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Estávamos os três, então, jogando conversa fora, quando deu-se a primeira surpresa da noite.
Chega, esbaforido e suadíssimo, o Leo Boechat, a quem chamamos – diz-se que por causa de seu guarda-roupas de antiquário – Bemoreira. Trazia nas mãos um pratinho embrulhado num desses papelões cor-de-rosa, através do qual notava-se seis marcas evidentes de gordura, com um delicado laço de barbante em volta.
– A Dani está aí? – disse enxugando a testa com o antebraço do braço direito, cuja mão segurava o pratinho, num espetáculo pendular esplendoroso.
– Acabou de sair! – respondeu o Rodrigo.
A resposta, a ausência inesperada da namorada, transformaram a feição do pobre Bemoreira numa máscara, num simulacro.
E ainda com a bandejinha pendurada pelo laço do barbante, disse, tristíssimo:
– Querem empada? – para então pousar, sobre o balcão da livraria, a bandeja.
Ficamos ali comendo as empadas – deliciosas, diga-se -, o tempo foi passando, até que eu fiz o convite:
– Vamos ver o jogo lá em casa?
Betinha disse que sim, Rodrigo justificou a negativa com a sagrada pelada das quartas-feiras, e o estático Bemoreira, ainda se refazendo do choque, e com a boca cheia de empada – ele preferiu a de palmito – perguntou:
– Que jogo?
Foi o Rodrigo, limpando o rosto, quem respondeu:
– Grêmio e Boca.
– Na sua casa? – dirigindo-se a mim.
– Arrã…
Contraiu-se o rosto do Bemoreira. Sua testa parecia um varal de vincos. E veio a pergunta:
– Na Tijuca?
– Arrã.
– Vamos.
Ele disse “vamos” mas era, visivelmente, um ser contrariado.
Ainda paramos na Toca do Baiacu, buteco ao lado da livraria, bebemos uma, duas garrafas de cerveja e eu propus:
– Vamos?
A Betinha disse que sim. E o aflito:
– Pra Tijuca?
– Qual o problema, porra? – eu disse, já de pé.
– Nada, nada… Vamos… – respondeu desolado.
Tomamos o táxi e ao chegarmos em casa, o espetáculo patético.
Bemoreira, já levemente alcoolizado (bebera pouco, é verdade, mas sua resistência é a de um bebê), pôs-se a andar de gatinhas pelo apartamento farejando cada almofada, cada centímetro quadrado do piso, cada planta, cada pé de cadeira e mesa, cada cômodo, até que disse maravilhado:
– Mas seu apartamento é direitinho, hein!
– Nem parece que é na Tijuca!
– Estou impressionado!
Como se aproximava a hora do jogo, sugeri que pedíssemos comida japonesa.
– Tem japonês na Tijuca?
Jantamos – eis a triste verdade – ouvindo barbaridades do mesmo gênero da lavra do Bemoreira, um morador do bairro de Botafogo.
E assistimos ao jogo – eis aí outra surpresa da noite – na companhia agradabilíssima de Candinha, de Luiz Antonio Simas e do Mussa. Os três, que desde o meio-dia bebiam na Pedra do Sal, fecharam a noite – eis a ironia que choca-se com o deslumbramento incompreensível do Bemoreira – na Tijuca.
Até.
>Calúnia pouca é bobagem! Pepperoni, diga alguma coisa!
>Bemoreira, conhecendo meu irmão Edu Galo como conheço, nem adianta tentar. Sabedor da impossibilidade absoluta da mais ínfima imprecisão – na menor das dúvidas, ele se cala! – posso ver-vos rastejando e farejando como um canino. Cena deprimente. Falasse o Pepperoni, sua desmoralização seria irrecuperável.
>Salve a Tijuca, salve o Andaraí, salve a Aldeia Campista, salve a Vila Isabel e salve meu cantinho sagrado na zona norte, o Grajaú.
>Sou testemunha! “Seu apartamento é direitinho, hein!”, em tom de surpresa, foi a exata reação do Léo após “vistoriar” os cômodos. O Edu não mente!
>Betinha, você também vai corroborar toda essa calúnia de que algum comentário foi feito em relação à Tijuca? Só Pepperoni salva!Claro que eu sei que aqui no Buteco só me resta assumir qualquer “verdade” do Edu.Mas o apartamento é “direitinho” mesmo e a hospitalidade excelente. Vale o preço de ser difamado no dia seguinte.
>Li um texto teu no Boteco do Tulípio que me trouxe até aqui. Li bastante por aqui e gostei do termo bares-de-merda. Posso usar por aí? Abração.
>Mano velho, você foi elegante ao não relatar o sufoco do Bemoreira no banheiro. Beijo