O VOLUNTARISMO

Ontem eu almoçava com um queridíssimo amigo na Leiteria Mineira, uma espécie de refeitório de clínica geriátrica por conta da idade média dos freqüentadores e da ausência absoluta de sal na comida, deliciosa por sinal, e enquanto comíamos, ele foi de língua e eu de estrogonofe, conversávamos em tom de lamento sobre a mediocridade que assola o planeta de forma virulenta. Ele, que é de São Paulo e estava por aqui de passagem para arejar a cabeça – a expressão é sua – deu de se queixar do voluntarismo que grassa nas chamadas redes sociais, no Facebook precipuamente. Foi ele começar a falar pare que eu, excitadíssimo, com tudo concordasse. E ficamos, ali, divagando sobre o que temos visto, lido e ouvido, tendo sempre os voluntariosos como protagonistas.

Tentamos desenhar um esquema em busca de uma explicação para tanto voluntarismo e para esse fenômeno que dá ao idiota (apud Nelson Rodrigues) a dimensão de um gênio. Lembramos do reacionário, do genial dramaturgo, que em 1968 lançou a blague que hoje se verifica a olhos vistos:

“De repente, os idiotas descobriram que são em maior número. Sempre foram em maior número e não percebiam o óbvio ululante. E mais descobriram: — a vergonhosa inferioridade numérica dos ´melhores´. Para um ´gênio´, 800 mil, 1 milhão, 2 milhões, 3 milhões de cretinos. E, certo dia, um idiota resolveu testar o poder numérico: — trepou num caixote e fez um discurso. Logo se improvisou uma multidão. O orador teve a solidariedade fulminante dos outros idiotas. A multidão crescia como num pesadelo. Em quinze minutos, mugia, ali, uma massa de meio milhão.”

Eis que o Facebook é, definitivamente, o caixote azul no qual sobem, alguns várias vezes ao dia, diversos idiotas testando seu poder numérico. E um idiota curte o que o outro idiota escreveu. Um terceiro idiota toma coragem, vê-se refletido na tela diante de si, e ri – “kkkkk” – expressando sua concordância num relinche cibernético.

Um quarto idiota decide “fazer um vídeo ao vivo” – ferramenta que o caixote azul oferece – e começa (notem que quase sempre começa assim): “Oi, gente, eu resolvi fazer esse vídeo…”, e dá de falar as coisas mais sem importância, mostrar sua entendiante rotina para uma platéia de idiotas, e a coisa vai tomando um vulto, uma proporção, num preocupante fenômeno que é efetivamente assustador.

Vai daí que esse coletivo de idiotas passa, então, a produzir uma massa de verdades absolutamente ridículas, pífias, que são replicadas, multiplicadas, encorajando outros idiotas pelo mundo afora e que passam, por conta dessa coragem que vão ganhando (lembrem-se, “em quinze minutos, mugia, ali, uma massa de meio milhão”), a patrulhar quem está quieto no seu canto.

Falamos, é claro, das mais recentes patrulhas que pululam por aí: não se pode mais falar a palavra “mulata” sem que alguém se aproxime com o insuportável ar de gênio trazendo debaixo do braço o argumento de que mulata remete à mula, que mulata é isso, que mulata é aquilo e outros bichos. Não se pode mais cantar determinadas marchinhas de carnaval sem que alguém quique diante de você apontando o dedo na sua cara: essa é machista, essa é homofóbica, essa é sexista, essa estimula a violência, essa é assim, essa é assado e outros bichos. A mais recente onda de voluntarismo chegou pra dizer quem pode e quem não pode usar turbante. Haja, haja, haja!

Está muito difícil – e vai piorar.

Volto ao tema em brevíssimo.

Até.

6 Comentários

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6 Respostas para “O VOLUNTARISMO

  1. João

    Edu, eis que tenho feito somente isso: curto o quanto menos, compartilho quase nunca e vez por outro solto um kkk em alguma linha de tempo amiga. Mas tá complicado…Tem gente guardando isso para usar contra você em outras épocas. Tempos difíceis.

  2. Lúcia

    Amei o texto, Edu. Você me representa…

  3. Danilo R. Leite

    Palmas para esse texto cirúrgico. Breve e ferino. Nem sequer uma palavra a mais, apenas as que imprescindiam.

  4. É isso, meu caro amigo, assino embaixo. Viver “em sociedade” e no meio de um país que foi tomado de assalto pela direita e pelos politicamente “corretos” está ficando insuportável.
    Abs.

  5. Claudio Renato

    Passando para concordar com tudo o que foi aqui brilhantemente descrito.

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