Meu apelo público (leiam aqui) surtiu efeito. Anteontem, domingo, marcamos às oito da noite na pizzaria O Forno Rio, que fica numa belíssima casa na esquina da Doutor Satamini com a Domício da Gama. Marcamos e marcamos com pompa e circunstância: dona Mathilde, minha amada avó, do alto de seus 84 anos, entre os presentes, assim como meu sogro, o Comandante.
Chegamos e subimos ao segundo andar da pizzaria, a menina dos olhos do dono da casa. É você chegar lá e ouvir os apelos, ainda na calçada:
– Vamos ao segundo andar! Temos TV de plasma, ar-condicionado, adega climatizada, os pedidos são feitos através de palmtop, vamos?
Isso, para o tijucano, é sedutor. E vamos ao que eu vi.
Assim que chegamos ao segundo andar, um casal de noivos posava para fotografias. Chegamos no final da sessão de fotos, mas pude ver a última: os pombinhos de mãos dadas tendo entre eles a adega climatizada da casa, aberta! Foi espocar o flash e a clientela que lotava a pizzaria explodiu em aplausos e assobios histéricos.
Sentamos.
Ao nosso lado, uma mesa com doze pessoas. À cabeceira dessa mesa, uma senhora com aproximadamente 70 anos vestindo um casaco de pele, pesadíssimo, cinza escuro, gritava para a garçonete:
– Filha! Aumenta o ar-condicionado! Quero sentir mais frio! Quero me sentir em Roma no inverno!
Chega-se o garçom à nossa mesa. Faz a pergunta:
– Aceitam o couvert?
As cabeças, todas, fizeram que sim.
– Querem ver nossa carta de vinhos?
Meu sogro interveio:
– Não precisa, não precisa… Traga o mais caro!
Minha avó tremia de frio. As janelas do ambiente, embaçadíssimas. Chovia do lado de fora. Ela chamou a garçonete, que passava:
– Filha, você pode dimunuir a temperatura do ar-condicionado?
– Ih, minha senhora, não tenho como… Aquela mesa condicionou a presença à manutenção do ar-condicionado no mínimo…
– Não tem problema, minha filha, eu trouxe meu xale.
E puxou o xale da bolsa, tornando o ambiente mais europeu que nunca.
Chega-se o garçom à mesa com a garrafa de vinho. Fez que iria a cortar a cápsula, quando meu sogro perguntou:
– Quanto custa essa garrafa?
– Trezentos e oitenta reais, senhor.
– Mas que roubo! Que roubo! No Mundial está por quarenta e cinco reais!
E meu pai:
– Chamem o gerente!!A mesa ao lado, mesa de cinco, deu força:
– Ladrões! Ladrões! Estão embutindo o aluguel da TV de plasma e da adega climatizada no preço dos vinhos! – disse o cabeça-branca da mesa.
O gerente veio, desfez o mal-entendido (meu sogro confundira os rótulos), e o Comandante fez questão de confirmar:
– Mas é o mais caro da casa? – falava altíssimo para que toda a assistência ouvisse.
– É, senhor.
– Então abra! Abra duas! Abra duas!
O Comandante puxou sua câmera digital do bolso da calça e pediu ao Fefê que o fotografasse abraçado a uma das garrafas de vinho. A Lina, minha queridíssima cunhada, habituada a ambientes mais requintados, balançava permanentemente a cabeça, de leve, em sinal de desaprovação, em direção à minha mãe – que com ela concordava. Disse-me mamãe:
– Isso aqui, hoje, está demais, hein!
Eu, fanático:
– A Tijuca é assim, mamãe… somos feitos disso!
E ela, espírita, fazendo o católico sinal da cruz:
– Eu, não!Meu pai, que tem mania de temperatura, tirou de sua pochete um termômetro e gritou, contentíssimo:
– Treze graus! Treze graus!
A velha com casaco de pele:
– Treze?
Meu pai, virando o termômetro em sua direção:
– Treze ponto um!
A velhota, chamando a garçonete:
– Dê gás no ar-condicionado! Está quente, está calor!
Vovó, baixinho, pra mim:
– Que falta de touchè, né, Dudu?
Na TV de plasma, em alto volume, um desses DVD´s da série Casa de Samba. Estava impossível conversar. Fefê, que vem adquirindo, é evidente, noções de comportamento com a Lina, gargalhou e disse:
– Música ideal para um restaurante…
Meu pai chamou o gerente (uma de suas atividades preferidas):
– Tem outro DVD?
– O senhor que ver nossa carta de DVD´s? Nós temos carta de DVD´s!!!
– Não precisa, coloque um que não seja tão barulhento, não estamos conseguindo conversar!
– Tom & Jerry? O da loura pianista?
– Loura pianista?
– Daiana Cról! Faz o maior sucesso com os fregueses! Vou pôr!
E pôs.
A velhota, gritando em direção a meu pai:
– Quantos graus?
Papai, orgulhoso, pôs os óculos, olhou para o termômetro de madeira e gritou efusivo:
– Doze! Ou melhor, onze ponto oito!
A velha levantou num pulo e pediu pra ser fotografada ao lado do termômetro.
Nossas pizzas chegaram. Pizza da bacalhau, pizza de muzzarela, pizza de calabresa de javali, pizza vegeteriana, a segunda garrafa de vinho foi aberta e ficamos ali de papo até que papai pediu a conta.
A garçonete, visivelmente exibindo o equipamento, deu de apertar a telinha do palmtop e disse:
– Já enviei os dados para processamento no primeiro andar, no setor de faturas, e já, já, a conta dos senhores chega!
Cinco minutos depois, meu pai impaciente:
– Chame o gerente, filha! Cadê a conta?!
A velhota do casaco de pele, já íntima, veio à nossa mesa e, dando tapinhas no ombro do meu pai, perguntou:
– Quanto? Quanto?
O Comandante:
– Pedimos os vinhos mais caros! Vai passar de mil reais!
A velha:
– Não! A temperatura!
Papai:
– Onze ponto oito.
– Ainda?
– Arrã.
– A Tijuca é um problema… Custa investir num equipamento mais potente! Estou com calor, estou com calor!
Veio a conta.
Rigorosamente errada. Os vinhos não foram cobrados, pizzas que não pedimos constavam da conta, havia sobremesas que jamais pedimos, e papai:
– Cadê o gerente! Pô! Cadê o gerente!
Voltou o gerente à mesa, acertou-se tudo, meu velho pai pagou a conta inteira, não admitiu dividir nada, despedimo-nos da assistência – ah, a intimidade que a Tijuca cria… – meu sogro pediu pra guardar a conta de lembrança – “Quero mostrar pra turma lá de Volta Redonda quanto eu paguei por esse vinho…” – e vivemos, assim, uma noite tijucana em estado bruto.
Até.
>KKKKKK perfeito Edu, perfeito, imagino a cena.
>Pois é, Monica, você é relativamente nova aqui no balcão do BUTECO, e talvez não saiba que uma das máximas que me acompanha é essa: sou preciso do início ao fim. O troço deu-se rigorosamente desse jeito.
>Sensacional!
>Grande Edu Goldenberg! Estou aqui, 07 andares acima da cabeça do seu irmão Szegeri e aproveitei para matar as saudades do blog. Essa sua narrativa da pizzaria me remete aos encontros da minha italiana famiglia, cada um com seu tique, com seu fraco e seu forte, fazendo do conjunto uma divertidissima algazarra. Amei! Beijão pra você e para o Sorriso Maracanã.
>Obrigado, Jonas!Obrigadíssimo, Lu! Seja bem chegada de volta ao balcão! Beijo pra você.
>Beleza de noite, Edu! Daquelas que não se precisa falar nada, só notar.Forte abraço,Daniel A.
>Simples e, ao mesmo tempo, requintado. Maravilha Edu. Pudera eu ter vivenciado isto. Abraço!!!
>O texto estah comico sem deixar de ser completamente verossimil. Otimo!!!!
>Olá Edu, desculpa a intimidade, mas como tijucano e frequentador de butecos daqui e de outros cantos, após a leitura de diversos textos de seu blog já me sinto familiarizado…rsSensacional!!! Nâo somente esse texto, mas o blog de forma geral e sua proposta.Abraços.
>OLá Edu,desculpe-me a intimidade, mas como tijucano e frequentador de botecos daqui e de outros cantos,logo senti-me familiarizado…rsSensacional! Não somente esse post, mas o blog de forma geral e sua proposta.Abraços,Souza
>Beleeeeeza! Mijei de rir. abração!
>Daniel A.: foi, de fato, uma noite inesquecível. Abraço.Rodrigo: saia mais, rapaz. Saia mais e preste mais atenção à sua volta. Eu calculo que isso aconteça algumas dezenas de vezes a cada noite pelos restaurantes da Tijuca… Abraço.Betinha: querida, quando leio seus comentário aqui só me ocorre dizer que sinto uma saudade sua indizível, inexpremível e incomensurável. Não vou repetir “aquilo” para não aborrecer meu amado Xerife! Beijo em vocês. Ou melhor… amo vocês!!!Romulo e Souza: quem são vocês?!Zé Sergio: saudade, safado! Seja bem chegado de volta. Beijo.
>Na verdade Romulo e Souza são a mesma pessoa, EU um novo admirador de seus textos. Não havia percebido, até mandar o segundo comentário, que os mesmos precisavam de aceitação.Só assinei diferente.Romulo Souza.
>Seja bem chegado, Romulo Souza! Achei graça dos comentários idênticos, com intervalo de dois minutos, assinados por nomes diferentes! Um abraço.
>Realmente este texto sobrou, muito bom. Concordo lá com o Rômulo da proposta do blog, Parabéns.
>No domingo à noite estava com minha esposa e meu filho no RB e vi quando vc passou por lá e buscou seu pai. Imaginei que estivesse realmente indo à pizzaria pois foi tema de seu post da semana passada. Que noite, hein !?ass. Tande Biar
>Tande: bingo! De fato eu passei por lá. Foi, efetivamente, uma senhora noite. Abraços.
>Valeu Edu. Frequentei muito o RB qdo ainda não era casado pois minha esposa morava na Prof.Gabizo. Isso há uns cinco anos. Era um dos nossos “passeio de namorados” favoritos. Hoje moramos em São Cristóvão e quase sempre bebemos umas geladas na Tijuca. PS: Eu e a patroa estamos programando uma visita ao “Novo Joaquim” nesta sexta. Nos veremos por lá.ass.: Tande Biar.
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