>AS COISAS SIMPLES – PARTE III

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Em 15 de agosto de 2006 – lá se vão quase quatro anos! – escrevi AS COISAS SIMPLES – PARTE I, aqui, e em 17 de agosto de 2006, AS COISAS SIMPLES – PARTE II, aqui. Alguns trechos, só pra refrescar a memória e pra construir o alicerce desta terceira parte. No primeiro texto, usei como mote o sufoco que foi encontrar pilhas pequenas para um radinho de pilhas que eu havia comprado:

“Os dois episódios nos tornam irmãos na nostalgia, nos tornam irmãos na saudade de uma forma de existência que vai desaparecendo, e explico mais, explico mais!

As coisas simples, como as casas com cadeiras na calçada e uma fachada escrito em cima que é um lar, estão sumindo, e sumindo mesmo.

Vejam.

Deixemos de lado o radinho de pilha, que ilustra bem essa angústia e essa busca desenfreada pelo simples e falemos de sorvete. Sorvete? É. Sorvete.

Fui ao supermercado na sexta-feira a pedido da Dani:

– Traz uma caixa de sorvete napolitano! – disse minha garota.

Reside na minha busca alucinada pelo sorvete napolitano – e também pelo de chocolate, que eu queria para mim – a morte das coisas simples também no setor das guloseimas (que é uma palavra em desuso, perfeita para o enredo de hoje).

Há nas prateleiras e nas geladeiras dos mercados uma aridez impressionante e angustiante de sorvetes simples: chocolate, flocos, creme, napolitano… São dificílimos de achar!

O que há, então?

Sorvete de côco com raspas de abóbora e lâminas de hortelã. Sorvete de pistache com gotas de chocolate meio-amargo. Sorvete de manga Tommy com patê de rúcula selvagem. E por aí vai.

Há um atropelo revoltante das coisas simples, das coisas primitivas que sempre nos bastaram. E há o surgimento de sorvetes – estamos falando de sorvetes – caríssimos em detrimentos dos baratos, mais gostosos, mas mais simples, e deve ser desse “mais simples” que as pessoas querem fugir em busca da adeqüação às regras sujas que o marketing impõe. As pessoas que querem estar na moda. Que querem estar in.

“Mais um exagero do Edu”, ouço daqui as críticas.

Pois dêem tempo ao tempo.”

Tomem nota: depois do radinho de pilha falei do sorvete (guardem essa informação). Vamos em frente. No segundo texto, tirei o Marcuse da prateleira e segui:

“O pernosticismo grassa numa velocidade assustadora, e explico.

Aqui na Tijuca o arroz acompanha o feijão. No Leblon o feijão é escoltado pelo arroz.

Aqui na Tijuca a gente serve massa com queijo ralado. No Leblon a massa vem salpicada com lascas de parmesão.

Evidentemente que não só no Leblon, mas o Leblon é o bairro de “Páginas da Vida”, obsessão dos apedeutas d´O GLOBO, e personifica esse status pernóstico que vem destruindo, aos poucos, a delícia das coisas mais simples.

Antes, ainda, de falar sobre os butecos, e dando um tom szegeriano ao Buteco, vamos a trechos retirados do livro “Tecnologia, Guerra e Fascismo – Coletânea de artigos de Herbert Marcuse”, editora UNESP. O que tem isso a ver?, ouço daqui a pergunta. Os trechos são auto-explicativos:

“A tecnologia (…) é (…) uma forma de organizar e perpetuar (…) as relações sociais, uma manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes, um instrumento de controle e dominação.

(…)

Para compreender toda sua importância, é necessário examinar rapidamente a racionalidade tradicional e os padrões de individualidade que estão se dissolvendo no presente estágio da era da máquina.

(…)

O indivíduo humano (…) apoiava valores que contradizem flagrantemente os que predominam na sociedade de hoje.

(…)

Todo protesto é insensato e o indivíduo que persiste em sua liberdade de ação seria considerado excêntrico.

(…)

A mecânica da submissão se propaga da ordem tecnológica para a ordem social; ela governa o desempenho não apenas nas fábricas e lojas, mas também nos escritórios, escolas, juntas legislativas e, finalmente, na esfera do descanso e lazer.”

Bem. Por isso eu sou considerado um excêntrico quando fico dando murro em ponto de faca gritando contra essas mentiras imundas que são os bares-mentira que a patuléia freqüenta deslumbrada acreditando estar, ó, no que há de melhor.”

Do que me chamam meus detratores senão de “chato”, de “excêntrico”, como por exemplo uma moça no TWITTER – a quem não conheço – que ontem me perguntou:

– Você não cansa não?

Não. Eu não canso. Mas voltemos ao texto de 2006:

“Os butecos autênticos, primitivos, originais, estão sumindo justamente por que vêm sendo destruídos pela força econômica das franquias (Belmonte, Devassa, Informal, Conversa Fiada, Manoel e Joaquim, Pirajá, Original dentre tantos outros) e, o que é pior, gente da melhor qualidade passa a achar natural, sem perceber que é manipulada pelo grande aparato (que tem no Jota, por exemplo, um propagador), beber caipirinha – só pra citar um exemplo – com um palito feito de cenoura crua enterrado no copo, coisa nojenta que acontece no Belmonte, foi a Fumaça que me contou. Daí eu preciso citar outro trecho de autoria do Marcuse:

“Mas o homem não sente esta perda da liberdade como o trabalho de uma força hostil e externa: ele renuncia à sua liberdade sob os ditames da própria razão. A questão é que, atualmente, o aparato ao qual o indivíduo deve ajustar-se e adaptar-se é tão racional que o protesto e a libertação individual parecem, além de inúteis, absolutamente irracionais. O sistema de vida criado pela indústria moderna é da mais alta eficácia, conveniência e eficiência. A razão, uma vez definida nestes termos, torna-se equivalente a uma atividade que perpetua este mundo. O comportamento racional se torna idêntico à factualidade que prega uma submissão razoável e assim garante um convívio pacífico com a ordem dominante.”

O que eu quero demonstrar, e peço perdão desde já pelo tom mais sério do que de costume – ou nem mais sério, mas mais formal – é que as pessoas, e há várias queridas minhas entre elas, não entendem a razão que me leva a não entrar, em nenhuma hipótese, num lixo desses como os que já citei, por uma questão de coerência, de protesto, de manifestar um não rotundo (ave, Brizola!) à imposição de comportamento que o aparato, incessantemente, imputa à sociedade.

É preciso estar atento e forte, permanentemente, para que nossas convicções mais arraigadas não sejam diluídas, aos poucos, ao ponto de passarmos a achar natural os troços mais artificiais e mentirosos.”

Eis que me comovo diante disso. Quatro anos se passaram e sou tido, por meus detratores, como mais “chato” que nunca, mais “excêntrico” que nunca, e isso apenas porque não me canso de dizer que NÃO ADMITO (e não admitir não significa falta de flexibilidade, significa apenas que não quero determinada coisa perto de mim) essa babaquice, essa viadagem, essa frescurada, essa histeria coletiva em torno do que nos desumaniza a todos. Vejam vocês.

Vou repetir: nunca fui ao restaurante de Roberta Sudbrack, a quem não conheço. Não posso, portanto, julgar sua comida, embora a única pessoa que conheço que já provou de sua comida, Luiz Carlos Fraga, tenha me dito que a coisa não é isso tudo o que dizem por aí. Mas é inegável que é uma moça de talento (cozinhando, ou não teria a projeção que tem, e se promovendo, ou não teria alcançado a projeção que tem). Daí a eu achar natural a histeria e a esquizofrenia em torno de sua comida vai uma distância aguda e absurda. Eu NÃO acho normal a dita cozinheira ficar mandando mensagens pelo celular para seus clientes dizendo coisas como “seus bombolonis já acordaram, pentearam o cabelo e estão a caminho da sua mesa”. Como não acho normal, diante do doce chegado à mesa, a cliente responder, também pelo telefone (!!!!!), “olha, se isso é a sobremesa eu não sei, eu só sei que estou no céu!!!”. Aí tem um que diz que chorou diante da codorna que lhe foi servida, outro escreve “morri” quando apresentado ao risotto, e a viadagem não cessa. Um compositor, um que cantava há pouco, cheio de orgulho, “eu não resisto aos botequins mais vagabundos” só se refere a ela como “fada”, o que é, convenhamos, de foder a paciência. Para que tudo soe coerente, analisem com frieza e vejam se o comportamento não se torna idêntico à factualidade que prega uma submissão razoável, garantindo assim um convívio pacífico com a ordem dominante. É tão evidente!

E pra encerrar.

Ontem fui apresentado ao blog de um sujeito que se denomina – tirem as crianças da sala! – O DJ DA LITERATURA. Antes, leiam BESTEIRAS OLÍMPICAS, aqui, que publiquei em 19 de março deste ano sobre a papagaiada em torno do lançamento de um livro de Paula Parisot.

Voltando ao DJ, que mantém o blog MIXLIT. Diz ele que “inspirado no trabalho de seleção e edição dos DJ´s que adicionam e cruzam instrumentos e músicas em uma única faixa, MIXLIT mistura diversos autores e estilos em surpreendentes e divertidos mash-up´s literários.”. Tem, o DJ, a pachorra de fazer o alerta no blog: “se você é ou representa algum dos autores remixados aqui e se incomodou com a utilização de trechos de seus textos, entre em contato conosco e logo retiraremos a passagem em questão.”. Que tal?

O troço – vão tomando nota – não tem limite. A patuléia nem percebe que vai sendo envolvida pelos tentáculos desse monstro que pretende destruir o que nos é mais caro, as coisas mais simples, as coisas mais verdadeiras, e fica todo mundo achando normal, como uma moçoila que, exaltando o DJ, disse que o escritor (?!?!?!?!?!) “está de parabéns com o novo projeto, MixLit. Simplesmente, ele faz mash-up´s literários, à moda dos DJs de Ibiza.”. Em apertada síntese, o sujeito chupa trechos de diversos autores, junta tudo conforme sua mente criativa (!!!!!) e é tratado, por aí, como gênio da raça.

Eu – confesso – não tenho NENHUMA paciência pra isso. Ontem, ainda assombrado diante do monitor enquanto lia sobre o troço, escrevi para um escritor de verdade pedindo sua opinião sobre a coisa (tenho essa mania sempre que fico me perguntando se estou a exagerar na minha repulsa). Mandei apenas o link do blog do DJ. A resposta foi um alento:

“Como você disse, é uma (…), inútil, de quem não sabe e nem tem o que escrever. Para onde vamos, ou, para onde eles vão? Abraço.”

É, de fato, uma alívio perceber que não estamos sozinhos, lutando como náufragos em meio a esse oceano poluído que tenta nos engolir.

“Food experience”, “sorbet” – essa gente não fala mais “sorvete” -, “soft opening”, “mash-up´s literários”… e assim caminho com humildade.

Até.

9 Comentários

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9 Respostas para “>AS COISAS SIMPLES – PARTE III

  1. >PQP ! Que legal, mas você esqueceu de citar mais uma vez o limão no mijador !Estão acabando com as coisas mais simples realmente. Procure achar um sorvete (sorbet??) de abacaxi sem hortelã ou um de goiaba sem gengibre. Impossível.Vão acabar até com o Jeca Tatú !AbraçoErnesto

  2. >Sorveteria Wesley na veia. Sorbet de cu é rôla!

  3. >Tô contigo nessa luta.Abs.Alex Carneiro

  4. >É isso aí, Edu! Vida longa às coisas simples e bonitas da vida! Não aos pernósticos e aos covardes! Bjs, Renata.

  5. >Diego, meus filhos vão à Wesley comigo todo verão para enchermos o "isoporzão", comprando no atacado!Edu, posso ser franco (e simples)? Eu também não agüento essa viadagem toda. O que me incomoda é a necessidade (com a ênfase sze…) de divulgação dessa viadagem.

  6. >EDU !!!Mas um na luta!!! Os botecos não morrerão !! Chegará o dia que o Leblon terá que vir a zona norte para beber uma cerveja de garrafa, e rebater com um caldinho de mocotó !!

  7. >Que maravilha, Wander! Também faço lote no verão. Nos churrarscos sempre tem, de sobremesa, banana na brasa com o sorvete de creme da Wesley, que bota o da Kibon no bolso.Abração!

  8. >Vc está muito longe de estar sozinho, querido.beijo

  9. >Sorvete de creme com banana no churrasco é muito bom, mesmo. Outro dia sentei pra almoçar em um Planalto em Bonsucesso e achei banana split, poxa fiquei numa felicidade tão grande que almocei a sobremesa. O comportamento também tem que ser simples, entre deixar meus filhos ficarem no MSN e partir pra Paquetá eu sempre escolho a segunda opção, vou a praia e no retorno o banho das crianças é de mangueira no quintal, Quinta da Boa Vista também é outro point da minha familia e por aí vai…O problema é que tem uma galera que cisma em dizer que tudo que é divertido é farofa.Abração!

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