UMA SAUDADE E UMA ESPERANÇA

Eu não achei, franca e sinceramente, que fosse viver o que vivo hoje, o que vivemos hoje no Brasil. Desde meninote, à minha moda, interessei-me por política. Em 1982, com apenas 12, 13 anos de idade, fascinei-me, na exata acepção que a palavra fascínio tem pra um menino, com a figura de Leonel de Moura Brizola. Dentro de casa, entre os leques das mais-velhas, maços de Hollywood da minha avó e de Minister do meu avô, tios e tias que hoje são só saudade, eu já era olhado com certa dó: “Brizola é o demônio, meu filho!”“Um agitador!”, era sempre por aí o que eu ouvia daqueles lacerdistas, admiradores da Sandra Cavalcante. Mas eu brilhava os olhos quando via e ouvia o Brizola falar. Escapava pra Cinelândia, escondido, pra juntar-me aos que me diziam mais à alma quando o assunto era política: velhos e velhas de lenço vermelho no pescoço, a Juventude do PDT à qual não me filiei por medo, sim, por medo, e eu voltava pra casa sempre ainda mais admirado com aquele homem que começou a campanha com 1% e a venceu contra tudo e contra todos, inclusive o golpe da Proconsult que Moreira Franco (esse mesmo que hoje agita o golpe) e Roberto Marinho tentaram implementar para tirar a vitória colossal de Brizola (entenda aqui o que fizeram com Brizola em 1982).

Engajei-me a fundo na campanha para a eleição de Darcy Ribeiro, que Brizola tentou fazer sucessor. Fomos derrotados.

Ingressei na Faculdade de Direito em 1987 e vivi, na PUC-RJ, período riquíssimo: a Constituição Federal estava sendo gestada, meus professores eram todos de esquerda, e vivi, no ambiente universitário, a primeira eleição direta para Presidente do Brasil desde a ditadura, que iniciou-se em 1964. Eu era, meus poucos mais fiéis leitores, o único eleitor do Brizola da turma, que se dividia entre Lula e (pasmem) Roberto Freire – havia, claro, eleitores de direita mas que eram minoria. E apenas um de meus professores, o hoje Juiz Federal Firly Nascimento (e então Defensor Público), também era eleitor do velho Brizola.

Em 1989 dei meu primeiro voto pra valer nele, Leonel de moura Brizola. Perdemos por pouco.

E a tristeza também durou pouco: elegi Brizola Governador do Rio de Janeiro em 1990, Estado que o elegeu, consagradamente, duas vezes!

Em 92, durante o processo de impeachment de Fernando Collor, não juntei-me aos cara-pintadas: ouvi a voz do mais sábio que alertava: “A nossa posição… quando eu digo minha, eu digo nossa, porque nós elaboramos uma posição partidária. Até aqui, cada um de nós emite as suas opiniões, somos um partido democrático; eu, como mais velho, emito as minhas, mas elaboramos a nossa posição. Nós tratamos de condenar certas atitudes, certos procedimentos, porque entendemos que um clima de histeria é inconveniente para as próprias investigações, para se fazer justiça. Nós já vimos episódios semelhantes, nunca deram bons resultados. Condenamos esses excessos, às vezes a falta de isenção e principalmente os que procuravam colocar a carreta diante dos bois, [aqueles que] antes de investigar, antes de conhecer exaustivamente os fatos, recomendavam logo o impeachment, inclusive fazendo vistas grossas para as outras áreas de corrupção gravíssimas que existem no país e que no fundo estão disputando a sua continuidade no poder ou a sua ida para o poder.”

Em 1994, fiz campanha ainda mais apaixonado: o vice de Brizola era Darcy Ribeiro, e até hoje me emociono só de pensar na possibilidade que deixamos de viver, tendo Brizola como Presidente e Darcy como vice.

Em 1998 também votei em Brizola, mas como vice de Lula – embora pensasse, na época, que deveria ser o contrário. Mas foi só mais um gesto de grandeza desse que foi o maior homem público que o Brasil conheceu.

Em 16 de setembro de 2000 fiz um troço que me fez aproximar-me verdadeiramente do saudoso Brizola. Na cara da Rede Globo, na tela da Rede Globo, durante campanha para a Prefeitura do Rio de Janeiro gritei seu nome, ao vivo, para desespero do Roberto Talma, que dirigia o programa (aqui conto tudo).

Se não posso dizer que desfrutamos de intenso convívio ou mesmo de amizade, encho o peito de orgulho porque estivemos juntos muitas vezes (sempre a convite dele) e em todas as vezes – todas! – em algum momento ele me chamava à uma roda de amigos e correligionários. E dizia:

– Eduardo! Conte aquele teu episódio colossal na Rede Globo!

A foto abaixo foi tirada na casa do Martinho da Vila, nosso último encontro. Éramos poucos: eu, minha mulher à época, Martinho da Vila e Cléo, Martnália e Analimar, Paulinho da Aba, Beth Carvalho, Lupi, Brizola e seus dois netos, Leonel Brizola e Brizola Neto, o Carlito. Martinho e Cléo ofereceram um jantar ao Brizola porque o sonho da Cléo, gaúcha como ele, era não apenas conhecer Brizola, mas vê-lo assinar a Carta Testamento de Getúlio Vargas que ela pretendia emoldurar e pôr na parede. Foi uma noite de nunca mais esquecer.

Made with Repix (http://repix.it)

Brizola estava à vontade. Comeu (serviu-se picanha), bebeu vinho, cantou quando formou-se a roda de samba (a memória me trai e não me recordo dos demais músicos, além do Paulinho da Aba), contou histórias impressionantes, falou do suicídio de Getúlio Vargas, sobre a Cadeia da Legalidade, de suas campanhas, de sua infância, marejou os olhos quando falou dos CIEPs… e pediu pra cantar quando estava indo embora, alta madrugada:

“Felicidade, vou me embora e a saudade no meu peito ainda mora e é por isso que eu gosto lá de fora onde sei que a falsidade não vigora…”

Não houve quem não chorasse.

Como choro agora – faço a confissão.

Sinto muita saudade do meu eterno e saudoso Governador Leonel de Moura Brizola nesse momento sombrio que atravessamos.

E muita esperança.

De mãos dadas com a mulher com quem divido mais que a vida – sonhos, projetos, um futuro – espero o domingo com esse travo no peito.

Até.

7 Comentários

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7 Respostas para “UMA SAUDADE E UMA ESPERANÇA

  1. Gustavo

    Grande Edu!Adoro seus textos e sua combatividade no twitter. Quanto ao governador foi o maior homem público que o Brasil já teve com um carisma e pragmatismo único.

    Valeu!!!

  2. espetacular, meu companheiro.
    neste sinistro momento da nação, brizola seria imprescindível.
    e a sua memória dessa história, nesta hora, ajuda a acafofar a alma.
    até domingo!

  3. Alexandre Campana

    Brizola-Darcy 1994
    Lula-Brizola 1998
    2016? Temer-Cunha…
    Evolução da humanidade?
    Lamentável.

  4. Sérgio Nogueira

    Pasmem mesmo. Votei e fiz campanha para o Freire. Assisti o último comício de Freire em Belo Horizonte, logo após, um pouco do de Brizola e um pouco do de Lula. Fiquei sabendo que o Afif não conseguiu fazer o seu em Ouro Preto, por causa dos estudantes. Pena, fui enganado pelo Freire.

  5. Faço 31 anos esse mês. Brizola e Lula foram os maiores políticos nacionais que vi. Como Brizola faz falta!

  6. Fábio Santana

    Cara, seus votos foram exatamente os meus votos! É impressionante, mas já li e reli esse texto teu e ainda não perdi a capacidade de me emocionar! Muito grato!

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