ESTRELA DE LUZ

Vivi ontem uma segunda-feira atípica, e explico. Antes de explicar, porém, farei pequeno passeio pela memória e algumas digressões.

No domingo, anteontem, houve a última das já tradicionalíssimas domingueiras no jardim do Aconchego Carioca, bar comandado pelas mais fabulosas anfitriãs de que se tem notícia, Katia e Rosa. As domingueiras começaram a acontecer há muitos meses (já terá completado um ano?… não sei…) no jardim da mais-que-aprazível casa na esquina da Barão de Iguatemi com a Santa Filomena. Começou, disso bem me lembro, quando num desses domingos pós-feira decidi beber a primeira cerveja do dia com a Katia, e aqui faço um adendo: o Aconchego ainda ficava onde hoje funciona o Bar da Frente, hoje comandado pela Mariana, exatamente em frente ao Aconchego de agora (daí o nome, Bar da Frente, excepcional sacada). Bar ainda fechado, Katia lendo o jornal numa mesinha da varanda, e eu parei pra abrideira do domingo. E nunca mais parei de parar lá… O Aconchego cresceu, o bar ficou pequeno e elas foram obrigadas a atravessar a rua pra montar o bar na casa cor-de-rosa do outro lado da rua…

Pois no último domingo, quando dividi mesa com (em ordem alfabética para não ferir suscetibilidades) André Santoro, Breno Boechat, com a Candinha, com Cheval, com Edu Carvalho, Felipinho, Leo Boechat, Luiz Antonio Simas e seu Benjamin, e com a Manguaça (que agora é Manga), fui convidado para a festa de Natal dos funcionários do Aconchego (sou, faço a confissão, uma espécie de funcionário-extra do Aconchego, afinal venci o I Torneio Interbares de Purrinha do Rio de Janeiro e, mais que isso, sou sócio-atleta do bar desde priscas eras… tanto que tenho, na parede de casa, o primeiro cardápio do Aconchego…) que aconteceu ontem à noitinha.

E não é exatamente sobre a festa que quero lhes contar, é sobre a Katia (com a licença da dona Rosa!, porque quem mexeu comigo ontem foi, de fato, a Katita – na foto abaixo).

Houve um churrasco (comandado pelo Janildão, o Russo, irmão da Katia), muita cerveja, muita música e – eis sobre o que quero lhes falar – muita emoção (vou voltar a fazer breve digressão).

A história do Aconchego Carioca é, toda ela, costurada por muita emoção (e muito suor, diga-se). Sempre competentes, Katia e Rosa tocavam o bar, no pequenino imóvel da Barão de Iguatemi, com extrema competência e seriedade. Tinham, ali, uma clientela fixa e fiel, sabedora dos segredos e dos meneios culinários da Katita, à frente da cozinha da casa. Mas era uma clientela que cabia ali. Até que um dia (e o troço parece mesmo um conto de fada…) baixou no pedaço o cheff francês, Claude Troisgros. Absolutamente encantado com o que viu (e com o que comeu, é claro), o Claude abriu portas até então inimagináveis… Veio a exposição na mídia, veio o reconhecimento, veio o sucesso, o bar ficou pequeno (como já lhes disse…) e o Aconchego hoje é (re)conhecido no mundo inteiro como uma das melhores cozinhas do Brasil, olímpico orgulho da Tijuca (não, meus poucos mas fiéis leitores, não é exagero meu…). Voltemos a ontem.

À certa altura da festa houve o amigo oculto dos funcionários e, antes disso, um pequeno discurso (emocionadíssimo!) da Katita, que distribuiu presentes para todos os presentes. Eu, inclusive, permitam-me o exercício da vaidade, recebi um agradecimento público da generosa Katia que dirigiu-se a mim como “nosso padrinho”, um comovente exagero que quase me derrubou ali – o tal “é mentira mas é bonito”, frase de meu compadre Fernando Szegeri.

Eu disse generosa Katia e agora é que vou lhes contar o que quero desde o início: a Katia é daquelas que fazem da generosidade e da gratidão armas do dia-a-dia. Absolutamente ciente de que sua história de pleno sucesso deve-se, muito, à generosidade do homem que a apresentou ao mundo, jamais permitiu-se vestir a máscara da vaidade e da prepotência. Tem, a Katita, de modo viniciano, as mãos cheias de carinho e os olhos cheios de perdão. Montou, a bela mulher de olhos de amêndoa, uma senhora equipe para trabalhar no Aconchego, no salão (são os melhores garçons do mundo), na cozinha, na produção e nos bastidores. A Katia – e eu me desculpo com ela desde já pela exposição de seus gestos, que atestam a verdade do que digo… – jamais – jamais!, com ênfase szegeriana – deixou de estender a mão para cada um de seus funcionários, seja para o que for. É patroa e é mãe. É empregadora e é amiga. É dura da forma mais doce que jamais vi. Trata a todos, com carinho de loba diante de sua cria, como sua família (foi o que ela disse, durante o discurso, sem mentir). Mas vamos, mesmo – me perdoem ter sido tão extenso… – ao que quero lhes dizer.

A flagrei chorando, em certo momento, sentada no jardim. Cheguei-me a ela. Dos olhos embaçados brotavam, como rio com leito cheio, muitas lágrimas:

– O que foi, querida?

E ela, tão doce, enxugou os olhos e disse:

– É muita coisa bonita acontecendo, Edu…

Refez-se do choro e foi ao salão.

O DJ contratado fazia tocar vários sambas-de-enredo, até que veio um samba da Mocidade Independente de Padre Miguel: “Estrela de luz que me conduz, estrela que me faz sonhar… estrela de luz que me conduz, estrela que me faz sonhar…”.

A Katia, sambando no pé e olhando pro alto, mãos pra cima como se falasse com a estrela de luz, visivelmente grata por muita coisa bonita, mal sabia que era ela, ali, a própria estrela.

Até.

6 Comentários

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6 Respostas para “ESTRELA DE LUZ

  1. l.a. simas

    A “famiglia” Button concorda e assina embaixo.

  2. Ricardo

    …beleza, e viva o Aconchego!

  3. Cacau Araújo

    Me emocionei com esse texto. A kátia merece de verdade todas as homenagens do mundo. Tenho muito orgulho de ser sua funcionária, e acima de tudo me considerar sua amiga.

  4. Cynthia

    trabalho perto e frequento muito o Aconchego, embora já tenha sido mais assídua. qd conheci pessoalmente já tinha mudado pra onde está hoje, e digo pessoalmente pq lembro de qd ouvi falar na casa pela primeira vez, na Revista O Globo. não lembro pq mas fiquei com a lembrança, e qd me convidaram liguei logo “o nome” à “pessoa”. depois disso já levei minha família, td mundo amou. realmente é td excelente, da comida (bobó de comer ajoelhado) ao serviço, passando pelas sensacionais cervejas (saudade da Paulaner, preciso aparecer por lá!). enfim, já falei demais, mas o texto foi merecidíssimo!
    Abraço!

  5. Lindo texto, caro Edu. Não te conheço pessoalmente, mas te “acompanho” por aqui e pelas mensagens e fotos que a Kátia põe no Twitter. Hoje tive certeza de que você deve ser tão ou mais boa praça quanto parece à distância. Quanto ao Aconcheco… não poderia ter outro nome melhor. É a definição carioca para o conceito de pub (public house): estar lá é como estar em casa! Aliás, me veio à mente agora um nome que poderia servir sim para o bar, um que a minha filha Juliana usa: “Chamego Carioca”!

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