Foi no comecinho de 2009. Já há quase um ano no enfrentamento do câncer, depois de algumas cirurgias, de algumas complicações, depois de iniciadas as sessões de quimioterapia e de radioterapia, cheguei em casa e encontrei minha menina de olhos perdidos, sentada na sala de casa – cena raríssima, eis que sempre fui recebido, à noite, depois de um dia de trabalho, com o mais lindo sorriso do mundo estampado em seu rosto e com aplausos (porque ela deu, de um certo dia em diante, de me aplaudir quando eu chegava, e até hoje sinto uma falta tremenda desse som). Cheguei-me a ela:
– O médico disse que meu cabelo vai começar a cair… Meu amor, e agora?! – e deu de chorar.
Eu, que mantive firme meu propósito, até o último dia (quando fraquejei…), de não chorar diante dela, fiz festinha em seu rosto, bebi suas lágrimas e fui, naquele momento, um homem despedaçado diante de sua dor (uma, dentre tantas…). Mas tanto fiz, tanto disse – cheguei a cantar que “é das carecas que eles gostam mais…” – que ela tornou a sorrir.
Os dias foram passando, os cabelos foram, de fato, caindo, até que num determinado dia ela decidiu ir com a irmã a um salão pra cortar o cabelo bem curtinho. Nesse dia, bem me lembro, sua irmã foi com ela a uma loja de perucas e depois de muito tempo lá (experimenta uma, chora, experimenta outra, chora mais…), saíram com a peruca comprada. Foram dias difíceis… Quando já sem cabelo algum, incorporou a peruca. Passaram-se poucas semanas – notem que o humor, esse grande companheiro!, jamais nos abandonou… – e deu-se o seguinte: Dani chegava da rua, tirava a peruca e a punha sobre o abajur de nosso quarto (só de escrever isso, imagino que vocês que me lêem já sabem o próximo passo…).
Estávamos jantando quando ela disse:
– Não tá cheirando a queimado?
Eu havia acendido o abajur e a peruca foi oló!
Como chorou, minha menina. Segurando a peruca nas mãos, verificando o estrago (que nem foi tão grande…) que houve, disse:
– Meu amor, e agora?!
Voltamos à loja, deu-se um jeito, mas ela começou a curtir comprar lenços como alternativa.
Era, mesmo de lenço, a mais bonita das moças. E a quantidade de lenços, imensa, fazia, de certa forma, com que o ato de se vestir fosse sempre divertido.
Até que chegou o dia em que ela me disse que estava um pouco cansada de sair de lenço, de usar (e usava cada vez menos) a peruca, que queria ter coragem de sair na rua sem nada na cabeça, e me disse isso diante do espelho do banheiro, as lágrimas caindo sobre a pia, falou sobre o medo de ser vítima de tantos olhos na rua, e segurando minhas mãos, me olhando nos olhos, disse:
– Meu amor, e agora?!
Fato é que marcamos, para outubro de 2009, nossa primeira viagem para NY. Eu já havia estado lá, em 1995, ansiava por voltar, e pensamos que seria uma grande idéia passarmos seu aniversário, dia 15 de outubro, em NY.
Dani, nas primeiras horas da viagem, já estava apaixonada pela apaixonante NY (e foi uma viagem intensa, emocionante, choramos de emoção muitas vezes, rimos outras tantas, porque havia, entre nós, uma espécie de pacto silencioso, tácito, de que era preciso aproveitar tudo no grau máximo, com intensidade de último-dia, e havia em seus olhos, desde o início de tudo, a permanente angústia quanto ao porvir).
Vai daí que na nossa primeira manhã em solo americano, acordei mais cedo que ela (rotina…), desci, fui a um florista e comprei as mais lindas flores que encontrei. Voltei ao quarto com as flores e um cartão que dizia “Pra você, minha menina, que me fará o homem mais feliz do mundo, mais do que já sou por tê-la, se descer pra me encontrar pro café-da-manhã sem nada na cabeça. Te amo (e acho que vou te amar ainda mais, se você mostrar pra Nova York o charme da careca da mulher brasileira!)”. Deixei as flores na cabeceira e desci.
Quando ela apareceu pro café-da-manhã, era a (ainda) mais luminosa das mulheres.
Orgulhosa. Sem vergonha. Apaixonada.
Choramos pra burro, decidimos ir ao museu, e eu senti – confesso – um orgulho absurdo da minha menina, tão íntegra em meio a tanta dor, tão capaz de demonstrar (e fez isso até o último minuto) seu amor por mim, tão bonita.
Passamos horas no museu, e eu poucos olhos tive pra tantas obras de arte… porque tinha os olhos cravados nela, o tempo todo, na intenção de captar todo e qualquer sentimento que dela brotasse naquele primeiro dia sem qualquer pudor de si mesma – e como vivemos “primeiros dias” nos últimos anos…
Os cabelos nunca mais voltaram.
Quando voltamos ao Brasil, fui sua alma gêmea careca.
Era a maneira que eu tinha – e como busquei maneiras, maneiras, maneiras, maneiras de lidar com tudo aquilo… – de dizer a ela do meu amor, da minha solidariedade, da minha capacidade de entrega, do meu desejo de ser o melhor pra ela.
E hoje sou eu que, a cada manhã, diante do espelho do banheiro, de olhos fechados e pensando nela, pergunto sozinho:
– Meu amor, e agora?!
Até.
Belo relato. As lágrimas rolaram!
Um abraço.
Nossa Eduardo… Que belíssimo texto!
Ela vive nesse sorriso lindo e cativante… Vive na sua memória… Vive no seu coração…
Seu amor por ela é lindo…
Sempre muito tocante!
Simplesmente emocionante!
Nossa, emocionante… como a Dani, que contagiava a todos, em todos os momentos e lugares..
Saudades!!
Você me deixou sem palavras por alguns instantes. Guardadas as porporçoês, minha historia é parecida com a dela. Agradeço a Deus todos os dias pelo marido maravilho que ele me deu;Tenho certeza que a sua menina também fez o mesmo. Ela viveu com você os melhores momentos da sua vida pois quando precisou de conforto, você simplesmente estava lá e a amou.
Seu relato talvés possa abrir os olhos e o coração de alguns homens que se apavoram com esta realidade; tomara.
Deus te abençoi!
Ivonete
Putz, Edu….
Acho que já disse isso aqui. Minha mãe ¨(61 anos e uma incrível companheira de bar, histórias e sorrisos) está na luta contra o cancer. Quimioterapia, radioterapia, cabelos ralos, etc, etc…..
Depois de ler este texto, só posso dizer uma coisa: “lágrima em estado bruto!!!”
Um abraço
Edu,
Está difícil parar de chorar, por lembrar da Dani e de vegonha, por ter me lamentado de coisas tão pequenas diante disso tudo que vocês viveram.
Tocante, sensível e profundamente emocionante o teu relato.
Ela deve estar, agora, com esse mesmo sorriso lindo da foto, muito orgulhosa de você. Que coisa maravilhosa, obrigada por compartilhar. Bjs.
Meu Deus, foi o texto mais incrível que já li em toda a minha vida!
Deus abençoe os espíritos grandiosos que viveram essa história.
Sem palavras…sem folego.
Lindo e inspirador!
Lindo e emocionante!
Lindo demais!
Eu lembro de ver a Dani careca, sem nada, numa festa na casa do Sérgio, e segurar as mãos dela, olhar nos olhos dela, e com um grande sorriso dizer: “Gostei. Ficou linda!” Irreverente, Dani passou a mão pela cabeça, e disse, “Resolvi mudar o visual e radicalizar.” Rimos juntas, e eu senti orgulho de conhecer uma mulher tão maravilhosa. Saudades.
Emocionante! Sem mais palavras…
Que gostoso ler o seu blog….que prazer ver esse amor todo….
parabéns
Caramba, realmente é de deixar qualquer um sem palavras. A maneira como você conseguiu traduzir seus sentimentos e dificuldades em palavras. Impossível foi não se emocionar e por instantes se transportar para dentro da história de vocês.
Não há muito a acrescentar a não ser, meus parabéns pelo amor e pela lição de vida que nos ensinou.
Arrasou no texto, parabéns. Nesse período eu a chamava de Sinead.
Edu,
Deve haver uma razão metafísica para nos (“poucos, mas fieis”) seus leitores sermos testemunhas de sua história. Não sairemos os mesmos, Com toda certeza jamais olharemos a vida e daremos a ela o mesmo significado e sentido que demos até então. Ah e sua saudade vc… está sabendo tão bem digeri-la. É assim. Mas lhe garanto não tens noção de como nos emociona…a todos nós….
Grande texto.
Não consegui comentar ontem quando li e continuo não conseguindo dizer nada. Eu queria comentar, mas não há o que dizer… A Dani te sorri de onde está.
Abraço,
Isso é amar…
nossaaa me emocionei demais c/ esse texto
lde tão lindo as lagrimas foram afloradas pela emoção
EDU É A PRIMEIRA VEZ QUE ENTRO AQUI
E AMEIII!
PARABÉNSSSS
Edu,
Vi o seu blog no face da Mariana Blanc e estou aqui com a cara inchada de chorar, mas feliz pela oportunidade de conhecer um pouco desse amor tão lindo. Obrigada pela lição de vida. Um beijo no seu coração.
Muito lindo ! Ela teve a sorte, apesar de tudo, de ter um compaheiro com ela até o fim. A maioria não aguenta o tranco.
abraços
Complicado é não se emocionar diante de um amor assim, sublime…
Devastador.
A imagem de Dani vem da primeira a última palavra.
Mais que qualquer coisa: aprendizado. Como sempre..
Abração, rapaz.
Um abraço que te console, ampare e afague seu coração.
Realmente muito emocionante,
podemos só aprender com essa sua lição sobre o amor.
Obrigado
Mistério indecifrável esse da humanidade: uma dor profunda, intensa, uma ferida de onde saem eternamente coisas belas.
Daí que eu terminei de ler o texto e comecei a cantarolar um samba de Cartola, que diz assim:
“Nada consigo fazer
Quando a saudade aperta
Foge-me a inspiração
Sinto a alma deserta
Um vazio se faz em meu peito
E, de fato, eu sinto em meu peito um vazio
Me faltando as suas carícias
As noites são longas
E eu sinto mais frio”
Achei triste demais, e busquei outro na memória, bem rapidinho:
“Amanhã a tristeza vai transformar-se em alegria,
E o sol vai brilhar no céu de um novo dia,
Vamos sair pelas ruas, pelas ruas da cidade,
Peito aberto,
Cara ao sol da felicidade.
E no canto de amor assim,
Sempre vão surgir em mim, novas fantasias,
Sinto vibrando no ar,
E sei que não é vã, a cor da esperança,
A esperança do amanhã.”
😉
Edu,
desde ontem, quando li este texto, uma cena não sai da minha cabeça. A Dani, carequinha e linda como sempre, sambando aqui na sala de casa. Parecia a Piná – melhorada, apesar de branquinha! Acho que foi no final de um rali. Vc lembra?
Eu tenho uma foto; eu sei que eu tenho. Mas não acho de jeito maneira.
Bom, se um dia eu achar, mando pra você.
Por enquanto, fica na memória como mais uma das lembranças da Dani – da sua inteligência, da sua beleza, da sua alegria, da sua força!
Beijos, e feliz aniversário para a Dani!
Sou meio coração de pedra, mas essa foi foda…
Puxa…sem palavras..lindo de mais.. vocês dois tiveram sorte. Você, por encontrar uma mulher que te amasse tanto( a ponto de te aplaudir quando chegava em casa! Nunca sequei cogitei isso com meu marido!) E ela por ter vc até o fim…como alguém já disse anteriormente, MUITOS não aguentam o tranco. Amor lindo de mais.
Edu, a vida nos aproximou, e depois nos afastou. Sei que nem sempre caminhamos pela mesma calçada. Mas quando nos afastamos sempre senti saudades da Dani. Ainda me lembro como se fosse ontem. No dia 10 de Setembro de 2008, quando vc me encontrou no centro e falou rapidamente sobre a Dani. Depois disso sempre tentei ter informações sobre ela. Mas …
Hoje, lagrimas vieram, e alagaram o meu teclado.
Mas tenho certeza, que voce e ela tiveram sorte. Pois ao ver voces juntos, todos sabiam que um amor imenso e uma cumplicidade impar estava presente. Nem todos possuem a sorte de ter vivido um amor tão intenso.
Força Edu. A Dani com certeza espera isso de voce. Realmente a pergunta “e agora?” é complicada. Parabens para voce e para a Dani. Saudades.
Bjs.
Cão.
Pra isso servem as palavras bem ditas (e bem escritas): pra compartilhar o que, sem elas, ficaria dentro de uma só pessoa. Obrigada.
Dizem que as pessoas de almas gêmeas se parecem. A foto representa raro encontro de duas almas gêmeas. E suas luzes brilham, eternas e unidas. Edu, a Dani é iluminada, vocês são iluminados, e suas palavras transmitem a essência dessa energia existencial que muitos ainda precisam aprender neste mundo físico. Que a força dessa energia viva o envolva com saúde e proteção!*****
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Nunca tinha visto um texto tão emocionante em toda minha vida, esse é uma perfeição e com tanta dedicação, amor, carinho e afeto pela pessoa que ama, isso sim é amor.
Muito emocionante!
EDU….VC ME MATA DE CHORAR….QUE LINDO TEXTO, QUE LINDO AMOR, QUE LINDA MENINA…..QUE LINDO EDU!!!!
Edu, parabéns!! Por todo amor que disponibilizou a sua bela Dani. Infelizmente o que nos sobra é um monte de lembrañças e tentar perpetuar na memória estes lindos momentos.
Desejo que DEUS consiga confortar seu coração. Pois, entendo sua dor e sei como os pequenos detalhes fazem falta.
Somente hoje li seu texto, por acaso, mais ou menos um ano depois de que o postou. Tenho 67 anos e estou vivendo um momento parecido com o de vocês. Ca de mama em dez. de 2008, cirurgia, quimio, radio, acreditando na cura. Setembro de 2012, revisão semestral e encontramos metástases do ca de mama no fígado. Agora são quimios semanais e nesta semana passada raspei minha cabeça que estava já rala de cabelos. A par disto o amor ,companherismo de meu marido Paulo,71 anos, que embora eu saiba que está sofrendo,mais do que eu, pois acho que nosso destino está traçado desde o momento da concepção. Você me lembra muito meu marido,embora tão mais jovem. Posso te dizer que sua Dani,como eu agradecem a Deus por ter um amor tão incondicional,verdadeiro. O nosso iniciou na adolescência,quando iniciamos o namoro. Fruto deste amor três filhos, um oncologista, duas netas adolescentes e um pequeno menino de 2 anos. .Todos apoiando e amando-me, cercando-me de cuidados e carinho. Todo este amor é gratificante e nos dá coragem de enfrentar e aceitar o que Deus nos destinou. Tenho certeza que fizestes Dani muito feliz. Parabéns pelo HOMEM que és e pelo amor que dedicastes à tua querida. Seja feliz.