E disse Luiz Antônio Simas, aqui, quando escreveu, com a discrição que lhe é peculiar, sobre nosso irmão paulista, Fernando Szegeri:
“Vem daí a conhecida hospitalidade do povo Yorubá, farta em gentilezas, bebidas, comidas e danças.”
Meu querido Simas foi, e é isso que é importante destacar, extremamente econômico, moderado, parco – eu diria – e modestíssimo.
O simples ato de misturar gentileza, bebida, comida e dança, dentro da mesma gamela da fartura, faz com que o leitor se distraia e não preste atenção num dos troços mais impressionantes do final de semana – principalmente para um tijucano confesso: a quantidade de comida oferecida pelo casal anfitrião.
Vamos aos fatos.
Ao chegar à casa de meus irmãos queridos, Szegeri e Stê, na sexta-feira passada no final da manhã, deparei-me com uma perna traseira de porco, o festejadíssimo presunto cru, inteira – vou repetir… inteira – sobre a pia da cozinha. Eu jamais havia visto coisa igual, só no cinema.

Tomado por uma alegria juvenil deslumbrada, perguntei:
– Posso cortar?
Szegeri, à moda de Xangô, como um trovão, gritou um não que fez tremer a Vila Romana.
Pequena pausa elucidativa: ao chegarem Bruno Ribeiro e Luiz Antônio Simas, o Szegeri foi um verdadeiro distribuidor de facas, dirigindo-se aos dois o tempo inteiro:
– Brunão, quer cortar uma fatia?
– Simas, vá fundo no lado esquerdo!
E fazia essas ofertas com um sorriso que eu, e apenas eu, percebia.
Mas o presunto cru, gigantesco – quero repetir – a próxima foto não engana -, era apenas um detalhe do farnel aparatoso.

Pepinos em conserva, lingüiças defumadas de variadas bitolas e temperos, tremoços portugueses, panceta de leitão, panceta defumada – para quem não sabe, a panceta é um embutido de porco que vem com o próprio couro, com toicinho e carne da barriga dentro, alimento salubérrimo, como se vê -, pães de enlouquecer um padeiro tijucano, queijos indescritíves no que diz repeito à quantidade, qualidade e variedade, e eu, acostumado à simplicidade carioca e à falta de dinheiro disponível para tantos arroubos gastronômicos – eu seria, vê-se, vaiado dentro de uma comunidade Yorubá – sofria de pequenos arremessos e falta de ar diante das etiquetas com códigos de barra e preços ofuscando minha visão zona-norte.
Eu não seria deselegante a ponto de dar o preço de cada produto. Mas o presunto cru, apenas o presunto cru, custou mais que minha ida e minha volta, de avião.
O Prata, por exemplo, quando deu de cara com a etiqueta pregada na ponta do osso do presunto, a arrancou e veio engatinhando em minha direção. Dizia, com as mãos trêmulas:
– Você viu isso? Você viu isso?

E os camarões?
Se lhes parecem pequenos, ou mesmo médios, ou ainda grandinhos – este último adjetivo dito com ar de deboche – deve-se à minha incompetência como fotógrafo ou à qualidade tosca de minha câmera digital.
Quando retirados da geladeira pelo Szegeri, ainda crus, evidentemente, pareciam lagostas.
Foi quando o Szegeri, vendo o brilho nos meus olhos e a baba escorrendo da boca do Simas – que confessadamente devota ao camarão um amor que a mais nenhum alimento devota – deu uma de Flavinho – entenda aqui o porquê:
– Cem reais o quilo! Cem reais!
Quando ele disse “cem reais o quilo”, é preciso ser preciso do início ao fim, houve um silêncio na cozinha. Não exatamente pelo choque – que foi evidente e coletivo. Mas porque as pessoas estudavam, mudas, a melhor posição para o ataque aos crustáceos.
E eis que chega o domingo.
Chega o domingo e há, no rosto de cada um, uma tristeza carimbada.
Mas o Szegeri não deixa pedra sobre pedra.
O Prata disse, assim que levantou:
– Hoje é o enterro dos ossos? – perguntou referindo-se a uma cerimônia típica na Tijuca, na qual os convidados acabam com o resto da comida da véspera.
O Pompa, nosso bom Szegeri, riu.
Riu, fez festinha na vasta cabeleira do Prata, e disse algo que ninguém compreendeu, mas que foi:
– Ah, essa escumalha carioca…
Estalou os dedos e deu-se a mágica.

Em questão de segundos Capitão Leo Gola – o maior e melhor churrasqueiro do mundo – comandava a churrasqueira da casa vermelha para delírios dos presentes.
Eu digo delírios dos presentes tijucanos de alma, nos quais o Prata, apesar de morar em Botafogo, se inclui.
Jamais vimos – a impressão foi unânime – tantas carnes e tão variadas.
Tanto que ontem, no final do dia, enquanto comemorávamos entre amigos o aniversário do querido Mussa – que faz anos hoje e para quem ergo o copo cheio diante do balcão imaginário – o Rodrigo Folha Seca, esse poço artesiano de ternura, abriu a mochila e de lá tirou uma peça inteira de picanha argentina maturada que estendeu sobre um papel laminado cuidadosamente forrando o balcão.
Para espanto dos presentes, fatiou a carne como se fosse um carpaccio, e disse, oferecendo o primeiro pedaço ao aniversariante:
– Roubei da casa do Szegeri!
Até.
>No quesito precisão, meu mano Galo está para os cronistas como um Omega para os relógios suíços.
>E tem gente que ainda se mata por festas onde são servidos canapés…Vai entender.
>Estou sem comer até o presente momento. E lá se vão quatro dias!
>Os camarões, deuses meus; os camarões!!!!!!
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