Feito o intróito, vamos ao que quero lhes dizer: eu tinha verdadeiro fascínio pela rotina do seu Mário, um carcamano torcedor do Fluminense. Ele ocupava, naquela vila (e vilas são pequenas cidades), uma posição importante, quase que de patriarca da molecada. Além disso, provia a casa de meus avós de toda a sorte de revistas, semana após semana. Voltava, à noitinha, chegando da banca de jornal que mantinha na Conde de Bonfim, trazendo jornais e revistas – e para a molecada, sempre, toda a sorte de revistas de sacanagem (que naquela época mostravam um pedaço do peito, um pedaço da bunda e olhe lá!). E mais fascínio, ainda, eu tinha pelo táxi. Um TL, sempre tinindo, e o taxímetro – hoje vendido a peso de ouro nas feiras de antigüidades – Capelinha no painel.
Diversas vezes o seu Mário deixou a garotada – eu, inclusive – atravessar a vila dirigindo seu táxi. Ele ficava no banco do carona e dava a marcha-ré para que outro, e depois outro, e depois outro, experimentasse o prazer de dirigir.
– Quando eu era da idade de vocês eu queria ser caminhoneiro…
Vá entender – me permitam fazer a blague – essa obsessão rodoviária da família!
Eis então que domingo, depois de amanhã, mais de 30 anos depois, realizarei, ainda que por um dia, o velho sonho da infância. Graças ao Junior, o melhor, mais competente e prestativo motorista de táxi do mundo, queridíssimo meu, estarei a bordo de um Zafira, rasgando a cidade à espera de mãos e braços aflitos em busca de condução.
Mas o tempo se dobra, meus poucos mas fiéis leitores. Embarco nessa, a bem da verdade, não em busca de mãos e braços aflitos à espera de uma condução.
Sentar-me-ei no táxi – e antevejo uma cena de novela mexicana… – vinho (a tal pátina do tempo, como nos ensinou Blanc, transformará o amarelo em vinho) em busca do menino de calças curtas e camisas listradas, do Capelinha no painel no lugar dos taxímetros de hoje, em busca de meus avós, de minha bisavó, do seu Mário, da minha infância, repositório imortal e permanente de meus afetos duradouros e perenes.
Até.
>Finalmente, um taxista comunista neste mundo! Amém!Beijos mil.
>Meu bisavô Moreira, português atarracado, daqueles que emendavam as orelhas no pescoço, foi burro-sem-rabo e chegou a ter um táxi. Meu avô Moreira, brasileiro, carioca, suburbano, filho desse português com uma basca de Bilbao, também foi taxista, ou melhor, chofer de carro de aluguel, como ele dizia. Meu pai foi taxista por 12 anos, rodando só pela noite. Acho que um dia terei um táxi também, só pra seguir com a sina familiar.Abraço!
>Edu, vc tem realmente o dom da palavra. Parabéns pelo texto e a memória compartilhada. grande abraço mineiro
>então? como foi? ACarlos
>vai escrever bem assim lá no buteco do Edu! linda história, Edu.abração,Bruno.
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