Há, em mim, constantemente, e mais em abril do que em qualquer outro mês, uma permanente gana de dizer o que já foi dito, de escrever o que já foi escrito, de inventar o que já está inventado há dezenas, centenas, milhares de abris.
Vai daí que vasculhando arquivos bati de cara com essa foto que fiz em junho de 2005 em Amsterdam. Lá, para assombro da vendedora, danei da cantar uma canção que gostaria de ter composto, dizendo o que eu gostaria de ter dito primeiro, o que gostaria de ter escrito antes, o que já estava inventado pelo Aldir (sobre canção lancinante do Guinga) que, como diz a Ju, tem a mania de falar por todos nós.
“Meu catavento tem dentro
o que há do lado de fora do teu girassol
Entre o escancaro e o contido
eu te pedi sustenido
e você riu bemol.
Você só pensa no espaço
Eu exigi duração
Eu sou um gato de subúrbio
Você é litorânea
Quando eu respeito os sinais
vejo você de patins
vindo na contra-mão
Mas quando ataco de macho
você se faz de capacho
e não quer confusão
Nenhum dos dois se entrega
nós não ouvimos conselho:
Eu sou você que se vai
no sumidouro do espelho
Eu sou do Engenho de Dentro
e você vive no vento do Arpoador
Eu tenho um jeito arredio
e você é expansiva
(o inseto e a flor)
Um torce pra Mia Farrow
o outro é Woody Allen…
Quando assovio uma seresta
Você dança, havaiana…
Eu vou de tênis e jeans
encontro você demais:
Scarpin, soirée
Quando o pau quebra na esquina
´cê ataca de fina
e me oferece em inglês:
É fuck you, bate-bronha!
E ninguém mete o bedelho:
Você sou eu que me vou
no sumidouro do espelho
A paz é feita no motel
de alma lavada e passada
pra descobrir logo depois
que não serviu pra nada
Nos dias de carnaval
aumentam os desenganos:
Você vai pra Parati
e eu pro Cacique de Ramos
Meu catavento tem dentro
o vento escancarado do Arpoador
Teu girassol tem de fora
o escondido do Engenho de Dentro da flor
Eu sinto muita saudade
você é contemporânea
Eu penso em tudo quanto faço
você é tão espontânea!
Sei que um depende do outro
só pra ser diferente
pra se completar
Sei que um se afasta do outro
no sufoco somente pra se aproximar
´cê tem um jeito verde de ser
e eu sou meio vermelho
Mas os dois juntos se vão
No sumidouro do espelho.”
Acabei de ouvi-la, mais uma vez.
E é rigorosamente minha a canção, a letra, hoje mais do que nunca. E deu-me vontades olímpicas de dar os girassóis de presente. Esses girassóis. Os da foto. Colhê-los no jardim impossível e levá-los por aí, dando a quem os merece.
Ô, abril, que não termina!
Até.
>Recebo com um soco no estômago a canção cantada não por ela mas por ele mesmo, no rouco da voz de encarnações, e ficam nas conchas dos ouvidos soando repetidamente as sílabas que são minhas (desculpe-me, meu caro, essas foram escritas por mim), “eu tenho muita saudade”, e ainda aturdida, outonada, leio o poema do meu amigo meu rei (teu Otto) escrito pra filha do homem, ela que herdou do pai a tristeza da palavra, e então, pra sobreviver, roubo, intrometida que sou, os girassóis, e os ponho em cima da minha mesa no meio do meu dia pra ensolarar a manhã fria e feia na cidade feia e fria nesse abril que, de fato, não acaba. Obrigada.
>EDU VC EH UMA DAS PESSOAS MAIS BONITAS QUE EU (AINDA NÃO) CONHEÇO.
>Que música linda! Quem canta?E as flores, bonitas demais… não fossem elas amarelas. Se todo o Abril fosse repleto de Girassóis, eu não me importava que durasse mais um pouco 🙂
>JU: espero que os girassóis, em tua mesa, tenham resolvido o problema da frieza da manhã. Somos irmãos em manhãs frias, veja você. Desde segunda-feira que o Rio está mais nublado que eu em abril!INÊS: é Leila Pinheiro, que dedicou um CD inteiro (que leva esse nome, “Catavento e Girassol) à obra do Guinga com letras do Aldir. Um tesouro. Vou ver se mando aos poucos pra você, tá? E faz feito a Ju, então. Rouba esses girassóis pra você, divide com ela.
>Música é comigo!A minha caixa de correio espera ANSIOSAMENTE esse novo tesouro.Quanto ‘as flores, Ju podemos dividir? 🙂
>POSSO OUSAR QUERER DIVIDIR AS FLORES? TAMBÉM QUERO. BJOKA.
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