se abusou muito, ao tipo de evolução que já foi reverenciada como uma deusa – deusa que acabou se revelando uma ilusão, seja dito de passagem, e tendo dado nascimento a um pequeno mito bastardo que muito se lhe assemelha, e que tem sido chamado de Progresso…”.

Quando a conversa é sobre samba, nada melhor que ouvir os amigos. Rildo Hora, o produtor de samba mais respeitado no pedaço, aluno querido do maestro Guerra Peixe, grande músico, me disse:

– O Cartola foi a melhor harmonia que já conheci dentro do samba. No violão, a mão esquerda da inteligência (só os brilhantes têm). A mão direita para escrever poesia – a lápis. Era muito positivo, falava o que pensava. Pontual. Marcava às 8h da manhã “pra ouvir o que é samba bom”. Assim foi comigo. Cheguei no morro às 8 em ponto, e lá estava ele, tomando conhaque Dreher. Cantou, ainda inédita, “As Rosas não Falam”.

Sobre Cartola, garante o compositor Moacyr Luz:

– Na minha juventude, de tanto ouvir Gershwin, Monk e Cole Porter, quando encontrei a música de Cartola, o susto foi maior. O intuitivo de Cartola, aliado ao conhecimento musical que também surpreendeu Villa-Lobos, é o que me comove: escuto Cartola como lição de casa, pra aprender, pra acreditar na música brasileira.

Nei Lopes, disfarçando seu imenso coração com uma crueza que encantaria nosso retratado, pondera:

– O Cartola eu conheci – de longe, em 1965, e um pouco mais de perto no final dos anos 70 – não era o mesmo Cartola componente do Bloco dos Arengueiros, biriteiro, batuqueiro, fundador da Estação Primeira de Mangueira, discriminado como “sambista de morro”, ao lado de Paulo da Portela e Heitor dos Prazeres, entre outros – não obstante ter chegado ao meio radiofônico, através de parcerias e interpretações como as de Noel Rosa e Francisco Alves, no início dos anos 30. O Cartola, então, que eu conheci não foi um sambista malandreado como Padeirinho, nem um porrista genial como Geraldo Babão, nem um militante negro como Candeia. Foi um artista refinado, elegante, compositor de sambas-canções antológicos como “As Rosas Não Falam”, “O Mundo é um Moinho”, “Acontece”, etc. Gozando, enfim, até os 72 anos, dos merecidos frutos de uma ascensão social modesta, sim, mas altamente significativa.

Dos mais destacados músicos de sua geração, Jayme Vignolli, jovem líder do Água de Moringa, chama atenção para a harmonia em Cartola:

– Cartola é artesão requintado. O tratamento melódico de suas canções é notável. A melodia pode estar em constante movimento, como em “Autonomia” ao cantar: “Se eu tivesse autonomia / Se eu pudesse gritaria não vou, não quero” ou mais parada como em “Tempos Idos”, quando insiste praticamente na mesma nota cantando: “Consegui penetrar no Municipal / Depois de percorrer todo o Universo”, talvez o momento mais expressivo desse samba. Tudo no lugar e momento certos. Em “Acontece”, samba-canção antológico, não é diferente. A melodia se inicia em uma nota de tensão e segue com a tradicional fluência. Nesta mesma música Cartola demonstra ainda seu extremo bom gosto para o emprego da harmonia. Modula de uma tonalidade a outra distante e volta à tonalidade original com invejável naturalidade (Acontece que já não sei mais amar / Vai chorar, vai sofrer / E você não merece / Mas isso acontece) parecendo que não modulou. Todas essas técnicas de elaboração (formal, melódica e harmônica) costumamos estudar nas Academias, Conservatórios e Escolas de Música por onde certamente o nosso nonagenário não passou e não precisou passar. Cartola é aquele peladeiro que de fato “brinca nas onze” e só faz golaço.

Nelson Rodrigues gozava os homens medíocres que se tornavam contínuos de si mesmo. Hoje, os neoliberais são locadores de si mesmos. No maremoto de oportunismo desesperado, há compositores que são divulgadores de si mesmos. Não é o caso de Cartola, de Nelson Cavaquinho, de Dorival Caymmi. Todos eles ouviram , em diferentes épocas de suas vidas, que “não estavam fazendo mais nada”. Os motivos, segundo os falastrões, variavam da preguiça à garrafa. Besteira. Eles sempre viveram em permanente estado de composição. Há a Marina que todos conhecem, provavelmente irmã de criação da Divina Dama do Cartola ou daquela outra mulher que foi um grande amor antes da Dona Zica. Pra nós, ouvintes e admiradores, essas músicas estão prontas, ficam em nossa memória afetiva como foram feitas. Mas, em Caymmi, Marina permanece mudando, assim como as musas de Cartola viveram enquanto ele viveu. O público, que morde-e-sopra aqueles a quem ama, só reconhece o compositor de violão na mão, de cotoco de lápis mordido garatujando no papel de embrulho. Mas cada composição tem um período pra nascer, de sofrimento, desassossego, porres – com esse é o oitavo butequim. Depois são gravadas, vão à luta, mas no coração incestuoso daqueles que pariram as crias-amantes elas pintam a boca, traem, contraem doenças e rugas – e são sempre belas, ainda que de um jeito meio mórbido. Só morrem com a gente.

O bacana é que o compositor, arauto e profeta da horda humana, não morre de todo e suas musas acabam aparecendo nos bares, nas horas de solidão, pra vampirisar benignamente o amigo ouvinte. Ao contrário do que pensam (e escrevem…) alguns basbaques, Cartola não morreu, Elis não morre – o tempo se rói com inveja deles.

Dizem que o samba está vivendo um momento complicado. Qual samba? O verdadeiro? O samba que bebeu em Cartola? Esse está redondo e formoso nas vozes de Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Luiz Carlos da Vila, Monarco, Wilson das Neves (todo letrado por Paulinho Pinheiro), Sombrinha e Arlindo Cruz. CDs novos e diversos atestam sua força, dos Demônios da Garoa a Noca da Portela.

Canta o também mangueirense Nelson Sargento “samba agoniza mas não morre” porque, completa Cartola, “surge outro compositor”, como Dudu Nobre, “com o mesmo sangue nas veias”.

Por tudo isso, e apesar do boi-com-abóbora estar nas alturas, mais do que nunca é preciso tirar o chapéu pra Cartola.

Aldir Blanc

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MOACYR LUZ NA LUZ

Foi belíssima – belíssima! – e inesquecível a noite de 24 de agosto de 2013, em São Paulo, no Liceu, próximo à Estação da Luz, quando os Inimigos do Batente receberam, para a II Edição da série O Samba na roda em prosa & verso, o cantor e compositor carioca Moacyr Luz, sobre quem, recentemente, escrevi aqui.

Moacyr Luz com Railídia Carvalho

Moacyr Luz com Railídia Carvalho, foto de Flávia Ferreira

O Liceu, palco da festa, e as centenas de pessoas que lá estiveram, testemunharam um Moacyr visivelmente emocionado, como emocionados estavam os anfitriões dos Inimigos do Batente, dentre eles Fernando Szegeri, Railídia Carvalho, Arthur Tirone e Augusto Diniz, que formaram o time que conversou com o Moa – a prosa – antes do couro comer – o verso.

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Moacyr Luz com Fernando Szegeri, foto de Flávia Ferreira

Samba em prosa & verso é isso: há um papo informalíssimo com o convidado da noite e depois, ou mesmo durante (tudo flui com a espontaneidade das melhores rodas de samba), os Inimigos do Batente desfiam seu repertório com a competência que é uma das marcas do grupo, cuja roda (já tradicionalíssima em São Paulo e mesmo no Rio de Janeiro, onde sempre estão!) “foi concebida nas históricas tardes de sábado no Butantã, no saudoso Bar do Bilú – uma das maiores rodas de samba que essa cidade já viu, comandada pelo Dr. Chico Aguiar, o Chico Médico. O “parto” foi em fins de 1999, nas mesas do Bar do Cidão, em Pinheiros.”.

E o que quero lhes dizer, hoje, é algo que não disse no sábado, durante o bate-papo com o Moa – muito por conta da emoção que senti, por inúmeras razões, durante toda a noite.

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Moacyr Luz com Railídia Carvalho, foto de Flávia Ferreira

À certa altura da noite, um dos componentes da mesa pediu ao Moacyr que falasse sobre o samba Anjo da Velha Guarda, parceria com Aldir Blanc, dedicado ao Zeca Pagodinho.

E ele falou.

Contou que uma noite fora ao Lapases, na rua da Lapa, para uma roda de samba que era comandada pelo Monarco, no início da década de 90 (curiosamente eu estava presente nessa noite e o Moacyr lembrou-se disso, inclusive, enquanto narrava a história), e lá encontrara o Zeca Pagodinho.

E que ficara bastante impressionado com a reverência com que Monarco tratara o Zeca, daí a idéia de transformá-lo no anjo da velha guarda (ouça o samba aqui).

Eis o que quero lhes dizer: é compreensível a modéstia do Moacyr e é obrigação nossa (minha, in casu) fazer o adendo necessário.

Não é de hoje que o Moacyr, já com o nome gravado em letras de ouro e parte do tesouro que ostentamos com orgulho, cumpre o papel de anjo da velha guarda e também de luz para os mais-novos. E explico: meninos, eu vi (ironicamente o mesmo personagem…) o Monarco subir ao palco do Renascença lotado para reverenciar o Moacyr, no comando de mais uma impressionante roda do impressionante Samba do Trabalhador.

Como vi, também, a reverência com que o trataram nomes da estirpe de Guilherme de Brito, Casquinha, Jair do Cavaquinho, João Nogueira, Dona Ivone Lara, Walter Alfaiate e tantos outros.

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Moacyr Luz, foto de Flávia Ferreira

Assim como vejo, incansável que ele tem sido, o Moacyr, generosamente, estender as asas sobre os mais-novos, como Moyseis Marques, Gabriel Cavalcante e toda a rapaziada que o acompanha com a certeza de estar seguindo os passos certos de quem trilhos os caminhos certos para merecer o título que hoje é dele e ninguém tasca.

Até.

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MOACYR LUZ

Tenho dúvida em afirmar quando foi a primeira vez que eu vi o Moacyr Luz, não sei se foi no Caras & Bocas ou no Erva Doce, mas foi seguramente no começo da década de 80, eu tinha 15, 16 anos de idade. No Caras & Bocas, na Haddock Lobo (rua em que eu viria a morar em 1999), sempre via o Moacyr com Aldir Blanc, com Paulo Emílio, com Paulinho da Viola (posso jurar que ao menos duas vezes o vi lá), sempre cercado de muitos amigos e de muitas garrafas, e no Erva Doce, na Antônio Basílio, também na Tijuca, mais profissionalmente, o via cantando e tocando violão, canções belíssimas e muito antes da gravação de seu primeiro disco.

Uma curiosidade: minha primeira batida de carro (numa árvore, pateticamente), um Chevette bege de minha mãe, foi saindo (altíssimo!) de uma apresentação do Moacyr no Erva Doce (talvez eu tenha tentado acompanhar seu ritmo, da platéia).

Mais precisamente em 1995 (tinha eu meus 26 anos de idade), pedi a uma amiga – Vera Brazão – que me apresentasse ao Moacyr. Era véspera do lançamento de seu disco Vitória da Ilusão (meu preferido, até hoje), no Teatro Carlos Gomes, noite de gala, com quarteto de cordas, participação da Cristina Buarque e da Velha Guarda da Portela, um luxo.

De lá pra cá, muitas histórias, muitos enredos, muitos encontros, muitos desencontros, muitos porres, muitos bares, muita festa, muito luto, muita dor e sobretudo muito samba – que o samba sempre salva, o samba sempre cura, “porque em toda a vida o samba foi cura pra minha doença”.

Por conta do samba, por conta da II Edição da série O Samba na roda – em prosa & verso, tocada pelos meus amigos dos Inimigos do Batente, em que o convidado e homenageado é justamente o Moacyr Luz (neste sábado, 24 de agosto, em São Paulo, para onde vou com minha Morena), meu irmão e meu compadre Fernando Szegeri pediu-me um texto sobre o Moa, e eu de cara disse a ele que eu falaria da relação fusionada entre a cidade do Rio de Janeiro e o Moacyr.  

Não foi mole encarar o pedido, mas escrevi e foi publicado originalmente aqui:

“Moacyr Luz nasceu em Jacarepaguá, em 1958, na rua Barão e entre os 2 e 3 anos de idade foi morar na rua do Chichorro, no Catumbi, época da qual guarda a primeira visão de que se lembra: ele, com três anos de idade, e o avô, músico da Banda do Corpo de Bombeiros, o ensinando a escrever música. Foi no Catumbi, na zona norte do Rio de Janeiro – cidade que se confunde com sua obra – que começou essa relação indissociável entre o compositor, a música e a zona norte da cidade.

“(…) a zona norte é feito cigana lendo a minha sorte…”, escreveria anos depois Aldir Blanc, um dos principais parceiros de Moacyr.

Se o avô paterno de Moacyr foi quem apresentou ao neto a música, foram seus avós maternos que o apresentaram aos mercados de rua – ambos eram feirantes.

Moacyr morou ainda em Bangu, em Copacabana, no Méier, no Grajaú, na Muda (um pedaço sagrado da Tijuca), mas notabilizou-se por um fenômeno marcante em sua carreira, uma característica muito forte, um traço de sua personalidade: Moacyr sempre vergou o espaço e o tempo na direção da zona norte – a cigana.

Aliado a esse outro traço, um talento dentre tantos que carrega: o de ser agregador. Começou, a certa altura, a fazer reuniões quinzenais em sua casa, já na Muda, zona norte, na rua Garibaldi (no mesmo prédio em que mora Aldir Blanc até hoje), para onde iam Guinga, Fátima Guedes, Leila Pinheiro, Selma Reis, Oscar Castro Neves, Paulinho Pinheiro, Sérgio Natureza, Chico César, Lenine, Dudu Falcão, Beth Carvalho, Leny Andrade, Cláudia, gente que ia lá só pra tocar, cantar, mostrar música nova.

Foi numa dessas reuniões que mostrou “Saudade da Guanabara” quando eram apenas suas a música e a letra, samba que já cantara, muitas vezes, no Caras & Bocas, botequim na Tijuca – zona norte – que ganhou fama já por conta do poder agregador do Moacyr.

Dessa primeira versão, Moacyr lembra apenas dos primeiros versos: “Eu sei / Que o silêncio da madrugada / Faz a gente chorar por nada / Faz um homem sofrer de amor / Chorei / Com saudade da Guanabara / Meia-noite era noite clara / Meio-dia era o meu cantor”.

Beth Carvalho disse ao Moacyr que o samba era ótimo, mas a letra nem tanto. Até que um dia Moacyr, com Paulinho Pinheiro e Aldir em casa, mostrou o samba e pediu uma letra. Aldir subiu e desceu em meia-hora com a primeira metade pronta. E no final do dia, por fax, Paulinho Pinheiro mandou a outra metade daquele que se tornaria hino afetivo da cidade do Rio de Janeiro. Foi feita na Tijuca, zona norte.

Moacyr Luz inventou o Bar da Dona Maria, na rua Garibaldi, na mesma rua em que morava, um bar que não existia… Não tinha nem queijo, não tinha nada! Mas teve visita de Paulinho da Viola, de Luiz Fernando Veríssimo, de Beth Carvalho, de gente que vinha de todos os cantos da cidade pra ver mais aquele sonho do Moacyr virando realidade.

Ali, no Bar da Dona Maria, Moacyr inventou o bloco “Nem Muda nem Sai de Cima”, que mudou a filosofia da Tijuca – as palavras são do próprio Moacyr.

A Tijuca, que ficava entregue às baratas no Carnaval, quando tijucano tinha que ir pra Região dos Lagos ou atravessar a cidade pra brincar em outros blocos, Simpatia, Barbas, quando não havia a menor possibilidade de ficar por ali…

Moacyr, ao lado das outras pessoas que pensaram o bloco, criou a necessidade de que o enredo falasse da Tijuca ou de um tijucano, e isso começou a recriar um sentimento diferente no bairro. Começava ali essa história do cara achar bacana falar do bairro, do Rio Maracanã, do Paulo Emílio, do Vavá…

E esse sentimento – o amor arraigado do carioca pela sua cidade – que cresceu e se solidificou por diversas razões (que não cabem agora), deve muito ao Moacyr Luz, que incansavelmente, como reza a letra do samba, tira, dia após dia, “as flechas do peito do meu padroeiro”.

Na mesma rua Garibaldi, Moacyr – voltando no tempo, indo, sabe-se lá, ao encontro dos avós maternos, – deu de reinventar a feira. Cooptou um feirante, arrendou uma barraca e passou a fazer, sempre às sextas-feiras, às margens do rio Maracanã, uma reunião de amigos que, como acontece com tudo onde põe as mãos, virou evento de proporções olímpicas.

Tinha uca, açúcar, cumbuca de gelo e limão, camarão comprado e frito na hora, ostras praticamente vivas, jiló, alho e óleo, uma horda de malucos e de malucas que passavam as manhãs e atravessavam os começos das tardes em torno dele, dono absoluto do pedaço, anfitrião daquela barraca, mais um degrau na trajetória zona norte do Moacyr.

Moacyr foi virando, aos poucos, “o embaixador dessa cidade”, título que Paulinho Pinheiro deu a Pixinguinha em letra (comovente) feita para samba do Moacyr.

E foi mesmo: São Paulo passou a reverenciar o Moacyr como embaixador de São Sebastião do Rio de Janeiro, e ele passou a freqüentar cada vez mais a cidade injustamente carimbada como “túmulo do samba”. Fez do Bar Pirajá, a“esquina carioca” em São Paulo, uma espécie de bunker seu. Ia pra São Paulo levando o violão e, junto com ele, além das seis cordas, os seis postos de Copacabana – “do um ao seis” – e a zona norte, sempre ela, regando cada pedaço por onde passava pra São Paulo ganhar novo alento – e ganhou, gerou frutos, e não por outra razão é o segundo convidado da série “O Samba na Roda”, depois da estréia com o mestre Wilson Moreira, também seu parceiro.

Moacyr também sonhou o Samba Luzia, que hoje é realidade, às margens da Baía de Guanabara – foi quem plantou a primeira semente, que germinou.

O Renascença, há oito anos, é um fenômeno. Foi de novo Moacyr quem sonhou aquele encontro entre músicos, às segundas-feiras, e que se transformou naquela loucura que o Andaraí – zona norte! – vive semana após semana, com mais de mil pessoas em volta da mesa que comanda, como se fora, ele próprio, o anjo da velha guarda que cantou sobre verso de seu mais fiel parceiro, Aldir Blanc, abençoando a rapaziada que divide com ele a alegria daquelas tardes.

Mais outra prova de que Moacyr Luz faz das suas para torcer a trilha do samba para a zona norte da cidade? O Samba da Ouvidor, realidade também consolidada pela liderança de Gabriel Cavalcante, tijucano de escol, dileto seguidor da luz do Moacyr, ele próprio já com luz própria, começou com as suas bênçãos. Num dia 16 de setembro de 2006, tendo como testemunhas não mais do que 10, 15 pessoas, Moacyr desfiou sua obra durante uma tarde inteira.

Já escuro, sol posto, a pedidos acabou por reencenar ali um número somente testemunhado pelos felizardos partícipes daquelas reuniões indescritíveis em sua sala-botequim na Muda, cantando a canção que fez sozinho, música e letra, pra seu pai. “Luzes acesas na minha memória, escuto o silêncio e sinto saudade da voz de meu pai…”.

Os presentes sentiam que Moacyr, uma vez mais, estava plantando algo que brotaria forte pra fazer História. Seguiu cantando que luzes acesas “(…) movem o curso da minha vida (…)”, e fincou-se em cada um a certeza de Moacyr não é mero espectador do curso de sua própria vida e da vida da cidade que ajudou a reerguer. Moacyr, como ferreiro, torceu o tempo, torceu as ruas, torceu os morros e a geografia da cidade pra mover, ele próprio, o samba para a zona norte da cidade, e dali para todo o Brasil, que reconhece nele o Embaixador da mui amada e leal cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.”

Até.

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ALDIR BLANC E ANESCAR, CRIADOR E CRIATURA

A cidade do Rio de Janeiro viveu, na noite de ontem, um momento mágico e por uma razão muito simples: Aldir Blanc esteve na rua. Mais precisamente no bairro do Leblon, na livraria Argumento, para prestigiar o lançamento do livro Aldir Blanc – Resposta ao tempo, do jornalista Luiz Fernando Vianna. Não é meu papel, tampouco minha intenção, fazer o registro jornalístico da noite (feito aqui, pelo Sidney Rezende). Quero mesmo é lhes contar a história de um reencontro que eu, não escondo meu orgulho por isso!, arquitetei. Antes, porém, vamos ao ano de 2009.

Passamos a madrugada de 04 para 05 de agosto de 2009, eu e Leo Boechat, no bunker do Blanc, na Tijuca (leiam aqui sobre a inacreditável noite).

Aldir e Leo não mais se encontraram desde aquele agosto de 2009…

Deu-se que passou o tempo e poucas semanas depois da morte da Dani, em julho de 2011, acordei destruído determinado dia, ainda esfacelado por conta de tudo aquilo. Como “cada um tem a própria receita pra combater a desgraça”, um dos versos blanquianos que repito como mantra, ancorei no Bar Britânia, na Tijuca, pela manhã, a fim de combater, à base de ostras e cerveja, a dor que me consumia. Leo Boechat ligou-me, sacou o clima (coisa de craque) e disse:

– Tô indo praí.

Em menos de uma hora bebíamos juntos. Leo, profundamente alérgico a frutos do mar (e eu acho que foi pra me agradar, sei lá!) disse à certa altura que comeria “só a pontinha de uma ostra”. Assim foi feito e em segundos meu compadre estava vermelho (tendendo ao roxo), dramaticamente pondo as mãos no pescoço e tossindo. Liguei, imediatamente, pro meu Orixá vivo:

– Aldir? Tu lembra do Leo, aquele meu amigo que esteve aí no dia da entrevista do João?! – ele, do outro lado da linha, lembrou-se no ato.

Segui:

– Tava bebendo comigo, é alérgico a frutos do mar, comeu uma ostra e está tod… – fui interrompido.

– Leva o cara pro hospital agora! Agora! Ele vai morrer! Vai morrer!

Enquanto isso, Leo atravessava a rua de volta trazendo uma caixa de Polaramine, ainda vermelho e já tendendo ao cor-de-rosa. Explodiu meu celular, era o Aldir:

– E aí? E aí?

Contei tudo, atualizei o boletim, passei o telefone pro Leo (dia desses conto como também já tive consultas profícuas com o Aldir por telefone), desligamos, continuamos a beber, a tarde começou a cair como um viaduto e o telefone tocou de novo. Aldir, audivelmente emocionado:

– Edu…

– Oi.

– Eu sabia, eu sabia…

Fiquei em silêncio esperando…

– O Leo é o meu compadre Anescar do samba com o João… Escrevi sobre ele muito antes de conhecê-lo!

Explodi de rir e fiz o Leo explodir comigo diante da genial sacada do genial bardo.

Ontem, pouco antes de sairmos da livraria, minha Morena – que ganhou um abraço-benção do Aldir que quase me derrubou… – disse:

– Uma foto, uma foto de vocês três!

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Fez a foto.

E o Aldir, que já havia dedicado o livro do Leo para o Anescar, postou-se entre nós, abraçou-nos e disse: vamos cantar o samba que eu fiz pra ele.

Taí o registro.

Volto a falar sobre a noite de ontem. Por tudo, profundamente emocionante para mim.

Até.

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BOLA PRETA

Corria o ano de 2009, dia 20 de janeiro, e lá estava eu – como sempre – na festa de aniversário da livraria do meu coração, a mais carioca das livrarias da cidade, a Folha Seca, comandada pelo Comendador Rodrigo Ferrari. Samba comendo solto do lado de fora, na rua do Ouvidor, até que a noite foi caindo, restamos uns poucos no interior da livraria e encostei naquele sagrado balcão com meu copo americano e minha cerveja.

Chegou-se o legendário Zé Leal, chegou-se Gabriel Cavalcante (quando ainda não me era hostil) e chegou-se, também, o querubim Tiago Prata, apelido que lhe foi dado por Aldir  Blanc (vejam aqui como foi cravado o apelido).

Alguém fez a sugestão. Bola Preta, de Jacob do Bandolim e com letra póstuma de Aldir Blanc, genial como de praxe, e contando toda a história do histórico cordão. Ouso dizer, sem medo do erro, que só eu sei, de cabeça, de cabo a rabo, a imensa letra do bardo tijucano. Com o auxílio desses três craques – e eu não me lembro quem foi que registrou o momento – mandei bala.

Estávamos a poucas semanas do Carnaval, e o Bola Preta já fazia de mim um ansioso – tanto que cantei emocionado.

Até.

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O BÊBADO E A EQUILIBRISTA

Quando eu escrevi Uma noite na Tijuca, aqui, contando sobre a inacreditável tarde, a inacreditável noite que viveu-se, no dia 10 de setembro de 2007, no Estephanio´s Bar, durante as filmagens do filme Praça Saens Peña, de Vinícius Reis, exibi, também, um vídeo gravado naquela tarde, no qual o artista plástico Mello Menezes, acompanhado pelo violão certeiro de Tiago Prata (chamado de neto, naquela noite, por Aldir Blanc, está no texto!), interpreta de forma lancinante a belíssima Valsa do Maracanã, de Paulo Emílio e Aldir Blanc (é igualmente lancinante a interpretação do Prata, um craque).

Quero lhes contar, rapidamente, sobre a relação entre o Estephanio´s Bar e o Aldir.

O Estephanio´s, já lhes contei, ficava na esquina das ruas Ribeiro Guimarães e Artistas. O Aldir, que escreveu, inclusive, o belíssimo livro Vila Isabel – Inventário da Infância, passou grande parte de sua infância a poucos metros dali, na rua dos Artistas número 257, onde moravam seus avós Aguiar e Noêmia. Aquele bar era, portanto, de certa forma emblemático pra ele. E uma curiosidade: bares têm, quase todos, imagens de santos em seus balcões, em suas paredes, em seus altares pagãos. Lá, no Estephanio´s, tínhamos uma imagem gigantesca do Aldir Blanc, pairando sobre as cabeças dos freqüentadores. Talvez por isso o diretor do filme, Vinícius Reis, tenha escolhido o Estephanio´s para a gravação das imagens de cenas do filme que juntavam o ator Chico Diaz contracenando com o Aldir, no papel dele mesmo.

E o Aldir, se não era exatamente uma figura fácil entre os freqüentadores, até que foi muitas vezes – muitas! – ao Estephanio´s – tanto no antigo, na rua Visconde de Itamarati, como no da rua dos Artistas. Foi, cantou, tocou, varou noite, protagonizou muitas das mais bacanas noites naquele bar que, como lhes disse aqui, fez história na Tijuca. Foi até enredo do bloco do pedaço, o Segura pra não cair, cujas fotos disponibilizei aqui, e escreveu aquela que é a mais bela página da história do bloco: quando o enredo, no ano seguinte, em 2005, foi o João Bosco, Aldir desfilou e, à certa altura fez sinal e pediu silêncio à bateria. Chamou o violão do bloco, disse algo em seu ouvido, fez o mesmo com o João e os dois, para delírio absoluto dos milhares de presentes, cantaram juntos O Mestre-Sala dos Mares. Vamos voltar à noite do dia 10 de setembro de 2007.

Uma vez desmontado o set de filmagens, ficamos todos para a noite que se anunciava inesquecível.

O que quero lhes dizer, hoje, e lhe mostrar, é um tesouro. Ontem à noitinha a Gisela Camara, assistente do Vinícius Reis, avisou-me que tinha descoberto um vídeo muito especial, encontrado por acaso enquanto remexia em suas coisas, seus registros, seus materiais. E era, de fato, um tesouro.

O vídeo mostra Aldir Blanc cantando um de seus clássicos, O Bêbado e a Equilibrista, acompanhado, mais uma vez, pelo genial Tiago Prata, à direita do bardo tijucano, de vermelho. À direita do Prata, eu. À minha frente, à esquerda do Aldir, Mary Blanc, que dá uma força ao Aldir, travado pela emoção à certa altura da letra (notem que a voz falha quando canta-se o “irmão do Henfil”…). Vê-se Rodrigo Ferrari, já quase no final do filme, no canto à direita da tela. E a voz que emenda com o tema de Chaplin, terminada a música, é do grande Mello Menezes.

Meus agradecimentos públicos à Gisela e a Tainá, que fez o registro. Um momento, sem sombra de dúvida, pra sempre na minha melhor memória, e que agora divido com vocês, meus poucos mas fiéis leitores.

Até.

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HOJE TEM BETH CARVALHO!

Acordei hoje, sábado, profundamente comovido. Ando, aliás, quem me lê e me conhece sabe, profundamente comovido. Esse viver-o-luto ao qual me dedico com a intensidade que me é freqüente – e que me serve de antídoto contra o estelionato afetivo – tem feito de mim um homem com a emoção à flor-da-pele, e me perdoem, desde já, se isso lhes soa piegas. O amor, meus poucos mas fiéis leitores, é piegas – ora!

Estive, na quinta-feira à noite, na casa de Beth Carvalho, uma amiga querida, companheira de tantas histórias e de tantas vivências, madrinha do samba – como é carinhosamente, e com justiça, chamada por quem manja do riscado – e representante do mais alto degrau do panteão da música brasileira. Eu não a via pessoalmente desde seu aniversário, em março, quando lá estive com a Dani – e pela última vez. Falamos disso – da Dani -, falamos muito sobre a vida, sobre seu novo disco – o fantástico Nosso samba tá na rua – e sobre o show, que estréia hoje, no Rio de Janeiro.

Se a Beth Carvalho canta, é pra lá que eu vou!

Beth fez uma dedicatória que me comoveu pacas – “Ao querido amigo Eduardo o meu carinho eterno” – e hoje cedo, porque acordei já com os olhos marejados e com o samba comendo solto em casa, mandei flores, mandei rosas pra ela, que ela merece. Por ser a artista que é, a mulher que é, a brasileira que é, lutadora incansável.

Deixo com vocês o vídeo produzido para promover o lançamento do disco – muito bacana, também, o filme.

E por fim, a faixa que mais tenho ouvido, Arrasta a sandália, parceria de Dayse do Banjo com Luana Carvalho, ela mesmo!, a filhota (linda, cada vez mais linda) da Beth. Partido-alto que foi gravado, no CD, com participação de Zeca Pagodinho, afilhado da Beth, ele um de seus mais generosos afilhados – ou o mais generoso. O Zeca, mais-que-consagrado, jamais deixou de render homenagens à madrinha, jamais negou um convite que fosse, jamais deixou de reverenciar aquela que lhe estendeu a mão pela primeira vez, ainda no terreiro do Cacique de Ramos. Troço bonito, isso.

Aumentem o volume, que nosso samba tá na rua!

Até.

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O RIO, POR LUIZ ANTONIO SIMAS

Já que falei hoje, mais cedo, aqui, sobre o Rio de Janeiro, essa cidade absolutamente fora de série, decidi transcrever alguns trechos de uma recente entrevista que demos, eu e Luiz Antonio Simas, professor maiúsculo as 24h do dia, justamente sobre o Rio. É evidente que as transcrições são todas de falas do Simas, que estava, inclusive, emocionadíssimo nesse dia. Exaltou-se, falou alto, foi veemente quando expôs, de forma despudorada, sua paixão pela cidade em que vive.

“Quando eu falo pra alguém conhecer o Rio de Janeiro, a primeira coisa que eu digo é o seguinte: já é uma cidade interessante pra você conhecer, porque é uma cidade absolutamente improvável. Se você observa, por exemplo, a característica da geografia do Rio, aqui não era pra você ter cidade nenhuma! Porque isso aqui era pântano, era montanha, era alagadiço, era o mar invadindo tudo… Então pra você construir uma cidade aqui, você teve que furar morro pra fazer túnel, você teve que drenar pântano, então é uma cidade absolutamente inusitada. E eu acho que o Rio é a cidade mais sincera do Brasil. Por que? Por conta dessa geografia muito peculiar do Rio… a montanha, o mar… O Rio é uma cidade, por exemplo, que não tem aquela noção clássica de periferia. Quando você chega, por exemplo, a São Paulo, a Belo Horizonte, você tem um centro, você tem uma região que é habitada por uma classe média, por uma classe média-alta, e aí você vai lá pro inferno e lá no inferno você tem a periferia…. A periferia do Rio de Janeiro tá dentro da cidade! O Leblon, que é o bairro de IPTU mais caro, Ipanema, que tem IPTU mais caro… Só que Ipanema tá convivendo com o Pavão-Pavãozinho, o Leblon tá convivendo com o Vidigal, aqui na Tijuca a gente tá convivendo com o Borel, tá convivendo com a Formiga, tá convivendo com o morro do Salgueiro, a gente tá convivendo com o Turano, a gente tá convivendo com a Casa Branca… E isso deu ao Rio de Janeiro uma peculiaridade cultural absolutamente maravilhosa… Isso é muito sério! Quando o Noel Rosa morreu, que é um ícone da nossa cidade… o Zé Ramos da Mangueira fez um samba pro Noel Rosa! O Noel Rosa era o branco, o Noel Rosa era o estudante de Medicina, o Noel Rosa era o aluno do São Bento que subia o morro da Mangueira porque era do lado da Vila Isabel, onde ele morava, um bairro que tinha operário, que tinha classe média… Aí o Zé Ramos faz o samba quando o Noel morre, ele diz (cantando):Chegou a capital do samba / Dando boa noite com alegria / Viemos apresentar o que a Mangueira tem / Mocidade, samba e harmonia / Nossas baianas com seus colares e guias / Até parece que estou na Bahia”. Aí ele diz: “Da cidade alta da Mangueira / Avisto a Vila, sinto saudades de alguém…”. Sinto saudades de alguém! É o Noel! É do Noel! Ele tá lá do alto do morro da Mangueira, e da cidade alta da Mangueira ele enxerga Vila Isabel! Ele enxerga o bairro onde viveu o sujeito de classe média, o Noel Rosa…Que aí subiu o morro, e aí o morro desceu… Então isso deu ao Rio de Janeiro uma peculiaridade! A nossa cidade é uma cidade única! É uma cidade que misturou tudo, é uma cidade de cultura de fronteira, é uma cidade em que a periferia tá dentro dela, o Rio de Janeiro não é uma cidade covarde! Todas as críticas que fazem à minha cidade do Rio de Janeiro são críticas que me fazem cada vez mais gostar do Rio de Janeiro! Porque o Rio de Janeiro não esconde! O Rio de Janeiro é aquilo que ele é mesmo! Eu chamaria um sujeito pra conhecer o Rio de Janeiro, primeiro, pra conhecer uma cidade que é rigorosamente peculiar. Você não vai encontrar outra com essa característica que o Rio tem!

A formação do Rio é muito parecida com Salvador, com São Luis do Maranhão, com o Recife… Na verdade, foram os grandes portos de recebimento de escravos no Brasil… Se você considerar que a gente teve 388 anos de escravidão, quase 4 séculos, a cidade é essencialmente uma cidade de rua, uma cidade negra, que tem essa característica…Aqui, pro Rio, vieram muitos bantos, depois chegam os yorubás, e os saberes africanos tem uma característica peculiar que é a seguinte: a cultura, a vida, ela se passa muito no espaço da rua, no espaço do mercado, a casa é um detalhe! Então o Rio de Janeiro tem uma tradição que eu acho que herdou da África… como Salvador tem, como São Luis tem… como Havana, em Cuba, tem… Esse detalhe é interessante… é uma cidade de rua, é uma cidade de mercado, em que o encontro é no espaço público… De certa maneira, o espaço de civilização entre os africanos é o espaço público. A vida ali se passa na rua… Você chega à Nigéria, à Angola, ao Congo, a rua é o espaço de convívio. E o Rio é uma cidade de rua, as coisas acontecem na rua, é a cidade do mercado, da feira… o Rio é uma das quatro grandes cidades do Brasil que eu chamo de cidades que têm como patrono, Elegbara, Exu… a entidade que cuida da rua, da esquina… Daí a ligação com Salvador, que é conhecida como a Roma Negra…

Se você chegasse no Rio de Janeiro em 1910, você ia observar o seguinte: está surgindo o samba urbano, tal como o conhecemos hoje, como manifestação cultural de comunidades negras… quem faz samba em 1910 é o preto! É o cara que tá batendo tambor, são as macumbas na casa da Tia Ciata, tá rolando aquele babado entre os negros. E o futebol era praticado rigorosamente por branco. Então em 1910, é o branco joga bola e é o preto faz samba. Se você viaja um pouquinho no tempo e chega ao início dos anos 30, o grande ídolo do futebol no Rio de Janeiro é um preto, é Leônidas da Silva, e o grande sambista é um branco de classe média, o Noel Rosa. O Rio é a cidade que permitiu ao branco fazer samba e ao preto jogar bola! Os dois se conheceram, porque o Leônidas chegou a morar em Vila Isabel, o Noel era de 1910, o Leônidas de 1913… É uma circulação tensa e intensa…”

É por isso que eu sempre digo e agora repito: sou um sujeito de sorte por desfrutar do convívio com esse brasileiro máximo que é Luiz Antonio Simas!

Até.

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ALDIR BLANC E O ECAD

Eu não sou – ainda – profundo conhecedor do chamado Direito Autoral, embora seja advogado. Não tenho, pois, conhecimento técnico para dizer isso ou aquilo sobre a LDA (Lei dos Direitos Autorais), nem a que está em vigor nem a que está para ser submetida (ou não, vá entender o Ministério da Cultura) ao Congresso Nacional. Tampouco entendo dos meandros administrativos e legais que envolvem o ECAD, órgão que arrecada e distribui valores referentes justamente ao direito autoral. Mas eu entendo de Justiça, com maiúscula mesmo, e não por outra razão escolhi ser advogado. Nunca quis – faço questão de fazer a ressalva enfática – ao contrário de tantos e tantos colegas de faculdade, prestar concurso para ser Juiz, Defensor Público, Promotor de Justiça, Procurador do Município, do Estado, da União, nunca. Sempre quis fazer o que faço, e sou por isso um homem em permanente estado de realização profissional. Sou advogado e digo, sem medo do erro, que ninguém é mais advogado do que eu, com respeito a todos aqueles que, como eu, abraçaram e abraçam o exercício da advocacia. Optei, desde que me formei, em 1992, por não ter secretária, por não ter estagiário, por não ter ninguém trabalhando comigo. Isso, é claro, me dá limitações na mesma medida em que me dá uma liberdade da qual não abro mão. Escolho as causas que vou defender a dedo, até porque não tenho condições de fazer o que chamo de advocacia industrial, com centenas e centenas de clientes que muitas vezes, dentro dessa modalidade, não têm o atendimento que, penso, deve ser dispensado a um homem que precisa de um advogado – falta-me uma máquina para atender a demanda. Mas aqueles que me têm como procurador – e eu digo sempre que faço uma advocacia artesanal – têm em mim um soldado em estado de alerta as 24h do dia, faça chuva ou faça sol. Feito este intróito – com cara de jabá, confesso! – vamos ao que quero lhes dizer.

Defendo, ainda que me falte conhecimento para discutir a fundo a questão, uma profunda e radical revisão nos métodos de arrecadação e distribuição dos chamados direitos autorais. E por quê?

Sou amigo, há muitos anos, daquele a quem considero o maior letrista da música brasileira: Aldir Blanc. Avô de uma de minhas afilhadas, amigo fraterno de todas as horas, o Aldir é uma unanimidade, o “ourives do palavreado” na insuspeitada opinião do saudoso mestre Dorival Caymmi, e mesmo aqueles que, em acaloradas discussões de bar, defendem o nome de Paulo César Pinheiro ou de Chico Buarque no alto do pódio dos letristas brasileiros (cito os dois, sempre os mais citados), têm pelo bardo da Tijuca, da Muda mais precisamente, profundo respeito, adoração, até.

Em busca de informações mais precisas sobre a portentosa obra do Aldir, recorri ao site do Instituto Cravo Albin, fonte segura de minha pesquisa, e vamos a ela.

Pois o Aldir, que em 68, começou a compor com Sílvio da Silva Júnior, cravou em 1970 seu primeiro estrondoso sucesso, “Amigo é pra essas coisas”, na voz do MPB-4 (aqui).

Nesse mesmo período, foi integrante do MAU (Movimento Artístico Universitário), do qual também faziam parte César Costa Filho, Ivan Lins, Paulo Emílio, Sílvio da Silva Júnior, Gonzaguinha, entre outros.

Ainda no começo da década de 70 conheceu João Bosco, com quem formou (e forma, na minha modesta opinião) a mais genial dupla de compositores do Brasil em todos os tempos. Antes, porém, em 71, foi gravado pela primeira vez pela maior cantora do Brasil, Elis Regina, com a canção “Ela”, em parceria com César Costa Filho, no LP que ganhou o mesmo nome.

Em 1972, João Bosco registrou a primeira composição da dupla, “Agnus sei”, que saiu num compacto encartado no jornal “O Pasquim”, posteriormente gravada por Elis Regina (aqui). No lado A do compacto, Tom Jobim interpretando “Águas de março”.

Em 72, Elis Regina gravou “Bala com bala”, de sua parceria com João Bosco, aqui num sensacional filme feito para uma TV alemã (aqui).

Já em 73, no disco “Elis”, a cantora gaúcha incluiu várias composições da dupla João Bosco e Aldir Blanc, como “Cabaré” (aqui), “Comadre” (aqui), “Agnus sei” e “Caçador de esmeralda”. Nesse mesmo ano, João Bosco também gravou várias parcerias da dupla.

Em 74, participou da fundação da SOMBRAS, sociedade responsável pela defesa de direitos autorais. Nesse mesmo ano, Elis Regina lançou novo LP incluindo novas composições da dupla Bosco e Blanc: “O mestre-sala dos mares” (aqui com Elis Regina e aqui com Ivete Sangalo), “Dois pra lá, dois pra cá” (aqui) e “Caça à raposa” (aqui, com o próprio João Bosco, em filmagem amadora de 2011).

Em 1975, Simone incluiu “Latin lover” no LP “Gota d’água” (aqui, em gravação da própria, feita em 2006). João Bosco lançou, nesse mesmo ano, o LP “Caça à raposa”, interpretando vários sucessos da dupla, como “De frente pro crime” (aqui ao vivo em show do MPB-4, de 2008) e “Kid Cavaquinho” (aqui com João Bosco e Dudu Nobre, ao vivo), entre outros. Ainda incluiu na trilha da novela “Gabriela” (TV Globo) outra parceria de ambos, “Doces olheiras”, gravada por João Bosco. Ainda em 1975, o grupo MPB-4 gravou “De frente pro crime”.

No ano seguinte, Elizeth Cardoso interpretou de sua autoria “De partida” (com João Bosco) e o grupo MPB-4 gravou “O ronco da cuíca”, também com João Bosco (aqui, interpretada pelo próprio João).

Em 1977, Elis Regina gravou “Um por todos”, “Jardins de infância” e “O cavaleiro e os moinhos” (aqui, com Elis Regina), todas parcerias de João Bosco e Aldir Blanc. Nesse mesmo ano, compôs com João Bosco a música “Visconde de Sabugosa” para o seriado “Sítio do pica-pau amarelo” (TV Globo) (aqui com João Bosco). Ainda em 1977, Elis Regina gravou “Transversal do tempo”, parceria com João Bosco (aqui, ao vivo, logo depois de “Sinal Fechado”, de Paulinho da Viola, com Elis Regina).

Em 1978, “Transversal do tempo” foi regravada por Elis Regina e deu título ao disco da cantora, que incluiu também “O rancho da goiabada” (aqui com Elis Regina). Nesse mesmo ano, Sueli Costa registrou a canção “Mãos”, parceria de ambos. Elizeth Cardoso incluiu, no LP “A cantadeira do amor”, a canção “Me dá a penúltima”, parceria com João Bosco (aqui em monumental registro de Aldir Blanc cantando com João Bosco).

Em 1979, fundou, ao lado de Maurício Tapajós, entre outros, a SACI (Sociedade de Artistas e Compositores Independentes). Nesse mesmo ano, foi lançado o disco “Elis especial”, no qual a cantora interpretou “Violeta de Belford Roxo”, “Ou bola ou búlica” e “Bodas de prata” (aqui com Elis Regina), todas de sua parceria com João Bosco. Também em 1979, Elis Regina interpretou um dos maiores sucessos, tanto do compositor quanto da cantora, “O bêbado e a equilibrista” (com João Bosco) no disco “Elis, essa mulher”, que mais tarde seria consagrada como uma espécie de Hino Nacional da Anistia (aqui, para o especial “Arquivo N”). Elis gravou, nesse mesmo ano, “Beguine dodói” (João Bosco, Aldir Blanc e Cláudio Tolomei) (aqui para TV argentina, legendada), “Altos e baixos” (com Sueli Costa) (aqui com Elis Regina) e “Bolero de Satã”, música de Guinga, em gravação inesquecível com Cauby Peixoto (aqui).

No início da década de 1980, participou, juntamente com Maurício Tapajós, Nei Lopes, Marcus Vinicius e Paulo César Pinheiro, entre outros, da fundação da AMAR (Associação dos Músicos, Arranjadores e Regentes), entidade responsável pela arrecadação de direitos autorais. Também em 1980, Djavan incluiu no disco “Alumbramento” duas parcerias de ambos: “Aquele um” (aqui com Djavan) e “Tem boi na linha” (aqui com Djavan), esta última também com Paulo Emílio.

Em 1981, Djavan registrou, no disco “Seduzir”, outra parceria dos dois, “Êxtase” (aqui). Ainda nesse ano, participou do disco de Márcio Proença, interpretando com o músico “Fêmea de Atlântida”, parceria de ambos.

Sua canção “Nação” (com João Bosco e Paulo Emílio) foi gravada em 1982 no disco de mesmo nome, enorme sucesso na voz de Clara Nunes (aqui, com Clara).

Muitos intérpretes fizeram sucesso com as composições da dupla Bosco e Blanc: Maria Alcina (“Kid Cavaquinho” em 1974, aqui), Ângela Maria (“Miss suéter”, aqui), Elis Regina (“O cavaleiro e os moinhos”, “Dois pra lá, dois pra cá”, “Gol anulado” – aqui – e “Transversal do tempo”), Cláudia (“Bala com bala”), Clementina de Jesus (“Incompatibilidade de gênios”, aqui), Solange Kafuri (“Trilha sonora”), entre outros.

Elis Regina também fez sucesso com composições suas com outros parceiros, como “Querelas do Brasil”, com Maurício Tapajós, aqui ao vivo com Elis Regina.

Em 1984, o próprio Aldir lançou dois discos autorais ao lado do parceiro Maurício Tapajós: “Aldir Blanc e Maurício Tapajós” (mais tarde reeditado em CD) e “Rio, ruas e risos”, ambos exclusivamente de composições da dupla.

Em 1988, Moacyr Luz registrou parcerias de ambos no disco “Só Moacyr Luz”.

Em 1999, Fafá de Belém interpretou “Coração agreste”, parceria com Moacyr Luz (aqui gravada ao vivo por Fafá de Belém para seu primeiro DVD), contemplada com o Prêmio Sharp, na categoria Melhor Música. A canção foi incluída na trilha sonora da novela “Tieta”, da Rede Globo. Outra composição de sua parceria com Moacyr Luz, “Mico preto”, foi tema de novela da Rede Globo, na interpretação de Gilberto Gil (aqui, com o ex-ministro da Cultura). Ainda em 1989, o grupo Fundo de Quintal registrou “Ciranda do povo”, de sua parceria com Cléber Augusto, um dos integrantes do conjunto. A música deu título ao disco lançado pela gravadora RGE.

No ano seguinte, seu parceiro mais constante, Guinga, gravou o CD “Simples e absurdo”, no qual as composições da dupla foram interpretadas por Leny Andrade, Chico Buarque, Claudio Nucci, Leila Pinheiro, Ivan Lins, Beth Bruno, Zé Renato e o conjunto Be Happy.

Em 1993, Edu Lobo gravou, no disco “Corrupião”, duas músicas de autoria dos dois: “Sem pecado” e “Ave rara” (aqui com a Banda Sabará). Nesse mesmo ano, o grupo Batacotô gravou várias composições de sua parceria com Ivan Lins e Vítor Martins: “Quitambô”, “Nega Daúde”, “Tá que tá”, “Camaleão”, esta interpretada por Dionne Warwick e Ivan Lins, e o grande sucesso do grupo, “Confins”, que se tornou tema da novela “Renascer” da Rede Globo (aqui, com Ivan Lins). Ainda nesse ano, Fátima Guedes gravou suas canções “Vô Alfredo”, “Diluvianas”, “Destino Bocaiúva” e “Sete estrelas”, todas com Guinga, “Restos de um naufrágio”, com Moacyr Luz (aqui com a cantora Viviane dos Guimarães).

Em 1995, a canção “Ave rara” (com Edu Lobo) foi registrada no songbook do parceiro na interpretação de Zélia Duncan, Cristóvão Bastos e Marco Pereira. Nesse mesmo ano, Moacyr Luz, comemorando 10 anos de parceria com Aldir Blanc, lançou o disco “Vitória da ilusão”, no qual gravou várias músicas de ambos.

Em 1996, Leila Pinheiro lançou o CD “Catavento e girassol” (EMI Music), registrando exclusivamente canções de sua parceria com Guinga (aqui, com Guinga, ao vivo). O disco atingiu rapidamente a vendagem de 100 mil cópias. O ano registrou também seu 50º aniversário de nascimento, com a gravação do disco comemorativo lançado pela gravadora Alma Produções, fundada pelo letrista e amigo Marco Aurélio. Na abertura do CD, o registro na voz de Dorival Caymmi: “Aldir Blanc é compositor carioca. É poeta da vida, do amor, da cidade. É aquele que sabe como ninguém retratar o fato e o sonho. Traduz a malícia, a graça e a malandragem. Se sabe de ginga, sabe de samba no pé. Estamos falando do Ourives do Palavreado. Estamos falando de poesia verdadeira. Todo mundo é carioca, mas Aldir Blanc é carioca mesmo.”. O disco contou com a participação de vários cantores, como Carol Saboya (“Carta de pedra”, com Guinga); Edu Lobo (“Pianinho”, parceria de ambos); Nana e Danilo Caymmi (“Siameses”, com João Bosco); Rolando (“Na orelha do pandeiro”, com Bororó e Lúcia Helena); Arranco de Varsóvia (“Vim sambar”, com João Bosco e Cacaso); Wilson Moreira, Walter Alfaiate e Nei Lopes (“Mastruço e catuaba”, com Cláudio Cartier); Emílio Santiago (“Nação”, “Querelas do Brasil” e “Saudades da Guanabara”, esta com Moacyr Luz e Paulo César Pinheiro); Ed Motta (“Crescente fértil”, parceria de ambos); Leila Pinheiro (“Cegos de luz”, com Ivan Lins), Clarisse Grova (“Reencontro”, com Moacyr Luz), Cris Delano (“Sonho de válvula”, com Gilson Peranzzetta), Paulinho da Viola (“50 anos”, com Cristóvão Bastos) e o próprio letrista interpretando “Anel de ouro” (com Raphael Rabello), “Canário-da-terra” (com João de Aquino), “Negão nas paradas” (com Guinga), “Lua sobre sangue” (com Cláudio Jorge), “Retrato cantado” (com Márcio Proença) e “Pequeno circo íntimo” (com Ivan Lins e Paulo Emílio), esta com Ivan Lins. O disco traz também a faixa “O bêbado e a equilibrista”, com Betinho, MPB-4 e Coral da Vida, formado exclusivamente para a gravação desta música, que incluiu quase uma centena de artistas da MPB. Ainda em 1996, igualmente fazendo parte das comemorações do cinqüentenário do compositor, foi lançado o livro “Um cara bacana na 19ª”, que contou com o seguinte texto de Chico Buarque: “Aldir Blanc é uma glória das letras cariocas. Bom de se ler e de se ouvir, bom de se esbaldar de rir, bom de se Aldir.”. O livro e o disco foram lançados em show comemorativo no Canecão (RJ). Nesse mesmo ano, foi convidado por Marcelo Vianna, neto de Pixinguinha, para letrar quatro músicas do avô, em comemoração ao centenário de nascimento do músico. Ainda em 1996, Renato Braz gravou “7×7”, de sua parceria com Guinga.

No ano seguinte, Clarisse Grova lançou o CD “Novos traços” (Alma Produções), no qual interpretou 13 canções de parceria do letrista com Cristóvão Bastos, entre as quais “Enseada”, “Dores Dolores”, “Não tava pra peixe” e o sucesso “50 anos”, além de “Cravo e ferradura”, também assinada pela cantora.

Em 1998, Nana Caymmi fez sucesso com sua canção “Resposta ao tempo” (com Cristóvão Bastos), música-tema da minissérie “Hilda Furacão” (Rede Globo), vencedora do Prêmio Sharp daquele ano, na categoria Melhor Música (espetacular gravação de Nana aqui). Também em 1998, Moacyr Luz gravou o CD “Mandingueiro”, no qual incluiu diversas parcerias dos dois, entre as quais “Encontros cariocas”, “Gotas de samba”, “Chupa cabra com ketchup” e a faixa-título. Nesse mesmo ano Walter Alfaiate incluiu no CD “Olha aí!” a canção “Botafogo, chão de estrelas”, parceria de Aldir com Paulinho da Viola.

Em 1999, Nana Caymmi voltaria a fazer sucesso com “Suave veneno”, outra composição da dupla Cristóvão Bastos e Aldir Blanc, tema da novela homônima da Rede Globo (aqui). Nesse mesmo ano, Cláudio Tovar escreveu e encenou o musical “Aldir Blanc – um cara bacana” ao lado de Lucinha Lins.

Em 2000, Dudu Nobre gravou a primeira parceria de ambos, “Blitz funk”, no disco “Moleque Dudu”, produzido por Rildo Hora. Também em 2000, compôs, juntamente com Cristóvão Bastos, a trilha sonora do musical “Tia Zulmira e nós”, adaptação do jornalista João Máximo para os textos de Stanislaw Ponte Preta (pseudônimo de Sérgio Porto), com direção de Aderbal Freire Júnior. Ainda em 2000, João Bosco e Dudu Nobre interpretaram “Kid Cavaquinho” no disco “Casa de samba 4”, produzido por Rildo Hora, e Kiko Furtado incluiu, no disco “Janela”, a canção “Súplica de pai”, parceria de ambos.

Na sexta-feira de carnaval do ano 2000, sua música “O mestre-sala dos mares” foi tema do desfile do bloco do Museu da Imagem e do Som (MIS), que homenageou a Revolta da Chibata, liderada pelo marinheiro João Cândido, cujo depoimento secreto prestado a Ricardo Cravo Albin no MIS, em 1968, acabara de ser editado em livro.

Em 2001 compôs com Marco Pereira, “Teatro da natureza”, música-tema da trilha sonora da peça Teatro Popular Brasileiro.

No ano seguinte, Lucinha Lins regravou, no CD “Canção brasileira”, a canção “Altos e baixos”, parceria do letrista com Sueli Costa, a compositora homenageada no disco. Também em 2002, participou do songbook de João Bosco, disco no qual interpretaram juntos “O bêbado e a equilibrista”. Em setembro desse mesmo ano, foi lançado, no Sesc da Tijuca (RJ), o livro “A poesia de Aldir Blanc” (Editora Irmãos Vitale), songbook organizado pelo crítico musical Roberto M. Moura. Apresentou-se na Lona Cultural João Bosco, ao lado de Moacyr Luz. Ainda em 2002, foi lançado o livro “Velhas histórias, memórias futuras” (Editora Uerj), de Eduardo Granja Coutinho, no qual o autor faz várias referências ao letrista. Também nesse ano, foi lançado o livro “Driblando a censura – De como o cutelo vil incidiu na cultura”, de Ricardo Cravo Albin, no qual consta o relato de uma composição de sua autoria proibida pela censura e liberada pelo Conselho Superior de Censura, a música “Êxtase” (com Djavan), sendo devidamente liberada e incluída no LP “Deslumbramento”, lançado pelo parceiro. O Conselho Superior de Censura tinha a função de provocar a transição de um Estado de Exceção para um Estado de Direito, atuando incisivamente, entre os anos de 1979/1989, na liberação de músicas, livros, peças, novelas, caso especial, filmes e outras obras intelectuais proibidas pelo regime militar.

Em 2003, Walter Alfaiate lançou o CD “Samba na medida”, no qual incluiu a canção “Mastruço e catuaba”, parceria do letrista com Cláudio Cartier. Nesse mesmo ano, compôs com Mú Carvalho a canção “Chocolate com pimenta”, tema de abertura da novela homônima da Rede Globo (aqui). Também em 2003, sua composição Nação” (com João Bosco e Paulo Emílio) foi registrada por Renato Braz no CD “Um ser de luz – Saudação a Clara Nunes”.

Em 2004, Simone mais uma vez gravou Aldir Blanc, em parceria com Ivan Lins, “Por Favor”, aqui.

Em 2005, lançou o CD “Vida noturna”, cantando suas parcerias com João Bosco, Guinga, Moacyr Luz, Maurício Tapajós, Hélio Delmiro e outros.

Publicou, em 2006, o livro “Rua dos Artistas e transversais” (Editora Agir), que reúne seus livros de crônicas “Rua dos Artistas e arredores” (1978) e “Porta de tinturaria” (1981), e ainda traz outras 14 crônicas escritas para a revista “Bundas” e para o “Jornal do Brasil”.

Em 2007, Mariana Baltar cantou “Bala com bala”, parceria com João Bosco, aqui o registro.

Em 2009, registro de “Linha de passe”, parceria com João Bosco e Paulo Emílio, aqui com João Bosco e Yamandu Costa, ao vivo.

Publicou vários livros, entre os quais “Rua dos Artistas e Arredores” (Ed. Codecri, 1979); “Brasil passado a sujo” (Ed. Geração, 1993); “Porta de tinturaria”; “Vila Isabel – Inventário de infância” (Ed. Relume-Dumará, 1996), e “Um cara bacana na 19ª” (Ed. Record, 1996), com crônicas, contos e desenhos. Escreveu crônicas para os jornais “O Dia” (RJ) e “O Estado de S.Paulo”.

Compôs, em parceria com Carlos Lyra, a trilha sonora do espetáculo “Era no tempo do Rei”, baseado no livro homônimo de Ruy Castro, que estreou em março de 2010 no Teatro João Caetano (RJ) com direção geral de João Fonseca, direção musical de Délia Fischer e roteiro assinado por Heloisa Seixas e Julia Romeu. Constam da trilha as seguintes canções: “Abertura”, “Carnaval tropical”, “Ária do Calvoso”, “Sois Rei?”, “Bárbara onça”, “Amor e ódio”, “Amor ordinário”, “Senta, João”, “Fado de Maria a Louca”, “Carta e profecia de Espanca”, “Solilóquio do Vidigal”, “Lundú do Vidigal”, “Maxixe das criadas”, “O Rei das Ruas”, “Verso e reverso”, “A galinha e a broa”, “Soneto de Bárbara morta”, “Borboleta de asa negra” e “Rancho de encerramento”. Nesse mesmo ano, a trilha de “Era no tempo do Rei” foi lançada em CD.

Isso sem contar que você quando ouve a vinheta do futebol da TV Globo não deve saber que é de Aldir a letra. Sabia? Ouça aqui.

É também autor da letra de Popó, de Chico Pinheiro, gravada por Maria Rita e aqui, ao vivo, cantada por Tati Parra.

E dia desses, vejam vocês – e a cena se repete com freqüência – estava eu cantando “O Bêbado e a equilibrista”, talvez o maior sucesso da dupla Bosco & Blanc, e uma moça, diante de mim, moça mesmo, não mais que 20 anos de idade, não sabia de quem era a música (que ela cantara do início ao fim). Essa injustiça, esse erro, precisa acabar. Mas vamos mesmo ao que eu queria lhes dizer.

Um homem como Aldir Blanc, um criador como Aldir Blanc, um compositor de seu porte, com sua obra, um homem com mais de 10 aberturas de novela emplacadas, mais de 60 temas de personagens, pode viver, como se diz por aí, com uma lata de goiabada na mão sem o reconhecimento devido pelo fruto de seu trabalho? Como pode o ECAD – e daí a necessidade imperiosa de uma CPI e de um sério trabalho de auditoria feito pelo Estado – não remunerar de forma compatível um homem como ele?

Pois na segunda-feira eu bebia com o ator José de Abreu na rua do Rosário quando ligou-me, justamente, o bardo tijucano. Por uma dessas coincidências, o Zé estava concedendo entrevista para a revista Época sobre o tema – direito autoral. Pus Aldir para falar com ele. E vi, durante o telefonema, aquele homem à minha frente chorando de raiva – “ira santa”, como ele mesmo disse – por saber da situação do Aldir. É a mesma ira que me move e que deveria mover o Estado brasileiro em defesa de um de seus mais brilhantes filhos.

Até.

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VARANDÃO SONORO DOS SÁBADOS

Muito suíngue na manhã desse sábado de sol, arrombando a retina de quem está no Rio. Fala-se em Rio de Janeiro, fala-se em sol, pensa-se em praia. Nada contra a praia, mas eu, do alto de meus 41 anos, acho mais graça, hoje, em curtir um sábado desses na Tijuca, minha aldeia. Cachoeira pra poucos, brotando da Floresta da Tijuca, é sempre minha pedida. E eu, que moro na Haddock Lobo, quase na esquina da Matoso, rasgo a Conde de Bonfim em direção ao alto da Tijuca com Tim Maia, no máximo volume, cantando uma das mais famosas esquinas do bairro onde nasci, onde fui criado e que há de me ver morrer.

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