Quando escrevi o texto que publiquei anteontem, lhes contei:
“(…) e fechando a semana de beleza intensa, outra notícia de me-derrubar: Luiz Antonio Simas e Candinha, pais do pequeno Benjamin, deram-me a incumbência de apadrinhar o moleque, o que me fez chorar quase o dia inteiro ontem. Eu não tenho mais, disse isso a eles, a coisa mais bonita que eu sempre pude oferecer aos meus afilhados, que é a dinda… Mas serei, lá vai mais uma certeza, o melhor padrinho do mundo pro garoto. A vocês, meus irmãos Simas e Candinha, minha gratidão, meu respeito e minha emoção mais pura.”
E talvez não tenha sido preciso do início ao fim pela primeira vez – explico.
A incumbência que me foi dada – a de ser padrinho do moleque – tem uma peculiaridade que ainda não lhes contei: eu serei, segundo me foi dito, o padrinho de rua do garoto, ou, como também me disse o pai, seu padrinho de carioquismo – e ambos os títulos me comovem sobremaneira. A cerimônia de batismo, absolutamente ecumênica e carioca, sincrética e simples, será no Aconchego Carioca, quintal de tantas domingueiras – na Tijuca, é claro.
Mal sabem os pais, entretanto – ou sabem… e é claro que sabem, eles que são dois craques, sensíveis da sola dos chinelos à raiz dos cabelos (no caso do pai, dos poucos que lhe restam…) – que esse presente que acabam de me dar, que é a honra de apadrinhar o menino, me chega num momento em que vivo absolutamente só e sem nada – é como me sinto. Quase seis meses depois do desaparecimento da Dani ainda não (re)aprendi a viver.
E é assim, eis a confissão que quero lhes fazer nessa manhã de Natal, eis a confissão que faço a Candinha e a Luiz Antonio Simas, que recebo o pequeno Benjamin: com a alma renovada pela gargalhada do menino, com a mesma disposição que ele tem, aos nove meses, de, engatinhando, engatilhar as pernas e os joelhos em busca do primeiro passo. Benjamin, filho de Exu, por Exu protegido – foi o que disse o Ifá – há de ter, no padrinho de rua, filho de Ogum como seu pai, um padrinho dedicado que, de certa forma, nasce e cresce junto com ele.
Como se não bastasse seu pai, um brasileiro máximo, um carioca apaixonado por São Sebastião do Rio de Janeiro, como se não bastasse a mãe, a candura e a dedicação em pessoa, Benjamin terá do dindo o que, sei, seus pais esperam. No que depender de mim, Benjamin saberá, desde tenra idade, que tenra também é nossa terra e tenro também é nosso chão. Saberá respeitar os mais-velhos, os cabeça-branca, saberá que nascemos e vivemos numa cidade e num país moldados pelas mãos calejadas de tanto bater tambor, de tanto cortar cana-de-açúcar, numa cidade que guarda nas pedras pisadas do cais o monumento de nossa alma tantas vezes fustigada e lanhada pelo chicote do feitor. Benjamin caminhará pelas ruas como quem samba, bordejará como um choro do Pixinguinha, saberá driblar as agruras da vida como nos ensinou, a todos, o Anjo das Pernas Tortas. Benjamin, filho de Exu e por ele protegido, reconhecerá em mim o irmão de fé de seu próprio pai, e eu serei, como me ensinaram os mais-velhos, o padrinho (o pai-pequeno) que ele sonhou antes de voltar à Terra. Benjamin há de saber quem foi o Velho Lua, há de se orgulhar de ser bisneto de Luiz Grosso a quem nem eu mesmo conheci, mas a quem reconheci, desde o primeiro encontro, nos olhos claros de seu pai de sangue. Benjamin há de saber do jongo, do candomblé, da umbanda, da macumba e do xambá, e há de sorrir – eu sei que ele vai sorrir! – quando der de frente com o São Jorge, com o Ogum que guarda minha casa e que guardou, durante muitos anos, o congá de sua bisavó, nos terreiros de encantaria que foram o quintal de seu pai. Há de respeitar, o menino Benjamin, as árvores e os rios, a pedrinha miudinha, o tempo quieto e as mais violentas ventanias. Benjamin há, no que depender de mim, de louvar, permanentemente, nossa ancestralidade, os orixás e os encantados.
Benjamin, que já hoje vive mais à vontade na rua do que em casa, há de respeitar as esquinas e gostar de futebol. Há de, como seu pai Exu, entender que o branco e o preto, que a dor e a alegria, que a claridade e o breu, são tênues diferenças que só os mais sabidos compreendem.
Benjamin há de saber da Dani, minha menina, ela também comadre de seus pais, e vai entender que muito do que vai em mim foi por ela plantado e é por ela, pela saudade que ela deixou, mantido. Há de entender, o homem Benjamin, que as mulheres são tudo e que não somos nada…
Há de ser, como são seus pais, um brasileiro máximo. E cresceremos muito, e cresceremos juntos, e seremos, também, irmãos de fé.
De novo, mais uma vez, minha mais profunda gratidão a Candinha e a Luiz Antonio Simas. Vocês, meus amados irmãos, me salvam.
Até.
Conforme avançava na leitura deste post, meu coração palpitou de forma crescente, uma emoção profunda. Belas palavras para descrever a beleza que é apadrinhar um pequeno ser. Um grande abraço do Dyó! Saravá!!!
Sei bem como é isso, caboclo: coração acelerado e emoção profunda. Foi o que senti ao receber a notícia, ao escrever este texto e é o que sentirei durante o convívio com ele. Abração.
Parabéns a você, Edu, pela confiança depositada pelos pais; à Candinha e ao Simas pela escolha e, sobretudo, ao Benjamin, sortudo pelos pais e padrinho que tem.
Abração.
Valeu, Dudu! Sorte, malandro, foi a minha!
Padrinho de rua é o padrinho de verdade. Espero ser convidado para a cerimônia. E desde já sugiro a benção com cerveja.
Isso aí, Janir. Muito me honra, o cargo. E você não precisa “esperar” nada, pô. Irmão do pai, tio do moleque… sua presença é obrigatória. E com o José!
O blog hoje e sempre repleto da tua saudade, dos teus amores e da tua facilidade absurda de usar as palavras e emocionar … Feliz Natal pra ti, Simas, Candinha e ao tão querido Benjamim !
Obrigado, obrigado, obrigado!
Parabéns, Edu. Pelo convite de Simas e Candinha e pelo lindo texto, que já há de orgulhar o moleque
Obrigado, Moutinho. Serei – sei que serei! – também motivo de orgulho do moleque!
Laroiê, Elegbara! Mojubá, agô. A foto de mestre cuca indica que, assim como o dindo de rua, Benjamin Exufemy (esse é o nome que Bará deu ao moleque) será um cozinheiro de mão cheia – e aprenderá a fazer, para o pai, o risoto de camarão mais saboroso da cidade. E viva a festa, da forma que a dinda Dani, que banhou o moleque e sorriu pra ele, achava que devia ser.
Beijo
É pra eu morrer, né, Simão?! Salve! Saravá!
Parabéns, Edu!
Meus parabéns aos pais.
Aproveitem a fase. O tempo voa.
Que bela foto. O guri ficou uma figura de mestre cuca!
Sds.,
Roberto Fraga Jr
Muito lindo, Edu! Parabéns pelo afilhado e pelo belíssimo texto!
Maria Helena
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