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De lá pra cá estreitaram-se meus laços com a Railídia, e é sobre ela – daqui pra frente – que quero falar.
A Rai é uma mulher amazônica, brasileira do mais alto fio de cabelo à sola dos pés ainda molhados pelas águas dos rios e igarapés que ajudaram a moldar sua alma sensível e gigantesca. Pois no sábado, meus poucos mas fiéis leitores, estava eu fumando meu cigarro do lado de fora do Ó DO BOROGODÓ quando minha comadre desceu do carro e aproximou-se de mim, majestosa e iluminada.
Estava pra começar a roda de samba dos Inimigos do Batente. Linda, vestida de flores e com uma flor vermelha nos cabelos, deu-me um abraço que foi a senha para o que estava por vir. A Rai estava – e o troço dá-se a cada sábado, mais forte nesse dia em que a roda louvava o Dia da Consciência Negra – possuída.
Cantou descalça, pôs a foto de seus ancestrais na mesa – seu avô João Valente presente! -, cantou e encantou como uma encantada, chamou quem devia com a autoridade que só quem detêm poder pode chamar, cantou sorrindo, cantou chorando, e derramou sobre nós um axé que só quem esteve lá sentiu.
Na manhã de domingo, de papo com uns amigos, veio à tona o assunto: a imprensa brasileira, meia-boca que só ela, vira-e-mexe adula umas cantoras dessalgadas que são, nas manchetes produzidas pelo jabá e pelos releases, “novas deusas da Lapa”, “reivenções das raízes do samba”, “repaginações das tradições” e outras besteiras do gênero. Há muito que eu não vejo uma cantora com a carga que a Railídia carrega dentro dela.
Há muito que eu não vejo uma cantora com o domínio de repertório que a Railídia tem. É samba, é coco, é toada, é congada, é partido-alto, é chula, é ponto de macumba, é maracatu, ijexá, afoxé, batuque, caxambu, bumba-meu-boi, forró, xaxado e xote, maculelê, carimbó, é Brasil em sua máxima expressão.
Eu tenho um orgulho danado, desmedido, de ser amigo dessa mulher. De ser compadre dessa mulher. De tê-la no coração e de me saber guardado ali, naquele coração imenso e denso como as florestas do seu Pará.
>Afe, que texto lindo. E lindamente verdadeiro.
>A Railídia é mesmo um fenômeno, precisa se tornar conhecida, aplaudida e reverenciada para o bem da música brasileira. Apesar do aperto, foi um sábado inspirado, como sempre.
>Cada vez mais pessoas lúcidas e sensíveis para reafirmar o que eu fui o primeiro a dizer, e sigo dizendo em todos esses anos: Railídia é uma grande cantora! Uma grande artista, sobretudo! E uma grande brasileira!Não vive nem nunca viverá da mídia servil, mípoe, anti-popular e anti-brasileira. Não precisa dos descolados e dos baba-ovos, com suas panelinhas onanistas.Precisa, tão somente, do seu povo e de suas coisas. Do povo do Brasil.