Ontem eu comecei a lhes contar sobre minha última consulta com meu médico homeopata (aqui) mas estendi-me demais e acabei por não chegar à consulta propriamente dita (que acabou não acontecendo, diga-se). Eu estava, então, na recepção do humilde consultório (que me faz lembrar uma pequena manjedoura) cercado de fantasmas (ou de espíritos, como preferiria meu médico, kardecista de quatro costados), quando me chamou, o bom Luiz.
O Luiz, sucessor do doutor Lauro na tarefa de cuidar da saúde dos Goldenberg, abriu-me efusivo os braços e disse-me, antes mesmo de eu me sentar:
– Sabe quem esteve aqui na semana passada?
– Quem?
– Seu pai! – e deu de gargalhar.
Explico a gargalhada: meu pai sofre de uma espécie de gripe crônica que de gripe não tem nada (é o que desconfio). Meu pai tem é saudade do doutor Lauro e uma vontade súbita, que se repete a cada 10, 15 dias, de ir até o Andaraí para uma consulta de rotina com o doutor Luiz, aplacando, assim, dessa forma, a saudade do santo homem que deixou saudade. Prosseguiu o Luiz:
– De novo com uma gripezinha! – riu ainda mais.
Eu, indisposto, esperando o momento de dar início ao relato de meus sintomas.
Ele parou de rir, concentrou-se, postou as duas mãos sobre a mesa (num gestual idêntico ao do pai) e disse:
– E na semana retrasada? Sabe quem consultou-se comigo?
– Meu pai de novo?!
– Não. Seu irmão! – e explodiu numa gargalhada acompanhada por socos de leve no tampo da mesa.
Eu, indisposto, seguia agônico aguardando o momento de começar minha palestra.
Ele tornou a se aprumar e perguntou, sério:
– Quantos anos, Eduardo?
Quando eu disse quarenta e cinco ele deu um salto:
– Já?! Então quando fui a sua casa pela primeira vez, você tinha dias de nascido, fui com papai para lhe fazer uma visita, eu ainda estava estudando! E ainda estava solteiro! – e deu de rir.
Quando ensaiei engatar na consulta, nova interrupção. Luiz aproximou seu rosto do meu, dobrou o corpo sobre a mesa, pôs sua mão direita sobre minha mão esquerda e disse com os olhos saltados para fora da órbita do globo:
– E sabe do que eu não me esqueço?
Tive medo e não disse nada.
– Da sua cerimônia de circuncisão. Lembro-me até hoje, Eduardo, do rabino arrancando seu prepúcio com a unha… – fechou os olhos, fez expressão de dor.
Pela – o quê?! – centésima vez eu ouvia esse abominável relato.
Ele prosseguiu:
– Lembro-me de tudo. Na primeira parte da cerimônia, feita no seu oitavo dia de vida, como manda a Torah, o riturch, você foi colocado numa almofada que estava sob o colo do seu pai. O rabino removeu sua roupinha, parece que dada de presente pela sua avó Elisa, e pediu que seu pai segurasse suas pernas. Então, Eduardo, ele segurou seu prepúcio entre o indicador e o polegar, lembro-me como se fosse hoje!, fiquei impressionadíssimo!, e com uma faca o arrancou! Depois começou a periá, a segunda parte da cerimônia. O rabino manteve a unha ali, na glande, sabe?
Eu já estava quase desmaiando, ele nunca fora tão detalhista. Seguiu:
– Com a unha, terminou de arrancá-lo. E finalmente começou a última parte da festa, a metzitzá, ou seja, a cicatrização feita com vinho sagrado para os judeus. Depois ele mesmo fez o curativo, pôs gaze, vestiu sua fralda e você ficou assim, como manda a tradição, por mais três dias. Nunca me esqueci disso. Nunca!
E riu de perder o fôlego.
Seguiu:
– Antes de falarmos sobre você… e a dona Mathilde, hein?! Que saudade…
Falava de minha avó, mãe de mamãe, que foi oló em dezembro de 2010 e que eu encontrara, minutos antes, na recepção.
– Pois é… saudade dela… – e ele me interrompeu.
– Uma grande mulher, a sua avó! Mãe dedicada, esposa e companheira, uma avó amorosa, uma amiga de todas as horas…
Comecei a chorar e não sentia mais nenhum mal-estar.
– Papai gostava muito de sua avó…
Manteve os olhos distantes, tornou a se aprumar e disse:
– E então? O que há contigo?
Continuei chorando. Estendi a mão a ele, tomei a direção da recepção, paguei a consulta, ganhei a rua, passei pela farmácia homeopática secular ao lado do consultório (todos os meus fantasmas estavam ali, debruçados sobre os pesados balcões de madeira) e fui a pé pra casa, onde cheguei completamente bom.
Cheio de uma saudade que não passa.
Até.
Ah Edu, até eu estou chorando… concordo com ele, Matilde era muito especial. Querido amigo, me mande o endereço desse homeopata, ando precisando de um Médico pra chorar também e ficar boa, juro ! Beijo carinhoso, Verinha Mello
sr. eduardo,
certamente vc é – trata-se de um fato, e não de um juízo de valor – um dos melhores contadores de história do brasil-sil-sil.
saudações deste lado esquerdo do peito,
rg
Oi, Edu!!
Estou fazendo sua receita de pernil de cordeiro, que está na geladeira com alho e alecrim para ser assado amanhã.
Na hora de colocar o sal amanhã, eu tiro o alho e o alecrim ou coloco por cima do alho e do alecrim?
Obrigada!!!