E EIS QUE CHEGOU O CARNAVAL

É amanhã, meus poucos mas fiéis leitores, que desfila o Bola Preta, concentrado desde as primeiras horas do sábado de Carnaval nos arredores da Cinelândia. Hoje, sexta-feira, véspera do ápice do tríduo momesco (e o primeiro dos quatro dias ser o ápice já diz muito sobre a inversão que o Carnaval representa), é dia de preparação a fim de que o corpo agüente o tranco do trajeto sob o sol escaldante que se anuncia e que há fazer com que suemos o suficiente para expurgarmos culpas, medos, frustrações, dúvidas, incertezas e as mazelas do dia-a-dia. É dia de dormir cedo para que às seis da manhã, no máximo, estejamos prontos para a imolação em meio à multidão de mais de um milhão e meio de pessoas dispostas ao cumprimento do roteiro do mais tradicional bloco da minha mui amada cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Para driblar as peripécias e as artimanhas que o Bola Preta trama, ano após ano. A fim de que voltemos para casa com cicatrizes nos pés, com dores no corpo, quase sem voz. Como diz, há anos, com a devida autoridade, meu mano Fernando Szegeri, há que se sofrer! Carnaval é, acima de qualquer coisa, sacrifício. É chupeta, meu bem, pro neném. É dia de beliscar imaginariamente a Elizeth e convidá-la, depois, com a cara mais limpa do mundo, pra beber no balcão do Tangará, que está vivo ainda lá, ainda lá, no sonho coletivo que há de nos embalar. É dia de desfilar ao lado da Malícia e da Inocência, irmãs gêmeas que ainda moram lá e que só querem namorar. Dia de dançar ao som da Banda do Sodré, que desabrocha e faz lembrar o flamboyant em flor de Paquetá. Às 10 horas da manhã o Bola – que sabe eternizar – vai passar na avenida popular. Dia de paquerar Carminha Rica e levá-la pra beber no Bar Luiz. Chama Caymmi, Noel, Lamartine, Ary, Bororó, Ademilde, o Orestes, Sinhô, Donga, Jota Efegê. Dia de misturar gente da Saúde, da Vila, do Estácio, de Madureira e da Tijuca que, na uca, sempre comparece em peso. Dia de encher a cara com Pato Rebolão, Porrete e outros bambas sem par, de esbarrar com Trinca-Espinha e K-Veirinha – é carnaval! Dia de bater um fio pra Zezé Gonzaga pra beber com ela no Nacional. Evoé, meus poucos mas fiéis leitores. Despeço-me hoje pra despertar Vilma Flinstones amanhã, junto com os primeiros raios de sol e com o primeiro gole de cerveja. Volto na terça-feira – ou na quarta-feira. Deixo com vocês, expostas no balcão do Buteco, a gravação do choro Bola Preta, de Jacob do Bandolim, e a sensacional letra (póstuma) escrita pelo gênio Aldir Blanc. Taí o primeiro desafio (e sacrifício!) do Carnaval: tente cantar (aqui) a letra encaixando nota por nota, que o Aldir não é mole! Bom Carnaval a todos. Profundamente emocionado, me despeço. Até!

“Miudinho da Penha a Xerém
eu sei onde tem…
Um balanço de vem-ou-não-vem
no bonde ou no trem.
Socialaite beijou Zé-Ninguém:
nenhum nhém-nhém-nhém.
Chupeta, meu bem, pro neném…


Um inglês que trocou por Roskoff
o tal Big Bem,
o glamour de João Valentão
no Rio:
olha o cabra-da-peste,
deixa estar,
pintando o 7,
beliscou a Elizeth
e foi beber no Tangará!

Malícia e Inocência moram lá.
São gêmeas e só querem namorar.
A Banda do Sodré
desabrocha e faz lembrar
o flamboaiã em flor de Paquetá.

– mas, ai, meu Deus que saudade que dá…

Já são 10 horas da manhã
de sábado e o Bola vai passar.
Passou e não passou,
foi pra Lapa mas ficou.
O Bola preta sabe eternizar.
– Eu sou de lá…

Mas tem um risco Brasil de mulhé
com a tal cana-caiana e café
e bota fé que o Bola chegou
não tem Zé-Mané!
Colombina dá bola pra mim
que ando assim-assim
– Sou meio Pierrô e Arlequim.

Tô na máquina do velho Wells
descida dos Céus,
um Balzac soltando no mundo
traque bom de pelica.
Tô no Bola,
a dica é de cuíca,
tão feliz a gente fica,
paquerei Carminha Rica
e fui beber no Bar Luiz.

Demorô,
oi, Iaiá, ai, Ioiô,
eu tô que tô
ou tu fica ou não fica…
A mulher ideal
é a Neuma, a Zica, a Surica
– ai, cumé qui eu vô fazê? Hein?

Duvidô,
de-ó-dó,
chororô, ô,
se encrencou,
o segredo é viver.
Pro Bola Preta
eu vou de muleta
e sinto a caceta
rejuvenescer.

Vem Caymmi,
Noel, Lamartine, Ari, Bororó,
Ademilde também, o Orestes,
Sinhô, Donga, Jota Efegê
– Ai, o Tatu subiu no Pau!

Da Saúde, da Vila, do Estácio e de Madureira,
na uca, a Tijuca também quis comparecer,
pagou pra ver porque
eu vou sambar
no Bola, meu cordão,
o sangue e o coração
com Pato Rebolão, Porrete
e outros bambas sem par…
o Bola Preta, preta, é meu segundo lar
e é lá que eu quero
me curar.

Os Democráticos e os Fenianos são pau-a-pau.
A vizinha mamava na minha: ensaio geral.
Trinca-Espinha virou K-veirinha
– Hoje é Carnaval!
Não chora, meu bem:
é norrrmal! Uau!

Preto e Branco, as cores do time:
feijão bom de sal.
Na moral, a moçada não quer
o teste da farinha.

Quem apaga e perde a linha
– amor com amor se paga –
liga pra Zezé Gonzaga
e vai beber no Nacional.

Vou pro Bola, já.
Tô ainda lá…
Eu vou me esbaldar
pra eternizar,
pra eternizar,
pra eternizar…”

Por sugestão de um leitor, eis, aqui, a gravação na voz de Aldir Blanc e Jayminho Vignoli!

7 Comentários

Arquivado em carnaval

7 Respostas para “E EIS QUE CHEGOU O CARNAVAL

  1. >obra prima! Dois gênios, Jacob e Aldir.Brigadão, Edu!

  2. >Bom Carnaval pra nós todos, Edu, nós todos, que possamos – os que os têm – deixar de lado os rancores, os ódios, o peso do mundo que carregam sobre os ombros (a propósito, a pergunta: pra que o carregam?).Como diz aquele samba: "O negócio é amor / O resto é conversa fiada".Um abraço!

  3. >"Cada qual com seu carnaval: No Rio, pega mijão;Em Brasília, pega ladrão"Frase do poeta brasiliense Turiba. Ótimo carnaval a todos.

  4. >Bom carnaval!Edu, perdoa, não costumo fazer isso.Mas quero indicar o último texto do teu xará, Eduardoc, "As escolas de samba são nossas" lá no Samba, Boemia e Vagabundos.Antológico.Abraço!

  5. >TIJUCA !!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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